quinta-feira, 30 de março de 2023

Merval Pereira – Multiversos

O Globo

Só acreditando em universos paralelos é possível entender que tanta gente continue dando a Bolsonaro apoio consolidado

O guru da extrema direita mundial Steve Bannon disse em entrevista à Folha de S.Paulo que a questão das joias das Arábias não tem a menor importância e que Bolsonaro continua com a mesma força, assim como Trump nos Estados Unidos. Estou entre os que não gostaram do vencedor do Oscar “Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo”, mas devo admitir que só acreditando em universos paralelos é possível entender que tanta gente continue dando a Bolsonaro apoio consolidado.

As lambanças que andou fazendo não afetam a militância. Ele está ferido de morte com quem não é bolsonarista nem extremista e o preferiu ao PT pelo que considerava um mal menor. Esse grupo, que é forte, está desembarcando dele, mas não embarca no PT, não da maneira como o governo vai se conduzindo, repetindo comportamentos que pareciam exclusivos de Bolsonaro, mas acabam se revelando uma posição comum a autocratas.

Juca Chaves morreu, e o governo que preza a cultura foi incapaz de enviar uma manifestação de pêsames, assim como Bolsonaro se calou diante da morte de Gal Costa ou de Erasmo Carlos. Juca Chaves é o autor de uma modinha satírica sobre o mensalão que o colocou no índex petista, assim como Gal e Erasmo eram considerados inimigos pelos bolsonaristas. Bolsonaro vivia às turras com os jornalistas, e o ministro da Secretaria de Comunicação Social de Lula, o jornalista acidental Paulo Pimenta, destrata uma jornalista na televisão e inventa uma instituição oficial de checagem de informações.

Maria Hermínia Tavares* - Às classes médias 'órfãs de governo'

Folha de S. Paulo

Demanda das ruas em 2013 já trazia necessidade de políticas sociais de qualidade

Desde que assumiu, o presidente Lula acenou mais de uma vez com a possibilidade de criar iniciativas voltadas para as chamadas classes médias. Segundo ele, por não serem contempladas com políticas públicas, acabam órfãs "de pai, mãe e governo".

Há bons motivos para que uma gestão progressista focalize esse setor tão heterogêneo quanto eleitoralmente importante. Afinal, parcela significativa dele se situa no campo antipetista, muitos habitando rincões colonizados pelo bolsonarismo.

Apropriadamente, Lula o citou ao falar do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Ocorre que, se for mesmo levado a sério, o desafio exigirá um conjunto de ações possíveis nas áreas econômica e social. A mais óbvia consistirá em incorporar princípios de progressividade à reforma tributária.

O governo terá de pensar também em abordar as grandes políticas sociais —saúde e educação— não só do ângulo da cobertura mas sobretudo da qualidade dos serviços oferecidos.

Subfinanciado, o SUS, eficaz na atenção básica à saúde, deixa a desejar quando seus beneficiários demandam serviços mais complexos. De seu lado, as escolas públicas, que atendem mais de 70% das crianças no ciclo fundamental, têm notórias falhas no ensino de habilidades básicas. Não por acaso, tão logo aumenta a renda da família, ela busca um seguro saúde privado e procura matricular suas crianças em escolas particulares.

Malu Gaspar - O arcabouço e o apito

O Globo

O desfecho da primeira temporada da série do arcabouço fiscal, que deixou ontem o Palácio do Planalto para ser apresentado ao Congresso, traz informações importantes para compreender o rumo do terceiro mandato de Lula — tanto sobre como ele manobrará as peças do governo como sobre o novo desenho geopolítico de Brasília. Acima de tudo, porém, ensina uma lição bem útil sobre como tratar as guerras internas do governo e os chamados que o presidente da República lança ao debate público.

A constatação mais óbvia é que Lula continua fiel ao velho método de deixar os subordinados se digladiarem para depois arbitrar a disputa, de preferência optando pelo pragmatismo. Foi assim no primeiro e no segundo mandato, e o resultado do embate fiscal sugere que será igual no terceiro.

Não quer dizer, claro, que a decisão será sempre a melhor para o país ou que não haverá escorregões. Mas serve de aviso aos navegantes do novo momento político: é bom tomar cuidado antes de aderir incondicionalmente aos “apitos de cachorro” do presidente da República para controlar a narrativa sobre seu próprio governo.

