quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Cristovam Buarque* - Até o racismo acabar

Correio Braziliense

De nossos 500 anos, 350 foram sob sistema escravocrata. As consequências foram trágicas para a saúde econômica, social, política e cultural do Brasil. Somos um país formado, forjado e viciado no sistema escravocrata, dividindo a sociedade entre pessoas incluídas e excluídas, estas até hoje identificadas com a raça negra. Mesmo a decisão de abolir o sistema escravocrata não eliminou o preconceito contra nossos compatriotas negros. Quando se observa o tratamento dado aos trabalhadores pobres e o racismo que se mantém 133 anos depois da Abolição, o Brasil é um país de escravismo ainda não superado totalmente. Os séculos consolidaram o preconceito e formaram o racismo. 

A principal causa vem da desigualdade como a educação de base é oferecida no Brasil conforme a renda da família, e ao fato de que muitas das famílias de baixa renda são negras. A escola das classes média e alta é diferente da escola dos pobres e, em consequência, a escola dos brancos é diferente da escola dos negros. O sistema escolar brasileiro segrega brancos dos negros, por força da desigualdade na renda, salvo raros destes que ascenderam economicamente e não são mais recusados nas escolas da elite. Apesar das leis que tentam quebrá-lo, o preconceito cresce porque as raças não se misturam em escolas de qualidade. 

Vera Magalhães - Lulalckmin 2022?

O Globo

O surgimento de criaturas exóticas em eleições nas últimas décadas tem se tornado tão rápido quanto o de variantes do novo coronavírus.

Esses transgênicos que aparecem a cada quatro anos podem resultar ou não em vitórias nas urnas, mas geralmente são renegados por seus doutores Frankenstein logo em seguida ao experimento.

Lulécio, Bolsodoria, Dilmasia, as combinações políticas são tão desprovidas de sentido quanto o resultado linguístico das aproximações.

Agora, quando começam a esquentar as especulações para 2022, um novo ser de proveta vai sendo gestado: o Lulalckmin.

Representantes do que pode haver de mais distante no pensamento político e nas práticas de governo nas últimas décadas, o ex-presidente Lula e o ex-governador de São Paulo pelo PSDB Geraldo Alckmin ensaiam uma chapa presidencial.

O que pegou muitos aliados de ambos de surpresa vai avançando à base de muito constrangimento e desculpa dos dois lados para negar o passado de pesadas críticas recíprocas e até o confronto direto entre ambos na campanha de 2006.

Na ocasião, Alckmin sentou a pua na corrupção petista revelada um ano antes nos escândalos do mensalão, da casa do lobby de Palocci e dos aloprados com dinheiro vivo em sacos para atingir José Serra — tucano como o próprio Alckmin.

Bernardo Mello Franco - No altar com Valdemar

O Globo

Jair Bolsonaro consumou, enfim, o casamento com o PL. É seu nono partido em três décadas na política. O presidente subiu ao altar com o chefão da sigla, Valdemar Costa Neto. “Não seremos marido e mulher. Mas seremos uma família”, derramou-se.

O enlace foi celebrado por Marco Feliciano, dublê de deputado e pastor evangélico. Na oração de abertura, ele disse que o país “já sofreu muito e agora começa a sair do lamaçal”. Não se referia a Jacinto Lamas, o ex-tesoureiro do PL condenado no julgamento do mensalão.

Preso no mesmo escândalo, Valdemar cumpriu pena na Papuda. Ontem alugou um auditório a 20 quilômetros do presídio para trocar alianças com o capitão. Em eleições passadas, o mensaleiro investiu em personagens folclóricos como Clodovil e Tiririca. Agora aposta em Bolsonaro como puxador de votos em 2022.

Ao se unir ao dono do PL, o presidente selou o matrimônio com o Centrão, que já mandava na Casa Civil e na área social do governo. Na campanha de 2018, ele definiu o grupo como “a nata do que há de pior”. Três anos depois, disse sentir-se em casa com a turma. “Eu vim do meio de vocês”, cortejou. O general Augusto Heleno, que cantava “Se gritar pega Centrão”, desta vez poupou a voz. Participou da solenidade, mas dispensou o microfone.

