domingo, 22 de novembro de 2015

Opinião do dia: Almir Pazzianotto

Em discurso no Palácio do Planalto em 29 de outubro de 2004, na apresentação do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo, o presidente Lula disse, em determinado momento: “Eu tinha um advogado chamado Almir Pazzianotto Pinto, que depois foi ministro do Trabalho, e eu vivia discutindo com ele o seguinte: olhe, eu não quero advogado para dizer o que eu tenho que fazer. Eu quero advogado para me livrar depois que eu fizer”. Até então as infrações atingiam a lei de greve, cujo rigor exigia ações ousadas, como as que se verificaram em 1978, 79 e 80. A mesma prática jamais traria bons resultados quando adotadas por presidente da República.
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Almir Pazzianotto Pinto, “Brasil 2016”, O Estado de S. Paulo, 21 novembro 2016

União freia contratos de convênios com Estados e municípios

João Pedro Pitombo, Gabriela Terenzi – Folha de S. Paulo

SALVADOR, SÃO PAULO - Um projeto de corredores de ônibus para Salvador está há pelo menos um ano na gaveta do Ministério das Cidades à espera de repasse de R$ 300 milhões da União.

A situação é semelhante em Estados e outros municípios. Além da queda na arrecadação e restrições para empréstimos, governadores e prefeitos também enfrentam torneiras fechadas nos repasses voluntários do governo federal.

Exemplo disso são os convênios -modalidade em que a União custeia a maior parte dos investimentos. Entre janeiro e outubro deste ano, o governo federal firmou 1.169 convênios com Estados e municípios, num valor global de R$ 1,9 bilhão.

A queda é de 88% em relação à média do mesmo período nos últimos quatro anos, que foi de R$ 16,3 bilhões.

Mesmo em 2011, também um primeiro ano de mandato para presidente e governadores, o cenário era bem diferente: foram assinados 3.553 novos convênios, orçados em R$ 17,4 bilhões.

A redução tem impacto direto nos investimentos. "É um cenário que atrapalha nosso planejamento. Temos obras que não saíram do papel e outras que tivemos que diminuir o ritmo", afirma o secretário da Casa Civil de Sergipe, Belivaldo Chagas.

O governo do Rio Grande do Sul informou que a execução de convênios com a União tem sido "abaixo da expectativa", com impacto, sobretudo, em obras de saneamento.

Para os municípios, o cenário pode representar um revés eleitoral: prefeitos estão sem recursos para obras que seriam vitrines de campanha.

A Folha apurou com secretários estaduais e municipais que o governo federal tem priorizado contratos em andamento. Neste ano, a União repassou R$ 10,3 bilhões, até setembro, em convênios firmados em 2015 e anos anteriores.

Contudo, secretários relatam "atrasos significativos" nos desembolsos dos recursos. Em Sergipe, por exemplo, o ritmo dos repasses para construção das adutoras Sertaneja e Itabaianinha é preocupante para o governo.

Em Salvador, a prefeitura aguarda o desembolso de um convênio de R$ 80 mil para a construção do novo Mercado Municipal de Itapuã, cuja obra já foi concluída.

Outro lado
A Folha ouviu três dos principais ministérios do governo federal sobre a queda no volume de convênios firmados em 2015.

A pasta da Integração Nacional informa que os repasses de recursos foram mantidos. Contudo, admite que tem priorizado o pagamento de convênios já celebrados "para evitar interrupção na execução dos empreendimentos em andamento".

A Saúde informou que tem firmado convênios apenas em situações excepcionais.

O Ministério das Cidades disse que "vive fase de ajuste necessário" e está trabalhando para manter todos os projetos contratados, ainda que em ritmo mais lento.

Governo deixa reforma da Previdência para o ano que vem

• Reuniões de fórum criado pelo governo para discutir o tema foram suspensas

Geralda Doca - O Globo

A reforma da Previdência, apontada por especialistas como prioritária para as contas públicas, foi colocada em segundo plano pelo governo. Na semana passada, o secretário especial do Trabalho, José Lopez Feijó, enviou uma carta às centrais sindicais, informando que todas as reuniões do fórum criado pelo Executivo para discutir o tema estão suspensas. No texto, Feijó alega que motivo é o “processo de transição” oriundo da reforma ministerial, e agradece a compreensão.

O assunto foi discutido na quinta-feira à noite em uma ampla reunião no Palácio do Planalto, com os ministros das áreas envolvidas; o chefe da Casa Civil, ministro Jaques Wagner; e a presidente Dilma Rousseff. Segundo um interlocutor, o governo não tem ainda um modelo definido, e, por isso, a reforma só deverá ser tocada no próximo ano.

As maiores centrais (Força Sindical, CUT e UGT) não concordam com a fixação de uma idade mínima e não escondem o desinteresse pelo fórum. A medida é considerada fundamental para fazer com que os trabalhadores adiem o pedido de aposentadoria e, com isso, ajudem a elevar o tempo de contribuição e a arrecadação para a Previdência. Os dirigentes sindicais confidenciam que ouviram do ministro do Trabalho e Previdência, Miguel Rossetto, que ele também tem opinião contrária à fixação da idade.

— O fórum está praticamente parado. Até agora, o governo não apresentou nenhuma proposta para a Previdência. Foi pela imprensa que ficamos sabemos da ideia de fixar idade mínima, e nós não concordamos. Já falamos com o ministro Rossetto, e ele nos disse de forma reservada que também não concorda — disse João Inocentini, presidente licenciado do Sindicato Nacional dos Aposentados, ligado à Força Sindical. — Não vejo problema em sairmos do fórum. Até porque achamos que as mudanças no fator previdenciário melhoram as contas da Previdência.

O Brasil é um dos poucos países que não exigem idade mínima para se aposentar, apenas tempo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 anos para homens). Com isso, as pessoas se aposentam cedo — a idade média ao requerer o benefício é de 54 anos. Isso torna o sistema insustentável, diante das mudanças na demografia, com o envelhecimento da população e cada vez menos trabalhadores ativos para sustentar os aposentados.

Para o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Caetano, quanto mais o governo adiar o enfrentamento do problema, mais dura terá que ser a reforma, afetando ainda mais os trabalhadores que já estão no mercado e prestes a se aposentar. Haverá cada vez menos possibilidades de regras de transição, explicou.

— É como uma casa com problemas. É melhor prevenir e fazer a reforma, ou esperar a casa cair? — comparou Caetano.

Em 2016, os gastos ficarão na casa de meio milhão de reais e sem receitas suficientes; o déficit está estimado em quase R$ 125 bilhões. Significa que o governo deixará de investir em áreas prioritárias, como Saúde e Educação, para cobrir o rombo, que já está em trajetória explosiva.

O presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, disse que as entidades querem discutir com o governo medidas para estimular o retorno do crescimento da economia e da geração de empregos. Ele destacou que as três centrais estão buscando apoio dos empresários e vão se reunir em São Paulo no início de dezembro, para fechar um conjunto de propostas que será levado ao governo.

— Estamos correndo por fora. A nossa preocupação não é a Previdência, é com os empregos. Não podemos assistir à crise de braços cruzados — destacou.

— Nosso entendimento é que a reforma da Previdência não é prioritária. Sabemos que temos problemas, mas essa discussão não pode ser goela abaixo, no afogadilho, sem compreensão — completou o secretário geral da CUT, Sérgio Nobre.

Ministérios têm propostas divergentes para o tema

• Fixação imediata da idade mínima é um dos pontos de discórdia

As áreas do governo envolvidas com a questão da Previdência não se entendem. Cada uma tem a sua proposta, como definiu uma fonte ligada às discussões. Enquanto o Ministério da Fazenda insiste na fixação de uma idade mínima gradual em torno de 65 anos para todos os trabalhadores, o da Previdência, segundo fontes, quer que a medida valha só para quem ainda for ingressar no mercado de trabalho — o que faria com que os efeitos nas contas públicas demorem mais de 30 anos.

Já no Ministério do Planejamento, ganha força a ideia de aprimorar a regra do fator 8595 (que será gradual até atingir 90/100), mas como uma forma de acesso à aposentadoria, e não apenas como forma de cálculo, como acontece hoje.

Se essa proposta for aprovada pelo Congresso, os trabalhadores serão obrigados a completar 85/95 para pedir a aposentadoria (a soma da idade e do tempo de contribuição no caso das mulheres precisaria chegar a 85 anos; no caso dos homens, a 95 anos).

Hoje, quem atinge o tempo de contribuição (30 anos no caso das mulheres e 35 anos no dos homens) pode se aposentar, com um benefício menor. Uma mulher que começou a trabalhar aos 16 anos, por exemplo, pode requerer o beneficio aos 46. Pela nova regra, que já está valendo, se ela adiar a aposentadoria por mais cinco anos, por exemplo, poderá receber o benefício integral. A ideia do Planejamento é que os 85 pontos seriam obrigatórios para simplesmente pedir o benefício, e não para recebê-lo de forma integral.

