Países, tal como os indivíduos, observava Tocqueville em “Democracia na América”, têm sua história marcada pela forma com que vieram ao mundo, na linguagem dos contemporâneos o DNA que trazem de suas origens marcam suas trajetórias futuras. Nosso estado-nação recebeu sua primeira configuração de uma assembleia parlamentar, e o parlamento foi a instituição-chave com que se edificou as estruturas do Estado, o modo de inscrição do país no cenário internacional e a preservação num imenso território da unidade nacional. Para esse último fim, foi determinante o papel desempenhado pelas instituições judiciais, em particular pelos magistrados, disseminados em rede capilar que atava regiões e rincões remotos aos desígnios do Estado.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 20 de fevereiro de 2021
Luiz Werneck Vianna* - O imprevisto, o Centrão e a política
Ricardo Noblat - Bolsonaristas, órfãos de pai vivo, choram o abandono
Mas
se queixam também de Arthur Lira
Apesar dos rumores de que Bolsonaro em momento algum sairia em defesa de Daniel Silveira deixando-o ao desamparo, os deputados bolsonaristas, os mais radicais, porém sinceros, só acreditaram que seria assim quando viram o líder do governo na Câmara mudar bruscamente de posição como uma biruta.
Na
última terça-feira, Ricardo Barros (PP-PR) anunciou: “Como parlamentar, votarei
pela soltura do deputado Daniel Silveira; pela liberdade de expressão, de
opinião e pela imunidade parlamentar, direitos garantidos na constituição
federal. O impasse é entre legislativo e judiciário. O governo não faz parte da
questão”.
Ontem,
embora tenha repetido que votaria a favor de Silveira, deu o sinal que esfriou
de vez o ânimo dos bolsonaristas que ainda alimentavam a esperança de libertar
o colega preso: apostou logo cedo que cerca de 350 deputados apoiariam a decisão
do Supremo Tribunal Federal (foram 364). E fez questão de destacar:
–
O governo não está nisso, não se manifesta nesse assunto, que é entre
Legislativo e Judiciário.
Bolsonaro
sabe que os deputados que o seguem devem seus mandatos a ele, e não o contrário.
E que terão de engolir o que ele quiser. Para completar a desdita dos órfãos,
Arthur Lira (PP-AL), recém-eleito presidente da Câmara com os votos deles,
também não moveu uma palha para beneficiar Silveira.
Um duplo abandono.
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
Corretamente,
Câmara referenda prisão de deputado bolsonarista que atacou o STF
Preso
após a divulgação de um vídeo com ataques aos ministros do Supremo Tribunal
Federal, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) voltou a demonstrar na
cadeia que faz pouco para merecer o mandato recebido das urnas.
Em
questão de horas, desacatou a agente que o mandou usar máscara nas dependências
do Instituto Médico Legal, foi flagrado com dois aparelhos celulares na cela e
confraternizou com apoiadores na porta do quartel da Polícia Militar para onde
foi transferido.
Se
o vídeo grotesco pareceu aos integrantes do STF suficiente para justificar a
restrição à liberdade do parlamentar, seu comportamento arruaceiro parece ter
minado os esforços dos aliados que buscaram simpatia para seu caso na
Câmara dos Deputados.
Ao
referendar nesta sexta (19) a ordem de prisão de Silveira, assinada pelo
ministro Alexandre de Moraes, a Câmara indicou que o parlamentar encontrará
entre seus pares poucos dispostos a ajudá-lo a preservar o mandato.
Falando remotamente no início da sessão, Silveira reconheceu exageros no vídeo, disse estar arrependido e pediu desculpas, mas era tarde. Sua detenção foi chancelada por maioria folgada, com 364 votos a favor da ordem de Moraes, 130 contra e 3 abstenções.
Ascânio Seleme - Cabo Daciolo faria melhor
O
Brasil não assinou os contratos nos momentos adequados graças ao negacionismo
do presidente Jair Bolsonaro. Hoje estamos no fim da fila.
O custo que pagamos em
vidas pela imprevidência governamental será aumentado exponencialmente até que
vacinas em larga escala comecem a chegar ao Brasil. Não faltam vacinas ou
insumos para a sua fabricação nos centros produtores. O que há são cronogramas
de entregas que atendem a ordem de assinatura dos contratos firmados com os
fabricantes. O Brasil não assinou os contratos nos momentos adequados graças ao
negacionismo do presidente Jair Bolsonaro. Hoje estamos no fim da fila.
O
exemplo da vacina da Pfizer/BioNTech é particularmente ilustrativo.