Luiz Carlos Azedo - Volta de Bolsonaro mobiliza a oposição de rua

Correio Braziliense

Se a polarização com os bolsonaristas foi boa para Lula chegar ao segundo turno e nele derrotar Bolsonaro, porém não será boa para a sua governabilidade

O ex-presidente Jair Bolsonaro volta ao Brasil “causando”, como se diz nas redes sociais. A mobilização bolsonarista para aguardá-lo no aeroporto de Brasília, hoje, pretende ser uma demonstração de força, ainda que as autoridades do Distrito Federal (GDF) tenham tomado medidas para evitar uma grande manifestação política no desembarque principal do aeroporto e uma carreata em carro aberto até a Esplanada dos Ministérios. Toda a bancada bolsonarista no Congresso está sendo mobilizada para recepcioná-lo.

Bolsonaro foi intimado pela Polícia Federal a prestar esclarecimento, juntamente com seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, sobre o caso das joias recebidas pelo presidente na Arábia Saudita. O segurança de Bolsonaro Marcelo Câmara também foi intimado. O depoimento foi marcado para 5 de abril, às 14h30. Até lá, o ex-presidente terá uma semana de alta exposição política, ainda que negativa, principalmente nas redes sociais, em que continua forte a presença bolsonarista.

O clima no Congresso já reflete a rearticulação dos bolsonaristas e a polarização com o governo. Embora presidida pelo deputado petista Rui Falcão (SP), a Comissão de Constituição e Justiça é um palco bolsonarista. Como controlaram o colegiado por quatro anos, os aliados de Bolsonaro têm cancha para fazer muito barulho. O bate-boca de ontem entre os deputados André Janones (Avante-MG), governista, e Alberto Fraga (PL-DF), aliado do ex-presidente, mostra bem o clima que está se criando.

William Waack - Os ‘socos na boca’ que Lula tem levado

O Estado de S. Paulo

Os planos de governo de Lula enfrentam dificuldades com a realidade

Mike Tyson tinha um soco formidável e uma perfeita definição do que é estratégia: “Todo mundo tem um plano até levar um soco na boca”. Supondo que Lula tenha como plano transformar o Brasil segundo suas visões políticas, já levou vários socos na boca. Em outras palavras, nenhum plano resiste ao primeiro contato com a realidade. É o que está acontecendo com os planos do presidente.

Promessas de campanha não cabem no Orçamento. Não cabem na nova constelação de poder no sistema de governo, com a ampliação das prerrogativas do Congresso. Não cabem num ambiente político de polarização calcificada e enorme oposição social ao governo do PT.

O cerne do plano de Lula é bem evidente. Trata-se de poder expandir sem muitos limites os gastos públicos esperando que tragam progresso para o País. Enquanto ele, árbitro e negociador máximo, acomoda no “gogó” interesses diversos e antagonismos que vão surgindo pelo caminho. Se deu certo antes, vai dar certo agora.

Maria Cristina Fernandes - O garrote bolsonarista

Valor Econômico

Congresso sonha com equação fiscal da era Bolsonaro

A chegada do arcabouço fiscal ao Congresso coincidirá com a volta do ex-presidente Jair Bolsonaro ao país. Um movimento é a condição imposta pelo Banco Central para considerar uma trajetória de redução na taxa de juros com a qual o governo espera tirar a economia da letargia. O outro movimento é a tentativa de, no grito, impedir que isso aconteça.

É no Congresso que os dois movimentos ganham sintonia. Não faltam sinais de que os parlamentares pretendem endurecer o arcabouço. A ver como o modelo a ser apresentado trata as brechas para isso. Quanto mais parecido com o teto de gastos, melhor este arcabouço será para os parlamentares. Foi com o garrote no Executivo que o Legislativo avançou com o orçamento secreto no governo Bolsonaro, o Eden do poder parlamentar.

A contenda entre Câmara e Senado em torno da tramitação das medidas provisórias completa o tripé. Derrotado na tentativa de manter o rito adotado durante a pandemia - e vigente durante quase toda a era Bolsonaro -, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), busca aumentar o espaço dos deputados nas comissões mistas por onde tramitam as MPs. É com a alocação de cargos e relatorias nessas instâncias parlamentares que Lira arbitra as disputas na Casa, consolida seu poder e dimensiona a base parlamentar a ser “alugada” ao Executivo.

Cristiano Romero - Escolas em guerra. Desde sempre

Valor Econômico

Educação, aqui, sempre foi para muito poucos

Quem frequenta ou frequentou escolas públicas no Brasil sabe que a violência nessas instituições não é episódica, mas, sim, uma característica nacional, inscrita no caráter desta sociedade desde sempre. Não é difícil entender o porquê, ainda que um ou outro caso não se enquadre nas razões que explicam mais uma das nossas tantas chagas sociais.