Consenso é meta distante
Embora seja necessário alterar a Constituição, os defensores da proposta creem que há a possibilidade de aprovar a mudança no Congresso, porque o princípio da fórmula do fator já está sacramentado. A avaliação é que a medida tem potencial para ganhar apoio dos sindicalistas e ajudaria a equilibrar as contas da Previdência, com a postergação da aposentadoria.

— Não vai ser fácil aprovar nenhuma proposta no Congresso. Mas o fator 85/95 já está consolidado — disse uma fonte do governo.

Segundo essa fonte, o governo tem convicção de que não obterá consenso no fórum. A intenção das áreas envolvidas é fechar a proposta, apresentá-la à presidente Dilma Rousseff e enviá-la ao Congresso. O texto com as mudanças nas regras será apresentado ao fórum, mas só sinalizará que o governo abriu a discussão. O fórum foi criado há quase sete meses; até agora, somente uma reunião foi realizada, com a presença de todos os ministros das áreas envolvidas.

PSDB ameniza discurso e racha oposição

• DEM e SD criticam nova postura moderada das lideranças tucanas que deixaram o pedido de impeachment de Dilma em segundo plano

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - A decisão do PSDB de deixar em segundo plano o movimento pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff e apoiar o governo na votação, na Câmara, da renovação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) causou um racha no bloco oposicionista.

Criado em setembro, o Movimento Parlamentar Pró-Impeachment praticamente deixou de funcionar e deputados do SD e DEM acusam abertamente os tucanos de terem “jogado pela janela” a principal bandeira que unificava as oposições.

Depois de manter por quase um ano uma linha de oposição sistemática e radical contra o governo, o presidente do partido, senador Aécio Neves (MG), deu uma guinada no discurso. Segundo tucanos, a sigla constatou, por meio de pesquisas, que a estratégia enfrentava uma fadiga de material.

“Foi um pouco a sinalização de pesquisas que mostraram a necessidade do PSDB apresentar soluções para a crise. Há uma cobrança forte da opinião pública, o que provoca insegurança nas lideranças da bancada. Isso causa os avanços e recuos do partido, mas a opinião pública também avança e recua”, diz o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

O setor mais engajado no discurso anti-Dilma, porém, tem outra tese para explicar a mudança de discurso do PSDB. “Eles abriram mão do impeachment para ficar bem com o mercado. Preferem seguir o mercado do que o povo brasileiro. O clima está ruim na oposição. Jogaram o impeachment pela janela”, diz o deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade. Ele afirma, ainda, que seu partido, ao contrário do PSDB, vai “obstruir ao máximo” a DRU. “Como pode um governo corrupto como esse gastar até 30% do orçamento livremente?”

A desvinculação de receitas da União (DRU) foi adotada em 1994, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de aumentar a flexibilidade para que o governo use os recursos do orçamento nas despesas que considerar de maior prioridade.

“A questão da Desvinculação das Receitas da União é um instrumento que nós consideramos hoje necessário à execução orçamentária, à melhoria da qualidade da saúde, da qualidade da área de transporte. Isso é uma demonstração de que o PSDB não é oposição ao Brasil. Jamais seremos”, diz Aécio.

Sobre o impeachment, o tucano diz que essa a alternativa ainda está na pauta, mas não pode ser a “agenda exclusiva” das oposições. A avaliação de líderes de oposição, porém, é de que o PSDB cometeu “erro estratégico” ao anunciar o apoio a DRU e tirar o impeachment do topo das prioridades.

“Respeito a posição pró-governabilidade do PSDB, mas acho um erro se antecipar na oferta de garantias ao governo. Se o próprio governo não tem posição fechada, porque eu tenho obrigação de me antecipar indicando os caminhos da governabilidade?”, rebate o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE).

Fator. Apesar do novo discurso moderado do PSDB, a bancada tucana da Câmara votou maciçamente na madrugada de quarta-feira a favor da derrubada do veto presidencial à medida que flexibilizava o fator previdenciário. O fator foi a regra de aposentadoria instituída no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999, para diminuir o déficit da Previdência Social.

Cunha perde apoio até na cúpula de seu próprio partido

• Integrantes do PMDB já demonstram descontentamento com o presidente da Câmara e iniciam movimento para se afastar do aliado

Isadora peron e daniel carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer e integrantes da cúpula do PMDB começam a demonstrar certo constrangimento em sair em defesa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O desconforto aumentou depois das manobras colocadas em prática pelo peemedebista na última quinta-feira, quando tentou impedir o avanço do processo de cassação contra ele no Conselho de Ética.

Um exemplo da falta de disposição da cúpula do PMDB de fazer manifestações a favor de Cunha aconteceu durante o congresso da sigla realizado esta semana em Brasília. Apesar de os principais nomes do partido terem chegado juntos ao evento, para demonstrar unidade, não houve nenhum ato de desagravo ao presidente da Câmara. Pelo contrário, ele chegou a ser vaiado e teve de ouvir o bordão “fora, Cunha” até dos próprios correligionários.

Mesmo em conversas reservadas, Temer tem evitado se posicionar de maneira mais explícita a favor de Cunha, de quem sempre foi próximo. Diz apenas que, como qualquer pessoa, ele tem amplo direito a defesa. O vice, porém, se recusa a discutir nomes para uma eventual substituição de Cunha no cargo. Afirma que não fala sobre “hipóteses” e que só fará isso no dia em que saída do aliado for um fato consumado.

Entre os peemedebistas, cresce o sentimento de que a situação do presidente da Câmara pode contaminar a imagem do partido. A avaliação é de que a rebelião de deputados em plenário desta semana mostrou que, apesar de ser um político habilidoso e possuir rede ampla de aliados, a posição de Cunha começa a ficar insustentável e pode piorar caso as investigações contra ele avancem no Supremo Tribunal Federal.

O desgaste da imagem do deputado perante a opinião pública também entra nesse cálculo. Os parlamentares dizem que a pressão de suas bases aumentou e entendem que o Conselho de Ética entrará de vez nos holofotes após Cunha e aliados terem manobrado para impedir, na última quinta-feira, a leitura do parecer a favor do seguimento do processo de cassação do peemedebista por quebra de decoro.

Para um deputado peemedebista, que falou sob anonimato, os protestos contra Cunha devem continuar. “Enfrentaram o todo-poderoso e viram que o mundo não acabou. Agora a tendência é que continuem.”

Oposição. Enquanto isso, a oposição que resistia ao seu lado na expectativa de que ele abrisse o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff desistiu de esperar ao ver sua principal bandeira perder força e decidiu abandoná-lo. Partidos oposicionistas deixaram de frequentar a residência oficial de Cunha, quartel general de articulações contra o governo. As críticas se asseveraram e as legendas se articulam para obstruir votações.

Dificilmente ele conseguirá dominar o plenário diante da situação”, disse o deputado Nilson Leitão (MT), vice-líder do PSDB. Aliados fiéis de Cunha, PSC e Solidariedade vão revidar. Uma das medidas que devem adotar é acusar a oposição de falso moralismo e evidenciar o apoio que partidos oposicionistas davam a Cunha em troca da abertura do processo de impeachment de Dilma.
Cunha tem procurado minimizar as deserções. “Não vejo nem que enfraquece nem que fortalece”, disse na semana passada quando questionado sobre a perda de apoio na Câmara.

Com crise agravada, peemedebistas tentam isolar Cunha

Daniela Lima, Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Terminado o congresso promovido pelo PMDB na terça-feira (17), os integrantes da cúpula do partido se dirigiram a uma saída reservada às autoridades, nos fundos do hotel onde ocorreu o evento em Brasília. Um último peemedebista, no entanto, acabou impedido de deixar o local ao lado dos colegas. Era o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ).

Assim que o vice-presidente Michel Temer passou, ao lado de nomes como o senador Renan Calheiros (AL) e o ex-presidente José Sarney, a porta foi fechada. Barrado, Cunha ficou parado em frente à passagem, enquanto seus seguranças esmurravam a parede. "Abre, abre!", gritavam.

O deputado só conseguiu sair quando os outros já haviam partido. O erro da organização do evento retrata a situação que Cunha enfrenta hoje. A cúpula do PMDB isolou o carioca, que agora depende exclusivamente da relação pessoal que tem com deputados do partido e de siglas como o PR e o PSC para sobreviver no Legislativo.

Um cacique da legenda repete um mantra de aliados mais céticos do deputado, de que ele "pode fazer muitas coisas, mas não pode achar que é capaz de fazer tudo". A fala é uma referência à atuação de Cunha para segurar o andamento do processo que o Conselho de Ética move contra ele, por conta das acusações de que manteve contas secretas na Suíça alimentadas com dinheiro de propina.

A situação se agravou na última quinta-feira (19), quando aliados do deputado fizeram uma série de manobras para suspender a reunião do colegiado. A ação expôs a estratégia de Cunha e acabou desencadeando uma série de questionamentos formais à sua permanência na presidência da Casa.

Dirigentes do PMDB avaliam que hoje Cunha é um fator de constrangimento para o partido. Mas, apesar das críticas feitas nos bastidores, quando questionados sobre a situação do deputado, dizem que esse "é um problema da Câmara" e que deve ser visto pelo viés "jurídico".

