quarta-feira, 8 de julho de 2020

Merval Pereira - Menor que a cadeira

- O Globo

Momento seria oportunidade de ouro para Bolsonaro se redimir de sua atuação pífia diante da pandemia

O anúncio de que o presidente Bolsonaro foi infectado pela Covid-19 traz em si mesmo diversas facetas dele: irresponsabilidade, falta de compaixão, negação da gravidade da pandemia, desdém indicando falta de entendimento do que seja a presidência do Brasil.

Não apenas aproveitou a ocasião para reafirmar a indicação de cloroquina e seus derivados para tratamento da doença, como fez um vídeo em tom amolecado tomando o remédio e sugerindo-o para a população que precisar. Parecia um verdadeiro garoto propaganda do remédio, cuja fabricação obrigou o Laboratório do Exército a aumentar, além dos milhões de comprimidos que recebeu como “doação” dos Estados Unidos depois que o FDA proibiu sua utilização.

A gravidade do comportamento é que o uso da cloroquina já foi desaconselhado por estudos de diversos países, e organismos com credibilidade como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Federal Drug Administration (FDA), agência regulatória americana, o hospital Albert Einstein em São Paulo, o Instituto do Cérebro no Rio.

Todos suspenderam o uso da cloroquina para tratamento da Covid-19 depois de demonstrado que, além de não ser eficaz no combate ao novo coronavírus, a cloroquina pode causar efeitos colaterais graves, como arritmia cardíaca.

A irresponsabilidade marcou também o anúncio de que havia testado positivo para Covid-19. Embora estivesse de máscara a maior parte do tempo, o presidente tocou o microfone das televisões escolhidas para ouvir seu anúncio, aproximou-se dos repórteres e tirou a máscara em determinado momento.

Míriam Leitão - Mesmos erros na saúde e na doença

- O Globo

Em nenhum momento Bolsonaro entendeu seu papel de líder nesta pandemia. Tudo continua igual, a diferença é que ele testou positivo

O presidente usou até a sua infecção pelo novo coronavírus como parte da campanha de desinformação que vem mantendo desde o início desta pandemia. Jair Bolsonaro tem obsessão pelos seus erros, fica com eles contra toda a evidência factual e científica. Em nenhum momento entendeu qual é o papel do presidente nesta crise, qual é a força do exemplo e a função da representação. Ontem foi apenas mais um dia em que ele mostrou toda a sua coleção de perigosos equívocos. A única diferença é que o seu exame deu positivo para o novo coronavírus.

Quando começou a ter sintomas, o presidente deveria ter se afastado de qualquer atividade presencial. Esse é o primeiro movimento do princípio da precaução. Viajou para Santa Catarina, foi à embaixada americana, carregou ministros militares e civis para essa comemoração, abraçou o embaixador. Na segunda-feira, manteve contato com vários ministros. E já estava tendo febre. Entre eles, o único que tem o hábito de usar máscara é o da Economia, Paulo Guedes. Espero que a tenha usado. Bolsonaro, seu governo e seus seguidores tratam a falta de uso de máscara como um manifesto, como uma demonstração de coragem. Ele continuou com a mesma atitude imprevidente apesar de já estar com os primeiros sintomas.

Luiz Carlos Azedo - Aposta na hidroxicloroquina

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Com covid-19, Bolsonaro tenta fazer do limão uma limonada, pois se iguala aos brasileiros que contraíram a doença; antes, era visto por eles como vilão da pandemia”

O presidente Jair Bolsonaro testou positivo para covid-19. Sentiu-se mal no domingo, teve febre e dores musculares na segunda-feira e, ontem, ele próprio confirmou o diagnóstico. Aproveitou a oportunidade para anunciar que está se tratando com hidroxicloroquina, desde a segunda-feira. Chegou, inclusive, a divulgar um vídeo no qual toma a terceira dose e incentiva a população a recorrer ao medicamento para se tratar da doença. Com um sorriso irônico, disse que está se sentindo muito bem. O exemplo do presidente da República não deve ser subestimado, para o cidadão comum é como se sua aparente melhora fosse a prova dos nove em relação à eficiência do medicamento, que, até agora, não tem nenhuma comprovação científica. O que têm comprovação são seus efeitos colaterais.

