sábado, 16 de fevereiro de 2019

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso*

Início de governo é desordenado. o atual está abusando. Não dá para familiares porem lenha na fogueira. Problemas sempre há, de sobra. O Presidente, a família, os amigos e aliados que os atenuem, sem soprar nas brasas. O fogo depois atinge a todos, afeta o país. É tudo a evitar.


*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, no Twitter, 15/2/2019.

Merval Pereira: Uma demissão desnecessária

- O Globo

O caso Bebianno não poderia se encerrar com a aparente derrota de Carlos Bolsonaro, o filho 02, ou a do próprio presidente, obrigado a suspender, pelo menos temporariamente, a demissão do chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Mágoas certamente ficariam, de todos os lados, e dificilmente seriam superadas.

O vereador Carlos, ao retomar suas funções, assinou uma petição na Câmara do Rio para homenagear o vice-presidente da República Hamilton Mourão. De quem insinuou certa vez ter interesse na morte de seu pai. É um recuo e tanto para um pitbull como Carlos que, ao contrário de seu poodle Pituka, não é de amansar a troco de nada. Vê-se agora que sabia que venceria essa queda de braço.

O caso fora resolvido com a desistência temporária de demitir seu ministro porque Bolsonaro fora confrontado com a gravidade da situação por ministros militares do nível do Chefe do Gabinete Institucional (GSI) Augusto Heleno, e políticos, como o Chefe do Gabinete Civil Ônix Lorenzoni.

O primeiro, dando a dimensão da crise institucional que a demissão intempestiva acarretará, o outro mostrando a importância politica de manter-se o governo fora de turbulências desnecessárias, especialmente agora que a maioria potencial do governo precisa ser organizada para aprovar a reforma da Presidência.

Essa dimensão do cargo que ocupa, de que não é mais um deputado, como salientou o presidente da Câmara, é o que parece estar faltando a Bolsonaro. A foto dele despachando com ministros e assessores vestindo a camisa falsificada do Palmeiras é exemplo de que não respeita a liturgia do cargo, de que não tem nem quer ter a compostura que a presidência da República exige.

Bolsonaro precisa descer do palanque imediatamente. As sandálias de plástico que usava na foto oficial são da mesma origem das caspas que Jânio Quadros jogava sobre os ombros, para compor um personagem “gente como a gente”. Mas Jânio deixava o populismo para o palanque, era até excessivamente formal no cotidiano presidencial.

O agora ex-ministro Gustavo Bebianno negociou sua permanência no cargo com políticos e militares, e surpreendeu o presidente Bolsonaro no primeiro momento com o apoio que recebeu. Agora o governo terá que dobrar esforços no Congresso para superar a falta de intermediários gabaritados durante as negociações sobre a reforma da Previdência. Um dos casos que tocou um nervo exposto da família Bolsonaro foi o contato de Bebianno com interlocutores considerados “inimigos”, na busca de ampliar apoios para a aprovação da reforma.

João Domingos: A crise no ar

- O Estado de S.Paulo

Por enquanto, fica a impressão de que os militares fazem pressão para que Bebianno fique

A demora do presidente Jair Bolsonaro em tomar uma decisão sobre o afastamento ou não do advogado Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência não contribui em nada para debelar a maior crise política de seus 45 dias de administração.

Enquanto Bolsonaro pensa no que fazer, prevalecerá a impressão de que o grupo de militares que atua no governo trabalha para que não se mexa com o ministro. Ou, então, que Bebianno sabe de coisas demais e que há risco de, na saída, sair atirando. Corre no governo a informação de que os militares preferiram ficar ao lado do ministro, que disse ter falado com o presidente quando este ainda estava no Hospital Albert Einstein, mas foi desmentido pela rede social por um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). O desmentido foi corroborado pelo pai um pouco depois.

