domingo, 21 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Objetividade é essencial à reforma administrativa

O Globo

Legislativo e Executivo fazem bem em trazer tema à pauta. Risco é perder foco em debates estéreis

É bem-vinda a intenção manifestada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de desengavetar a reforma administrativa. Menos por méritos específicos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) parada na Câmara e mais por recolocar em discussão uma reforma necessária e urgente, fundamental para aperfeiçoar a gestão do Estado e melhorar os serviços prestados ao cidadão.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta resistências conhecidas ao abordar o tema, por estar sob constante vigilância dos sindicatos ligados ao PT. Prova disso foi já ter convocado para março um concurso unificado para contratar 6.600 novos servidores públicos federais, quando o ideal seria contratá-los dentro de um novo regime. Mesmo assim, diante de um movimento que se desenha inevitável, o Executivo tomou a iniciativa de elaborar uma proposta alternativa de modernização da gestão de pessoal, a cargo dos ministros da Gestão e Inovação, Esther Dweck, e da Fazenda, Fernando Haddad.

Alberto Aggio* - Uma Democracia Calcificada? (1)

Revista Será? 

A polarização política está “calcificada” no Brasil1. É o que nos dizem. A metáfora induz, inevitavelmente, a muitas reflexões. Numa fratura de osso, por qualquer razão, a calcificação é benéfica para sua restauração. Entretanto, para além dos ensinamentos médicos, a metáfora utilizada quer sintetizar o problema atual da nossa democracia: seu “engessamento”, ou seja, seu enrijecimento a partir da contraposição de dois polos. Mais do que isso, a expansão dessa nova situação para diversas dimensões da vida; uma “calcificação” que não regenera o organismo, ao contrário, o debilita. Pode bem ser verdade que a metáfora tenha lugar na realidade. Mas, talvez seja importante entendermos as razões que nos levaram a isso e até que ponto pode se tratar de uma condenação.

Em primeiro lugar, concordo com o diagnóstico de que a polarização política que vivemos não é artificial. Ela é real. Em perspectiva, ela é catastrófica para o futuro do país porque os dois polos parecem não ter nenhuma perspectiva em ultrapassá-la. Agregaria também que ela não pode ser vista como um problema conjuntural ou mais especificamente eleitoral e, por isso, talvez não seja mesmo possível ultrapassá-la levando em conta as relações de força presentes. Assim, os riscos à democracia, ao que tudo indica, permanecerão latentes.

Merval Pereira - Tão fake quanto real

O Globo

Ao dizer que a Lava-Jato foi uma “mancomunação” de juízes e promotores com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Lula poderia ser enquadrado na investigação de fake news coordenada pelo ministro Alexandre de Moraes.

Quando o ex-ministro José Dirceu advertiu recentemente que o PT deveria atentar para o fato de que a direita brasileira está organizada e atuante, enquanto a esquerda se perde em divisões internas contra a política econômica e se afasta dos interesses diretos do cotidiano dos cidadãos, falava com a experiência de quem conhece o PT por dentro, e com a inegável liderança histórica esquerdista, goste-se dele ou não.

Ao mesmo tempo em que volta a vocalizar seus pensamentos, Dirceu busca uma saída para se ver livre das condenações que ainda cumpre em regime aberto. Para se ter uma ideia de como é viável essa aposta, não há mais nenhum político preso pelo mensalão ou pelo petrolão. Todos, ou foram anistiados pelo STF, ou tiveram suas penas anuladas por supostos erros técnicos, ou por prescrição. Antes do mensalão, somente um político havia sido condenado pelo Supremo em toda sua história. Hoje, todos os condenados estão soltos.

Elio Gaspari - A encrenca dos planos está aí

O Globo

Judicialização se tornou parte do negócio. Nega-se o atendimento. Se o cliente vai ao tribunal, atende-se. Se não vai, lucra-se

As repórteres Fabiana Cambricoli e Ana Lourenço revelaram que o plano de saúde Hapvida Notre Dame, o maior do mercado, descumpre liminares concedidas pela Justiça protegendo seus clientes. Só no Foro Central Cível de São Paulo, ela ignorou mais de cem liminares nos últimos oito meses de 2023. A empresa informa que apenas exerce o seu direito de defesa. Vá lá.

Descumprindo liminares, a Hapvida mostra que a astúcia das operadoras de planos de saúde está mudando de patamar. Até agora, em algumas empresas, prevalecia um modelo de gestão. O cliente pagava o plano, precisava do serviço e ele era negado. Quem podia, além de ter um contrato com a operadora, tinha também um advogado. Recorria a ele e, se conseguisse a liminar, resolvia a questão. Se não tivesse advogado, ralava.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, nos três primeiros meses de 2023 foram abertas 25.700 ações contra planos de saúde. Assim, a melhor maneira de cuidar da saúde recomendava a compra de dois serviços: o da operadora e o do advogado.