A hidroxicloroquina é um remédio muito utilizado na Região Norte do país, por causa da malária; nas demais regiões, em tratamentos para afecções reumáticas e dermatológicas; artrite reumatoide e lúpus. Seus efeitos colaterais mais comuns são: anorexia, porfiaria, labilidade emocional, cefaleia, visão borrada, arritmia, enjoo, dor abdominal, diarreia e vômito, erupção cutânea e prurido. Deve ser utilizado com muita precaução em pacientes que estejam recebendo medicamentos antiarrítmicos, antidepressivos, antipsicóticos e alguns anti-infecciosos, devido ao aumento do risco de arritmia ventricular. Drogas antiepilépticas podem ser prejudicadas pela hidroxicloroquina.

Rosângela Bittar - O teste da mudança

- O Estado de S.Paulo

Muitos não creem na transformação de Jair Bolsonaro ocorrida nos últimos dezessete dias, coincidindo com o desvio que precisou fazer de dois alçapões armados no seu caminho: a prisão de Fabrício Queiroz e a busca, apreensão e quebra de sigilo de deputados amigos. Notou o presidente que o cerco era para valer e não estava adiantando gritar, ameaçar e intimidar. Era preciso calar para ganhar tempo, armar-se para resistir.

O silêncio se fez acompanhar de ações presidenciais típicas, como inaugurações, visitas a Estados atingidos por calamidades, comando sóbrio de reunião do conselho de ministros. A suspeita de que possa ser blefe, contudo, existe. Em pessoas com a sua idade e história política é mais seguro avaliar o que permanece. Por isso a pertinência do teste sobre o que mudou.

Na postura com relação à política interna, tanto a permanência quanto a mudança são mais visíveis. O canhestro solo de acordeão da Ave Maria, como fundo musical para a primeira manifestação de pesar, em seis meses, pelas milhares de mortes da pandemia, dispensa definições.

Como não se vê comportamento racional, também, na integração, em pleno isolamento social, ao piquenique da data nacional dos Estados Unidos. Buscar o Centrão, oferecer cargos, dirigir esforços políticos à remontagem das relações com os poderes é mudança perceptível mesmo que seja só para evitar o impedimento.

Vera Magalhães - Bolsonarice contagiosa

- O Estado de S.Paulo

Tal qual um vírus, impostura do presidente infecta o País

A notícia de que Jair Bolsonaro, depois de tanto desafiar as regras de bom senso em uma pandemia, foi contaminado pelo novo coronavírus deflagrou um outro surto: a ira irracional daqueles que colocam adesivos antifascistas em seus perfis nas redes sociais e passaram a desejar a morte do presidente da República.

A onda não ficou restrita à internet. Chegou a colunas de jornais, travestida de exercício filosófico-linguístico, mas cujo único resultado prático é vitimizar o presidente que até agora destilou sua falta completa de empatia diante da tragédia. Perde a imprensa, perde o País, perdemos todos nós, que nos desumanizamos a cada dia, sem perceber que, aos poucos, nos transformamos naquilo que mais desprezamos.

Bolsonaro não ganhou apenas corações e mentes dos minions que os segue nas portas dos palácios e em posts ensandecidos. O presidente conseguiu comprometer o fígado e o cérebro de parte daqueles que o criticam, num jogo que apenas rebaixa todos ao seu patamar e permite que ele ganhe espaço, porque no lodaçal é imbatível.

Não há nada que justifique que democratas, pessoas e instituições se ponham a “torcer” pela morte desse ou daquele. Muito menos as indignidades de Bolsonaro, uma vez que é justamente contra elas que se conclama a união de esforços daqueles que prezam a vida, a ciência, a educação, a cultura e a civilidade.

Eliane Cantanhêde - Do ‘e daí?’ ao ‘eu não disse?’

- O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro tanto fez que acabou pegando a covid-19. Depois de participar de manifestações, ir a ruas e padarias, abraçar estranhos e liderar cerimônias no Planalto sem máscara, o que se poderia esperar? Até que demorou muito. E ele é do grupo de risco.