A melhor solução para esse caso seria o afastamento imediato do ministro Bebianno. Se não em definitivo, pelo menos temporariamente, até que tudo seja esclarecido. Afinal, existe a suspeita de que o PSL, partido do presidente, usou candidatos laranja para a distribuição do dinheiro do Fundo Eleitoral. Por determinação de Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, terá de cuidar da apuração do caso. Durante a campanha Bebianno presidiu interinamente o PSL. Foi ele o responsável por levar todo o grupo de Bolsonaro para o partido. Chefiou ainda a equipe de juristas e cuidou do caixa.

Quanto ao afastamento de Carlos Bolsonaro da possibilidade de dar pitacos nas questões de governo, decidida pelo pai, esse é um ato que se faz necessário de fato. O eleitor votou em Jair Bolsonaro para presidente da República. Não num mandato colegiado, que inclui também os filhos. Quem gosta de mandato coletivo é o PSOL. Em alguns locais, em Pernambuco e em São Paulo, por exemplo, o eleitor votou num candidato e levou cinco.

Hélio Schwartsman: Os três filhotes

- Folha de S. Paulo

Rebentos já deram indícios de que vão criar problemas para o pai e o país

Se tivesse senso de institucionalidade ou mesmo um pouco mais de juízo, Jair Bolsonaro deserdaria seus três filhos envolvidos com a política. O governo ainda não completou dois meses, mas seus rebentos, cada um à sua maneira, já deram indícios de que vão criar problemas para o pai e o país.

O primogênito, o senador Flávio Bolsonaro, embora seja o mais moderado dos três, converteu-se ele próprio no centro da primeira crise enfrentada pela nova administração. Seu envolvimento com Queiroz e as milícias tende a tornar-se uma assombração permanente a pairar sobre a Presidência.

Carlos, o vereador, a quem o próprio pai apelidou de “pit bull”, tem o hábito de jogar gasolina nas questões em que se mete, como acabamos de ver na fritura de Gustavo Bebianno. Além disso, Carlos anda armado ao lado do presidente e, aparentemente, tem acesso a suas senhas nas redes sociais. É incrível que um governo tão densamente povoado por militares admita tal nível de riscos de segurança.

Igor Gielow: Capital de Bebianno e governo caótico indicam problema para Bolsonaro

- Folha de S. Paulo 

Homem-forte da campanha, ministro é um depositário de várias informações importantes

Na teoria dos jogos, a soma negativa é aquela situação em que todos os envolvidos acabam perdendo. É o caso do provável desfecho do episódio envolvendo o ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral), que deverá ser exonerado na segunda (18).

O que fica incerto é o capital danoso que Bebianno tem à disposição contra o governo. E uma certeza: esse é um governo caótico ao lidar com crises, o que sinaliza dificuldades à frente.

Gustavo Bebianno, que foi braço direito de Bolsonaro na campanha eleitoral - o ministro é um depositário de várias informações importantes —o termo "cadáveres enterrados" não cai bem, embora o chefe tenha determinado o fim do politicamente correto em seu discurso de posse.

A queda esperada de Bebianno é resultado de uma operação de Bolsonaro e seus filhos, no caso o loquaz Carlos, o "pitbull" do pai. A postagem republicada pelo presidente, que cristalizou uma crise que poderia ter ficado restrita ao escândalo das candidaturas laranjas doPSL reveladas pela Folha, é simbólica dos novos tempos em Brasília.

Para apoiadores de Bolsonaro na bancada do PSL na Câmara, esse padrão disruptivo deverá ser o novo normal das relações de poder. Isso pode ser até verdade, mas os riscos estão todos colocados.

A ala militar do governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), expressaram um alarme grande em relação à condução da crise.

O fato de que o usualmente falador Carlos moderou o tom de suas postagens no Twitter desde que foi instrumental para o pai humilhar publicamente Bebianno, na quarta (13), foi lembrado pelos fardados e pelo deputado como um sinal de que talvez os filhos do presidente agora deverão se comportar.