Bolsonaro exigiu que se mudasse no contrato uma cláusula pela qual a empresa
não se responsabiliza por efeitos adversos que porventura ocorressem aos
imunizados. Ele disse que se concordasse com aquela cláusula seria obrigado a
exigir de cada brasileiro que assinasse um termo de responsabilidade ao ser
vacinado. Bobagem do tamanho da ignorância do presidente. “Se você virar
jacaré, é problema seu”, resumiu o homem eleito para proteger o Brasil e seu
povo. O contrato poderia ter sido assinado em julho.
Em
qualquer bula de
remédios vendidos no país há uma lista de efeitos colaterais que eles podem
gerar. São muitos. Há bulas que relatam até mesmo a ocorrência de alguns
óbitos. Nem por isso esses medicamentos foram recolhidos das prateleiras das
farmácias. Tampouco as pessoas deixaram de usá-los se esta foi a recomendação
do médico. A asneira presidencial, portanto, só se entende se lida
politicamente. Bolsonaro julgou que ganhava pontos com a bravata, apostou,
perdeu e agora os brasileiros arcam com seus custos.
Há um outro elemento perturbador na disputa política que o presidente introduziu maleficamente na questão da pandemia. A Anvisa, que deveria ser autônoma, foi instrumentalizada por Bolsonaro. Embora defenda-se sua independência, havendo mesmo um ganho de respeitabilidade quando o deputado Ricardo Barros (Centrão) resolveu enquadrar a entidade em favor de negócios da sua turma, a verdade é que a Anvisa prestou alguns claros desserviços ao Brasil e aos brasileiros durante a saga negacionista do capitão.
Pablo Ortellado - Um populista em ascensão
O
deputado André Janones (Avante-MG) é o político mais popular sobre quem você
não leu nos jornais — até agora. Embora seja o único político que consegue
rivalizar em audiência e engajamento nas mídias sociais com o presidente Jair
Bolsonaro, Janones é o que se poderia chamar de um deputado do baixo clero.
Seus
números nas mídias sociais são impressionantes. Ele tem mais visualizações,
mais compartilhamentos e mais engajamentos no Facebook do que Lula, Haddad, Ciro
ou Doria. Só perde nesses quesitos para o presidente da República. Uma live que
fez em 26 de março do ano passado explicando como acessar o auxílio emergencial
teve 19 milhões de visualizações, aproximadamente 13% do eleitorado brasileiro.
Nada disso impediu que sua candidatura independente a presidente da Câmara tivesse apenas 3 votos. Antes, em 2019, sofreu um processo de cassação no Conselho de Ética por quebra de decoro, após dizer que seus colegas no Congresso eram “bandidos, corruptos e ladrões”. Sua live conclamando os apoiadores a defendê-lo teve 38 milhões de visualizações, surpreendentes 27% de todo o eleitorado.
Carlos Alberto Sardenberg - Selo de má qualidade
O
novo embaixador do Reino Unido no Brasil, Peter Wilson, não poderia ter sido
mais claro: há dois entraves principais à entrada no Brasil na OCDE, a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico: desmatamento e
respeito aos instrumentos de combate à corrupção da entidade.
Em
entrevista ao jornal “Valor Econômico”, o embaixador apressou-se em dizer que
não estava fazendo juízo de valor sobre as políticas brasileiras, nem as condenando,
mas apenas apresentando fatos. Ou seja, há uma desconfiança efetiva entre os
membros sobre a capacidade e a disposição do governo brasileiro em cumprir
aquelas duas exigências básicas.
Mas
o que é exatamente a OCDE e quais as vantagens de integrá-la, no mundo de hoje?
A entidade, que tem 60 anos, já foi conhecida como o “clube dos ricos”. E era mais ou menos isso. Reunia o grupo de países mais desenvolvidos e destacava-se especialmente como um centro de estudos e pesquisas (think tank). Foram exatamente esses estudos que, pouco a pouco, mudaram a natureza da instituição. Ela passou a desenhar e fixar políticas para boa governança, a que os países membros aderiam.
Demétrio Magnoli* - Eu acuso!
Primeiro
dever do historiador é fugir da armadilha do anacronismo
Na
Califórnia, o Conselho de Educação de São Francisco mudou os nomes de 44
escolas, varrendo figuras racistas do passado e, de passagem, também Abraham
Lincoln. Na Folha (19/1), Marcelo
Coelho reativou a campanha pelo cancelamento de Monteiro Lobato,
rotulando-o como um “racista delirante”. Ezra Klein tem razão ao concluir que,
por essas vias, transforma-se a política mais em estética que em programa
(Folha, 12/2).