Acrescentam que a sigla só vai se posicionar depois que os deputados derem um veredito sobre o processo que Cunha enfrenta na Casa.

Antigas acusações de que Cunha nunca foi "PMDB de raiz" e que suas ligações são pessoais com membros da sigla voltaram a ser sacadas.

Um senador do PMDB, que pede anonimato, avalia que o deputado transformou a Câmara em uma "casa da mãe Joana" e que sua deposição do cargo que ocupa é uma "questão de tempo".

O isolamento de Cunha virou tema de conversas da ala que prega seu afastamento do comando da Câmara. Há cerca de três semanas, num almoço em sala reservada de um restaurante argentino em Brasília, em meio a colegas da oposição, o deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) observou: "Basta olhar quem hoje se senta ao lado dele, quem caminha ao lado dele. Ele tem andado sozinho".

PMDB mostra preocupação com Cunha

• Partido do presidente da Câmara avalia que aliado ficou vulnerável depois de quinta passada; PT quer reunião

Júnia Gama e Fernanda Krakovics - O Globo

Integrantes da cúpula do PMDB ligados ao vice-presidente Michel Temer avaliam que o ousado movimento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para inviabilizar a sessão do Conselho de Ética na quinta-feira, deixou o aliado em situação ainda mais vulnerável e já demonstram preocupação com a disputa que pode tirar o partido do comando da Casa. O agravamento da situação de Cunha e o esvaziamento de apoios em todos os partidos, inclusive no próprio PMDB, colocou os caciques peemedebistas em estado de alerta com a possibilidade de o partido perder a presidência da Casa. Os peemedebistas destacam que o comando da Câmara é crucial para o projeto político do PMDB de aumentar a hegemonia nas eleições municipais de 2016 e, principalmente, para uma candidatura presidencial em 2018.

Há um temor de que, com o enfraquecimento cada vez maior de Cunha diante de seus pares, a sucessão pela presidência da Câmara adquira uma dinâmica incontrolável que não termine com o que consideram um movimento natural, que seria a manutenção do cargo com o PMDB, por ser o maior partido na Casa. A avaliação entre essas lideranças é de que será pequena a influência que Cunha terá para fazer seu sucessor e que pode ser necessária uma intervenção por parte do comando do PMDB na disputa. Os dirigentes do partido querem evitar que o governo seja o responsável pela nomeação do próximo presidente da Casa.

— O fundamental para o PMDB é a presidência da Câmara ficar com o partido e isso deve ser resolvido pela direção do partido, junto com a bancada, pela importância que isso vai ter nas eleições municipais e em 2018. É uma situação delicada, porque sabemos que é muito difícil qualquer negociação com Eduardo Cunha por causa da postura convicta dele — afirma um peemedebista histórico.

As manobras de Eduardo Cunha para tentar impedir a abertura de processo contra ele no Conselho de Ética da Casa, causaram desconforto na cúpula do PMDB. A operação foi considerada "muito truculenta" pela direção partidária. Não é tradição do PMDB, no entanto, tomar a iniciativa de punir seus integrantes, ainda que haja um sentimento de que o partido começa a ser prejudicado pela exposição negativa.

— A situação dele piorou muito depois da coletiva em que foi tentar convencer a versão dele sobre as contas da Suíça. Daí em diante, houve uma piora crescente que culminou com essa manobra desastrosa de quinta. Mas, o partido não deve tomar iniciativa diante do quadro. As coisas estão caminhando na Câmara e o que é imputado a ele cabe a ele mesmo resolver. Mas seria ingênuo dizer que não prejudica o partido –— diz um dirigente do partido.

A direção do PT continua tentando ganhar tempo, temendo que um confronto com Cunha prejudique o governo. A preocupação é que o presidente da Câmara revide com a abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff e que a crise política inviabilize a votação de medidas do ajuste fiscal.

Mas, no momento em que o deputado Fausto Pinato (PRBSP), relator do processo contra Cunha, conseguir ler seu parecer pela continuidade das investigações, o PT deve votar a favor. Deputados do PT reclamam que a decisão de não dar quórum para a sessão do Conselho de Ética não foi discutida com a bancada. Segundo petistas, a articulação ficou restrita à direção do partido; ao líder da bancada, deputado Sibá Machado (PT); e aos integrantes do colegiado.

A insatisfação na bancada petista deve-se ao fato de o desgaste pelo apoio à manobra protelatória de Cunha ser dividido entre todos. A revolta maior é dos deputados que integram a Mensagem, segunda maior corrente interna petista e oposição ao comando partidário. Metade da bancada do PT assinou a representação contra Cunha feita pelo PSOL no Conselho de Ética.

— A bancada está no limite — disse um deputado do PT.

Os insatisfeitos cobram do líder Sibá Machado uma reunião, na próxima terça-feira, para discutir o assunto, e tentam conseguir uma posição partidária, com o respaldo do presidente do PT, Rui Falcão. Depois de desembarcar da aliança que mantinha com Cunha, o PSDB tenta agora jogar o desgaste pela sustentação do peemedebista no colo do PT. É isso que uma parcela da bancada petista tenta evitar.

O apoio a Cunha está minguando mesmo entre seus principais aliados. Deputados do entorno de de Eduardo Cunha se reuniram na liderança do PTB e fizeram uma avaliação de que “erros” foram cometidos no episódio e que houve “exagero’ na operação, já que a expectativa era que não haveria votação do relatório na quinta-feira. Aliados do presidente da Câmara revelaram incômodo com a situação e analisaram que acabaram ficando em uma "saia-justa" ao respaldarem Cunha.

As manobras desta quinta-feira reforçaram o sentimento de um grupo restrito de pessoas próximas a Cunha que defendem que ele deve construir uma "saída honrosa" para salvar seu mandato com a renúncia à presidência da Câmara. Está prevista para esta semana uma abordagem nesse sentido ao peemedebista.

Cúpula do PMDB se concentra no social em novo programa

Marina Dias, Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Pressionado por parlamentares e pré-candidatos às eleições municipais de 2016, o comando do PMDB prepara para março um programa partidário com foco na área social, na tentativa de disputar o campo histórico do PT e se descolar, definitivamente, do governo Dilma Rousseff.

O documento, que vai ser apresentado no congresso do partido no ano que vem, será uma ampliação do texto intitulado "Uma ponte para o futuro", lançado na terça (17).

O texto traz medidas contrárias às da cartilha petista para salvar as contas públicas e recuperar o crescimento do país, e recebeu crítica de tucanos preocupados com a tomada da bandeira econômica associada ao PSDB.

Segundo a Folha apurou, a avaliação de caciques do PMDB é que o programa teve boa aceitação entre economistas e empresários, mas precisa de um "aceno popular", com foco nas eleições de 2016 e 2018, quando os peemedebistas pretendem lançar um candidato próprio à Presidência da República.

A ideia é que o pilar do programa continue sendo a economia, com a defesa de medidas de austeridade e responsabilidade fiscal. A cúpula da sigla dirá que só trilhando esse caminho será possível impulsionar programas sociais e a política de distribuição de renda, bandeira dos governos petistas.

"Hoje, o tempo corre contra nós. Para chegar a 2016 e pensar em 2018, temos que tomar as medidas que estão contempladas no nosso projeto. É preciso recuperar a força do Estado brasileiro, para dar impulso aos programas sociais e de distribuição de renda", diz o ex-ministro Moreira Franco, que coordenou a formulação da primeira versão do documento.

O texto lançado na semana passada teve redação final de Roberto Brant, ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso, e listou medidas como o fim da indexação dos benefícios sociais ao salário mínimo e a permissão para que convenções trabalhistas prevaleçam sobre normas legais em negociações entre patrões e empregados.

Coube a Brant compilar as propostas defendidas por um time de economistas, que incluiu Samuel Pessôa, colaborador da campanha do senador Aécio Neves (PSDB-MG) ao Palácio do Planalto.

O vice-presidente Michel Temer foi o tutor de todo o processo. Nome forte do PMDB no Senado, Romero Jucá (RR) também colaborou com a criação do texto.

Outros nomes de fora da legenda foram ouvidos durante a elaboração do documento. Os peemedebistas pediram, por exemplo, opiniões ao senador José Serra (PSDB-SP) para fechar o tomo do programa que trata das medidas econômicas.

O tucano tem mantido diálogo frequente com lideranças do PMDB e é tido nos bastidores como um nome que a sigla cogita filiar para a corrida presidencial de 2018. Serra tem dito a aliados que suas ideias sobre economia presentes no texto são questões que ele defende publicamente há muitos anos.

Agora, nomes importantes do PMDB estudam a ampliação do capítulo social, com propostas de igualdade e estímulo ao empreendedorismo que, segundo um peemedebista, "vão se diferenciar do PT corporativo de hoje".

Endividado, PT teme asfixia financeira

Daniela Lima, Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Com dificuldades de arrecadar recursos para pagar as dívidas que contraíram durante a campanha de 2014, dirigentes do PT temem que o partido se torne alvo de uma enxurrada de processos movidos por credores na Justiça.

Integrantes da cúpula da legenda avaliam que essas cobranças poderiam levar diretórios de grandes colégios eleitorais, como São Paulo, à asfixia financeira.