Ricardo Noblat: Bye, bye, Bebianno

- Blog do Noblat / Veja

A crise fica

Se Gustavo Bebianno ficasse no governo seria porque Jair Bolsonaro teria se demitido de suas funções. Onde já se viu um presidente da República chamar de mentiroso um dos seus ministros e depois deixar tudo por isso mesmo, inclusive o ministro?

E Bebbiano não é qualquer ministro. É o secretário-geral da presidência da República. Tem gabinete no Palácio do Planalto, a poucos metros de distância do gabinete de Bolsonaro, e assento garantido nas reuniões diárias do presidente.

Como é possível que Bebianno, por mentiroso, não sirva para permanecer ministro, mas sirva para ser diretor de uma empresa estatal? Pois esse foi o prêmio de consolação que lhe foi oferecido. Se tiver juízo, Bebianno voltará ao escritório de advocacia onde trabalhava no Rio.

É fato que o governo está prestes a despachar para o Congresso a proposta da reforma da Previdência. E que o mercado e seus satélites, inclusive grande parte dos políticos, estão dispostos a tolerar todas as suas fraquezas desde que se consiga aprovar a reforma.

Mas não dá para seguir fingindo que tudo vai bem, que tudo parece normal, quando bem não vai, e de normal há quase nada ou muito pouco. Certa balbúrdia é compreensível em todo início de governo. Leva algum tempo para que se comece a conhecer e a dominar a máquina.

Julianna Sofia: Fora das catacumbas

- Folha de S. Paulo

Hesitação de Bolsonaro em defenestrar Bebianno fragiliza Planalto do embate pela nova Previdência

A cada vez que um deputado se aboletar na tribuna da Câmara para esmagar uma laranja podre, a exemplo do “pornopeesselista” Alexandre Frota (SP), ficará mais custoso para Jair Bolsonaro persuadir sua base de sustentação, ainda em estado gelatinoide, a votar pela reforma da Previdência.

A hesitação de Bolsonaro em defenestrar Gustavo Bebianno(Secretaria-Geral) do Palácio do Planalto fragilizou o governo e expôs falta de firmeza para lidar com o escândalo dos candidatos laranjas de seu partido. Situação ridícula e insustentável depois de o ministro ter sido chamado de mentiroso não só por Carluxo, o filho 02 do capitão reformado, como pelo próprio presidente da República. Qualquer caminho de volta à normalidade nos corredores palacianos passaria pela demissão voluntária, ou não, do subalterno.

Não se fez isso às claras nesta sexta (15), e o cheiro de fritura empesteou a Praça dos Três Poderes. A atmosfera infectada contamina o ambiente para tramitação da reforma das aposentadorias, que chegará na próxima semana ao Congresso.

Apesar do discurso buscando pacificação e uma tentativa de mostrar que Bebianno poderia ficar no governo, pairaram ao longo do dia conversas sorrateiras sobre como garantir uma saída honrosa ao ministro ou como isolá-lo e drenar paulatinamente seu poder.

Marcus Pestana: O futuro e a formação de maioria parlamentar

- O Tempo (MG)

No último sábado, procurei demonstrar que a democracia é o império da liberdade e da Constituição. Pressupõe a convivência de todos com a pluralidade, num ambiente de tolerância e respeito recíproco. O poder, na democracia, não é absoluto e existem freios e contrapesos para evitar que a maioria eventual aniquile politicamente a minoria, objetivo número um de todos os ditadores.

O parlamento é a própria tradução e o símbolo da democracia.

Apenas três frases de Tancredo Neves são suficientes para definir a convivência com a divergência e a centralidade do parlamento: “Cada governo tem a oposição que merece. A um governo duro, intransigente e intolerante corresponde sempre uma oposição apaixonada, veemente e destrutiva”. “Não são os homens, mas as ideias que brigam”. “Fico mais feliz quando consigo um acordo entre partes contrárias que quando venço um adversário”. É preciso dizer mais?

