Entrevista: Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil na Itália
Carolina Bahia Brasília
DEU NO ZERO HORA (RS)
Ele já frequentou as principais mesas de debates da diplomacia internacional. Nomeado embaixador do Brasil nos Estados Unidos, em 1991, e na Itália, em 1995, o ex-ministro da Fazenda no governo Itamar Franco Rubens Ricupero é um crítico da forma como o ministro da Justiça, Tarso Genro, vem conduzindo o caso do italiano Cesare Battisti. Para Ricupero, o ministro interferiu em uma decisão técnica do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), causando uma crise diplomática entre Brasil e Itália.
Atualmente em São Paulo, Ricupero é diretor da Faculdade de Economia e Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Pelo telefone, o ex-embaixador deu a seguinte entrevista a Zero Hora:
Zero Hora – O governo italiano tem razão de estar ofendido com a concessão pelo Brasil de refúgio a Cesare Battisti?
Rubens Ricupero – O governo brasileiro cometeu um erro grave, desnecessário e precipitado. O ministro da Justiça interferiu em um assunto que normalmente seria submetido ao Supremo Tribunal Federal. O assunto continua com o Supremo, mas antes de tudo isso ocorrer as condições eram outras.
ZH – Tarso argumenta que tomou uma decisão técnica, com base legal. O senhor discorda?
Ricupero – Não há fundamento legal para isso. O ministro foi contra a opinião do Conare, que negou o pedido de refúgio a Battisti. O Conare é o órgão técnico responsável pelos julgamentos dos pedidos de asilo no ministério. Só se pode conceder esse tipo de pedido quando estiver evidente que o país de origem vai perseguir, por razões políticas, ideológicas ou religiosas a pessoa. Infelizmente, neste episódio, o Itamaraty não foi ouvido ou foi marginalizado.
ZH – Tarso interferiu em um assunto do Itamaraty?
Ricupero – Tenho apreço pelo ministro Tarso Genro, acho que ele é uma pessoa de valor. Mas acho terrível a falta de coordenação do governo. O ministro da Justiça se mete em uma questão de outra pasta e cria um problema que agora fica nas mãos do Itamaraty. Nessas matérias que envolvem outros países, sobretudo uma nação importante, ele deveria ter ouvido o Ministério das Relações Exteriores. O Itamaraty está embaraçado porque era contra, todo mundo sabe.
ZH – Interferir nesse caso foi um erro do ministro?
Ricupero – Há pessoas que atravessam a rua para pisar em uma casca de banana na outra calçada. Essa casca de banana não estava na calçada do ministro. Ele atravessou a rua para criar um problema.
ZH – A conclusão seria diferentes se o Itamaraty fosse ouvido?
Ricupero – Em episódios semelhantes, os governos de outros países alegam razões humanitárias para negar a extradição. Na França, Battisti era tolerado, mas não conseguiu asilo. Em um caso como esse, embora as razões humanitárias não tenham peso político, é mais fácil o país de origem aceitar, porque a rejeição é baseada na piedade, na compaixão.
ZH – Por que esse caso gera tanta polêmica?
Ricupero – Ao conceder a Battisti o refúgio político, o ministro está, em nome do governo brasileiro, fazendo um julgamento da situação política italiana. O que se está dizendo, de outra maneira, é que o outro país é uma ditadura, não é um Estado de direito.
ZH – O fato de Battisti ter sido condenado à revelia não influencia no caso?
Ricupero – Ele fugiu. Por isso, foi condenado à revelia em quatro homicídios. Os cúmplices de Battisti já cumpriram pena e foram liberados.
ZH – O que o Brasil tem a perder nessa briga com a Itália?
Ricupero – Esse caso afeta o comércio, os investimentos estrangeiros e o próprio prestígio do Brasil. Um país que é candidato ao Conselho de Segurança da ONU não pode ter esse tipo de atitude. Os outros países podem julgar que o comportamento foi ideológico ou amador. Vão dizer que somos um país de incompetentes, onde a chancelaria não é ouvida, onde o ministro da Justiça se mete na diplomacia. Não é de interesse da Itália esse mal-estar com o Brasil. Mas o governo italiano é pressionado. Esse caso mexe em um ponto muito sensível, porque esses movimentos terroristas fizeram muitas vítimas na Itália. Há centenas de parentes de policiais e professores que foram mortos por esses grupos. Nas manifestações contra a embaixada do Brasil há filhos de vítimas que foram assassinados, viúvas.
ZH – O caso pode afetar as relações do Brasil com o G-8 (sete países mais ricos e a Rússia)?
Ricupero – A Itália preside o G-8 neste momento. É claro que ela não vai deixar de convidar o Brasil por causa disso, mas é desagradável. Não haverá mais boa vontade em relação ao Brasil.
ZH – Como fica a imagem do Brasil no Exterior?
Ricupero – O Brasil pode ficar com a imagem de país que tem simpatia pelo terrorismo justo em um momento em que há uma luta mundial contra o terrorismo.
