sexta-feira, 14 de julho de 2023

Luiz Carlos Azedo - “A cortina que encobre as escolas cívico-militares”

Correio Braziliense

A criação dessas instituições com objetivos civis pelo ex-presidente Jair Bolsonaro não passa de uma tentativa de encobrir a realidade social de nossas crianças e adolescentes

Autor de A Insustentável Leveza do Ser, o escritor tcheco Milan Kundera, que morreu quarta-feira, em Paris, aos 94 anos, foi também um notável ensaísta, com três livros sobre literatura, um dos quais inspira esta coluna: A Cortina (Companhia das Letras), ensaio em sete partes. Kundera mostra as dificuldades de reconhecimento de um bom autor que escreve numa língua singular, como o tcheco. A Brincadeira, seu primeiro romance, que encantou o escritor francês Louis Aragon, foi publicado na antiga Tchecoslováquia, em 1967, durante a abertura ideológica que antecedeu a Primavera de Praga.

Duas vezes expulso do Partido Comunista, em 1950 e 1970, após exilar-se na França, Kundera decidiu escrever em francês. Não permitia, porém, que nenhuma outra pessoa traduzisse seus livros para o tcheco. Seu último romance, A Festa da Insignificância, que relata as peripécias de quatro amigos que vivem em Paris, foi lançado em 2014 e rompeu um silêncio de 14 anos. Nas três últimas décadas, recusou-se a dar entrevistas. Também proibiu que suas obras fossem adaptadas para o cinema, após o sucesso cinematográfico A Insustentável Leveza do Ser, sob a direção de Philip Kaufman, com Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche e Lena Olin no elenco.

Vera Magalhães - Duas bolas fora que atiçam o bolsonarismo

O Globo

Fala de Barroso em congresso e forma de comunicar fim de escolas cívico-militares são exemplos de como dar sobrevida ao discurso de aliados do ex-presidente

Vencer o bolsonarismo não é uma tarefa simples, não é algo que diga respeito a apenas um Poder ou uma instituição e requer inteligência e compreensão da panela de pressão que ainda está sobre a chama alta na sociedade.

Nesse sentido, a declaração injustificável do ministro Luís Roberto Barroso num congresso da UNE, no qual ele nem sequer deveria estar discursando, e a forma como o governo Lula anunciou o fim do projeto de escolas cívico-militares podem até parecer eventos sem nenhuma correlação, mas são dois exemplos, num curto espaço de tempo, de como aumentar a pressão da panela, em vez de destampá-la.

Barroso já havia se enrolado na própria língua quando, em abril do ano passado, poucos meses depois de ter deixado a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, disse em uma videoconferência a uma universidade alemã que as Forças Armadas estavam sendo “orientadas” a desacreditar o processo eleitoral brasileiro.

Foi um bafafá — e contribuiu para acirrar as relações entre os militares e o TSE, que, paradoxalmente, enquanto ocupou o comando da Justiça Eleitoral, o próprio ministro tentou de todas as formas distensionar.

A fala de agora é mil vezes pior, porque abre uma avenida para toda sorte de teorias conspiratórias de que o STF e o TSE teriam agido de forma política para derrotar Bolsonaro. Sua nota não melhora em nada a situação, pois não é uma retratação pública total, e sim uma reformulação do raciocínio que nunca poderia ter sido proferido por ele, e que ainda associa eleitores do ex-presidente ao “extremismo golpista”.

Flávia Oliveira - Crianças que morrem

O Globo

Há algo muito errado numa sociedade que não se insurge contra o futuro abatido a tiros

Adijailma de Azevedo Costa enterrou Dijalma de Azevedo Clemente, seu primogênito de 11 anos, ontem, dia em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 33 anos. O ECA é tido como marco legal dos direitos humanos de meninas e meninos brasileiros, um conjunto de normas jurídicas para protegê-los. É bem-vindo. É importante. É necessário. Mas um arcabouço legal falha miseravelmente quando a política pública de segurança viola de forma recorrente o direito à vida, primeiro e fundamental.