A primeira preocupação de qualquer ditador é esvaziar o parlamento. É fácil perceber isso na dualidade de poder instalada na Venezuela, onde o governo chavista quer anular o poder da Assembleia Nacional. E o que dizer do Congresso Nacional do Povo na China, da Assembleia Nacional do Poder Popular em Cuba e da Assembleia Popular Suprema da Coréia do Norte? Todos subservientes aos seus respectivos partidos comunistas.

Nos países de democracia avançada, a questão da formação de maioria e sua interface com a governabilidade também tem sido um grande desafio.

Míriam Leitão: Reforma ampla e difícil de explicar

- O Globo

Reforma incluirá todos os segmentos para mostrar que cada um fará parte do sacrifício, mas governo terá que se esforçar na explicação

Um dado mudou a opinião do presidente Jair Bolsonaro. Ele continuava querendo uma idade bem mais baixa para a aposentadoria da mulher. Mas foi mostrado a ele que hoje a mulher pobre se aposenta em média com 61 anos e seis meses. Isso porque mesmo chegando aos 60 anos ela tem tido dificuldades de comprovar os 15 anos de contribuição. A reforma a ser apresentada na semana que vem vai incluir todos os segmentos e todos os regimes especiais. A mudança para os militares será por projeto de lei, mas divulgado no mesmo dia.

Durante a conversa com o presidente, ficou claro para quem estava na sala que ele tinha estudado o assunto no seu período no hospital. Em alguns momentos, como na explicação da diferença entre a expectativa de vida no Piauí e a expectativa de sobrevida ao chegar à idade de aposentadoria, ele interrompia para dizer que já havia entendido. Mesmo assim, Bolsonaro considerou fundamental ter uma idade diferente para homem e mulher. Na maioria dos países que faz reforma atualmente, busca-se a convergência para a mesma idade.

A reforma como está formatada é forte porque tem um período de transição mais curto. Se na proposta de Michel Temer haveria 20 anos para se chegar à idade mínima, agora serão 10 anos para os homens e 12 para as mulheres. Além disso, já começa com 56 e 60 anos, bem acima do que era anteriormente. Quem a prepara está convencido de que ela é mais simples de explicar. Não parece ser. Vai exigir do governo um grande esforço para tornar claro um projeto que terá três formas diferentes para se aposentar: idade, tempo de contribuição, pontuação. Isso sem falar na capitalização.

Adriana Fernandes: Previdência x Lei Kandir

- O Estado de S.Paulo

Apoio à reforma no Congresso ajuda os governadores a conseguirem o que querem

Os governadores de Estados exportadores estão vendo na reforma da Previdência uma oportunidade de ouro para aumentar os repasses da União com base na compensação da Lei Kandir. Polêmica, a lei desonerou o ICMS das exportações e tem provocado ao longo dos anos uma queda de braço por mais e mais dinheiro.

Movimento para aprovação de um projeto de regulamentação da lei está sendo engendrado no Congresso para abrir as portas para os Estados receberem da União compensações que os governos estaduais reclamam, inclusive, de anos passados. Os Estados reclamam uma fatura de R$ 600 bilhões nas últimas duas décadas.

Além de dinheiro novo no caixa para dar fôlego de curto prazo, os governadores querem utilizar o projeto para abater a dívida com a União e com isso reduzir os pagamentos mensais feitas ao Tesouro Nacional.

A necessidade do governo de apoio à reforma no Congresso ajuda os governadores a conseguirem o que querem. Apontado pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, como “articulador” da reforma, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já avisou que o governo terá de atender uma agenda de propostas. E a pauta inclui uma elevação dos repasses de R$ 3 bilhões para R$ 8 bilhões.