Se há alguma surpresa, é na forma do anúncio. Quando fez os primeiros exames, ele escondeu o nome e se recusou a dizer qual o resultado – curiosamente, negativo. Agora, admitiu os sintomas, avisou que estava fazendo o teste e anunciou, ele mesmo, que deu positivo. O Estadão nem precisou entrar de novo na Justiça para exigir o resultado.

A grande de pergunta é se o presidente vai seguir os passos do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que também era negacionista, mas contraiu a doença, foi internado e descobriu que a coisa era feia. Ao pedir desculpas, passou a combater o vírus seriamente.

Monica De Bolle* - Preguiça mental

- O Estado de S.Paulo

De nada vale o aumento da produção industrial em um mês, porque um ponto apenas não estabelece tendência

Reforma, reforma, reforma, privatização. Repitam comigo: reforma, reforma, reforma, privatização. Agora outro. Teto, teto, teto, ou inflação. De novo: teto, teto, teto, ou inflação. Mais um: a dívida, a dívida, a dívida, crise fiscal. A dívida, a dívida, a dívida, crise fiscal. Resume-se a isso o debate econômico no Brasil. Não, esqueci desse: a queda de oferta é maior do que a queda da demanda, logo, vai dar inflação. Em algum momento vai dar inflação. Aguardem aí que vai dar inflação. A palavra inflação fica ecoando no ouvido como uma taça tibetana, aquelas usadas para meditar, mais apropriadamente conhecidas em inglês como “singing bowls”. O som que emana delas é o ruído da preguiça mental, aquela névoa densa que caracteriza o debate econômico brasileiro.

Cresceu a produção industrial? É a retomada, a hora das reformas, o momento oportuno para privatizar, o tempo do teto, o desfile dos ajustes para conter a dívida. O problema? O problema é que passam-se os anos, passam-se as décadas, e as conveniências continuam as mesmas, pois impera uma preguiça mental. De nada vale um aumento pontual da produção industrial se o ponto de partida era péssimo. Trata-se daquela velha história: se algo que valia 100 caiu 50% de valor, para que volte a valer o que valia antes o aumento precisa ser de 100% -- as condições iniciais importam. De nada vale o aumento da produção industrial em um mês, porque um ponto apenas não estabelece tendência do que quer que seja. Ah, mas a economia reabriu? Falemos sobre a reabertura da economia. Mas tratemos de não ignorar o contexto.

Ricardo Noblat - Ninguém mais do que Bolsonaro produz provas contra ele mesmo

- Blog do Noblat | Veja

“Vírus é como chuva. Vai atingir você"
O último gesto de Bolsonaro antes de recolher-se ao isolamento no Palácio da Alvorada não foi de compaixão, mas de indiferença pela vida alheia – no caso, a dos jornalistas que ele escolheu para dar a notícia em primeira mão de que o coronavírus, afinal, o pegou. Contrariando ordens médicas, não manteve distância deles e, por fim, tirou a máscara. Os jornalistas estão de quarentena.

Foi o Bolsonaro de sempre – irresponsável e desprovido de compaixão. E por isso não surpreendeu ninguém, salvo os que torciam por ingenuidade para que ele fosse capaz de apresentar uma face mais humana de governante. Como se Bolsonaro, na verdade, não fosse o que de fato é desde que planejou ataques à bomba a quartéis, perdeu a farda e virou político.

E daí que ele esteja doente? Somente ontem, 48.584 brasileiros engrossaram as fileiras dos 1.674.655 que já tiveram sua infecção pelo Covid-19 confirmada. Foram 1.312 novas mortes em 24 horas, totalizando quase 67 mil. Nem assim se pode “entrar em uma neurose como se fosse o fim do mundo”. Depois da facada, “não vai ser uma gripezinha que vai derrubar” o presidente.

O vírus está aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas como homem, porra, não como um moleque. Vamos enfrentar com a realidade. É a vida. Todos irão morrer um dia.” Não se pode parar “uma fábrica de automóveis porque há mortes nas estradas”. De resto, admita-se: Bolsonaro abusou da sorte. Acreditou no que quis, e até mesmo no que parecia impossível de acreditar.

Acreditou no efeito milagroso da cloroquina após os Estados Unidos e a Organização Mundial da Saúde tê-la desprezado como droga aplicável na cura da doença. E continua a acreditar a ponto de, já contaminado, prescrevê-la aos que lhe dão ouvidos. Ainda acredita que “uma nação como o Brasil só estará livre [do vírus] quando certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos”.

