segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Fernando Gabeira - As redes sociais e o nó na democracia

O Globo

Extrema direita soube criar câmaras de eco onde indivíduos se deixam aprisionar, nutrindo-se das mesmas fontes de notícia

Marx dizia que a História não coloca problemas que não possam ser resolvidos. Certamente, ele se referia a uma síntese de conhecimentos, a uma inteligência coletiva. Sozinho no meu canto, não consigo imaginar, no momento, uma saída para o nó que a revolução digital trouxe para a democracia. Penso nas eleições, em Donald Trump e Jair Bolsonaro, no Brexit, na invasão do Capitólio, no 8 de janeiro no Brasil.

Os passos iniciais da internet trouxeram muita esperança. Lembro-me do primeiro laptop que usei como correspondente da Folha de S.Paulo em Berlim, no início da década de 1990.

Quando voltei ao Brasil, ainda nos anos 1990, criei, como deputado, um site para prestar contas aos eleitores. Foi algo novo, inspirou uma reportagem no jornal Le Monde. Não havia muita gente ligada ainda. Mesmo assim, lembro-me de meu otimismo. Costumava dizer que a internet era um espaço onde o erro e a mentira duravam muito pouco, pois sempre aparecia alguém para corrigir.

Demétrio Magnoli - A História interrompida

O Globo

Goste ou não, Haddad é o herdeiro das escolhas feitas entre 2005 e 2007

Frustrou-se, uma vez mais, a profecia tantas vezes repetida da convergência final entre PT e PSDB. Prevaleceu uma lógica férrea, escrita nas estrelas. Foi Haddad, que perambula como um condenado, preso à armadilha da desconfiança, falando sem parar na tentativa de rimar “responsabilidade social” com “responsabilidade fiscal”. Não foram Persio ou Arminio, que nada precisariam dizer, como tantos sonharam na hora da “carta dos economistas”, marco da ilusória frente democrática do segundo turno. Quem quiser entender o desenlace precisa ler “Eles não são loucos — Os bastidores da transição presidencial FHC-Lula” (Portfolio-Penguin), do jornalista João Borges.

“Eles não são loucos” foi a mensagem transmitida muitas vezes por Ilan Goldfajn e Murilo Portugal, em nome do governo de FH, a interlocutores do Tesouro dos EUA e do FMI, no ano quente de 2002, quando se duvidava da sanidade macroeconômica do provável futuro governo Lula. No fim daquele ano, durante uma transição presidencial modelar, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o presidente do BC, Arminio Fraga, operaram como conselheiros de Antonio Palocci, que assumiria a Fazenda de Lula, sugerindo diversos nomes que comporiam sua equipe econômica.

Bruno Carazza* - Exonerar e dispensar, os verbos preferidos de Lula

Valor Econômico

Governo demora em nomear indicados

A edição de quarta-feira (18/01) do Diário Oficial da União trouxe a nomeação de José da Silva Catalão para o cargo de Assistente do Gabinete Pessoal do Presidente. O ato tem impacto político e financeiro diminutos, pois se trata de uma posição intermediária (numa escala de dezoito degraus, trata-se do nível 7). A mensagem é muito mais simbólica.

Catalão foi copeiro durante a primeira passagem de Lula pelo Palácio do Planalto e continuou a exercer suas funções na gestão de Dilma Rousseff. Após o impeachment, ele foi exonerado imediatamente por Michel Temer, numa onda de demissões coletivas que não poupou nem o senhor que servia o cafezinho no terceiro andar do prédio.