Os petistas fecharam o ano passado com dívidas volumosas em diversos Estados. Os débitos eleitorais ultrapassaram a casa dos R$ 90 milhões.

Segundo dados do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral), só a instância paulista do partido registrou um déficit de R$ 55 milhões -arrecadando R$ 57 milhões e gastando cerca de R$ 112 milhões.

A cobrança desse passivo, avaliam, levaria o partido a um "garrote administrativo", comprometendo o desempenho da sigla pela via financeira nas próximas eleições.

Com alguns dos principais doadores envolvidos em escândalos de corrupção, a legenda não tem conseguido levantar esses recursos.

Dois ex-tesoureiros do partido, por exemplo, estão presos. João Vaccari Neto é acusado de envolvimento no esquema de desvios da Petrobras, e Delúbio Soares foi condenado pelo mensalão.

A situação ficou ainda mais grave quando a direção nacional do partido decidiu, em abril deste ano, encampar um discurso moralizador e proibir o recebimento de doações empresariais antes mesmo de o Congresso aprovar legislação sobre o tema.

A preocupação é maior entre dirigentes estaduais do partido que contraíram dívidas milionárias, mas perderam a disputa local. Passadas as eleições, o presidente do PT, Rui Falcão, enviou comunicado informando que o diretório nacional não arcaria com esse passivo e que caberia aos então candidatos e às lideranças regionais pagar os débitos.

Credores
No Rio de Janeiro, por exemplo, o partido já é alvo de processos movidos por credores da campanha do senador Lindberg Farias ao Palácio da Guanabara.

Publicamente, os petistas não tratam do assunto mas, em avaliações internas, os mais pessimistas analisam cenários que vão desde o bloqueio de parte do fundo partidário -hoje em R$ 90,6 milhões anuais- até a possível apreensão de bens do partido e de seus dirigentes.

A sigla calcula que o déficit pode crescer ainda mais, já que é comum a Justiça determinar a cobrança de multa e juros sobre pagamentos feitos com atraso.

Num cenário extremo, em que as dívidas levassem a um bloqueio do CNPJ do PT, dirigentes da legenda vislumbram a criação de entidades paralelas, como associações, para viabilizar pequenos pagamentos e contratações pontuais de funcionários. Seria um "arremedo", dizem, que poderia ajudar a manter a sigla funcionando.

Uma experiência desse tipo já foi feita na capital paulista quando não existia a figura do diretório municipal, há dez anos. Nessa ocasião, o partido operava por meio da Associação Paulistana dos Trabalhadores.

Outros devedores
O PT não é a única entre as grandes legendas que terminou as últimas eleições com dívidas milionárias.

A direção nacional do PSDB, por exemplo, declarou, ao fim da campanha do senador Aécio Neves (MG) à Presidência da República, uma dívida de R$ 14 milhões. O tucano foi derrotado por Dilma Rousseff (PT).

A direção da sigla afirma, no entanto, que vem pagando seus débitos. Segundo o vice-presidente dos tucanos, João Almeida (BA), cerca de R$ 10 milhões foram quitados ao longo deste ano.

"O restante está programado para ser pago até março do ano que vem", afirmou.

Procuradoria-Geral tenta reverter no STF desmembramento da Lava Jato

• Ministério Público, com aval da força-tarefa da operação, entra com recurso no Supremo Tribunal Federal para retomar controle sobre as investigações na Eletronuclear; pedido aponta ação de uma sistemática criminosa igual à investigada na Petrobrás

Por Beatriz Bulla, Fausto Macedo, Julia Affonso e Ricardo Brandt – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A Procuradoria-Geral da República enviou recurso ao Supremo Tribunal Federal para tentar reverter o fatiamento da Operação Lava Jato. O pedido, mantido sob sigilo, contesta decisão do ministro Teori Zavascki, que desmembrou as investigações na estatal Eletronuclear. O recurso evoca a existência de provas, pessoas, empresas e partidos, agindo em uma mesma sistemática criminosa, nas obras da Usina Nuclear de Angra 3 e nos esquemas de cartel e corrupção na Petrobrás.

Há uma semana, o caso sobre suposto pagamento de R$ 4,5 milhões em propinas relacionadas a obras de Angra 3 chegou à 7.ª Vara Federal do Rio, sob responsabilidade do juiz Marcelo Bretas. Funcionários já deixaram de identificar o processo como uma ação da Lava Jato e passaram a chamá-lo de Radioatividade, nome da operação deflagrada em julho que alcançou a Eletronuclear.

Mas o grupo ligado ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ainda aposta em reverter a decisão de Zavascki no Supremo. O pedido será avaliado pela 2.ª Turma, que pode reencaminhar o processo da Eletronuclear para a 13.ª Vara Federal, em Curitiba, berço da Lava Jato e local de atuação do juiz Sérgio Moro, ou manter o desmembramento.

Relator da Lava Jato no Supremo – que concentra processos envolvendo parlamentares e outras autoridades –, Zavascki decidiu que a ação da Eletronuclear deve ser julgada no Rio, sede das obras, por ver falta de conexão entre os casos. Com o pedido da Procuradoria-Geral, o rumo das apurações será definido pelo colegiado formado pelos ministros Dias Toffoli, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, além do próprio Zavascki.

O processo de Angra 3 tem entre os réus o ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva, vice-almirante aposentado da Marinha preso em julho. Para a Lava Jato, trata-se de um passo para investigar outras estatais em busca de provas de um suposto esquema sistematizado de corrupção e compra de apoio político. Sem reverter o desmembramento, a força-tarefa fica restrita aos desvios na Petrobrás.

Conexões. Para a Lava Jato, um esquema único de compra de apoio político teria nascido na Casa Civil em 2004, com o objetivo de garantir a governabilidade e a permanência no poder. Para isso, teriam sido distribuídos cargos em diferentes áreas do governo, gerando uma máquina complexa e estruturada de desvios para financiar partidos, políticos e campanhas eleitorais.

A organização criminosa descrita pela Lava Jato é dividida em quatro núcleos: empresarial (cartel de empreiteiras), político (agentes políticos e partidos), de agentes públicos (dirigentes das estatais e do governo) e de operadores financeiros (doleiros, lobistas e movimentadores de propina).

Desde o início, a Lava Jato manteve a estratégia de mirar na estrutura intermediária do esquema, os operadores de propina e lavadores de dinheiro, para daí atingir corruptos e corruptores. Nessa frente, pelo menos quatro deles teriam atuado nos desvios de Angra 3 e também são réus ou investigados nos esquema na Petrobrás: o doleiro suíço Bernard Freiburghaus, os lobistas Jorge Luz e Bruno Luz e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, preso desde março em Curitiba. Todos negam em juízo as irregularidades.

Dentro do núcleo empresarial, a Lava Jato pareou pelo menos cinco empreiteiras nos dois casos: Camargo Corrêa, Engevix, Andrade Gutierrez, Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC.

Na ponta dos beneficiários, PT e PMDB figuram como destino final de recursos desviados nos dois esquemas. Os partidos negam irregularidades.

PPS lamenta morte de Marco Antônio Tavares Coelho. País perde uma de suas cabeças mais lúcidas

Por: Assessoria do PPS

O presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), divulgou nota lamentando a morte do advogado e jornalista Marco Antônio Tavares Coelho, aos 89 anos, neste sábado em São Paulo. Ele era o único remanescente da cúpula do PCB (Partido Comunista Brasileiro)) em 1964, quando o golpe militar destituiu o ex-presidente João Goulart.

Marco Antônio nasceu em Belo Horizonte, em 1926. Militou desde jovem no PCB, foi eleito deputado federal em 1962 pelo estado da Guanabara, foi cassado, preso e torturado pelo regime militar. Trabalhou em diversos jornais em Belo Horizonte, São Paulo e Goiânia. Para Freire, o País perdeu “uma de suas cabeças mais lúcidas”.

O velório será no Cemitério São Paulo (Rua Luis Murat, atrás da Cardeal Arcoverde – São Paulo), das 9 às 13 horas deste domingo, e depois seguirá para o de Vila Alpina, onde vai ser realizada a cerimônia de cremação.

Veja abaixo a íntegra da nota:

“O Brasil perde uma de suas cabeças mais lúcidas
Os combatentes pela democracia e a justiça social sofreram, neste sábado (21), uma imensa perda, com a morte de Marco Antônio Tavares Coelho que, apesar dos seus 89 anos e das sequelas das violentas torturas que sofreu do aparato policial-militar da ditadura, em 1975, continuava dando sua rica contribuição ao Brasil por meio dos seus permanentes artigos e ensaios sobre temas instigantes e os mais variados, como também oferecendo suas luzes como editor da revista do Instituto de Estudos 
Avançados da Universidade de São Paulo e, mais recentemente, como editor da revista Política Democrática, da Fundação Astrojildo Pereira.

Cabeça lúcida e privilegiada, desde ainda jovem fez uma opção ideológica consequente e deixou uma marca exemplar na vida brasileira, sobretudo nos anos 1950/1970, na condição de cidadão simples e incorruptível, de advogado combativo, de escritor e jornalista dos mais competentes, de militante e um dos mais valorosos dirigentes partidários do PCB, de parlamentar federal dos mais argutos e de articulador político de altíssimo nível.