Cada
geração tende a reinventar a história à sua imagem, atribuindo aos personagens
do passado as virtudes ou pecados que tocam nas sensibilidades do presente. O
Lincoln oficial é Grande Emancipador; o dos dirigentes escolares de São
Francisco é o político que se opunha tenazmente ao exercício do sufrágio pelos
negros. Depois de cancelar os líderes da Confederação, a esquerda identitária
americana precisa seguir adiante, condenando ao opróbrio todos os que não
abraçam seus valores. O primeiro dever do historiador é fugir da armadilha do
anacronismo, inscrevendo os personagens que estuda na moldura de sua própria
época. Mas o anacronismo constitui a ferramenta imprescindível dos emissários
da atual política simbólica.
Lincoln
simplesmente compartilhava as ideias predominantes no seu tempo. Lobato
debatia-se com as encruzilhadas reais ou imaginárias da metade inicial do
século 20. O método de pinçar frases racistas em suas obras ou cartas
pessoais serve, exclusivamente, para obter aplausos da plateia cúmplice que
milita no identitarismo acadêmico.
Que
tal democratizar o anacronismo? Eu acuso W.E.B. Du Bois, “pai fundador” do
movimento negro americano, de nutrir certas simpatias pelo nazismo. Acuso
Abdias do Nascimento, prócer do moderno movimento negro brasileiro, de propagar
as ideias fascistas da Ação Integralista Brasileira. E acuso milhares de negros
do Brasil do século 19 de terem sido proprietários de escravos. Minhas cápsulas
de verdades fora de contexto, artimanhas no palco do ilusionismo, esclarecem
tanto quanto a sentença inquisitorial lançada contra Lobato.
As musas da Sorbonne costumavam soprar nos ouvidos dos intelectuais brasileiros. Não mais. Hoje, os cavaleiros andantes da política identitária seguem gurus americanos –e querem que o Brasil seja os EUA. O problema é que, quando se trata de nação e raças, a América Latina tomou rumo diferente.
Hélio Schwartsman - O caso Silveira
Se
esses grupos são um perigo, o STF erra por ainda não tê-los desmantelado
"Eu
desaprovo o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de
dizê-lo". A frase é creditada a Voltaire, mas ele nunca a escreveu. O
aforismo, porém, resume o pensamento do filósofo em relação à liberdade de
expressão: ela precisa valer independentemente de concordarmos com o conteúdo
do que é dito.
Eu
discordo de cada palavra proferida pelo deputado federal Daniel
Silveira e não tenho dúvida de que, ao atacar os ministros do STF, ele
cometeu crimes contra a honra dos magistrados (se está coberto pela imunidade
parlamentar é uma bela discussão jurídica).
Silveira pode também ter comedido delitos mais graves, tipificados na famigerada Lei de Segurança Nacional, mas é aí que a porca torce o rabo. Penso que não basta falar mal da democracia e das instituições para caracterizar esses crimes. Se bastasse, teríamos de banir Platão das bibliotecas. Para que uma fala antidemocrática constitua ilícito, é preciso que ela ocorra em um contexto em que ponha a democracia em risco real e iminente.
Cristina Serra - Os cães ferozes de Bolsonaro
É
difícil segurar a náusea ao assistir à gravação de 19 minutos do deputado pit
bull Daniel
Silveira (PSL-RJ) ameaçando ministros do STF e a democracia.
Independentemente do desfecho do caso, é forçoso refletir sobre o que permitiu
a incorporação de tal personagem à vida política nacional.
Silveira
é subproduto do bolsonarismo, fermentado sobretudo (mas não só) a partir da
assimilação do próprio Bolsonaro pelas instituições, que presenciaram mudas e
inertes sua homenagem a um torturador, símbolo de torpeza e vilania, no
impeachment de Dilma Rousseff. Depois disso, escandalizar-se com mais o quê?
Ainda vamos sentir por muito tempo as ondas de choque provocadas pelas placas tectônicas que se moveram no golpe de 2016 e que produziram o desarranjo institucional vigente. Nesse sentido, o episódio envolvendo o deputado delinquente é exemplar.
Alvaro Costa e Silva - O aliado da peste
Há
quem trabalhe para que a vacinação irrestrita seja após as eleições de 2022
E
se a vacinação ampla, geral e irrestrita só ocorrer após as eleições de 2022?
Tem gente trabalhando com afinco para isso.