Luiz Carlos Azedo - Filiação de Bolsonaro ao PL pôs a ética em segundo plano

Correio Braziliense

A criação do Auxílio Brasil foi tratada como eixo da campanha de reeleição. O novo programa de transferência de renda do governo entra no lugar do Bolsa Família

Ao lado do ex-deputado Valdemar Costa Neto, dono da legenda, o presidente Jair Bolsonaro formalizou, ontem, sua filiação ao PL, em ato que reuniu todas as lideranças do Centrão e consolidou sua base parlamentar,  além de fortalecer sua campanha nos estados do Norte e do Nordeste, principalmente. O grande constrangimento na festa, porém, foi causado pelo senador Flávio Bolsonaro (RJ), que também se filiou à legenda. Ao discursar, o filho 01 chamou de ex-presidiário o ex-presidente Luiz Inácio Lula de Silva, principal concorrente do pai, segundo as pesquisas. Acontece que Costa Neto também é um ex-presidiário, com a diferença de que suas condenações não foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Elio Gaspari - O ativismo do crime na Amazônia

Folha de S. Paulo / O Globo

O narcogarimpo no rio Madeira expôs a ausência do Estado

As balsas do rio Madeira mostraram o tamanho do prejuízo que os agrotrogloditas, piromaníacos e negacionistas estão impondo ao Brasil.

Primeiro cercearam as atividades dos fiscais do Ibama para atender aos desmatadores. Depois, tratou-se de sedar a Funai para permitir a invasão das terras indígenas.

Nos dois casos, sempre aparecia alguém com argumentos marotos para defender a ação dos delinquentes. As balsas do rio Madeira e a articulação desse garimpo com a lavagem de dinheiro e o narcotráfico expuseram o resultado da ausência do Estado na região.

Desde o século 17 foi a ação do Estado, no muque, quem estimulou e manteve a soberania de Portugal e do Brasil sobre o vale amazônico. (Pela linha do Tratado de Tordesilhas, Portugal só tinha direito às terras a leste da foz do rio.)

As maiores potências da época, Espanha, Holanda, França e Inglaterra, tinham um pé na Amazônia. Do Marquês de Pombal e Alexandre de Gusmão ao Barão do Rio Branco, brasileiros os mantiveram longe.
Por mais que se imaginem conspirações, hoje nenhum país está de olho na Amazônia.

Zeina Latif - A lei do superendividamento na contramão

O Globo

Medidas para evitar são meritórias, mas a lei representa uma intervenção excessiva no mercado de crédito

Crédito é assunto sério. Trata-se de um importante motor da economia, sendo um dos principais canais de atuação da política monetária do Banco Central sobre a atividade econômica. Não à toa, é elevada a correlação entre a concessão de crédito à pessoa física e o crescimento do PIB.

Além disso, o crédito impacta o bem-estar dos indivíduos ao permitir a antecipação de consumo e o socorro diante de contingências. Por outro lado, excessos precisam ser evitados, pois produzem ciclo econômico mais acidentado e o sofrimento de devedores. Todo cuidado é pouco nas políticas direcionadas ao mercado de crédito.

Fernando Exman - Caminhos cruzados na terceira via

Valor Econômico

PSDB e Podemos precisarão conversar sobre projeto comum

No dia 19 de outubro, quando “O Globo” e Valor realizaram o primeiro debate das prévias tucanas, a presidente do Podemos, Renata Abreu, fez questão de ir ao Rio de Janeiro acompanhar o evento.

Antes de entrar no auditório, disse que esperava ver um debate "equilibrado", que assegurasse não só a união interna do próprio PSDB, mas também a construção de pontes com outros partidos que buscavam consolidar uma terceira via, como o próprio Podemos. “Estamos todos trabalhando para viabilizar uma terceira via, que não pode se digladiar. Espero que tenha muito respeito não só aqui, mas depois também, nos debates que ocorrerão entre os candidatos de centro”, afirmou.

Um desafio e tanto. Naquele dia, sim, correu tudo bem. Deu-se de forma polida a interação entre o governador de São Paulo, João Doria, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. Mas, o ambiente dentro do PSDB foi se deteriorando.

Tiago Cavalcanti* - O desenho de ações afirmativas

Valor Econômico

As ações afirmativas melhoraram a diversidade sem efeitos negativos na eficiência e alocação de talentos

No artigo do mês passado neste Valor Econômico, escrevi que a meritocracia não é inconsistente com o aumento da diversidade. Mencionei o exemplo da admissão de mulheres nos colleges da Universidade de Cambridge em meados do século passado e o aumento da participação feminina e de negros em várias ocupações nos Estados Unidos. Esses aumentos foram acompanhados de melhorias na produtividade do trabalho americano, como vários estudos demonstram.