Carolina Bahia Brasília
DEU NO ZERO HORA (RS)
Ele já frequentou as principais mesas de debates da diplomacia internacional. Nomeado embaixador do Brasil nos Estados Unidos, em 1991, e na Itália, em 1995, o ex-ministro da Fazenda no governo Itamar Franco Rubens Ricupero é um crítico da forma como o ministro da Justiça, Tarso Genro, vem conduzindo o caso do italiano Cesare Battisti. Para Ricupero, o ministro interferiu em uma decisão técnica do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), causando uma crise diplomática entre Brasil e Itália.
Atualmente em São Paulo, Ricupero é diretor da Faculdade de Economia e Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Pelo telefone, o ex-embaixador deu a seguinte entrevista a Zero Hora:
Zero Hora – O governo italiano tem razão de estar ofendido com a concessão pelo Brasil de refúgio a Cesare Battisti?
Rubens Ricupero – O governo brasileiro cometeu um erro grave, desnecessário e precipitado. O ministro da Justiça interferiu em um assunto que normalmente seria submetido ao Supremo Tribunal Federal. O assunto continua com o Supremo, mas antes de tudo isso ocorrer as condições eram outras.
ZH – Tarso argumenta que tomou uma decisão técnica, com base legal. O senhor discorda?
Ricupero – Não há fundamento legal para isso. O ministro foi contra a opinião do Conare, que negou o pedido de refúgio a Battisti. O Conare é o órgão técnico responsável pelos julgamentos dos pedidos de asilo no ministério. Só se pode conceder esse tipo de pedido quando estiver evidente que o país de origem vai perseguir, por razões políticas, ideológicas ou religiosas a pessoa. Infelizmente, neste episódio, o Itamaraty não foi ouvido ou foi marginalizado.
ZH – Tarso interferiu em um assunto do Itamaraty?
Ricupero – Tenho apreço pelo ministro Tarso Genro, acho que ele é uma pessoa de valor. Mas acho terrível a falta de coordenação do governo. O ministro da Justiça se mete em uma questão de outra pasta e cria um problema que agora fica nas mãos do Itamaraty. Nessas matérias que envolvem outros países, sobretudo uma nação importante, ele deveria ter ouvido o Ministério das Relações Exteriores. O Itamaraty está embaraçado porque era contra, todo mundo sabe.
ZH – Interferir nesse caso foi um erro do ministro?
Ricupero – Há pessoas que atravessam a rua para pisar em uma casca de banana na outra calçada. Essa casca de banana não estava na calçada do ministro. Ele atravessou a rua para criar um problema.
ZH – A conclusão seria diferentes se o Itamaraty fosse ouvido?
Ricupero – Em episódios semelhantes, os governos de outros países alegam razões humanitárias para negar a extradição. Na França, Battisti era tolerado, mas não conseguiu asilo. Em um caso como esse, embora as razões humanitárias não tenham peso político, é mais fácil o país de origem aceitar, porque a rejeição é baseada na piedade, na compaixão.
ZH – Por que esse caso gera tanta polêmica?
Ricupero – Ao conceder a Battisti o refúgio político, o ministro está, em nome do governo brasileiro, fazendo um julgamento da situação política italiana. O que se está dizendo, de outra maneira, é que o outro país é uma ditadura, não é um Estado de direito.
ZH – O fato de Battisti ter sido condenado à revelia não influencia no caso?
Ricupero – Ele fugiu. Por isso, foi condenado à revelia em quatro homicídios. Os cúmplices de Battisti já cumpriram pena e foram liberados.
ZH – O que o Brasil tem a perder nessa briga com a Itália?
Ricupero – Esse caso afeta o comércio, os investimentos estrangeiros e o próprio prestígio do Brasil. Um país que é candidato ao Conselho de Segurança da ONU não pode ter esse tipo de atitude. Os outros países podem julgar que o comportamento foi ideológico ou amador. Vão dizer que somos um país de incompetentes, onde a chancelaria não é ouvida, onde o ministro da Justiça se mete na diplomacia. Não é de interesse da Itália esse mal-estar com o Brasil. Mas o governo italiano é pressionado. Esse caso mexe em um ponto muito sensível, porque esses movimentos terroristas fizeram muitas vítimas na Itália. Há centenas de parentes de policiais e professores que foram mortos por esses grupos. Nas manifestações contra a embaixada do Brasil há filhos de vítimas que foram assassinados, viúvas.
ZH – O caso pode afetar as relações do Brasil com o G-8 (sete países mais ricos e a Rússia)?
Ricupero – A Itália preside o G-8 neste momento. É claro que ela não vai deixar de convidar o Brasil por causa disso, mas é desagradável. Não haverá mais boa vontade em relação ao Brasil.
ZH – Como fica a imagem do Brasil no Exterior?
Ricupero – O Brasil pode ficar com a imagem de país que tem simpatia pelo terrorismo justo em um momento em que há uma luta mundial contra o terrorismo.