No seu belo livro Herança de um Sonho – As memórias de um comunista, lançado em 2000, ele honestamente, ao lado de um roteiro surpreendente sobre momentos históricos da realidade nacional, faz um rico e detalhado relato de sua vida, constituindo um exemplo de dedicação e coerência a uma causa nobre, de uma contribuição permanente sob a forma de análises e propostas de ação social e política, envolvida por um relacionamento dos mais fraternos com seus companheiros de luta e amigos de concepções ideológicas até antagônicas, e dos mais amorosos com sua parceira de todas as horas, Terezinha, e de seus filhos Marco Antônio Filho e Simone, além dos netos.

Em meu nome pessoal e de quantos constituem o Partido Popular Socialista, compartilho o sentimento da dor e do sofrimento ante a irreparável perda do nosso inesquecível Marco Antônio Tavares Coelho e transmito aos seus familiares nossos votos de paz e que tenhamos força para suportar a sua ausência.

Brasília, 21 de novembro de 2015
Roberto Freire
Presidente do PPS

A arte de sofismar – Editorial / O Estado de S. Paulo

Luiz Inácio Lula da Silva é realmente um prodígio na nem sempre delicada arte de sofismar, que os dicionários definem como o exercício de “raciocínio vicioso, aparentemente correto e concebido com a intenção de induzir em erro”. Haverá quem prefira substituir o verbo sofismar por outro mais contundente: mentir. Qualquer dos verbos cai como uma luva para definir o desempenho de Lula em entrevista televisiva de 40 minutos concedida ao jornalista Roberto D’Ávila, na qual se definiu como “o mais republicano dos presidentes que este país já teve” e negou categoricamente que esteja tentando de algum modo interferir no governo Dilma, nem mesmo no que diz respeito ao ministro Joaquim Levy, ao ajuste fiscal e à política econômica, porque “um ex-presidente tem que ter muito cuidado para não dar palpite”.

Lula serviu-se de um rombudo argumento para dar um puxão de orelha nas centenas de milhares de brasileiros que votaram em Dilma e hoje se voltam contra ela. É como se fosse o caso de “um pai cujo filho está doente, com febre, mas em vez de cuidar dele prefere jogá-lo fora”. Quer dizer: Dilma está “doente, com febre”, mas ninguém se dispõe a ajudá-la. Nem ele próprio, que garantiu mais de uma vez: “Não dou palpite no governo”. Não corou um minuto. Não empalideceu jamais.

O ex-presidente não perdeu nenhuma oportunidade para discorrer sobre as “extraordinárias conquistas” dos governos petistas, durante os quais “o trabalhador, a classe média, os empresários, os banqueiros, todos ganharam”. Pressionado pelo entrevistador, admitiu, apenas implicitamente, que hoje o País enfrenta uma crise econômica que ameaça comprometer as conquistas sociais. Mas explicou que essa crise é devida a dois fatores sobre os quais o governo petista não tem responsabilidade. O primeiro é a crise financeira internacional provocada por capitalistas “irresponsáveis”.

O segundo responsável pela atual crise econômica, segundo Lula, é a “grave crise política”. Mergulhado nessa crise, o Congresso Nacional, “com total apoio da Imprensa”, se tem recusado a aprovar as medidas propostas pelo governo para botar suas contas em ordem. Essa esfarrapadíssima desculpa omite o fato de que, após eficiente toma lá dá cá – única providência que a elite palaciana consegue concluir com sucesso –, os parlamentares acabaram aprovando praticamente todo o pacote de medidas de interesse do Planalto. Mais grave, no entanto, é Lula fingir que a “grave crise política” não foi criada pelo próprio governo petista, a começar pela desastrada tentativa de impedir a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. Pois foi exatamente para tentar corrigir grosseiros erros políticos praticados por Dilma que Lula, que jura que não dá palpites, a convenceu a trocar os coordenadores políticos do governo, tirando da Casa Civil e das Relações Institucionais dois ministros nos quais ela confiava e os substituindo por outros que a ele são fiéis.

Mas foi no capítulo da corrupção que Lula se mostrou um verdadeiro artista. Começou, em tom dramático, definindo-se como um político de formação moral rígida e reputação absolutamente ilibada: “Só tenho um valor na minha vida, não são dois, apenas um: vergonha na cara, o que aprendi com uma mãe analfabeta”. Em relação ao escândalo da Petrobrás – que lhe causou “um susto” –, saiu-se pela tangente afirmando que sempre foi favorável à investigação, repudiando apenas o “vazamento seletivo” de delações premiadas, e lançando a responsabilidade da esbórnia sobre “antigos funcionários” da estatal, que estavam lá “há muito tempo”. Tentando afastar qualquer suspeita sobre eventual envolvimento seu na devastação da empresa, garantiu, em seu melhor estilo palanqueiro: “Duvido, duvido muito, que algum empresário possa afirmar ter conversado comigo qualquer coisa que não fosse possível de ser concretizada em qualquer lugar do mundo”.

Trata-se de argumento que funciona para quem tem fé inabalável na retidão moral de quem o enuncia. Mais ou menos como a garantia que deu em 2005, de que não sabia da existência do mensalão: “Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis, das quais nunca tive conhecimento”. Depois de ter sido reeleito no ano seguinte, mudou o discurso partindo, como de hábito, do princípio de que o brasileiro é idiota: “O processo do mensalão é uma farsa”. Certamente, um dia dirá o mesmo sobre o petrolão.

Debate/ Lançamento livro: Luiz Werneck Vianna


Merval Pereira: A política como deveria ser

- O Globo

A política partidária brasileira foi dominada já há alguns anos pelos interesses corporativos e pessoais, perdendo a capacidade de representar o interesse da coletividade e de formular políticas públicas de longo prazo numa sociedade pluralista.

São poucos os parlamentares que se dedicam a pensar o país, e os governos que se sucedem acabam reféns dessa política miúda bem representada pela chegada do deputado Eduardo Cunha à presidência da Câmara.

O ritmo que ele imprimiu aos trabalhos legislativos chamou a atenção em contraponto à modorra que dominava as sessões legislativas, mas logo se viu que Cunha beneficiou mais sua agenda retrógrada do que serviu ao país com sua diligência.

Não é por acaso, portanto, que pesquisas recentes demonstram um divórcio entre a sociedade e o mundo político, com o crescimento da rejeição dos cidadãos aos principais políticos brasileiros e uma maioria perto de 70% declarando não gostar de nenhum partido.

O PT é o que mais sofreu desgaste, maior ainda do que quando estourou o escândalo do mensalão. É uma rejeição à política como ela é feita entre nós, e não, como distorce o ex-presidente Lula, uma negação da política.

Quem nega a política são justamente os partidos e os políticos que atuam à margem da lei para manter seus poderes manipulando eleições e eleitores. Esse distanciamento entre a ação dos partidos e o que querem os eleitores tem bons exemplos contrários, que mostram como poderia ser a política caso o interesse pessoal e corporativo não prevalecesse sobre o da coletividade.

Nos últimos anos, dois governantes souberam chegar perto do que queriam os eleitores, e tiveram como retribuição a reeleição e o reconhecimento. Em 1994, o Plano Real levou à presidência um intelectual recém chegado ao mundo da política, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso eleito duas vezes no primeiro turno.

Em 2002, um líder operário chegou à presidência da República depois de várias derrotas, e tornou-se um ícone popular com o programa Bolsa-Família. Plano Real e Bolsa-Família são exemplos de políticas públicas que vão ao encontro do que o povo necessitava em momentos cruciais da história do país.

Na campanha que o levou à presidência da República, Fernando Henrique conta que sentiu que venceria, depois de amargar baixos índices nas primeiras pesquisas, quando no interior da Bahia começou a ser solicitado a dar autógrafos nas notas de Real, que eram balançadas pelas populações como sinal de vitória.

O controle da inflação, e uma moeda forte “que valia mais que o dólar” naquela ocasião, respondiam à necessidade da população de estabilidade econômica e melhoria de vida.

Já a Bolsa-Família substituiu quase que por acaso no projeto petista o Fome Zero, um programa criado para ser o carro-chefe do novo governo que fracassou. Coube ao hoje ministro do Desenvolvimento, Patrus Ananias, em sua primeira gestão à frente da pasta no governo Lula, deslanchar o Bolsa-Família, que também corria o risco de fracassar devido a desavenças ideológicas entre seus administradores.

Frei Betto queria utilizar o programa para transformar as comunidades em suas próprias gestoras, criando conselhos comunitários nos municípios para distribuir o benefício sem influência dos políticos. Ao contrário, Patrus Ananias vislumbrou o potencial eleitoral do programa e deu para os prefeitos sua gestão.

O senador Cristovam Buarque, que foi petista e ministro da Educação do governo Lula, quer mudar o nome do programa para Bolsa Escola, fazendo com que volte ao seu objetivo principal que seria o de estimular a mobilidade social através do ensino. Criado no governo Fernando Henrique, o Bolsa-Escola acabou sendo unificado pelo governo Lula a outros programas sociais para a criação do Bolsa-Família. Cristovam acha que o programa, nos moldes atuais, não estimula o estudo e cria condições para que seus beneficiários não queiram se integrar no mercado de trabalho.