É um cenário pessimista, mas possível, devido ao ritmo pazuellesco em que a imunização tem se arrastado. No Rio, a exemplo de outras cidades dependentes do governo federal, o plano está suspenso, à espera das remessas de doses. Enquanto isso, a pandemia está em disparada. A nova cepa do vírus, inicialmente identificada no Amazonas, atingiu São Paulo, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima e Santa Catarina. Cientistas apontam Manaus como novo epicentro da doença e temem uma terceira onda, ainda mais transmissível e letal, sem que a primeira e a segunda tenham sido controladas.
João Gabriel de Lima* - Faroeste caboclo no país da Terra plana
Facilitar
o acesso a armas no Brasil é como jogar um fósforo aceso em chão de pólvora
“Em relação à carnificina que provocam, as
armas de uso individual podem ser comparadas às armas de destruição em massa”,
disse Kofi Annan,
ex-secretário-geral das Nações Unidas. A frase é de 2000. No ano seguinte,
a ONU realizou
em Nova York a Primeira Conferência Internacional sobre Armas de Fogo – o
Brasil do presidente Fernando
Henrique enviou uma das maiores delegações, com representantes
do governo e da sociedade civil. Se existe um consenso no planeta Terra – aquele
que é azul e, para espanto de alguns, redondo – é o que defende o controle das
armas de uso individual. Tal entendimento, baseado em evidências e estudos
acadêmicos, formou-se há mais de 20 anos. Da conferência de Nova York para cá
vários países criaram leis nessa direção.
O espírito de tais leis – incluindo a brasileira, alinhada ao consenso internacional – é impedir que as armas turbinem os homicídios ou caiam nas mãos do crime. Os vários decretos do presidente Jair Bolsonaro sobre o assunto, incluindo os que foram publicados na sexta-feira de carnaval, vão na contramão desse espírito. Eles emasculam o Exército e a Polícia Federal em seu poder de fiscalizar os armamentos. No limite, dificultam a investigação de crimes por parte das polícias, como mostra Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé e mestre em segurança internacional. Ela é a personagem do minipodcast da semana.
Bolívar Lamounier* - Tentando enxergar o que está à vista
E
o que está à vista não é o Jardim do Éden, mas a guerra de todos contra todos
de ‘O Leviatã’
Onde
estarão dentro de 25 anos os meninos que vão nascer na presente década? É
cabível supor que muitas delas vão se conhecer revirando lixo em algum aterro.
Algumas estarão distribuindo drogas nos bairros ricos, a serviço de
traficantes. Muitas estarão cometendo assaltos e outras tantas estarão atrás
das grades.
Projeções
macabras fazem mal tanto à alma de quem as escreve como à de quem as lê. Mas
são úteis como alerta, sobretudo quando o alerta de que se trata diz respeito
simplesmente à necessidade de tentarmos enxergar o que está à nossa volta.
É bem singela a constatação que me leva a aborrecer os leitores com essa previsão macabra. Não, caro leitor, não vou falar da pandemia; a realidade que tenho em mente estava aqui muito antes dela. Somos, como os economistas não se cansam de repetir, um país aprisionado na chamada “armadilha da renda média”. Chegamos até com certa facilidade a uma renda per capita de US$ 10 mil por ano, mas quem afirmar que conseguiremos dobrá-la num horizonte de 20 a 30 anos o faz por sua conta e risco. E não nos esqueçamos de que esse será ainda um resultado medíocre. A renda per capita, como todos sabemos, é apenas uma fórmula, um resumo aritmético de uma infinidade de condições sociais. Neste ano da graça de 2021, há na área educacional uma experiência bem simples que o leitor pode fazer sem grande esforço. Vá a uma escola da periferia e convide a garotada a fazer alguns exercícios de tabuada. No trajeto de volta ao centro, ligue o rádio e tente se informar sobre o que o Ministério da Educação anda fazendo. Ou pelo menos adivinhar o nome do atual ministro. Seja paciente.
Entrevista | Luiz Carlos Mendonça de Barros: 'Não faz sentido colocar um general na Petrobrás'
Luciana
Dyniewicz / O Estado de S. Paulo
A
saída de Roberto Castello
Branco da Petrobrás “faz sentido”, segundo
o economista e ex-presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luiz Carlos Mendonça
de Barros. Isso porque Castello Branco não tinha o “perfil
para tratar do problema do diesel com essa vertente social e econômica que
demanda a questão dos caminhoneiros”, diz Mendonça de Barros. “O que não faz
sentido é a entrada de um general, que também não tem o perfil de olhar para o
problema e, ao mesmo tempo, defender (os interesses) da Petrobrás.”