Vinicius Torres Freire – A nova moda no mundo rico tem 90 anos

- Folha de S. Paulo

Discussão política e intelectual se inspira na mudança socioeconômica de Roosevelt

Franklin Roosevelt (1882-1945) está na moda entre as elites civilizadas do mundo rico ocidental. É assunto de editoriais, no debate parlamentar, nas eleições, no comando da União Europeia, nos governos europeus mais avançados e até de demagogos autoritários como Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico.

Desde que a esquerda do Partido Democrata americano em parte ressuscitou, nas eleições de 2018, a ideia do “Green New Deal”, já antiga de uma década, se tornara mais pop. Como se sabe, trata-se de um plano de reformas e investimentos públicos com o objetivo de conter o desastre ambiental, reorganizar consumo e produção e reduzir a desigualdade econômica. O nome do projeto refere-se ao “New Deal”, o novo pacto social, econômico e político proposto e implementado por Roosevelt nos anos em que presidiu e refundou os Estados Unidos, de 1933, em meio ao horror social da Grande Depressão, até sua morte.

O grande presidente americano agora se torna uma inspiração ou um slogan não apenas para ambientalistas, mas para muita gente graúda que discute como reconstruir economia e sociedade depois da catástrofe do vírus.

Roosevelt criou o sistema de seguridade social e o salário mínimo, legalizou o direito de organização trabalhista, fundou a regulamentação financeira meritória que durou até os anos 1990, ajudou a difundir a ideia de que obras públicas podem atenuar recessões horrendas e inventou o moderno mercado imobiliário americano. São apenas algumas das providências de seu “experimentalismo pragmático”, como foram chamadas pelos economistas Stephen Cohen e Bradford DeLong em um livrinho-panfleto muito simpático sobre a história econômica americano (“Concrete Economics: The Hamilton Approach to Economic Growth and Policy”, de 2016).

Fernando Exman - A desconstrução da ala ideológica no 5G

- Valor Econômico

Ministros preparam pareceres para enviar ao presidente sobre oportunidades e os riscos na condução do leilão

Em breve, o presidente Jair Bolsonaro começará a ser municiado, como se diz no Palácio do Planalto e no meio militar, com relatórios internos sobre as oportunidades e os riscos na condução do leilão do 5G. A decisão não é urgentíssima. O certame deve ocorrer apenas no ano que vem. Mas, sem dúvidas, a posição tomada será um marco no governo, com desdobramentos políticos e econômicos.

O tratamento dado à papelagem dirá se o presidente vai ouvir os mais pragmáticos do Executivo ou se seguirá a ala ideológica, que, mesmo isolada nas discussões internas, mantém-se obstinada no intento de banir a China do processo de implementação da quinta geração da telefonia móvel no país.

Sim, a China, maior parceiro comercial do Brasil. Por isso as discussões provocam calafrios no Ministério da Agricultura e na bancada ruralista.

A pasta nem é chamada a opinar formalmente, mas torce à distância para que os representantes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e dos ministérios da Defesa, das Relações Exteriores, das Comunicações e da Economia zelem pelos interesses do agronegócio. A exclusão da China no leilão, como quer a ala ideológica, não ocorreria sem o Brasil enfrentar retaliações. O país não conseguiria, por exemplo, escoar a produção agrícola da China para os EUA com facilidade, conforme argumenta o Itamaraty nas reuniões.

Cristiano Romero - A difícil arte de romper com passado

- Valor Econômico

O problema da pobreza não atendida por programas sociais está nos grandes centros e capitais

Na Ilha de Vera Cruz, impera a tradição de nunca se romper com o passado que nos condena ao atraso, inclusive, na transição de regimes, governos e crises. Não se muda totalmente o rumo das coisas nem quando a situação exige. E, por essa razão, torna-se sempre mais difícil avançar. Períodos de continuidade do que está dando certo são raros.

A crise da dívida, em 1982, mostrou que o regime de substituição de importações foi à breca. O modelo se esgotou porque, devido à escalada dos juros no mercado internacional, tornou-se impossível honrar o pagamento da dívida externa, que na década de 1970 saltou de US$ 6 bilhões para aproximadamente US$ 100 bilhões.