Quem já frequentou escola pública neste país certamente testemunhou casos de violência envolvendo alunos, professores, funcionários e pais dos estudantes. Trata-se de algo diário, tão cotidiano quanto a sucessão dos dias no calendário escolar.

Ora, a maneira como esta sociedade lidou e ainda lida com a educação de seu povo explica quase tudo. Durante a vigência da escravidão, portanto, por quase 400 anos, escravos eram proibidos de estudar. Aos alforriados era permitido frequentar escolas, desde que tivessem renda, propriedades e uma determinada quantia em dinheiro, uma fortuna inalcançável para a maioria dos cidadãos na segunda metade do século XIX. Estados como o Rio de Janeiro proibiam negros e pessoas com doença contagiosa de estudar em suas escolas.'    

Celso Ming - O crédito estrangulado

O Estado de S. Paulo

A sensação é de forte sufoco no crédito. Parte desse sufoco já tem medida. Em fevereiro, as operações de crédito livre caíram 9,6%, na comparação com o mês anterior, como revelou nesta quarta-feira o Banco Central.

Março ainda não fechou suas estatísticas, mas o estrangulamento deve continuar. Apenas o segmento do crédito consignado para aposentados – aquele em que as prestações mensais vêm descontadas automaticamente do pagamento da aposentadoria – parece ter sido retomado pelos bancos.

Os números oficiais do Banco Central não revelam o problema por inteiro, porque não apontam o que acontece na faixa do crédito comercial, que tem a ver com o prazo que o fornecedor concede para o pagamento do cliente, aqueles 60, 90, 120 dias fora o mês para liquidação de duplicatas, fora da rede bancária.

Felipe Salto - A Agenda Tebet

O Estado de S. Paulo

Esforço para revisar políticas que hoje têm polpudos espaços no Orçamento, mas sem resultado à altura, poderia gerar uma ‘pequena’ revolução

A ministra Simone Tebet passou a conversar com interlocutores da sociedade civil para falar da agenda econômica do governo. Tebet montou uma ótima equipe, que trabalha em pautas potencialmente importantes para modernizar a gestão das contas públicas. Nesta semana, recebemos a visita da ministra, que gentilmente aceitou meu convite para uma conversa na Warren Rena.

No Ministério do Planejamento e Orçamento, Tebet elaborou uma agenda prioritária: a adoção das revisões periódicas do gasto (as spending reviews), a reformulação do Plano Plurianual (PPA), a avaliação de políticas públicas e a colaboração com a Fazenda em temas como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária.

O PPA precisa ter maior importância no regramento orçamentário. Da forma como é hoje, não constitui uma baliza para a elaboração das propostas orçamentárias anuais. Ele acaba sendo adaptado ao sabor da conjuntura. É o simétrico oposto do que se espera de um planejamento estratégico. O PPA, infelizmente, não funcionou, apesar da boa intenção dos constituintes, há 35 anos, que introduziram esse elemento no Capítulo de Finanças Públicas.

Míriam Leitão - O grande ajuste de Haddad e Lula

O Globo

O ministro da Fazenda e o presidente aprovaram uma proposta forte de ajuste fiscal de três pontos percentuais do PIB em um mandato

O governo Lula se propõe a fazer em quatro anos um ajuste de três pontos percentuais do PIB e isso é um enorme esforço. Ontem, o que foi aprovado na conversa do Palácio do Planalto é que essa administração, que se iniciou com pouco mais de 2% de déficit público, chegará a 1% de superávit primário no final do mandato. Isso será conseguido por etapas, mas com passos fortes. O desequilíbrio entre receita e despesa será zerado no ano que vem, depois em 2025 haverá um superávit de 0,5% do PIB e no último ano, um superávit de 1% do PIB.

Como chegar lá, se o governo começou com o país com desequilíbrio para este ano de R$ 230 bilhões? Primeiro, o ajuste já começou a ser feito. As medidas iniciais do ministro Fernando Haddad corrigiram algumas evasões fiscais e, em parte, as desonerações indevidas. Na entrevista que me concedeu, ainda antes da posse, ele me disse que o déficit de R$ 230 bilhões não ocorreria. E realmente o país deve fechar este primeiro ano com um pouco mais de R$ 100 bilhões.

Segundo, o arcabouço apresentado ontem pelo ministro Fernando Haddad aos líderes políticos da Câmara, depois de aprovado pelo presidente. Ele parte do ponto de que a despesa crescerá menos que a receita, e haverá mecanismos de ajustes em caso de não atendimento desse parâmetro. Isso levaria ao superávit de 1% no último ano do governo.