A articulação para a elaboração do projeto cresceu depois que a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o governo federal não tem mais a obrigação de fazer repasses bilionários aos Estados por conta da Lei Kandir. O parecer do tribunal, de 57 páginas, revelado esta semana pelo Estadão/Broadcast, provocou grande apreensão nos Estados e no Congresso porque, embora feito pela área técnica, é conclusivo. Isso significa que não haverá mudança de entendimento dos técnicos em relação à posição firmada de acabar com os repasses bilionários da Lei Kandir. Para os técnicos do TCU, a manutenção dos repasses é inconstitucional.

José Márcio Camargo*: Desoneração, emprego e desigualdade

- O Estado de S.Paulo

Hoje, uma redução dos encargos sobre a folha de pagamentos teria um efeito positivo importante

Diminuir os encargos sobre a folha de salários reduz o custo do trabalho e aumenta a demanda por mão de obra. Tecnicamente, significa um deslocamento da curva de demanda por trabalho para a direita. Por outro lado, como esses encargos são pagos pelas empresas e pelos trabalhadores e apropriados pelo governo, sua existência gera incentivo para que empresas e trabalhadores entrem em acordo, negociando relações de trabalho informais, com o objetivo de não pagar os encargos e repartir, entre eles, esses recursos.

Isso é a teoria. Mas e a prática? A experiência recente da economia brasileira parece não validar esses resultados. A presidente Dilma Rousseff implementou uma política agressiva de desoneração da folha de pagamentos e, com base nas avaliações deste experimento, o resultado sobre o nível de emprego parece ter sido pouco expressivo ou nulo. Será mais uma jabuticaba?! Vejamos!

O efeito final da desoneração depende da existência ou não de trabalhadores “sobrando” no mercado de trabalho. Se a taxa de desemprego é alta, um deslocamento para a direita da demanda por trabalho aumenta o nível de emprego, sem afetar os salários. Se o desemprego é baixo, tal deslocamento aumenta o poder de barganha dos trabalhadores já empregados e o salário nominal desses trabalhadores, sem efeito sobre o emprego.

Foi exatamente o que aconteceu no Brasil. Como a taxa de desemprego estava em níveis muito baixos para os padrões da economia brasileira, a desoneração da folha de pagamentos, em lugar de gerar empregos, aumentou o salário dos trabalhadores já empregados e gerou forte aceleração inflacionária. Nada de jabuticaba. Um erro primário de política econômica!

Este não é o cenário atualmente. Após dois anos de recessão, a taxa de desemprego atingiu níveis recordes. Neste contexto, uma redução dos encargos sobre a folha de pagamento teria um efeito positivo importante sobre o nível de emprego, reduziria o desemprego e a informalidade.

Entretanto, em razão da grave crise fiscal por que passa o Brasil, uma questão precisa ser resolvida: como compensar a renúncia tributária resultante da desoneração.

'Com regra atual, nem em dez anos Estados vão ajustar as contas', diz economista

Por Marta Watanabe | Valor Econômico

"Agora pelo menos nos Estados percebe-se que o problema independe de partidos, é sistêmico"

"Dar alívio a Estados em troca da Previdência é resolver um problema e agravar outro que já é grande"

SÃO PAULO - Desde que foi secretária da Fazenda de Goiás em 2015 e 2016, Ana Carla Abrão participa intensamente do debate sobre as contas públicas e agora propõe uma "reforma de RH do Estado", que inclui mudanças estruturais nas carreiras dos servidores públicos e um plano de ajuste para os governos estaduais. Elaborada em conjunto com o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e com o jurista Carlos Ari Sundfeld, a proposta se concentra em mudanças na legislação infraconstitucional.

Pela proposta, os Estados devem reconhecer o tamanho da despesa de pessoal, seja como resultado de mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), seja pela harmonização de interpretações da lei pelos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs). Com isso, todos os Estados, diz a sócia da Oliver Wyman, ficarão acima do teto de gastos de pessoal, de 60% da receita corrente líquida no consolidado dos poderes.