O governo federal perdeu a capacidade de bancar, desde a crise da dívida, os investimentos que vinha fazendo de maneira massiva.

Quem viveu naqueles anos pôde perceber a degradação gradual e irretratável da infraestrutura (estradas, ferrovias, aeroportos, portos) e dos serviços públicos desde então. No fundo, aindas vivemos em função daquele legado.

Equilibrar o balanço de pagamentos, isto é, gerar divisas internacionais para fazer frente ao pagamento da dívida externa, tornou-se mais importante do que combater a inflação naquele momento. É que, para dar rapidamente competitividade às exportações e, assim, gerar saldos positivos na balança comercial, a saída era promover maxidesvalorizações da moeda nacional frente ao dólar.

Elio Gaspari - ‘Cidadão, não. Engenheiro formado’

- Folha de S. Paulo / O Globo

Câmeras tornaram-se um remédio eficaz para combater os demófobos

A cena foi a mesma.

Na Barra da Tijuca, um fiscal da Vigilância Sanitária interpelou um casal num estabelecimento onde não se respeitava o isolamento social. O marido desafiou-o, dizendo que ele não tinha uma trena para medir os espaços. O fiscal disse: “Tá, cidadão”. Até aí, seria o jogo jogado, mas a senhora foi adiante:

— Cidadão, não. Engenheiro formado e melhor que você.

Salvo os macacos, os bípedes passaram a usar o tratamento de “cidadão” durante a Revolução Francesa, que derrubou a hierarquia nobiliárquica.

Dias depois a engenheira química Nívea Del Maestro foi demitida da empresa de transmissão de energia onde trabalhava. Em nota, a Taesa informou: “A companhia não compactua com qualquer comportamento que coloque em risco a saúde de outras pessoas ou com atitudes que desrespeitem o trabalho e a dignidade de profissionais que atuam na prevenção e no controle da pandemia.”

Com a mesma retórica, em maio passado, o joalheiro Ivan Storel recebeu um PM que foi à sua casa em Alphaville (SP) atendendo a um chamado que denunciava violência doméstica:

— Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano. (...) Eu ganho R$ 300 mil por mês, você é um merda de um PM que ganha R$ 1 mil.

Storel viria a desculpar-se, dizendo que estava sob o efeito do álcool e dos remédios que toma por estar em tratamento psiquiátrico.

Hélio Schwartsman - Por que quero que Bolsonaro morra

- Folha de S. Paulo

O presidente prestaria na morte o serviço que foi incapaz de ofertar em vida

Jair Bolsonaro está com Covid-19. Torço para que o quadro se agrave e ele morra. Nada pessoal.

Como já escrevi aqui a propósito desse mesmo tema, embora ensinamentos religiosos e éticas deontológicas preconizem que não devemos desejar mal ao próximo, aqueles que abraçam éticas consequencialistas não estão tão amarrados pela moral tradicional. É que, no consequencialismo, ações são valoradas pelos resultados que produzem. O sacrifício de um indivíduo pode ser válido, se dele advier um bem maior.

A vida de Bolsonaro, como a de qualquer indivíduo, tem valor e sua perda seria lamentável. Mas, como no consequencialismo todas as vidas valem rigorosamente o mesmo, a morte do presidente torna-se filosoficamente defensável, se estivermos seguros de que acarretará um número maior de vidas preservadas. Estamos?

Bruno Boghossian – Exemplo vivo

- Folha de S. Paulo

Presidente transforma diagnóstico de coronavírus em espetáculo político

Quando recebeu o diagnóstico positivo para Covid-19, em março, o premiê britânico Boris Johnson disse que, mesmo isolado, continuaria liderando o combate à pandemia. Agradeceu aos profissionais de saúde e elogiou o “grande esforço nacional” para proteger a população. “Vamos vencer e vamos vencer juntos”, disse o primeiro-ministro.

Pouco mais de cem dias depois, Jair Bolsonaro avisou que também foi infectado pelo vírus. O presidente convocou uma entrevista e mal mencionou os esforços para conter a doença, que já matou quase 70 mil pessoas no país. Ao iniciar seu processo de recuperação, ele transformou o anúncio num espetáculo político.