Adriana Fernandes - Bolsonaro volta em dívida

O Estado de S. Paulo

O ex-presidente pode até fazer muito barulho no seu retorno ao Brasil, mas tem muito o que explicar

Ao aterrissar em Brasília hoje, depois de três meses fora do Brasil, o expresidente Jair Bolsonaro deve trazer, em sua bagagem, uma miríade de explicações para tentar se livrar das acusações graves que recaem sobre ele nos escândalos das joias árabes, fatos que têm sido revelados numa série de reportagens pelo Estadão desde o dia 3 de março.

Pesam sobre o ex-presidente casos graves, como ocultação de bens milionários que deveriam, conforme determinam a lei e o Tribunal de Contas da União, ser incorporados como bens do Estado brasileiro, e não joias de diamantes para se esconder dentro das instalações de uma fazenda de um amigo e seguidor, o ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, em Brasília.

Todas as evidências, como apontam diversos juristas notáveis, indicam para, no mínimo, crime de peculato, que acontece quando um agente público – neste caso, o presidente – se vale do cargo que ocupa para ficar com bens que são da população, e não de seus cofres secretos.

Bruno Boghossian - Desembarque dirá pouco sobre o futuro político de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Ex-presidente queria encenar retorno heroico no 1º dia, mas teste será feito nos 1.284 dias seguintes

Jair Bolsonaro queria uma festa em seu retorno ao país. Planejou recepção no saguão lotado do aeroporto, desfile em carro aberto e discurso para uma multidão. A ideia era encenar uma espécie de retorno heroico, como se o isolamento de três meses nos EUA não tivesse sido a escolha livre de um político abatido.

O programa foi vetado por órgãos de segurança de Brasília, mas não seria prudente descartar uma nada espontânea quebra de protocolo. A experiência bolsonarista já mostrou que o líder e seus seguidores se alimentam de um desafio infantil a autoridades e regras em geral.

O primeiro dia de Bolsonaro em solo brasileiro como ex-presidente dirá pouco sobre seu futuro ou sobre o vigor da extrema direita. Esse teste será feito nos 1.284 dias seguintes, até 2026. O capítulo desta quinta (30) será apenas uma demonstração de como ele pretende ser visto.

Ruy Castro - Ali Babá e os 40 Bolsonaros

Folha de S. Paulo

As joias da Arábia já deixam longe, em milhões, o Fiat de Collor e o sítio e o tríplex de Lula somados

Sugiro que, ao descer nesta quinta-feira (30) em Brasília e contornar a alfândega, Bolsonaro seja pendurado pelos pés até se certificarem de que abotoaduras de ouro e Rolexes de diamantes não cairão de seus bolsos. Eu sei, Bolsonaro não está chegando da Arábia Saudita, cujo ditador, o príncipe Mohammed bin Salman, cumulou-o de presentes milionários como prova de afeto pessoal e, quem sabe, gratidão por serviços prestados. Vem de três meses de aprisco em Orlando, Flórida, urbe identificada com o Pateta —erroneamente, já que os únicos patetas por lá são os turistas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Interesse público deve prevalecer na regulação digital

O Globo

Agência de checagem vinculada ao Estado, como quer o governo, não passa de desperdício de dinheiro

Não passa de desperdício de dinheiro público o lançamento de uma agência oficial de checagem contra desinformação promovido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom). Em toda democracia que se preze, não cabe ao governo ter a pretensão de determinar que informação é fraudulenta. O site Brasil contra Fake, lançado pela Secom, não passa de instrumento de propaganda para tentar desqualificar informações negativas ao governo. O mais provável é que só dissemine uma interpretação favorável do noticiário.

O combate à desinformação é essencial, necessário e ganhou nova relevância depois do 8 de Janeiro, em particular para nossa democracia, alvo dos ataques violentos. Mas obviamente não passa pela criação de um organismo estatal cuja missão já é exercida com competência pela imprensa profissional. Há iniciativas bem mais importantes se o objetivo é coibir o uso das redes sociais para cometer crimes.

A primeira é a aprovação do Projeto de Lei das Fake News, em debate há anos no Congresso. A última versão do texto, sob a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), busca inspiração na mais moderna legislação europeia. Na essência, deixa de eximir as plataformas digitais de responsabilidade pelo conteúdo que veiculam. Estabelece que elas precisam ter um “dever de cuidado” com o ambiente social em que a informação circula, cria mecanismos transparentes de moderação e exclusão de contas e conteúdos, impondo que, a partir do momento em que são informadas por usuários de algo que viole a lei, passam a ser corresponsáveis pelas consequências.

Poesia | Perguntas de um operário que lê (Bertolt Brecht)

 

Música | Maria Creuza - Você Abusou