Diferentemente
de muitos economistas, Mendonça de Barros não vê problema na interferência do
presidente Jair Bolsonaro na
petroleira – “a empresa é do governo federal” –, mas destaca que tabelar o
preço do combustível seria a pior solução para o entrave. Ele defende um seguro
para o caminhoneiro, semelhante ao que existe para o produtor rural se proteger
de variações climáticas. A seguir, trechos da entrevista.
Como o sr. avalia a mudança no comando da Petrobrás?
Faz sentido porque o Castello Branco não tem o perfil para tratar do problema do diesel com essa vertente social e econômica que demanda a questão dos caminhoneiros. A linha de pensamento dele é liberal, de que cada um tem de se virar, de que, se o preço é volátil, então, vai ficar volátil. O que não faz sentido é a entrada de um general, que também não tem o perfil de olhar para o problema analisando as questões econômicas e sociais e, ao mesmo tempo, defender (os interesses da) a Petrobrás. Não dá para a Petrobrás mudar o preço todo dia em função da especulação lá fora. Isso introduz uma variação não racional dentro de setores importantes aqui. O mais importante deles é o dos caminhoneiros independentes. Nem o Castello Branco nem um general do exército tem condições de fazer uma arbitragem dessas. Teria de ser um perfil técnico, mas com capacidade de administrar conflitos.
Adriana Fernandes – O anúncio da intervenção
Que país quebrado pode abdicar desse dinheiro e com tanto a fazer na pandemia?
Foi pelo Facebook que o presidente Jair Bolsonaro demitiu Roberto Castello Branco do comando da Petrobrás, com a indicação do general Joaquim Silva e Luna como novo presidente da companhia.
A troca
abre mais uma crise e consolida um movimento de forte intervenção do presidente
na estatal para segurar, na marra, o preço dos combustíveis. Reforça também a
política de populismo fiscal para a qual seu governo caminha a passos largos,
para garantir a sua reeleição em 2022.
O
discurso do presidente de que não haveria intervenção nos preços da Petrobrás,
feito há uma semana, quando anunciou um projeto de lei para alterar a tributação do ICMS dos governadores e que tanto agradou o
mercado financeiro, cai por terra.
De forma
traumática, o ministro da Economia, Paulo Guedes, perde mais um expoente do grupo
que arregimentou e que estava ao seu lado durante a eleição do presidente e na
transição de governo no final de 2018. Castello Branco foi indicação do
ministro, de quem é amigo de décadas.
O ministro perde Castello Branco na equipe e perde também mais um alicerce da política econômica que se comprometeu a fazer e que previa carta branca para a companhia atuar, sem intervenção nos preços, prática que Guedes tanto condenou no governo Dilma Rousseff.
Raul Jungmann* - Viva La Muerte!
No
dia 12 de outubro de 1936, o oficial franquista José Milan Astray, durante a
cerimônia de abertura do ano letivo na Universidade de Salamanca, em resposta
ao discurso contra o fascismo proferido pelo filósofo Miguel de Unamuno
(1864/1936) reagiu, aos gritos, com uma série de impropérios, em nome da
brutalidade fascista como valor absoluto.
Concluiu
com a tristemente famosa frase, “Abajo la inteligência, viva la muerte!”.
Esse
fato histórico me veio à mente ao ler os quatro decretos recentes da Presidência
da República visando a desregulamentação e afrouxamento dos controles sobre as
armas entre nós. Da sua exegese resta claro o malefício contra a vida e,
reversamente, o benefício à violência, ao crime organizado e às milícias.
Armas
e equipamentos, antes de uso limitado e sob o controle do Exército, são
liberados. Amplia-se a munição disponível, idem armas de uso restrito.
Afrouxam-se os controles sobre renovação de registros de atiradores, antes
feitos pela Polícia Federal e agora afeito aos clubes de tiro.
Tudo
isso na esteira de 30 outros decretos ou regulamentações diversas na mesma
direção: liberar o acesso e promover a massificação das armas no país. Mas há
outras questões – e graves.
Até aqui o debate sobre o armamento ou não da população, era travado no âmbito da segurança pública, da sua maior ou menor contribuição para a segurança individual – jamais pública! Ao afirmar que é preciso armar a população para que ela preserve sua liberdade, o Presidente politiza o debate e ataca frontalmente o papel constitucional das Forças Armadas.