Em 30 minutos, Bolsonaro celebrou o fato de o Ministério da Saúde estar nas mãos de um interino há quase dois meses. Voltou a criticar medidas recomendadas por autoridades da área, fez propaganda de um remédio sem eficácia comprovada e se recusou mais uma vez a reconhecer a gravidade da pandemia.

Ruy Castro* - Receita do Dr. Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

É reconfortante como ele se autodiagnostica e decide quem vai morrer ou não

Subitamente diagnosticado com a Covid-19, Jair Bolsonaro convocou seus veículos de confiança e ofereceu um reconfortante relatório sobre sua saúde. “Estou perfeitamente bem!”, declarou, e atribuiu essa esplêndida condição à hidroxicloroquina, remédio indicado para malária. Pena que não possamos compartilhar sua euforia. Ao fazer um apanhado de quem deve ou não se preocupar com o vírus, foi tão categórico quanto fatalista: “É uma chuva, você vai pegar”.

É alarmante. A caminho dos primeiros 2 milhões de infectados e 100 mil óbitos nas próximas semanas, só podemos imaginar quantos brasileiros ainda tomarão essa chuva —e quantos irão encharcados para a cova.

É verdade que Bolsonaro tem trabalhado para que esses milhões sejam contaminados o quanto antes. Nas inúmeras aglomerações de que participou, sem máscara e nos braços de seus apoiadores, as imagens o mostram tirando ramela, cavoucando o nariz, disparando perdigotos e os levando em troca. Só mesmo seu histórico de atleta —exímio praticante de tiro ao alvo no Exército— explica que não tenha sido afetado antes, embora talvez não se possa dizer o mesmo dos festivos participantes de seus forrobodós.

José Nêumanne* - Até quando Jair fará pouco de nossa sobrevivência?

- O Estado de S.Paulo

Furto não é ‘rachadinha’; Wassef é cúmplice, não advogado; e Bolsonaro está é apavorado

O Brasil não é mais um Estado de Direito a respeitar, mas um país do faz de conta em que os mandatários recorrem à picaretagem malandra de eufemismos para maquilar crimes abomináveis, dando-lhes nomes simpáticos e leves para agradar a vassalos e enganar os tolos incautos. Dilma, a Weintraub petista de saias, reduziu o peso dos delitos pelos quais seus companheiros foram condenados, chamando-os de malfeitos. Eles, aliás, são malfeitores mesmo.

As enganações do momento têm apodo carinhoso ou são batizados em inglês: “rachadinha”, fake news... A primeira deriva de “rachid”: parlamentares de baixos clero e nível cometem a prática de contratar funcionários fantasmas, dos quais tomam de volta a parte do leão da injusta remuneração que recebem sem dar expediente. O nome do crime de que Flávio Bolsonaro foi acusado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) é peculato, administrado pelo operador, Fabrício Queiroz. O dito representante do povo remunera com dinheiro público quem não tem qualificação para exercer cargo com alto vencimento e furta, no mínimo, 80% deste.

Trata-se de nefanda prática criminosa vigente em Casas Legislativas federais, estaduais e municipais, associada a lavagem de dinheiro, corrupção e organização criminosa. Antes que algum bolsonarista, em defesa do hoje senador, aponte para o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (a Alerj), o petista André Ceciliano, cuja assessoria foi flagrada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com “movimentações” 20 vezes superiores às do gabinete do nota zero um, ele tem de ser investigado. Mas furto é furto, seja qual for o valor. Teria de ser investigado no inquérito do MP-RJ, mas não inocenta Flávio por ser menor sua quantia.

Bernardo Mello Franco - O presidente e o vírus

- O Globo

Fantasia, gripezinha, resfriadinho, neurose, histeria, medinho, histórico de atleta. A pandemia do coronavírus nas palavras do presidente Bolsonaro

26 de janeiro: “Estamos preocupados, obviamente, mas não é uma situação alarmante.”

9 de março: “Está superdimensionado o poder destruidor desse vírus.”

10 de março: “Temos no momento uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga.”

11 de março: “Eu não sou médico, eu não sou infectologista. O que eu ouvi até o momento é que outras gripes mataram mais do que essa.”