Certamente, o fortalecimento da oferta de educação e saúde à população carente, desde a primeira infância até o final do ensino médio, são essenciais para combatermos as desigualdades de oportunidades e promovermos a diversidade. Há inúmeras iniciativas no Brasil e no mundo de políticas que funcionam em relação à educação e saúde. É o papel de um bom gestor público estudar as experiências e procurar implementar ações de comprovado sucesso, levando em conta as restrições locais.

No entanto, o retorno do investimento em capital humano não é imediato e, portanto, ações afirmativas têm um papel decisivo em influenciar a diversidade no curto prazo. Tais iniciativas cumprem com o objetivo de promover a ascensão de indivíduos marginalizados e com isso diminuir vieses no longo prazo, já que a convivência de grupos diversos pode amenizar o preconceito estrutural.

Daniel Rittner - Perdas bilionárias nos trens e metrôs

Valor Econômico

Algumas empresas não conseguem reequilibrar seus contatos e veem a recuperação total da demanda cada vez mais longe no calendário

As operadoras de metrôs e trens urbanos alcançaram em outubro o maior índice de recuperação de passageiros perdidos ao longo da pandemia. O número de usuários transportados em dias úteis representou 74% da quantidade registrada antes das medidas de distanciamento social. Há seis meses, ainda durante a segunda onda de covid-19 no Brasil, esse indicador estava em 52%.

Essa é a notícia boa no setor. Agora a ruim: as operadoras acumulam perdas tarifárias (diferença entre bilhetagem esperada e efetivamente verificada) de R$ 15 bilhões desde o início da pandemia, de acordo com a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos). Algumas empresas não conseguem reequilibrar seus contatos e veem a recuperação total da demanda cada vez mais longe no calendário, por causa do trabalho remoto e da crise econômica. O projeto de lei que prevê um novo marco legal para o transporte público, do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), pode ajudar. Mas está sem sinais de avanço.

Fernando Canzian – Explicar o que deu certo

Folha de S. Paulo

Com agenda ultraconservadora em um país macunaímico e discurso antipolítica que acabou no centrão, Jair Bolsonaro jamais unificou políticos e sociedade em torno de um projeto que oferecesse recompensa econômica para a maioria.

Assim, grupos de interesse arraigados trataram de proteger o que é seu. Parlamentares e seus bilhões em emendas; funcionalismo com altos salários contra a reforma administrativa; empresas e setores em posse de R$ 300 bilhões anuais em subsídios tributários; entre outros.

A pandemia atrapalhou, mas a engrenagem ruim construída por Bolsonaro —com aparelhamento tosco e ideológico em educação, saúde e meio ambiente— dificilmente produziria um país melhor. Falta um tempo ainda, mas o pesadelo pode estar chegando ao fim.

Bruno Boghossian - Carro de som turbinado

Folha de S. Paulo

Presidente pretende aproveitar verba e espaço na TV para reviver fórmula infame da última campanha

Jair Bolsonaro alugou um carro de som turbinado para sua campanha à reeleição. No discurso de filiação ao PL, o presidente mostrou que pretende usar a verba do partido, o espaço na TV e os palanques nos estados para repetir a fórmula infame que explorou na disputa de 2018.

Aquele deputado do baixo clero não escondia sua agenda. Candidato por uma sigla nanica, Bolsonaro citava planos para reduzir a proteção ambiental, prometia uma abordagem ultraconservadora na educação e agitava o fantasma do socialismo para amedrontar eleitores. Agora, ele quer uma máquina partidária maior para repetir a dose.

Ao lado do anfitrião Valdemar Costa Neto, o presidente pediu apoio da plateia do centrão para que o Congresso revogue decretos ambientais e facilite a abertura de resorts em áreas preservadas de Angra dos Reis (RJ). Reclamou das leis brasileiras e disse que elas protegem "de forma excessiva" a região amazônica.

Mariliz Pereira Jorge - O noivinho do centrão

Folha de S. Paulo

O instinto de sobrevivência fez Jair correr para os braços do centrão

Enfim, unidos. Depois de um longo namoro, idas e vindas, tapas e beijos, troca de galanteios públicos, presentes às custas do cidadão brasileiro, saiu o casamento mais provável do ano eleitoral, do Jair com o centrão. E tem gente que não acredita em almas gêmeas. Mas a vida —e a política—, essa danada, tratou de celebrar o "feitos um para o outro". Juntou o fisiologismo ao desespero pelo poder.

