O Globo
O que a gente pensa e deseja passa a ser a
chave do juízo que faremos, na política e nas atividades sociais, de nós mesmos
e dos outros
Está certo. Os caminhoneiros devem estar
precisando mais do que os produtores de cultura. O Banco do Brasil reservou 8
bilhões de reais para suas necessidades, enquanto o presidente vetava o
projeto, já aprovado no Congresso, que destinava metade desse valor aos
produtores de cultura através da Lei Paulo Gustavo. Fausto Ribeiro, presidente
do BB, anunciou que o banco e o governo estão “de braços abertos para todos os
caminhoneiros”.
Numa democracia de verdade, um líder é
sempre escolhido pela população para comandar a nação, atendendo às
necessidades de todos os seus filhos, sem discriminação. Uma vez eleito, ele
deve se tornar de todos, sem partido ou grupo social. Esse cara, num regime como
o nosso, é o presidente da República. Ou seja, o capitão Bolsonaro.
Mas o capitão não gosta da gente, não quer
saber de escritores, músicos, poetas, artistas de nenhuma especialidade, tem
horror fóbico a quem mexe com essas coisas. Ele talvez tenha até uma certa
razão – artistas estão sempre levantando problemas da nação e do povo da nação,
como se coubesse a eles vigiar o que anda acontecendo de errado, anunciar o que
precisa ser mudado, lutar por essas causas. Já o caminhoneiro pode ser
corajoso, discordar e lutar contra o que não acha correto, mas na maioria dos
casos está na cabine de seu caminhão, cantarolando com o rádio um trecho
qualquer de Marília Mendonça.
Vi, essa semana, o magnífico documentário
de Belisário Franca sobre Fernando Henrique Cardoso, sua eleição à presidência
e os primeiros anos de governo. No documentário, “O presidente improvável”, FHC
diz algo fundamental, um conceito que é a cara dele: “Não é verdade que a
política seja a arte do possível; ela é, sim, a arte de tornar possível o que a
gente pensa”. FHC estava certo. O que a gente pensa e deseja passa a ser
portanto a chave do juízo que faremos, na política e nas atividades sociais, de
nós mesmos e dos outros. Mesmo que nosso julgamento não seja tão objetivo.