15 de março: “Não podemos entrar em uma neurose como se fosse o fim do mundo. Outros vírus mais perigosos aconteceram no passado e não tivemos essa crise toda.”

17 de março, um morto: “Esse vírus trouxe uma certa histeria.”

20 de março, 11 mortos: “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar não, tá ok?”

Zuenir Ventura - Hora de reflexão

- O Globo

Que Bolsonaro faça uma revisão dos erros e excessos

Bolsonaro tentou esconder seu estado de saúde o quanto pôde. Na segunda-feira, no início da noite, ele disse a seus apoiadores: “Eu vim do hospital (das Forças Armadas) agora, e fiz uma chapa do pulmão, que tá limpo. Vou fazer um exame de Covid-19, mas tá tudo bem”. Não estava. Ele já apresentava sintomas, como cansaço, temperatura elevada e mal-estar.

À CNN ele contou que estava com 38º de febre e 96% de oxigenação do sangue. Aos mais íntimos, confessou brincando estar se sentindo “meio brocha”. Ele não disse, mas isso com certeza o preocupava mais do que se sentir com o vírus. A sério, mesmo sem ter o diagnóstico, ele começou a tomar por conta própria hidroxicloroquina e azitromicina, que não são recomendados.

Negacionista convicto, isto é, quem rejeita a realidade, é pouco provável, senão impossível, que ele se desfaça de algumas certezas arraigadas, como a de que há um exagero, sobretudo da imprensa, quanto à gravidade do coronavírus, como se ele fosse uma gripe qualquer e não uma pandemia. Às vésperas de completar 65 anos, ele falava do que era então uma hipótese remota: “Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, porque nada sentiria, seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”.

Bolsonaro infectado – Editorial | Folha de S. Paulo

Folha torce pela recuperação do presidente e que experiência gere nova atitude

Nas últimas 24 horas, 48.584 brasileiros se somaram a um exército de 1.674.655 de pessoas que já tiveram sua infecção pelo coronavírus confirmada no país. Um deles é o presidente Jair Bolsonaro, conforme o próprio revelou em entrevista na tarde desta terça-feira (7).

Nenhum outro paciente terá sido tão simbólico na maior pandemia a assolar o Brasil no último século, com suas implicações humanitárias terríveis —foram 1.312 novas mortes apenas na terça, um dos dias mais letais— e seus efeitos econômicos devastadores.

Afinal, o mesmo Bolsonaro que exibia o resultado positivo de seu exame depois de lidar com sintomas como febre e dores corporais foi o que adotou como política de governo ridicularizar os efeitos da Covid-19, ignorando regras básicas de prevenção e fazendo pouco do distanciamento social.

Provocou diversas aglomerações perigosas ao, desafiando as orientações de especialistas, visitar comércios e prestigiar atos públicos em seu apoio e, não raro, contra as instituições democráticas.

Anunciou sua condição de paciente em entrevista —louvável, diga-se, pela transparência e rapidez com que veio a público— em que de novo menosprezou cuidados consigo e com terceiros, no caso colaboradores, membros do governo e profissionais da imprensa.

O lado educativo da Covid-19 de Bolsonaro – Editorial | O Globo

Contaminação do presidente, militante da rejeição a precauções contra a doença, é pedagógica

A confirmação de que o presidente Bolsonaro foi infectado pelo coronavírus da Covid-19 tem diversos aspectos, devido ao cargo que ocupa e por ele ser a pessoa que é. O teste positivo feito no Hospital das Forças Armadas em Brasília, segunda-feira, apresenta um lado de lição para quem não se cansou de desdenhar da pandemia, preocupado apenas com seus efeitos no PIB e consequentes prejuízos ao projeto de reeleição em 2022. Essa postura levou ao descaso com os mortos pela doença — que se aproximam dos 70 mil — e familiares. A resposta “e daí?”, dada ao ser perguntado sobre o crescimento do número de óbitos, é a marca deste comportamento reprovável. Espera-se que a Covid-19 de Bolsonaro evolua na sua forma mais benigna e que ele se convença de que o fato de ter sido atleta não serve de blindagem contra vírus e outros patógenos.