O prazo para reenquadramento dos Estados, segundo a ex-diretora do Itaú, será ampliado de dois quadrimestres para dez anos. A contrapartida dos governadores será replicar em seus Estados mudanças que inicialmente seriam feitas na legislação federal, com regulamentação de avaliação de desempenho relativo dos servidores, fim das promoções e progressões automáticas e reestruturação de carreiras. As alterações precisam passar pelas Assembleias Legislativas. O ajuste seria gradual e monitorado pelo Tesouro Nacional no decorrer dos dez anos e pode, num cenário otimista, resultar em redução nominal de 30% da folha ao fim de quatro anos.

Ex-economista chefe da Tendências Consultoria, Ana Carla avalia que atualmente há um grupo de Estados que claramente caminham no sentido de mudanças estruturais para reequilíbrio fiscal. Seria o que ela chama de coalizão, formada pelos governadores João Doria (PSDB), de São Paulo, Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Helder Barbalho (MDB), do Pará. Renan Filho (MDB), de Alagoas, destaca ela, se aproxima desse grupo em temas como a reforma previdenciária. Antes, diz Ana Carla, entre os governadores do mandato anterior, o ajuste era bandeira de vozes isoladas, como Paulo Hartung (sem partido/ES) e Renan Filho. O agravamento da crise, afirma ela, tornou o problema dos Estados mais claro. Ana Carla diz que não é possível esperar que todos abracem todas as agendas, mas à medida que a coalizão se amplia, avalia, há pautas básicas "passíveis de serem adotadas Brasil afora".

Apesar do quadro mais propício entre os governadores, Ana Carla teme que a reforma previdenciária vire moeda de troca por pacote de apoio aos Estados. O governo federal, diz ela, tem sido firme no sentido de que a reforma previdenciária é importante e prioritária. "O que me preocupa não é o governo federal, mas o jogo político no Congresso Nacional", diz. "Aqui temos uma brecha que, se for usada, será ruim. Tenho receio que, cedendo a essa pressão, mais uma vez erremos ao interpretar que o problema dos Estados é de falta de recursos, quando o problema é de excesso de gastos. Não haverá recursos suficientes para dar conta dessa trajetória de excesso de gastos." A reforma tributária, defende, precisa ser aprovada por si só porque é imprescindível para que o país tenha alguma chance de crescer.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no escritório da Oliver Wyman:

Valor: Como é a proposta para ajuste dos Estados elaborada com o economista Arminio Fraga e o jurista Carlos Ari Sundfeld?

Ana Carla Abrão: A ideia é uma reforma de base, uma reforma de RH [recursos humanos] dos Estado para alterar a legislação infraconstitucional, deixando a discussão de estabilidade para depois. Mexer na estabilidade exige mudança na Constituição Federal e não há espaço para discutir isso agora, já que a prioridade é a emenda da reforma previdenciária. Nossa proposta está dividida em duas etapas: uma que trata do governo federal e do serviço público federal e uma que trata de Estados e municípios. Na esfera federal propomos três pontos. O primeiro é regulamentar critérios de avaliação de desempenho. Vamos regulamentar e estabelecer que é obrigatória a avaliação de desempenho de forma periódica num nível relativo de todo o servidor público do país. Nas avaliações de hoje, todo mundo ganha nota dez ou mil. E sabemos que os serviços públicos não são nem nota dez nem nota mil. O bom servidor público, que trabalha duro, está recebendo a mesma nota muitas vezes de outro que não é tão comprometido. O segundo ponto é acabar com promoções e progressões automáticas, que têm duas implicações nefastas. A primeira é que as pessoas não precisam se esforçar para ganhar mais ou ocupar cargos mais altos. Segundo, há impacto fiscal relevante. Porque mesmo se não der aumentos salariais a folha crescerá de forma vegetativa.