Com todas as críticas que são possíveis, projetos como o Plano Real e o Bolsa-Família levaram os políticos para junto da população, fazendo com que a política seja um instrumento de desenvolvimento do país. É o que nos falta hoje, com a politica transformada em questão corporativa e pessoal

Dora Kramer: Balança mas não cai

- O Estado de S. Paulo

Brasília já esteve mais em chamas. O clima na semana passada era de certo (não completo) alívio nas hostes governistas, onde vigora a sensação de que o risco de impeachment da presidente Dilma Rousseff diminuiu, embora não tenha desaparecido.

O perigo ainda ronda o Palácio do Planalto, pois a Operação Lava Jato ainda está em curso, a economia tem tudo para piorar e a instabilidade da base de apoio no Congresso é um fato consumado. Mas, na avaliação de mais de um ministro e políticos com acesso à presidente, a situação poderia ser muito pior se a oposição (aqui incluído o PMDB) tivesse conseguido se mostrar à sociedade como uma alternativa viável.

O PSDB perdeu-se no apoio a Eduardo Cunha, na ausência de uma proposta clara para a solução da crise e na hesitação em apoiar o vice-presidente, Michel Temer. Este, por sua vez, visto como um “pré-conspirador”, não sente que tenha sustentação suficiente para mergulhar na conspiração. E, com ele, o PMDB. O empresariado, de seu lado, sem possibilidade de apostas outras, dá sinais de que prefere investir na permanência.

O cenário favorável, no entanto, pode não ser permanente. Vai depender de algumas variáveis: a indicação de que a CPMF pode ser aprovada em 2016, a renovação da DRU concedida pelo Congresso, a manutenção do PMDB como aliado (ainda que formal), o distanciamento dos governadores do debate sobre impeachment e, principalmente, que a oposição siga atuando na dinâmica da briga de foice no escuro.

Preparação. O vice-presidente, Michel Temer, está ciente: a alegação de que o financiamento de sua campanha em 2014 foi separado das contas da presidente Dilma Rousseff pode não ser suficiente para convencer o Tribunal Superior Eleitoral a contrariar a jurisprudência de cassação conjunta da chapa, caso venha a decidir que houve contaminação das verbas partidárias por recursos oriundos do esquema de corrupção na Petrobrás.

Por isso, Temer já tem pronto argumento de ordem constitucional segundo o qual presidente e vice são tratados na Carta como figuras separadas entre si. Três exemplos: no momento da posse, cada um faz o respectivo juramento de fidelidade à Constituição; para se ausentar do País, o vice-presidente precisa pedir autorização ao Congresso, assim como o titular; de acordo com a Carta, se no prazo de dez dias presidente e vice não tomarem posse, o cargo será declarado vago, mas, se o vice assumir, não se configura a vacância.

Na interpretação de Michel Temer, professor de direito constitucional, esses preceitos deixam clara a desvinculação entre um e outro. E este tem sido o tema de conversas entre ele, seus representantes legais e ministros do tribunal encarregado de examinar a ação do PSDB que pede a cassação do mandato de Dilma por razão de inelegibilidade decorrente de irregularidades na campanha eleitoral.

É tudo improviso. Na quarta-feira, às 10h, o ministro da Fazenda esteve com o senador Romero Jucá e ouviu dele a sugestão para que o governo lançasse a ideia de criação de fundos garantidores de investimentos feitos por meio de parcerias público-privadas, com recursos obtidos por estados e municípios mediante aval da União.

Momentos depois, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Joaquim Levy anunciou a medida – sem o crédito de autoria – como objeto de estudo em andamento no governo.

Fernando Gabeira: Foi-se o que era Doce

- O Globo

Semana brava, com desastre ambiental no Brasil, atentado em Paris. Ao chegar em casa, com as botas enlameadas, vejo que algumas pessoas me criticam porque não fiz discurso sobre Mariana. Se fizesse, reclamariam por Paris, se fizesse por Paris, reclamariam por Bagdá. Pensei que deixaria as patrulhas no universo analógico. Mas elas sobrevivem no mundo digital. Detalhes.

N a década de 80, esta frase me impressionou em Minas: olhe bem as montanhas. Eu a vi em muitos carros. Na minha interpretação, a frase completa seria essa: olhe bem as montanhas, antes que desapareçam.

Minas Gerais minerais, dizia Drummond, que nasceu em Itabira, na cidade toda de ferro em que as ferraduras batem como sinos.

Nessa viagem por Minas, levava na mochila o livro de Drummond e nele o poema “Canto mineral”:

 “Minas exploradas 
no duplo, no múltiplo 
sem sentido, 
minas esgotadas, 
a suor e ais” 

Vi uma montanha pela metade, em Mariana. A face escura da pedra, seus restos circulando em longos trens de carga era a Minas nos ferindo com “suas pontiagudas lascas de minério, laminados de ironia”. Dessa vez não bastava olhar apenas as montanhas. Os rios estão sumindo, alguns exauridos pela seca, e o Doce afogado pela montanha liquefeita, a lama mineral.

Sei que a hora pede discursos, comunicados, “não vamos mais tolerar” etc. Mas o Rio Doce para mim não é apenas uma palavra de ordem. É uma memória azulada que queria compartilhar com os amigos que moram na cidade onde ele se forma: Rio Doce. É uma cidade de três mil habitantes que não conhece um assassinato há 50 anos. Calma, limpa, 100% saneada, ônibus escolares cruzando suas ruas desertas. Povo e polícia se entendem bem, a cidade se protegeu da violência. O lugar onde o Rio Doce se forma era uma atração turística. Coberto de lama.

A orla do Doce, ponto de lazer da cidade, foi devastada. A mais bonita fazenda da região, a Porto Alegre, coberta de lama. A morte violenta, que os habitantes não viam há meio século, apareceu na forma de nove cadáveres arrastados desde Mariana. Em Rio Doce, pensei também Paris, não para agradar as patrulhas, mas porque Paris para mim também não é apenas uma bandeira, é uma cidade onde passei alguns dos melhores momentos de minha vida. A conclusão a que cheguei na pousada da Cachoeira, quase toda ocupada por bombeiros que vieram de Ubá, é de que não existe uma defesa inexpugnável contra o mundo exterior.

Uma cidade tão limpa invadida pela lama, tão pacífica, recebendo nove corpos, uma cidade luz atacada pelas trevas do extremismo religioso de bandeiras negras. Num momento como esse, de terror, desastre ambiental, corrupção, cinismo, não há como negar o mundo que temos. E encará-lo de frente. Empurrar com a barriga significa mais força para o terrorismo do ISIS, mais desastre ambiental, mais impunidade.

“Ideologia, eu quero uma pra viver.” Esse verso de Cazuza passou muitas vezes pela minha cabeça. Conheci Cazuza em 1986 e o visitei depois em Petrópolis. Por tudo o que sei dele, o termo “ideologia” aqui não significa uma visão de mundo totalizante, que tudo explica, explica, às vezes antes de acontecer, às vezes sem sequer examinar os fatos.

“Ideologia” aqui, creio, significa um sentido na vida, ainda que precário e incompleto. Este sentido está em falta no país: somos um gigante desengonçado, que não discute nem sabe para onde vai. Vivemos uma crise econômica, política, ética e ambiental — um bicho de quatro cabeças. É feio, mas está aí. É absolutamente necessário combatê-lo de forma integrada.

Temos uma oposição que não aponta o caminho, mas não se dispõe a sair perguntando. Um governo cujo sonho de consumo é nos entupir de carros e eletrodomésticos e comprar refinarias enferrujadas, para chamar de “minha Ruivinha”. A única saída é conversar por baixo, discutir intensamente, embora isso seja contraditório com a rotina dura do trabalho.

Olhe bem as montanhas. Ainda bem que olhei o Doce muitas vezes antes de vê-lo em seu caixão de barro. A contemplação apenas me entristece. Preciso fazer mais, sem patrulhas nos calcanhares. Cada um sabe de seus limites, embora, de vez em quando, precise ultrapassá-los. As pessoas da minha geração talvez não vejam mais o Rio Doce. Visitei um dos seus formadores, o Piranga; águas normais, apenas um pouco castigadas pela seca. Na Serra do Caparaó subi pelas cabeceiras do rio José Pedro. Também está raso, mas joga água limpa no Doce, através do Manhuaçu.

Isso é uma esperança para as novas gerações. O Doce pode sair da UTI em alguns anos. Depende de nós, assim como enfrentar o monstro de muitas cabeças.

O país que conhecemos está desaparecendo. É preciso uma aliança com os que podem desfrutá-lo depois de nós, com base numa visão ainda que modesta de nosso futuro comum.

Um rumo, um sentido até que fariam bem nesse vale enlameado.