Sergio Lamucci - O custo das críticas de Lula ao Banco Central

Valor Econômico

Se Lula e seus ministros embarcarem na tarefa de criticar o BC, o resultado será mais incerteza e, com isso, juros futuros mais altos e câmbio desvalorizado

As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre economia têm criado ruídos com grande frequência, levando a episódios de desvalorização do câmbio, alta dos juros futuros e queda da bolsa. Mesmo após as eleições, Lula não alterou o tom dos pronunciamentos sobre o tema, o que alimenta incertezas em especial sobre as contas públicas. Na quarta-feira passada, foi a vez de o presidente fazer críticas à autonomia do Banco Central (BC) e à meta de inflação, numa semana em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia concentrado a sua participação no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em convencer os participantes de que o Brasil seguirá políticas responsáveis. É um tiro no pé, que pode retardar o começo do ciclo de queda dos juros, ao pressionar o câmbio e contribuir para desancorar as expectativas de inflação.

Carlos Pereira - Sociedade se divide entre garantistas e punitivistas

O Estado de S. Paulo

Eleitores desconfiam do Judiciário quando este pune o político que amam

Temos observado uma completa inversão na percepção dos eleitores brasileiros em relação à confiança que depositam no Judiciário.

Quando o STF deu suporte à Lava Jato, com sua estratégia coordenada de atuação entre juízes, procuradores e investigadores, atingindo resultados sem precedentes na luta contra a corrupção, com a recuperação de recursos vultosos e a imposição de perdas judiciais não triviais às principais lideranças do PT, os eleitores de esquerda rejeitavam a atuação coordenada da Justiça.

Acreditavam que tais ações coordenadas, embora aumentassem a eficiência no combate à corrupção, poderiam colocar em risco os direitos individuais dos acusados. Por outro lado, os eleitores de direita apoiaram de forma consistente as ações coordenadas da Lava Jato que aumentassem a eficiência dos agentes da Justiça contra a corrupção, mesmo que os direitos individuais dos acusados pudessem vir a ser prejudicados.

Camila Rocha - As Forças Armadas na mira da opinião pública

Folha de S. Paulo

Troca de comando foi o primeiro passo para recuperar imagem do Exército

As Forças Armadas costumavam ser percebidas pela maioria dos brasileiros como uma instituição digna de confiança. Hoje, a instituição transmite insegurança, irresponsabilidade e falta de patriotismo.

Em 2018, um levantamento do Latinobarômetro apontava que 58% da população confiava nos militares. Tal índice ficava atrás apenas da confiança depositada na Igreja Católica, e era fonte de orgulho nas casernas.

Contudo, o que explicava o contentamento com a instituição não era seu desempenho na defesa do país, mas sua atuação na área de assistência social. Atividades subsidiárias relacionadas à distribuição de cestas básicas, à vacinação em áreas de difícil acesso, solicitude aos vizinhos de quartéis, entre outras, eram tidas como demonstração de uma preocupação legítima em auxiliar as populações mais vulneráveis do país.

Lygia Maria - Ruídos na comunicação

Folha de S. Paulo

Foto de Gabriela Biló acende debate sobre novas tecnologias no jornalismo e gera agressões inaceitáveis no sistema democrático

Atrás de uma vidraça trincada, Lula sorri enquanto ajeita a gravata. Essa foto causou grande polêmica nos últimos dias. Gabriela Biló, fotógrafa da Folha, usou a técnica de múltipla exposição (quando se captam duas imagens no mesmo frame do filme).

Para alguns críticos, isso é fake news, já que a cena não estava dada na realidade. Seria uma distorção que privilegia a visão pessoal da autora em detrimento dos fatos.

Objetividade na imprensa é fundamental. No entanto esse aspecto não é nem essencialista nem funcionalista: o jornalismo não é apenas o relato frio e distanciado da realidade atual. Daí o conceito de "jornalismo opinativo" —que engloba colunas, crônicas, artigos— assim como a quebra paradigmática do "jornalismo literário" de Hunter Thompson entre outros.

Joaquim Barbosa reage a Mourão: ‘poupe-nos da sua hipocrisia, do seu reacionarismo’

Ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa rebateu declarações do vice de Bolsonaro, que criticou a troca de comando do Exército pelo presidente Lula

 André Borges / O Estado de S. Paulo

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, reagiu duramente às declarações dadas pelo ex-vice-presidente Hamilton Mourão, que criticou o governo Lula pela troca de comando no Exército.