O amor —e a política— tem dessas coisas. O sujeito desdenha, diz que não quer comprar —muito menos se vender—, cospe no prato em que se lambuzou a vida inteira, o da politicagem, mas a natureza fala mais alto. E o instinto de sobrevivência fez Jair correr para os braços do centrão.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro, bolsolão, centrão e ômicron

Folha d S. Paulo

Presidente volta a seu ninho, moristas de elite fundam bolsonarismo sem Bolsonaro

Jair Bolsonaro está onde sempre esteve. Na terça-feira, filiou-se ao PL. Na plateia, estavam também o PP ("Progressistas") e o PR ("Republicanos"), ali na fila do gargarejo, passando pano sujo e batendo palmas para a dança dos infames. Bolsonaro foi procurar sua turma, os partidos campeões do mensalão, do petrolão e, agora, do bolsolão, o puro creme do milho do centrão.

Por estes mesmos dias, o Congresso está dando um jeito de descumprir uma determinação do Supremo sobre emendas parlamentares. São aquelas que pagam o aluguel do centrão e ajudaram a evitar o impeachment de Bolsonaro. São as tais emendas de relator (na prática, a cúpula do centrão distribui dinheiros do Orçamento para obras na região dos amigos).

Não se vai saber quem levou as emendas pagas no ano passado e vai ser possível dar um jeitinho de abafar as do ano que vem. Tais como as despesas gordas do cartão corporativo de Bolsonaro, as despesas para adquirir apoio no Congresso também serão secretas. É o bolsolão. Apenas ainda não vimos direito o que tem dentro desse bolso.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

As muitas faces de um escândalo

O Estado de S. Paulo

Câmara e Senado se uniram para manter o ‘orçamento secreto’ e afrontar o Supremo com desassombro poucas vezes visto na história recente

O Congresso mostrou que está disposto a tudo, inclusive a descumprir nada menos que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), para seguir com a apropriação de uma expressiva parcela do Orçamento da União por meio das emendas de relator-geral – tecnicamente conhecidas como emendas RP-9 – sem qualquer tipo de fiscalização institucional. O único controle, por assim dizer, sobre o manejo de cerca de R$ 16 bilhões em emendas RP-9 no ano que vem, assim como foi em 2020 e 2021, será o conchavo entre quem libera, quem distribui e quem recebe essa dinheirama, uma concertação de bastidor orientada por qualquer coisa, menos pelo interesse público e pelo respeito à Constituição. É o patrimonialismo escancarado.

Na segunda-feira passada, deputados e senadores aprovaram uma resolução conjunta que não apenas institucionaliza o desvirtuamento das emendas RP-9, como sustenta o sigilo sobre a origem e o destino dos bilionários recursos liberados por meio dessa rubrica orçamentária. Na Câmara dos Deputados, a resolução antirrepublicana foi aprovada por folgada maioria: 268 votos favoráveis e 31 contrários. No Senado, a oposição ao texto foi maior, mas insuficiente para fazer prevalecer a decência: 34 senadores votaram a favor da resolução e 32, contra.

Poesia | Charles Baudelaire - A Beatriz

Num solo hostil, crestado e cheio de aspereza,
Enquanto eu me queixava um dia à natureza,
E de meu pensamento ao acaso vagando
Fosse o punhal no coração sem pressa afiando,
Em pleno dia eu vi, sobre a minha cabeça,
Prenúncio de borrasca, uma nuvem espessa,
Trazendo um bando de demônios maliciosos,
Semelhantes a anões perversos e curiosos.
Entreolham-se a mirar-me, aguda e friamente,
E, como o povo que na rua olha um demente,
Eu ps via rir, entre si cochichando,
Piscando os olhos e também sinais trocando:
“Contemplemos em paz essa caricatura
Que do fantasma de Hamlet imita a postura,
Os cabelos ao vento e o ar sempre hesitante.
Não causa pena ver agora esse farsante,
Esse idiota, esse histrião ocioso, esse indigente,
Que seu papel de artista ensaia à nossa frente,
Querer interessar, cantando as suas dores,
Os grilos, os falcões, os córregos e as flores,
E mesmo a nós, que concebemos esses prólogos,
Aos berros recitar na praça os seus monólogos?”
Com meu orgulho sem limite, eu poderia
Domar a nuvem dos anões em gritaria,
Deles desviando a fronte esplêndida e serena,
Caso não visse erguer-se, em meio à corja obscura
– Crime que até a própria luz do sol abala! –
A deusa a cujo olhar outro nenhum se iguala,
Que com eles de minha angústia escarnecia,
E às vezes um afago imundo lhes fazia.

Música | Paulinho da Viola - Vai dizer ao vento