• Reuniões de fórum criado pelo governo para discutir o tema foram suspensas
Geralda Doca - O Globo
A reforma da Previdência, apontada por especialistas como prioritária para as contas públicas, foi colocada em segundo plano pelo governo. Na semana passada, o secretário especial do Trabalho, José Lopez Feijó, enviou uma carta às centrais sindicais, informando que todas as reuniões do fórum criado pelo Executivo para discutir o tema estão suspensas. No texto, Feijó alega que motivo é o “processo de transição” oriundo da reforma ministerial, e agradece a compreensão.
O assunto foi discutido na quinta-feira à noite em uma ampla reunião no Palácio do Planalto, com os ministros das áreas envolvidas; o chefe da Casa Civil, ministro Jaques Wagner; e a presidente Dilma Rousseff. Segundo um interlocutor, o governo não tem ainda um modelo definido, e, por isso, a reforma só deverá ser tocada no próximo ano.
As maiores centrais (Força Sindical, CUT e UGT) não concordam com a fixação de uma idade mínima e não escondem o desinteresse pelo fórum. A medida é considerada fundamental para fazer com que os trabalhadores adiem o pedido de aposentadoria e, com isso, ajudem a elevar o tempo de contribuição e a arrecadação para a Previdência. Os dirigentes sindicais confidenciam que ouviram do ministro do Trabalho e Previdência, Miguel Rossetto, que ele também tem opinião contrária à fixação da idade.
— O fórum está praticamente parado. Até agora, o governo não apresentou nenhuma proposta para a Previdência. Foi pela imprensa que ficamos sabemos da ideia de fixar idade mínima, e nós não concordamos. Já falamos com o ministro Rossetto, e ele nos disse de forma reservada que também não concorda — disse João Inocentini, presidente licenciado do Sindicato Nacional dos Aposentados, ligado à Força Sindical. — Não vejo problema em sairmos do fórum. Até porque achamos que as mudanças no fator previdenciário melhoram as contas da Previdência.
O Brasil é um dos poucos países que não exigem idade mínima para se aposentar, apenas tempo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 anos para homens). Com isso, as pessoas se aposentam cedo — a idade média ao requerer o benefício é de 54 anos. Isso torna o sistema insustentável, diante das mudanças na demografia, com o envelhecimento da população e cada vez menos trabalhadores ativos para sustentar os aposentados.
Para o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Caetano, quanto mais o governo adiar o enfrentamento do problema, mais dura terá que ser a reforma, afetando ainda mais os trabalhadores que já estão no mercado e prestes a se aposentar. Haverá cada vez menos possibilidades de regras de transição, explicou.
— É como uma casa com problemas. É melhor prevenir e fazer a reforma, ou esperar a casa cair? — comparou Caetano.
Em 2016, os gastos ficarão na casa de meio milhão de reais e sem receitas suficientes; o déficit está estimado em quase R$ 125 bilhões. Significa que o governo deixará de investir em áreas prioritárias, como Saúde e Educação, para cobrir o rombo, que já está em trajetória explosiva.
O presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, disse que as entidades querem discutir com o governo medidas para estimular o retorno do crescimento da economia e da geração de empregos. Ele destacou que as três centrais estão buscando apoio dos empresários e vão se reunir em São Paulo no início de dezembro, para fechar um conjunto de propostas que será levado ao governo.
— Estamos correndo por fora. A nossa preocupação não é a Previdência, é com os empregos. Não podemos assistir à crise de braços cruzados — destacou.
— Nosso entendimento é que a reforma da Previdência não é prioritária. Sabemos que temos problemas, mas essa discussão não pode ser goela abaixo, no afogadilho, sem compreensão — completou o secretário geral da CUT, Sérgio Nobre.
Ministérios têm propostas divergentes para o tema
• Fixação imediata da idade mínima é um dos pontos de discórdia
As áreas do governo envolvidas com a questão da Previdência não se entendem. Cada uma tem a sua proposta, como definiu uma fonte ligada às discussões. Enquanto o Ministério da Fazenda insiste na fixação de uma idade mínima gradual em torno de 65 anos para todos os trabalhadores, o da Previdência, segundo fontes, quer que a medida valha só para quem ainda for ingressar no mercado de trabalho — o que faria com que os efeitos nas contas públicas demorem mais de 30 anos.
Já no Ministério do Planejamento, ganha força a ideia de aprimorar a regra do fator 8595 (que será gradual até atingir 90/100), mas como uma forma de acesso à aposentadoria, e não apenas como forma de cálculo, como acontece hoje.
Se essa proposta for aprovada pelo Congresso, os trabalhadores serão obrigados a completar 85/95 para pedir a aposentadoria (a soma da idade e do tempo de contribuição no caso das mulheres precisaria chegar a 85 anos; no caso dos homens, a 95 anos).
Hoje, quem atinge o tempo de contribuição (30 anos no caso das mulheres e 35 anos no dos homens) pode se aposentar, com um benefício menor. Uma mulher que começou a trabalhar aos 16 anos, por exemplo, pode requerer o beneficio aos 46. Pela nova regra, que já está valendo, se ela adiar a aposentadoria por mais cinco anos, por exemplo, poderá receber o benefício integral. A ideia do Planejamento é que os 85 pontos seriam obrigatórios para simplesmente pedir o benefício, e não para recebê-lo de forma integral.
Consenso é meta distante
Embora seja necessário alterar a Constituição, os defensores da proposta creem que há a possibilidade de aprovar a mudança no Congresso, porque o princípio da fórmula do fator já está sacramentado. A avaliação é que a medida tem potencial para ganhar apoio dos sindicalistas e ajudaria a equilibrar as contas da Previdência, com a postergação da aposentadoria.
— Não vai ser fácil aprovar nenhuma proposta no Congresso. Mas o fator 85/95 já está consolidado — disse uma fonte do governo.
Segundo essa fonte, o governo tem convicção de que não obterá consenso no fórum. A intenção das áreas envolvidas é fechar a proposta, apresentá-la à presidente Dilma Rousseff e enviá-la ao Congresso. O texto com as mudanças nas regras será apresentado ao fórum, mas só sinalizará que o governo abriu a discussão. O fórum foi criado há quase sete meses; até agora, somente uma reunião foi realizada, com a presença de todos os ministros das áreas envolvidas.