Antes do menino de Maricá, fuzilado de mãos dadas com a mãe, a caminho da escola, Terezinha enterrara Eduardo de Jesus, aos 10, em 2015; Bruna, Marcos Vinícius da Silva, aos 14, em 2018; Vanessa, Ágatha Félix, aos 8, em 2019; Rafaela, João Pedro Matos Pinto, aos 14, em 2020; Ana Lúcia e Renata, as primas Emily Vitória da Silva, aos 4, e Rebecca Beatriz Rodrigues Santos, aos 7, no mesmo ano. Foram todos casos emblemáticos a confirmar que o assassinato de crianças no Rio por ferimento à bala não é crime fortuito, mas costumeiro.

Reinaldo Azevedo – Governo Lula à luz de 'Os Lusíadas'

Folha de S. Paulo

Em ciências sociais, como é a economia, as escolhas ideológicas viram matemática

Não sei se me preocupo ou suspiro aliviado, mas o fato é que voltou a circular a Teoria da Sorte para justificar os erros de prognósticos sobre o governo Lula feitos por analistas —alguns deles vazados naquele fatalismo trágico e pouco emocionado, assim como a folha seca de Didi, que inicia a sua trajetória descendente, desprezando a curva da parábola e desgraçando a vida do goleiro. Pelo visto, nada do que já não foi também não será... "O presidente tem sorte!" Nem por isso cessarão as antevisões catastrofistas...

Quando professor, gostava especialmente das aulas sobre "Os Lusíadas". No Canto IV, há o tal episódio do Velho do Restelo. Ele aparece para advertir os portugueses sobre os desacertos e contratempos que virão em razão de sua ambição. Simbolicamente, Idade Média e Renascimento se confrontam ali. Ganhar o mundo ou ficar preso ao que já se sabe? Ousar o novo ou reiterar o consagrado? Com alguma sorte, leitores hão de ter alguns ecos ainda na memória das advertências que fez o ancião a Vasco da Gama e aos seus: "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça/ Desta vaidade, a quem chamamos Fama!/ Ó fraudulento gosto, que se atiça/ C’uma aura popular, que honra se chama!/ Que castigo tamanho e que justiça/ Fazes no peito vão que muito te ama!/ Que mortes, que perigos, que tormentas,/ Que crueldades neles experimentas!"

Hélio Schwartsman – Desmilitarizar as escolas

Folha de S. Paulo

Instituições funcionam melhor com disciplina, mas ela não deve ser imposta a ferro e fogo

Foram as escolas cívico-militares que me puseram a favor da possibilidade de ensino domiciliar. A perspectiva de um futuro sombrio, em que seríamos governados por Eduardo Bolsonaro e no qual todas as escolas seriam militarizadas, me fez ver com bons olhos a existência de uma saída legal para que os netos que ainda não tenho jamais fossem obrigados a pisar numa instituição dessas.

É certo que escolas funcionam melhor quando há um pouco de disciplina, mas daí não decorre que ela deva ser imposta a ferro e fogo e acompanhada de continências, fardas, ordens unidas e exibições deprimentes de nacionalismo. Um bom diretor civil é em tese capaz de manter as rotinas necessárias ao aprendizado. No mais, jovens precisam ter algum espaço para experimentar e até transgredir. Faz parte do crescimento.

Bruno Boghossian - Barroso tropeçou na língua

Folha de S. Paulo

Ministros deveriam, no mínimo, evitar espaços com alta voltagem política e proteger juízos de tintas partidárias

Era setembro de 2015, e o governo Dilma Rousseff caía pelas tabelas. Depois de participar de um seminário na Fiesp, o ministro Gilmar Mendes prenunciou o fim do ciclo do PT. Ele disse que o partido tinha o objetivo de "se eternizar no poder" e insinuou que o plano seria interrompido. "O que atrapalhou? A Lava Jato. A Lava Jato estragou tudo", declarou.

O impeachment de Dilma ocorreria no ano seguinte, num processo com as marcas da Lava Jato (que divulgou escutas ilegais da então presidente), da Fiesp (que bancou protestos contra a petista) e do próprio ministro (que impediu a posse de Lula como chefe da Casa Civil).

Vinicius Torres Freire - Os novos donos do capital no Brasil

Folha de S. Paulo

J&F tenta comprar petroquímica e dá outro exemplo da expansão do agro para o topo

A J&F quer comprar praticamente a metade da petroquímica Braskem. Quem não acompanha o mundo das empresas talvez não se dê conta do tamanho do negócio ou reaja à notícia com desinteresse entediado.