Marcus Pestana* - Controles, corrupção e eficiência
É
um grave equívoco comparar linearmente a gestão privada e a pública. Na esfera
de mercado, os recursos envolvidos são privados, e o empresário pode escolher
livremente a aplicação de seus fundos financeiros, e, em caso de ineficiência,
ser punido pela falta de competitividade, podendo ser excluído do mercado
através de concordata e falência. No setor público é diferente. Os recursos
orçamentários são de toda a sociedade que os prove através do pagamento de
tributos. O gestor público enfrenta uma série de restrições e limites para que
os recursos sejam bem aplicados. Daí a necessidade de concursos públicos,
licitações, transparência e controles internos e externos.
A corrupção existe desde que o primeiro balcão público foi montado na Grécia Antiga ou no Império Romano. No Brasil, chegou a limite insuportável como demonstraram recentes acontecimentos. Isso impõe a necessidade de boas práticas administrativas, de transparência total e acompanhamento dos órgãos de controle internos e externos. Devemos ter tolerância zero com a corrupção. Mas hoje, estou convicto, a administração pública brasileira está sufocada na sua criatividade, capacidade inovadora e eficiência pelo excesso de controles exercido pelos tribunais de contas, controladorias e ministério público. Os servidores públicos tendem a ficar inertes, não ousar, não produzir, com receio de no futuro responder a processos com repercussões financeiras e pessoais muito além de sua capacidade de resposta. O conceito de improbidade ficou elástico. Há estudos que indicam que 95% dos processos nos tribunais de contas não envolvem dolo, prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito.
José de Souza Martins* - Lobato na berlinda racial
O
preconceito não está em sua obra, mas em quem o lê e o busca nas entrelinhas de
seus textos
Monteiro
Lobato, cada vez mais, vem sendo malhado pelos vigilantes das imprecisões
conceituais do senso comum da sociedade brasileira, que em sua obra veem raça e
racismo antes de ver literatura. Lobato não era racista nem sua obra o é. Tinha
consciência das diferenças raciais e sociais entre nós. Ele, apenas, não era
hipócrita. Sua literatura, como é próprio do campo literário, expressa nossa
consciência social, aquilo que gostamos de ser e o que não gostamos.
Há
racismo quando o suposto racista propositalmente desconhece e questiona na
prática a humanidade do outro, quando o agride física e/ou verbalmente em nome
dessa discriminação. Lobato era culturalmente negro, como foi comum nas
famílias de senhores de escravos em relação a seus cativos. Escolheu a dedo a
mulher negra que seria babá de seu filho, grande contadora de histórias e de
causos, que lhe serviram de inspiração literária na figura humana da Tia
Nastácia
Joaquim Nabuco, de uma família de senhores de escravos, em seu magistral livro sobre o abolicionismo, ele próprio um abolicionista, explica que a abolição do regime escravista promoveria “a eliminação simultânea dos dois tipos contrários, e no fundo os mesmos: o escravo e o senhor”. A dominação branca e senhorial sobre o escravo fazia do escravo um agente de socialização de seu senhor. Não era nem podia ser unilateral.
Fernando Abrucio* - O longo luto que impede o Carnaval
No
dia em que Bolsonaro comemorava o decreto das armas em São Francisco do Sul, do
outro lado do Estado, em Chapecó, o sistema de Saúde entrava em colapso
Neguinho
da Beija-Flor, um dos ícones das Escolas de Samba do Rio, produziu a melhor
frase sobre o estado de espírito melancólico que tomou conta do Brasil: “Estou
de pleno acordo que não tenha Carnaval, porque seria desfilar por cima de
cadáveres.” Esse luto vai além dos quase 250 mil mortos pela covid-19. Ele
representa o fracasso completo do país no último ano em várias áreas: meio
ambiente, educação, segurança pública, relações exteriores, direitos humanos e
economia. Neste momento de pura tristeza, o presidente Bolsonaro ampliou o
acesso às armas e disse que o povo vibrou com a medida.
Há
um contraste evidente entre o luto que perpassa todo este período pandêmico e a
visão de mundo do bolsonarismo. De um lado, o crescimento dos casos e mortes
pela covid-19, a ansiedade pela vacina como única forma de sair desta crise sem
fim, a esperança e o temor que marcam a tentativa de reabrir as escolas, as
cenas na TV mostrando o fogo e o desmatamento na natureza mais bela do país, a
precarização da vida da maior parte da população. De outro, a descrença na
ciência, a falta de empatia com os mortos pela doença, o conflito contínuo com
prefeitos, governadores, STF e opositores, vistos como inimigos políticos a se
destruir, o desmonte da maioria das políticas públicas e a crença na redenção
do país pelo maior alimento do ódio: as armas.