Dorrit Harazim - Os errantes

O Globo

Ele é danado, esse migrante, apátrida, exilado, expatriado, deslocado, expelido à força. Teima em buscar um chão

Muros são a representação física mais simplória de mundos que se querem isolados. Em toda a Europa de 1989, ano da queda do Muro de Berlim, existiam apenas quatro demarcações de fronteiras semelhantes no Velho Continente. No início do milênio, outras 30 haviam sido erguidas, todas destinadas a barrar não mais o específico inimigo armado de antanho, e sim um animal genérico, desprovido de retaguarda e futuro: o ser humano errante. Ele é danado, esse migrante, apátrida, exilado, expatriado, deslocado ou expelido pela força. Ele teima em buscar um chão, em alguma parte, a qualquer risco. Antes, porém, com igual tenacidade, terá se agarrado ao pedaço de teto que sempre chamou de seu. Assim tem caminhado a humanidade. Dois episódios ocorridos na semana passada fazem parte desse caldeirão.

Eliane Cantanhêde - Três erros em um

O Estado de S. Paulo

Com Abreu e Lima, Lula traz de volta Chávez, Lava Jato, combustíveis fósseis e... implicância com EUA

O presidente Lula, que gosta de brincar com fogo, já queimou a largada em 2024 ao trazer de volta às manchetes a Refinaria Abreu e Lima, que carrega dois fantasmas e uma advertência: o maior escândalo de corrupção da história, as ligações perigosas de Lula e do PT no contexto externo e o risco de andar na contramão, quando o mundo todo e o Brasil, em particular, caminham em direção à energia verde. Energia verde com refinaria?

Não satisfeito, Lula sobrepôs um erro ao outro: a aposta na Abreu e Lima e a implicância com os EUA. Segundo ele, seus governos fizeram tudo certinho e a Lava Jato foi culpa da “mancomunação” do Departamento de Justiça americano com “juízes e procuradores”, porque os EUA nunca aceitaram que o Brasil tivesse uma Petrobras. Delírio? Autoengano? Ou me engana que eu gosto?

Jorge Caldeira* - Natureza restaurada: o mercado ajuda?

O Estado de S. Paulo

Alternativas palatáveis para negacionistas ambiciosos ou suportáveis para amantes da natureza preservada

As questões transcendentes sobre uma nova relação entre homem e natureza são muitas, precisam ser resolvidas – mas estão muito além do razoável, quando é preciso lidar com os problemas do dia a dia. São esses que mais exigem esforço, especialmente, como é meu caso, quando as viagens intelectuais na maionese levam para muito longe do mundo real.

Ainda bem que aprendi com Luiz Seabra. Ele tem a sabedoria de poucos quando se trata de pensar grande – mas também pousa a nave com grande competência. Em nossas primeiras conversas, aproveitei a companhia para estender a prosa até fronteiras de mundos nos quais o homem jamais esteve. Muito bom, até ouvir a frase fatal:

Celso Lafer* - A Declaração Universal e a ciência

O Estado de S. Paulo

Importância do direito à ciência é crescente em função da velocidade com que a cultura científica altera as condições da vida

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948. Ela tem o significado de um evento inaugural ao reconhecer a importância do “direito a ter direitos” das pessoas como critério organizador da convivência coletiva. Ela traçou uma política de direito que foi aprofundando por meio de tratados internacionais o alcance de uma plataforma emancipatória do ser humano, inerente ao seu preâmbulo e ao articulado dos seus 30 artigos.

Uma dimensão emancipatória contemplada pela declaração que tem sido menos destacada é o direito à ciência. Trata-se, como diz o enunciado do seu artigo 27, de um direito de participar “do progresso científico e de seus benefícios”. Sua importância é crescente em função da velocidade do processo com o qual a cultura científica da pesquisa básica e aplicada altera de maneira constitutiva as condições da vida no interconectado mundo contemporâneo.

É o que gera novos riscos e oportunidades para o ser humano, por exemplo no âmbito da saúde e do meio ambiente que só a ciência tem condição de gestionar.

Muniz Sodré* - Violência tem espírito

Folha de S. Paulo

Caos só pode ser contido por plenitude democrática e por reeducação da vida, isto é, das mediações institucionais

Há muito se fala de terra, com razão, como grande questão social brasileira. Depois, a racial. Agora a segurança pública subiu ao pódio, a gravidade tem sacudido a letargia oficial. Enxuga-se gelo. Mas também se verifica que paliativos pontuais aliviam a sensação de insegurança, em especial durante megaeventos como o Réveillon carioca, tranquilo este ano.

É imperativo, porém, associar anomia criminosa à violência estrutural, de proporções alarmantes, como condição da profunda desigualdade social, que exaspera as situações de carência e abre espaço para discursos populistas, cada vez mais corruptores da institucionalidade democrática.