Ferreira Gullar: Cidade sem lei

- Folha de S. Paulo

Viver no Rio de Janeiro não está fácil. Sei de várias pessoas que, embora adorando a cidade, resolveram ir embora. As razões são muitas, desde a insegurança, que cada vez mais atemoriza as pessoas, até o caos urbano, que vai se impondo em quase todos os bairros.

As causas dessa situação certamente são várias, mas, dentre elas, a que nos parece ser a principal é o total desrespeito às normas do convívio social e que se manifesta a todo momento e em todos os lugares. A permissividade se instalou no comportamento de considerável parte da população carioca, a tal ponto que, se alguém se atreve a reclamar, estará sujeito a represálias. Quem se comporta conforme as normas sociais é considerado "careta".

Como se sabe, as normas sociais foram criadas para permitir o convívio pacífico das pessoas. Graças a elas, cada indivíduo é educado para saber o que lhe é permitido fazer e o que não lhe é permitido, ou seja, o meu direito termina onde começa o direito do outro.

Sim, mas não é assim no Rio. Aqui o dono de um boteco de uma porta só ocupa a calçada em frente com cadeiras e mesas para servir bebidas alcoólicas a dezenas de pessoas. Põe sobre sua porta um aparelho de televisão que transmite os jogos de futebol pela noite adentro, sendo que, a cada gol, aquela torcida berra. Mas e a família que mora no primeiro andar, em cima do boteco? Não pode ver a novela, não pode ouvir música e não vai poder dormir tão cedo.

Pergunto: a lei permite isso? Claro que não. Perturbar o sossego público é crime, mas não aqui no Rio. Sábado passado, fui caminhando pela rua Barata Ribeiro, uma das principais de Copacabana, e me surpreendi com a quantidade de bares e restaurantes que ocupam as calçadas com cadeiras e mesas. É quase impossível passar por ali. O transeunte tem que descer da calçada para a pista por onde passam ônibus e automóveis, correndo o risco de ser atropelado.

Faz pouco tempo, isso era coisa rara, ocorria apenas na avenida Atlântica, cujas calçadas são bastante amplas, permitindo o livre caminhar das pessoas. Agora, a ocupação das calçadas pelos botecos, lanchonetes e restaurantes ocorre em todos os bairros e as autoridades, que deveriam zelar pelo cumprimento das leis, nada fazem. Por quê?, perguntamos nós, cidadãos, prejudicados em nossos direitos. Será que os encarregados de manter a ordem recebem propinas? Em São Paulo estava acontecendo o mesmo abuso, mas o prefeito proibiu, segundo soube.

Entre janeiro e maio deste ano, o Instituto de Segurança Pública do Rio realizou um estudo detalhado para avaliar os problemas de segurança da cidade. O resultado, ainda que previsto, foi assustador: de um total de 345.964 ligações para o telefone 190 da polícia, 51.405 reclamavam da perturbação do trabalho ou do sossego. Mais de 17 mil queixavam-se dos sons vindos do vizinho; mais de 11 mil, vindos dos bares; e mais de 10 mil, da via pública, e por aí vai...

Um morador do bairro de Santa Teresa, depois de telefonar dezenas de vezes pedindo a ajuda da polícia para poder dormir, desistiu e passou a dormir em casa de parentes e conhecidos. É que a polícia vem, obriga o cara a abaixar o som, mas, assim que vai embora, ele o põe mais alto ainda para se vingar do chato que, veja você, deseja dormir!

É que a chamada lei do silêncio não serve para nada. As próprias autoridades admitem que é quase impossível aplicá-la. A lei que serve para deter esses abusos é a que pune os atentados ao sossego público, porque é disso que se trata. A indiferença das autoridades a esses abusos chega, no Rio, às raias do absurdo. Se vier à nossa cidade maravilhosa tenha cuidado ao atravessar uma rua, porque aqui frequentemente alguém é atropelado por uma bicicleta, um triciclo ou motocicleta, pois andam todos na contramão e em alta velocidade. Para eles também não há sinal fechado, já que desobedecê-lo, no Rio, não é exceção, é a regra. E as motocicletas, que andam com o cano de descarga destampado apenas para fazer barulho e atordoar as pessoas?

A verdade é que o Rio, hoje, é uma cidade sem lei.

Míriam Leitão: É constrangedor

- O Globo

A Câmara dos Deputados precisa se salvar das águas turvas nas quais mergulhou nesta legislatura. Mas ela parece querer afundar cada vez mais, com espetáculos como o da semana passada, em que o presidente Eduardo Cunha e sua tropa de choque manobraram para impedir o andamento do inevitável relatório do processo contra ele por quebra do decoro.

Tudo está sendo quebrado neste ano difícil, além do decoro. O mais perigoso é a quebra da confiança na instituição. O problema não é o destino de Cunha, mas o da Câmara e até do Congresso. O perigo é os jovens acharem que é assim mesmo, que os políticos são todos iguais, e que o melhor é nem ter legislativo. Quem já viu o Congresso fechado —e a última vez que isso aconteceu foi no pacote de abril, há mais de 38 anos — sabe a falta que ele faz. Mas os jovens, que nada disso viram e que tudo veem agora, é que decidirão o futuro. Por isso, decoro, excelências.

Todas as explicações dadas para as contas na Suíça foram contorcionismos que fazem pouco da inteligência alheia. Ofendem. Para acreditar, é preciso não ter sabido dos relatórios do Ministério Público, da informação de que as contas foram bloqueadas, dos cartões de crédito que tanto gastaram, do formulário preenchido no banco, com a cópia do passaporte. Naquele formulário que abriu a conta da qual o deputado é um “beneficiário”, está dito que Cunha gostaria de morar na Suíça. É preciso não saber que o Ministério Público da Suíça também está investigando o deputado brasileiro. Para se contrapor a todas essas evidências, a defesa apresentou argumentos tão sólidos quanto carne moída.

A queda do presidente da Câmara dos Deputados é questão de tempo. É constrangedor que um parlamentar denunciado pelo Ministério Público permaneça no cargo. Ele deveria ter saído por respeito ao país. E se isso for pedir muito, que o fizesse para se defender com mais liberdade. Quando Cunha faz o que fez na quintafeira — convocar uma sessão no plenário para impedir os trabalhos do Conselho de Ética — ele está usando mais uma vez o cargo em causa própria e enfraquecendo a Câmara.

Quanto mais o presidente da Câmara usa o cargo para se defender, mais enfraquece a instituição que preside. O descrédito que cerca o Congresso está se ampliando. Mas isto não é todo o mal que esta situação pode nos fazer. Há nomes sugeridos para substituir Cunha que significam tratar com escárnio a opinião pública. É provocação.

A única forma de resgatar a credibilidade do Congresso é a Câmara aproveitar o momento em que houver troca de presidente e instalar na principal cadeira da mesa um nome que tenha autoridade, inspire respeito e que esteja distante de toda a sujeira que coloca tantos deputados sob suspeição.

Os bons parlamentares, os que se levantaram na quinta-feira, precisam se articular em torno de algum nome que possa barrar os que se insinuam como candidatos. Do contrário, Cunha pode se eternizar no cargo mesmo saindo, porque estará exercendo o poder por interposta pessoa.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello disse que é “lastimável” a postura dos governantes, ao se referir à crise na Câmara, e sugeriu que o deputado renunciasse à presidência ou ao próprio mandato. Seria de fato o melhor cenário. Parte da solução está, contudo, no próprio Supremo Tribunal Federal, que não apenas não dá seguimento às denúncias apresentadas pelo Ministério Público como é rápido para decidir sobre as propostas de fatiar e enfraquecer o processo em Curitiba. O Supremo, ao andar tão devagar, cria um descompasso entre o julgamento dos sem foro, em Curitiba, e dos com foro, que serão julgados em Brasília. Acaba dividindo empresários e funcionários da Petrobras dos políticos com mandatos que permanecem confiantes na lentidão da Justiça.

Há uma clara falha institucional no regimento da Câmara que dá ao presidente o poder de pôr em pauta o processo contra si mesmo. Deveria haver regras que defendessem a sociedade e não o mandato de um presidente sob suspeição. Este episódio de Cunha na presidência da Câmara é tão torturante que a esperança é que dele saiam aperfeiçoamentos institucionais, para proteger o país no futuro de outra situação anômala como esta.

Luiz Carlos Azedo: Tudo pelo social

• O governo Dilma pode representar um retrocesso socia, ao contrário do que aconteceu no governo Sarney. Com indicadores em marcha à ré, o legado social de Lula deixaria de existir

Correio Braziliense

O grande mérito do ex-presidente José Sarney foi conduzir com êxito a transição à democracia; além disso, no rastro da maior onda de greves de trabalhadores da história do país, os principais indicadores sociais — na saúde, na educação, na habitação e até mesmo na questão agrária — melhoraram durante o seu governo.

Entretanto, do ponto de vista da economia, o governo Sarney foi um fracasso retumbante. Depois de sucessivos planos econômicos, o mais ambicioso dos quais foi o Cruzado, que permitiu uma vitória esmagadora do PMDB nas eleições de 1986, Sarney deixou o poder com o gosto amargo da impopularidade.