Não será fácil o país sair dessa encruzilhada. Primeiro porque o presidente usou o Poder do Executivo federal, com muitas verbas e promessas de cargos, para ganhar as eleições na Câmara e no Senado. Ambos os eleitos se dizem independentes, mas, como venceram com uma boa ajuda do governo, terão dificuldades para exercer a autonomia plena. Poderão calar a boca dos críticos e provar nos próximos dias que têm legitimidade suficiente para comandarem soberanamente o Legislativo.
Humberto Saccomandi - E se a China vencer a guerra das vacinas?
A
China vem fazendo um grande esforço de exportação de suas vacinas, enquanto os
países ricos do Ocidente estão priorizando vacinar as suas populações. Isso
permite a Pequim ampliar sua influência no mundo
No século 20, os EUA lideraram o mundo no enfrentamento de duas ameaças globais. Venceram o nazifascismo, na Segunda Guerra Mundial, e o comunismo, na Guerra Fria, tornando-se a potência hegemônica. Quem vai liderar o mundo contra a covid-19? Esse papel vem sendo ocupado cada vez mais pela China. Uma vitória chinesa na guerra das vacinas poderá acelerar a ascensão do país neste século.
Apesar
do otimismo recente com as vacinas, só uns poucos países conseguiram, até
agora, avançar com programas amplos de vacinação. Os EUA aplicaram pouco mais
de 56 milhões de doses. A China, 40 milhões. O Reino Unido, 16 milhões. A
Índia, 9,42 milhões. Os demais estão abaixo de 7 milhões.
Faltam
vacinas e, como alertou ontem o secretário-geral da ONU, António Guterres, a
distribuição das vacinas é muito desigual. Dez países (incluindo o Brasil)
concentram 75% das doses aplicadas, e 130 países ainda não receberam nenhuma
dose.
Os
países produtores deveriam aceitar vacinar mais lentamente as suas populações
para enviar vacinas ao resto do mundo? A questão é complexa e a resposta tem
repercussões importantes.
Os
países ricos estão hoje mantendo quase exclusivamente para si as vacinas que
produzem. Os EUA embarcaram numa política de America First. Em dezembro, Donald
Trump assinou decreto que obriga as empresas que produzem no país a priorizar o
mercado interno. Joe Biden manteve isso e recusou apelos recentes dos vizinhos
México e Canadá e de aliados na Europa pela liberação de mais vacinas. A União
Europeia (UE), prejudicada por essa política americana, adotou regras para
limitar a exportação de vacinas produzidas localmente, caso o mercado europeu
não seja abastecido adequadamente.
Isso pode ser eleitoralmente eficaz nesses países, mas ameaça colocar o mundo contra o Ocidente e nos braços de China.
Naercio Menezes Filho* - O fundo do poço?
Programas
temporários de redução de pobreza valem a pena para as finanças públicas
Como
o auxílio emergencial acabou e a pandemia ainda está a pleno vapor, o governo e
o Congresso estão planejando um novo programa de transferências de renda. Como
deveria ser esse novo programa? Quem deveria ser o novo público-alvo? Será que
ele conseguirá evitar que cheguemos ao fundo do poço?
A
situação econômica, a sanitária e a social parecem piorar a cada dia. O número
de óbitos permanece num patamar acima de 1000 mortes por dia e a situação
começa a sair do controle em algumas cidades. Nesta semana, Bahia e Ceará
decretaram toques de recolher para tentar conter a expansão da doença. O
processo de vacinação, bastante lento, terá que ser suspenso nos próximos dias
por falta de vacinas, já que o governo não se preocupou em contratá-las em
quantidade suficiente no ano passado. E o próprio processo de vacinação está
sendo muito confuso, com grupos de risco dando lugar a jovens ocupados em
qualquer área remotamente ligada à saúde.
As escolas tentam reabrir, mas novos casos de vírus as obrigam a fechar novamente. As crianças e jovens estão aprendendo muito pouco na maioria das cidades, desenvolvendo problemas de saúde mental e, em muitos casos, sofrendo com a violência doméstica. O seu futuro será permanentemente prejudicado pela falta de aprendizado e problemas psicológicos. É necessário que as redes persistiam com os planos de retorno às aulas, mas sem contar com o apoio do governo federal para organizar as medidas de prevenção nas escolas, há muito pouco o que as redes municipais possam fazer.