Celso Rocha de Barros - Cada um que sustente sua igreja

Folha de S. Paulo

Governo Lula fez bem em rever benefício concedido na gestão de Bolsonaro

Em 2022, Jair Bolsonaro te fez ajudar a pagar o imposto de todos os líderes religiosos do Brasil, inclusive de quem não é da sua igreja, inclusive se você for ateu. Na semana passada, Lula livrou você dessa obrigação.

Pouco antes da eleição de 2022, Bolsonaro dispensou os líderes religiosos de pagar contribuição previdenciária. Com medo de perder, Jair tentou comprar o apoio de líderes religiosos, na esperança de que fizessem campanha para ele junto a seus fiéis.

Enquanto fazia isso, Jair também gastava uma fortuna em dinheiro público para tentar se reeleger. Isto é, aumentou o rombo que nós, brasileiros, precisamos cobrir com nossos impostos.

Bruno Boghossian - Lula no figurino de Lula

Folha de S. Paulo

Poucos presidentes aproveitaram palanques oficiais como o petista em seus governos anteriores

Lula subiu em três palanques em menos de 48 horas. Na Bahia, em Pernambuco e no Ceará, o presidente fez o que governantes fazem quando querem mostrar serviço e fazer política: assinou o acordo para o início de uma obra, festejou a retomada de outra e lançou a pedra fundamental de uma terceira. Discursou de improviso e vestiu seu figurino.

O petista é um presidente palanqueiro por excelência. Quase todos são, por gosto ou obrigação —a única exceção recente talvez seja Michel Temer, a quem faltavam popularidade e disposição. Mas poucos aproveitaram esse espaço para cultivar uma imagem e fortalecer uma conexão com suas bases como Lula em seus dois governos anteriores.

Nesses eventos, Lula lançava planos políticos gestados em gabinetes (o batismo de Dilma Rousseff como "mãe do PAC"), apontava quem deveria ser identificado como aliado (o palanque que dividiu com Fernando Collor em 2009) e marcava o nome de rivais (a promessa de "extirpar" o DEM da política brasileira).

Vinicius Torres Freire - O Brasil e o futuro dos Carros

Folha de S. Paulo

País planeja e subsidia um mundo de mobilidade que estará morto em uma década

A euforia com o avanço dos carros elétricos no mercado tem levado uns baldinhos de água fria desde o final do ano passado. Alguns dos maiores fabricantes de veículos ocidentais têm anunciado que vão desacelerar planos de expansão de fábricas de elétricos. A Tesla de Elon Musk adiou fábrica nova no México. A Ford americana reduziu a produção da versão elétrica de sua picape F-150. A General Motors também adiou a produção de picapes. A procura de carros elétricos no mundo ocidental não cresce tanto como se previa. Apesar da velocidade reduzida, o negócio cresce.

Nos Estados Unidos, as vendas de automóveis elétricos (apenas a bateria) eram 5,1% do mercado no primeiro trimestre de 2022. No trimestre final de 2023, de 8,1% (no total dos elétricos, perto de 18%), segundo o Kelley Blue Book, da consultoria Cox Automotive. A venda de elétricos (bateria) crescia a 52% ao ano no final de 2022; no final de 2023, a 40%. Na China e na Europa, o avanço dos elétricos é maior.

Hélio Schwartsman - A maior invenção do homem

Folha de S. Paulo

Livro sustenta que cidades são as responsáveis por riqueza e criatividade das sociedades de hoje

A maior invenção da humanidade não foi a roda e nem mesmo a escrita. Foram as cidades. Juntar um monte de gente num espaço mais ou menos restrito e fazer as pessoas interagirem umas com as outras foi o que permitiu a especialização do trabalho à qual devemos não apenas o brutal aumento da produtividade como também a explosão de criatividade que caracterizam as sociedades humanas. A história da humanidade é em boa medida a história das cidades.

"Age of the City", de Ian Goldin e Tom Lee-Devlin, faz um esboço dessa história e discute os desafios diante de nós. Fui um pouco faccioso no parágrafo anterior ao destacar só efeitos positivos da urbanização. Ela também traz um bom número de problemas, que vão de doenças à desigualdade, passando pela erosão da democracia e a mudança climática.

Ruy Castro - A tarde do meu bem

Folha de S. Paulo

Teatro, shows, filmes, festas, os jovens hoje querem tudo começando mais cedo; aonde iremos parar?

Ouço dizer que a noite está acabando. Peças de teatroshowsfilmes, danças, festas, tudo hoje tem de começar mais cedo para terminar mais cedo, antes de meia-noite. As pessoas querem ir embora a tempo de pegar a condução para casa. Acham também mais seguro sair ainda com gente em volta. Outros alegam escola ou trabalho na manhã seguinte. Ninguém mais quer saber da madrugada e, para minha surpresa, não são os coroas, a turma do sub-80, que já trocou faz tempo o Johnny Walker pelo Ovomaltine. Pasme: é uma exigência da geração Z, a atual galera entre 20 e 30 anos.

Poesia | Desencanto, de Manuel Bandeira

 

Música | Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo - Frevo Mulher