O Brasil mergulhou na hiperinflação e no desemprego. Somente conseguiu dar a volta por cima com o Plano Real, lançado no governo Itamar Franco e consolidado por Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Fazenda que se elegeu presidente da República graças ao combate à inflação. Foram necessárias muitas reformas, tanto no governo Itamar quanto nos dois mandatos de Fernando Henrique, para que a moeda permanecesse estável.

Durante o governo Lula, a renda mais que dobrou, e a proporção de pobres na população é hoje pouco mais de um terço. A dívida externa foi reduzida e está sendo paga em dia; a desigualdade entre ricos e pobres apresenta números melhores. Patinamos, porém, quanto ao crescimento econômico. Na verdade, ainda estamos longe de ser um país de classe média, como se jactava a presidente Dilma Rousseff ao assumir o mandato.

O dragão da inflação, que parecia perpetuamente encarcerado, está solto novamente. A presidente Dilma recebeu o governo em 2011 com PIB de 7,5% (2010), inflação de 5,91% (IPCA) e juros em 10,75%. Na eleição, houve um tremendo oba-oba em relação aos indicadores sociais, que foram comparados aos dos anos de ajuste do Plano Real, mas nunca confrontados com indicadores internacionais.

Marcha à ré
Dados do Banco Mundial mostram que mais de um terço da população vive numa faixa intermediária, ligeiramente acima da faixa de pobreza. Estamos entre os líderes mundiais de inflação, endividamento público e concentração de renda. Agora, mesmo os avanços sociais são subtraídos com mãos de gato. Nos dois sentidos: além dos escândalos de corrupção, como o da Petrobras, desnudado pela Operação Lava-Jato, a renda das famílias é corroída pela inflação, que chegou aos 10% pelo IPCA-15.

Segundo o Banco Central, a recessão já é de 3,3% neste ano. O mercado considera que 2016 será mais um ano perdido, com inflação acima do teto de 6,5% e recessão maior que 2%. A nova meta fiscal de 2015 aprovada pelo Congresso prevê um rombo no orçamento de R$ 200 bilhões. O ajuste fiscal até agora foi conversa para boi dormir, pois terminamos o ano com deficit de R$ 120 bilhões nas contas públicas.

Nas últimas três décadas, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu, em média, 2,9% ao ano; nas três décadas anteriores, com o ciclo de substituição de importações, a média era de 6,5%. A participação brasileira no PIB global caiu de 4%, em 1985, para 2,9% estimados no ano passado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Entre 2006 e 2010, o PIB cresceu, em média, 4,4% anuais, impulsionando a arrecadação do governo. Os pobres, segundo critérios do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), passaram de 31% para 15% da população em 2013. Mas, com o desemprego, estão voltando à linha de pobreza.

O PIB encolheu, o ambicioso Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) é um fracasso. O governo lança pacotes de aumento de impostos e corte de despesas públicas, eleva os juros e não sabe o que fazer para atrair investimentos. O governo Dilma pode representar um retrocesso socia, ao contrário do que aconteceu no governo Sarney. Com indicadores em marcha à ré, o legado social de Lula deixaria de existir. A maneira de evitar que isso ocorra pode ser o rompimento com Dilma, mas é uma operação de alto risco.

Eliane Cantanhêde: É perigoso?

- O Estado de S. Paulo

Dilma Rousseff tem até esta terça-feira para sancionar ou vetar a lei aprovada no Congresso que permite a suspensão de vistos para estrangeiros na Olimpíada de 2016. A decisão será não apenas no calor dos atentados em Paris e do medo que ronda o mundo, mas também sob a pressão em sentido contrário do Turismo, que é a favor da lei, e da Defesa, que tem lá suas dúvidas.

“Não podemos desperdiçar essa oportunidade única, talvez a melhor em mais de uma década, de trazer turistas de todo o mundo para conhecer o nosso país. O Brasil não perde nada e pode ganhar muito”, defende enfaticamente o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves.

Pela lei aprovada sem problemas no Congresso, os ministérios da Justiça, Relações Exteriores e Turismo podem, em portaria conjunta, suspender unilateralmente os vistos de estrangeiros por 90 dias durante a Olimpíada. A intenção é atrair turistas dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália, países que já sediaram Jogos Olímpicos, dão muita atenção aos esportes e são mais apetitosos do ponto de vista econômico.

Os EUA são o alvo número um, porque eles só perdem para a Argentina em número de turistas que visitam o país e os americanos são os que mais tempo ficam (média de 20 dias) e os que mais gastam (R$ 1.600 por viagem). Na expectativa da embaixada dos EUA, a suspensão temporária dos vistos deve atrair 20% a mais de cidadãos do país do que na Copa.

Para quem, como eu, teme que o Brasil entre na mira de terroristas do Estado Islâmico por causa da Olimpíada, o ministro responde que a flexibilização dos vistos não muda nada e argumenta: os ataques em Paris foram feitos por franceses e belgas e o Brasil já não exige visto nem para uns nem para outros. Ou seja, a suspensão de vistos não faria a menor diferença se eles quisessem vir.

“Se a suspensão dos vistos aumenta o risco de terrorismo, deveríamos passar a exigir visto para a França e a Bélgica?”, ironizou o ministro, frisando que o mais importante é a triagem e o trabalho da Defesa, da Polícia Federal, da Receita e da Interpol. Foi isso que, na Copa do Mundo, impediu a entrada de gente suspeita, com ou sem visto.

Na Copa, foram cerca de mil atletas, de 32 países, e mais um milhão de visitantes estrangeiros, que deixaram no País US$ 1,58 bilhão. Na Olimpíada, a expectativa é de 15 mil atletas, de 205 nações, além de 25 mil profissionais de mídia e um milhão e meio de turistas internacionais (sem a exigência de visto).

Se o Brasil fosse a Inglaterra, dividiria o investimento da Olimpíada em dois: 60% no evento em si – arenas, campos, segurança... – e 40% no legado– inclusive na fidelização e na capacidade de multiplicação dos turistas que vierem. Se cada um gostar muito, vai voltar e estimular familiares, amigos, conhecidos. Mas, enfim, o Brasil não é a Inglaterra. Lá, os turistas aumentaram de 28 milhões para 36 milhões depois dos jogos. Aqui, os visitantes mal passam de 6 milhões ao ano.

Esse número rotineiro de visitantes e o milhão e meio que pode vir para a Olimpíada não são considerados suficientes para incluir o Brasil no radar do Estado Islâmico ou maluquices do gênero. O que pode mexer com a mente doentia de terroristas são os 4,8 bilhões de espectadores que estarão grudados nas TVs ou na internet ao redor do mundo por causa dos jogos.

Se o Estado Islâmico é capaz de degolar e incendiar pessoas só para chamar a atenção, imagine-se o que pode fazer para conquistar essa audiência planetária? O risco existe, mas, cá entre nós, o Ministério do Turismo tem razão: não é a exigência ou não de visto que vai mudar alguma coisa.

Dúvida atroz. Do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, ao ser convidado por Michel Temer para a Olimpíada: “E não é perigoso?” Detalhe: o diálogo foi antes dos ataques em Paris...

Bernardo Mello Franco: Assim nasce um nanico

- Folha de S. Paulo

A salada política do Congresso ganhou mais um ingrediente. Nasceu o Partido da Mulher Brasileira, a 35ª sigla registrada no Tribunal Superior Eleitoral. Apesar do nome, a legenda estreou com uma bancada 100% masculina. Tem sete deputados, todos homens.

"Eles vieram para ser cúmplices do nosso projeto", diz a presidente do PMB, Suêd Haidar. Nos próximos dias, ela promete anunciar a filiação de duas deputadas, que se elegeram pelos nanicos PTC e PMN.

Suêd também vem de uma legenda pequena, o PT do B. Em 1998, ela disputou uma vaga de deputada estadual no Rio. Ficou em 334º lugar, com apenas 3.490 votos. Em 2006, tentou concorrer ao Senado pela mesma sigla, mas teve a candidatura indeferida pela Justiça Eleitoral.

Perguntei se ela teme que o PMB seja visto como mais uma legenda de aluguel. "Isso nós jamais vamos admitir", respondeu. "Agora, se nos chamarem de nanicos, eu não vou me incomodar", acrescentou.

O estatuto do partido defende a "não submissão da mulher em relação ao poderio ainda dominante do homem brasileiro". Isso não quer dizer que será solidário às bandeiras feministas. "Sou contra a legalização do aborto", diz a dirigente. Dos sete deputados filiados, quatro são da Frente Parlamentar Evangélica.

Segundo a presidente, o PMB não tem opinião formada sobre os temas mais quentes em Brasília. Governo ou oposição? "Seremos independentes", ela responde. Ajuste fiscal? "Vamos votar caso a caso". Cassação de Eduardo Cunha? "Não temos nenhum posicionamento".

A nova sigla já foi usada pelo empresário Silvio Santos, que tentou disputar a Presidência pelo extinto Partido Municipalista Brasileiro. Agora era cobiçada pelo deputado Capitão Augusto, que circula na Câmara de farda da PM. Ele queria registrar o Partido Militar Brasileiro, inspirado nas ideias do golpe de 1964, mas terá que escolher outro nome. "O PMB já é nosso", diz Suêd.