Pedro Cafardo - Por que a economia vai melhor com os democratas
Situação
no Brasil é diferente, mas algumas lições americanas podem ajudar o país, caso
um dia algum governo queira promover o desenvolvimento
de
impeachment de Donald Trump, nos Estados Unidos, um artigo escrito por David
Leonhardt, na “Sunday Review”, do “New York Times”, que mostra os avanços da
economia americana desde 1933. O artigo sustenta que os resultados foram muito
melhores em governos democratas do que em republicanos. A taxa média anual de
expansão do PIB foi de 4,6% quando os presidentes eram do partido de Joe Biden
e de 2,4% sob os da legenda de Trump.
A
diferença de desempenho é “surpreendentemente grande”, disseram dois
professores de economia em Princeton, Alan Blinder e Mark Watson. A
preponderância dos democratas se dá não apenas no PIB, observa Leonhardt, mas
também nos demais indicadores importantes da economia: emprego, renda,
produtividade e até no preço de ações. Em todos, os democratas levam vantagem
nesses quase 90 anos analisados.
Os
quatro presidentes que promoveram maior crescimento do PIB eram democratas e,
entre os quatro com expansão mais lenta, três eram republicanos. Os seis
presidentes com avanço mais rápido do emprego eram democratas. E os quatro que
promoveram um período de expansão mais lento, republicanos .
Em tese, esses dados soam bem para os mercados globais, uma vez que Biden, democrata, acaba de iniciar seu governo, que teoricamente tenderá a estimular mais o crescimento do que um republicano. Mas o tema é polêmico entre os analistas dos EUA. Leonhardt foi cuidadoso ao analisar os dados. Ouviu vários economistas e chegou a conclusões diversas. Uma delas fala até em simples coincidência. Alguns presidentes, como Barack Obama e George W. Bush assumiram quando a economia estava em recessão. Outros, como Harry Truman e Donald Trump, herdaram um boom. Além disso, Leonhardt observa que o desempenho da economia decorre de milhões de decisões tomadas diariamente por empresas e consumidores, muitas das quais têm pouca relação com a política governamental.
Fernando de la Cuadra* - La mentira como forma de acción política
Pero no
es necesario remitirnos al régimen nazista para conocer los estragos de la
mentira descarada en la vida democrática de las naciones. En la política
contemporánea tenemos innumerables ejemplos esparcidos por el planeta. Quizás
el caso más representativo de la mentira en la vida política actual, sea el de
Donald Trump, quien tiene el increíble record de haber dicho más de 25.000
mentiras durante sus 4 años en la presidencia de Estados Unidos. Hasta el final
de su mandato - en que mintió descaradamente sobre la existencia de un fraude
en las elecciones que le dieron el triunfo a su adversario demócrata-, el ex
presidente Trump mintió prácticamente en todas las materias sobre las que se
pronunció o en las que fue consultado. Mintió sobre el sistema de salud, sobre
los inmigrantes, sobre la economía, sobre el medioambiente, sobre el origen y
la gravedad del Covid-19 y sobre un largo etcétera. Entre mentiras grandes y
pequeñas, mentiras groseras y mentiras “piadosas”, su arsenal de falsedades es
tan grande que sería un despropósito enumerarlos con detalle en esta breve columna.
Sin embargo, vale la pena recordar algunas de sus mentiras más emblemáticas: A pesar de existir pruebas fotográficas en su contra, dijo desconocer a una mujer que lo acusó de violación. En el caso de la conspiración y espionaje realizada junto con el presidente de Ucrania, Viktor Yanukovich, mintió y pudo finalmente ser absuelto de un impeachment gracias a la “lealtad” de sus correligionarios republicanos en el Congreso. En la última acusación con relación a haber convocado una invasión al Capitolio, Trump desconoce su propia proclama a las huestes de seguidores, la que fue asistida por millones de televidentes en su país y en el resto del mundo. Trump hizo de la mentira su forma de gobernar y continúa mintiendo a pesar de que ya no ocupa el cargo de presidente. No es esperable de él ningún gesto que reivindique –aunque sea por una vez- el honor a la verdad.
Poesia | Capinan -De não ser, sendo constantemente
Não sou o mesmo de olhar vazio
e palavra sem consequência usada.
Andei pesando este medo
em interrogações do que seria o poeta
ante estruturas que o antecederam,
cercos de ferro, fechos de ferro, cercos.
No caminho de minha volta
esqueci canções, dupliquei memórias,
e aceito como verdade humana
que o homem é um caminho ao homem,
processo e pouso, caminhante e rota.