Nas redes sociais, Joaquim Barbosa pede a Mourão que o agora senador eleito pelo Republicanos “poupe-nos da sua hipocrisia, do seu reacionarismo, da sua cegueira deliberada e do seu facciosismo político”. Barbosa afirma que “fatos são fatos!” e pede “mais respeito a todos os brasileiros!”

Os comentários foram feitos após Mourão divulgar uma entrevista publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, neste sábado, 21, em que Mourão critica a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ter determinado a demissão do comandante do Exército, Júlio Cezar Arruda, por insubordinação e resistência em anular a nomeação do ex-braço direito de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, que seria enviado para o comando de um batalhão do Exército em Goiânia (GO).

George Gurgel* - A tragédia Yanomâmi

Qual tribunal vai julgar os devoradores de florestas, de montanhas, dos solos, dos rios e do ar que respiramos?

Os fatos e as imagens anunciam e anunciavam a tragédia Yanomâmi. O Brasil e o mundo hoje e nos próximos dias vai saber, de maneira espetacularizada, a amplitude desta triste realidade. Ausências e responsabilidades escancaradas.

Quem vai responder pela tragédia Yanomâmi? Temos sociedade, estado e cidadania? Quais são os valores das nossas humanidades?

As montanhas estão sendo comidas pela mineração. Os rios estão sendo mortos por nós a cada dia. A floresta incendiada reaparece em forma de bizarros esqueletos seculares, um dia árvores frondosas… Os solos calcinados ficam esperando agrotóxicos para contemplar o ciclo da morte. As mudanças climáticas vão nos atormentando a vida.

Estamos vendo a vida sendo levada pela fumaça, pela falta de natureza, de trabalho, moradia, educação, comida, saúde… de quase tudo! A humanidade Yanomâmi vai a massacre, vertiginosamente.

Qual tribunal vai julgar os devoradores de florestas, de montanhas, dos solos, dos rios e do ar que respiramos?

A natureza vai se cansando de sinalizar. A tragédia foi anunciada, tantas vezes em gritos, lamentos e frustrações.

E o Brasil vai reagir? O que ainda pode acontecer? Ainda há tempo de ouvir e dialogar com a sabedoria e a espiritualidade Yanomâmi?

Qual é a nossa humanidade? (Salvador, 22 de janeiro de 2023)

*George Gurgel, professor da UFBa (Universidade Federal da Bahia) e do Instituto Politécnico da Bahia

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Amazônia traz desafio imenso a projeto de Marina

O Globo

Recuperar devastação não depende apenas do Meio Ambiente, mas de áreas infiltradas pelo bolsonarismo

Já se sabia, com base em todos os dados levantados pelos satélites que esquadrinham a região, que o rastro de destruição deixado pelo governo Jair Bolsonaro na Amazônia seria imenso. O desmatamento em dezembro foi o dobro do registrado no final de 2021. É como se os madeireiros e garimpeiros que atuam na clandestinidade tivessem pressa depois da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pelos dados do Imazon, os quatro anos de Bolsonaro produziram uma devastação de 35.193 quilômetros quadrados, maior que a área de Alagoas, ou 150% mais que nos quatro anos anteriores.

Marina Silva reassumiu o Ministério do Meio Ambiente para enfrentar uma situação muito pior do que quando chegou ao cargo pela primeira vez, em 2003. Esteve com Lula na COP27, no Egito, em novembro. Já ministra, foi com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Em suas aparições internacionais, tem apresentado uma guinada radical na política ambiental brasileira. Em Davos, reafirmou o compromisso do Brasil de atingir o “desmatamento zero” até 2030. Sobre a intenção, não há dúvida, mas a realidade lhe imporá dificuldades imensas.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Infância

 

Música | Chico Buarque - Artista Brasileiro