A transação pode ser mais um exemplo de como tem se desenvolvido o grande capital no Brasil e quem são seus novos donos. Trata-se mais uma história de uma empresa do "agro" se expandindo para outras frentes. Quando alguém falar em montadoras de veículos, convém lembrar que entre as maiores companhias do país estão negócios que se criaram a partir da cana de açúcar e da carne. Soja, milho e trigo vêm aí.

Francisco Góes* - Castro e o predomínio da política pragmática

Valor Econômico

Na quinta-feira (6), enquanto o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), era hostilizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em reunião do PL, em Brasília, o governador do Rio, Cláudio Castro, cumpriu agenda em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o segundo maior colégio eleitoral do Estado do Rio, atrás da capital. Castro, que como o ex-presidente da República integra as fileiras do PL, havia estado em Brasília nos dias prévios à votação da reforma tributária em esforço dos governadores para influir no texto. No dia do encontro do PL em que Bolsonaro confrontou Tarcísio pelo apoio à reforma, Castro já havia voltado ao Rio e participou, em Xerém, distrito de Caxias, de um ato que marcou o começo da construção de uma estação de tratamento de água da Cedae, a estatal de água e esgoto, que deve beneficiar 450 mil pessoas.

Na sexta-feira (7), Castro classificou a reforma como uma “grande janela de oportunidades” para o Estado do Rio corrigir problemas históricos e voltar a ter uma relação financeira melhor com o Brasil. Cálculos do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda de Estados (Comsefaz) indicam que o Rio pode ganhar R$ 6,5 bilhões a mais em receitas apenas com a mudança da tributação da origem para o destino. Embora ainda se considere aliado de Bolsonaro, Castro vem imprimindo personalidade própria à administração, baseada menos no voto ideológico, uma marca do bolsonarismo, e mais na relação direta com prefeitos e vereadores nos diferentes territórios do Estado do Rio.

José de Souza Martins* - USP entre as cem melhores universidades do mundo

Eu & / Valor Econômico

Desde o começo o objetivo da universidade foi dar oportunidade a quem tivesse vontade, discernimento e vocação para o saber sem distinção de classe, cor, religião

A divulgação dos resultados de avaliação de 1.499 universidades, do índice de 2024, feita pela reputada instituição inglesa QS World University Ranking, coloca a Universidade de São Paulo entre as cem melhores instituições do mundo. Ela saltou 30 pontos em relação ao ano passado e ultrapassou as reputadas Universidade Nacional Autónoma do México e Universidade de Buenos Aires como a melhor da América Latina.

A colocação da USP nos índices internacionais de avaliação vem crescendo regularmente. Os índices de reputação internacional de várias universidades brasileiras também vêm crescendo, o que reflete o empenho de seus pesquisadores e docentes no sentido de aprimorar o ensino e a pesquisa. Essas avaliações levam em conta critérios rigorosos quanto a diferentes âmbitos de desempenho dos pesquisadores e dos respectivos institutos.

Eliane Cantanhêde - Dança das cadeiras no ministério

O Estado de S. Paulo

Lula ainda não definiu quais ministérios, mas já escolheu os novos ministros

Depois de decidir dar um ministério para o PP e outro para o Republicanos, o presidente Lula já definiu até os nomes, os dos deputados André Fufuca (PPMA) e Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE). Em que pastas? Ninguém sabe, nem Lula, que tenta unir o útil ao agradável. Os dois são indicações dos seus partidos, mas “Silvinho” é filho de um ex-deputado que vem da direita, mas virou lulista desde criancinha, e Fufuca é aliado do ministro Flávio Dino no Maranhão.

Se dois entram, dois têm de sair, certo? E, para abrir as vagas para o Centrão, serão sacrificados atuais ministros do PT, do PSB ou do PCdoB, todos de esquerda e passíveis de adaptar ao novo governo a máxima do general Eduardo Pazuello para Jair Bolsonaro: “Um manda, o outro obedece”.