O importante está no que tudo isso pode significar de aprendizado para a população. Por ironia, o grande arauto da falta de cuidados com a epidemia, chamada por ele de “gripezinha”, torna-se decisivo argumento de corpo presente a favor das precauções diante do Sars-CoV-2, indicadas por especialistas e ostensivamente descumpridas por ele.

Bolsonaro deveria reconhecer que sua contaminação dá razão a Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde que demitiu quando fazia questão de afrontar as orientações dos especialistas e do próprio Ministério.

Incertezas complicam todos os cenários para os juros – Editorial | Valor Econômico

Para baixo, a inflação indica que já caiu o que poderia cair

A pandemia tornou ainda mais complexo o quebra-cabeça da política monetária para os bancos centrais. Nos países com economias estáveis, as taxas de juros mergulharam para perto ou abaixo de zero e devem se manter assim até que a ameaça do coronavírus seja afastada. Em países emergentes como o Brasil, a direção dos juros também foi a mesma. O juro real (medido pela inflação e taxa swap um ano à frente) caiu a em -0,8%. No ano, a média da Selic real é de 0,17%, ante, por exemplo, 4,09% de 2017. O Boletim Focus indica que mais de dois terços dos consultados não acreditam que a inflação possa sequer chegar perto da meta de 4%, o que implicitamente reconhece espaço para novas reduções, além da “residual” já anunciada pelo Copom.

A mediana do Focus aponta inflação deste ano em 1,69% e de 3,09% em 2021 em 3, em uma economia que encolherá 6,5% este ano e crescerá 3,5% no ano que vem. Entre um ano e outro, a Selic sairá de 2% para 3%. A diferença com as economias estáveis é relevante. Sob o baque da pandemia, os EUA produzirão no máximo uma inflação em torno de 1% e a zona do euro, menos que isso. Diante da mais forte recessão da história brasileira, a inflação está perto daquela que é a meta dos BCs de países desenvolvidos.

O espaço para o Brasil avançar com a redução dos juros é em tese maior, já que o juro nominal é de 2,25%, caso a inflação permaneça baixa. É possível que isso ocorra, mas o BC, conservador como os outros, reluta em aprofundar o corte de juros, o que intriga parte dos investidores. O cenário base é de 3,2% para a inflação, mas não é a projeção do banco, que considera cenários alternativos para guiar seus passos.

A resposta do Congresso às fake News – Editorial | O Estado de S. Paulo

A reação a essas mensagens mentirosas não pode ser o populismo legislativo

No dia 30 de junho, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.630/20, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mais conhecida como Lei das Fake News. O projeto foi encaminhado para análise da Câmara. Não há dúvida sobre a necessidade de um marco jurídico adequado sobre o tema, responsabilizando todos os que, por sua ação ou omissão, contribuem para produzir e difundir desinformação. Mas, justamente porque é necessário um marco jurídico adequado, o Congresso deve ter especial prudência na análise do PL 2.630/20, cujo texto aprovado pelos senadores é claramente prematuro.

Vale lembrar, em primeiro lugar, que a legislação brasileira relativa à internet é reconhecida internacionalmente por seu rigor técnico e respeito às liberdades e aos fundamentos da rede. Tal equilíbrio só foi possível porque o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/18) não foram aprovados açodadamente. Houve um prévio e longo debate, de anos, sobre o conteúdo de cada uma dessas leis.

O tema é tão delicado que o próprio Congresso, na recente Lei 14.010/20 (que trata do regime jurídico emergencial em função da pandemia de covid-19), adiou a entrada em vigor da Lei 13.709/18. Alguns dispositivos só valerão a partir de agosto de 2021. Não faz sentido atrasar a vigência de obrigações legais já debatidas e aprovadas e, ao mesmo tempo, aprovar correndo, durante a pandemia, uma nova lei com amplos efeitos sobre a internet.

É de destacar também que está em andamento no Congresso a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre as Fake News. Certamente, as conclusões da comissão deverão fornecer subsídios para um debate mais aprofundado do tema. Votar a Lei das Fake News antes de concluir a CPMI das Fake News é pôr o carro na frente dos bois.

Música | Marisa Monte - Alta Noite

Poesia | Charles Baudelaire - A uma passante

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho… e a noite depois! – Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!