Marcelo de Azevedo Granato* - A tomada da consciência

O Estado de S. Paulo

Há quem aposte na melhora da economia ou nos reflexos do julgamento dos atos de 8/1 para contrastar o assalto à mente e à autodeterminação das pessoas. Aposta incerta

Pesquisa do Ipec divulgada em março pelo jornal O Globo revela que 44% da população concorda total ou parcialmente com a frase “o Brasil corre o risco de virar um país comunista”. Um pouco antes, em fevereiro deste ano, os repórteres Renata Cafardo e Tiago Queiroz, do Estadão, foram alvo de agressões e insultos enquanto cobriam a tragédia climática que desalojou e matou dezenas de pessoas no litoral norte de São Paulo, durante o carnaval. Foram tachados de “comunistas e esquerdistas” por bolsonaristas num condomínio de luxo de Maresias.

Não há como saber o que os entrevistados pelo Ipec ou os agressores dos repórteres entendem por comunismo. Certo é que, sob qualquer ponto de vista razoável e realista, a hipótese é uma miragem. Porém, mais intrigante do que a concepção dos entrevistados e dos agressores sobre o comunismo é o fato de parte deles acreditar genuinamente nessa ameaça e protestar incansavelmente contra ela, solicitando, inclusive, a ajuda do ex-presidente, como se viu em faixas de manifestantes em Brasília (“Bolsonaro, salve-nos do comunismo”).

Simon Schwartzman* - A arte da política econômica

O Estado de S. Paulo

É interessante comparar o relativo sucesso das políticas econômicas com as dificuldades da área da educação

Talvez não seja só coincidência que, pouco antes da aprovação da reforma tributária pelo Congresso, o Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças – tenha publicado A Arte da Política Econômica (Selo Real / Intrínseca, 2023), livro com depoimentos de 30 pessoas, quase todas economistas que, sobretudo a partir do Plano Real, contribuíram para o esforço de organizar a economia, criar instituições sólidas e implementar políticas públicas mais efetivas no Brasil, nem todas bem sucedidas. Os depoimentos estão agrupados em cinco temas, começando pela estabilidade econômica (incluindo os de Edmar Bacha e Pérsio Arida), gestão de crises (Pedro Parente e outros), reformas microeconômicas (Marcos Lisboa e outros), experiências estaduais (Paulo Hartung e outros) e reformas inconclusas, entre as quais a reforma tributária, com Bernard Appy.

Lendo o depoimento de Appy, fica claro que, para uma reforma desta monta ser aprovada, é preciso ao menos três condições: competência técnica na análise do problema e formulação de alternativas; entendimento claro dos interesses que a reforma pode contrariar, negociando e criando mecanismos para reduzir as resistências; e decisão política para que elas sejam efetivadas. Ao final do governo Bolsonaro, a proposta estava pronta, o trabalho de costura política com o Congresso, bem avançado, e só faltava que o governo desse apoio. Appy conclui seu depoimento de 2022 dizendo que, “se a reforma tributária não for aprovada neste governo, está pronta para ser aprovada no próximo”, como de fato está ocorrendo.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Redução da desigualdade na educação deve ser premiada

Valor Econômico

MEC põe em debate regra que premia municípios que conseguem diminuir desigualdades socioeconômica e racial

Em dezembro de 2020, a Câmara dos Deputados aprovou o que ficou sendo chamado de o novo Fundeb. O Fundeb é o fundo formado por uma fatia da arrecadação de Estados e municípios para custear a educação básica no país - que abarca educação infantil, ensino fundamental e médio. A União aporta recursos complementares. A lei inovou em um ponto que, na época, gerou divergências: premiar quem vai melhor. Três anos depois, esse tema alimenta novamente debate entre especialistas em educação e entidades do setor que vêm sendo ouvidas pelo Ministério da Educação (MEC).

Pela regra aprovada em 2020, uma parcela dos recursos do novo Fundeb passaria a ser repassada apenas a municípios que cumprissem cinco exigências. Essa parcela de recursos começou a ser repassada este ano. O mecanismo tem o nome de Valor Aluno Ano por Resultados (VAAR). Neste primeiro ano, o valor repasssado é de R$ 1,7 bilhão e até 2026 deverá chegar a quase R$ 6 bilhões.

Poesia | Charles Baudelaire - A que está sempre alegre

 

Música | Noite Ilustrada - Volta por cima (Paulo Vanzolini