'Início de governo é desordenado. O atual está abusando', diz FHC

Segundo FHC, a interferência da família do presidente Bolsonaro no governo é um fator de desestabilização

Gregory Prudenciano, O Estado de S.Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o governo de Jair Bolsonaro está abusando da desorganização desde seu início, há um mês e meio. "Início de governo é desordenado. O atual está abusando", escreveu o tucano em sua conta no Twitter.

Segundo FHC, a interferência da família do presidente Bolsonaro no governo é um fator de desestabilização que afeta o país como um todo. Para o ex-presidente, "familiares" estão pondo "lenha na fogueira" ao invés de se ocuparem em debelar as dificuldades.

"Não dá para familiares porem lenha na fogueira. Problemas sempre há, de sobra. O Presidente, a família, os amigos e aliados que os atenuem, sem soprar nas brasas.", tuitou.

A publicação de FHC surge no contexto de uma crise que envolve o presidente Jair Bolsonaro, seu filho, o vereador carioca Carlos Bolsonaro e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno.

Pelo Twitter, Carlos desmentiu declarações do ministro e ainda publicou um áudio de Jair - compartilhado depois pelo próprio presidente - no qual o chefe do Executivo dispensa um diálogo com Bebianno.

"Inicio de governo é desordenado. o atual está abusando. Não dá para familiares porem lenha na fogueira. Problemas sempre há, de sobra. O Presidente, a família, os amigos e aliados que os atenuem, sem soprar nas brasas. O fogo depois atinge a todos, afeta o país. É tudo a evitar"

As atitudes dos Bolsonaro têm gerado instabilidade no governo e críticas de parlamentares, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que julgam o imbróglio como prejudicial a andamento da reforma da Previdência, que deve ser levada ao Congresso na próxima semana.

Em seu tuíte, Fernando Henrique também alertou para a possibilidade da crise se espalhar para além do núcleo do governo. "O fogo depois atinge a todos, afeta o país. É tudo a evitar", concluiu o ex-presidente.

Após reunião, Bolsonaro diz a Bebiano que vais demití-lo

Pivô da crise dos laranjas, Bebianno diz a aliados que deixará governo Bolsonaro

Após impasse, presidente diz que demissão deve ocorrer na segunda; ala militar teme eventuais áudios

Daniela Lima, Talita Fernandes, Gustavo Uribe , Igor Gielow e Julia Chaib | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - Chamado publicamente de mentiroso pelo presidente Jair Bolsonaro em meio à crise das candidaturas laranjas do PSL reveladas pela Folha, o ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência) não conseguiu respaldo para seguir no cargo, após uma série de negociações que envolveram ministros palacianos nesta sexta-feira (15).

Bolsonaro, após se reunir com Bebianno, avisou a ele e a aliados sobre a demissão —e que a saída do ministro poderá ser formalizada na segunda-feira (18), segundo informou a coluna Painel. Já Bebianno, que presidiu o PSL durante a campanha vitoriosa de Bolsonaro, também avisou a aliados que deixará o cargo. Abordado pela Folha no hotel onde mora, em Brasília, disse que não daria declarações.

Um assessor do governo que participou das conversas relatou à reportagem que o clima azedou no meio tarde, horas depois de ter ficado definido que Bebianno teria uma sobrevida no cargo. Embora tentasse um encontro pessoalmente com o presidente desde quarta-feira (13), Bebianno só foi recebido no fim da tarde, após ministros e aliados entrarem no circuito.

A conversa entre Bolsonaro e Bebianno teria sido ríspida, e o presidente chegou a deixar um ato de exoneração assinado. A gota-d'água, segundo integrantes do Planalto, foi o vazamento de diálogos privados entre Bolsonaro e Bebianno, exclusivos da Presidência, ao site O Antagonista e à revista Veja.

A temperatura da crise subiu na quarta-feira (13), quando Carlos, o filho que cuida da estratégia digital do presidente, postou no Twitter que o então ministro havia mentido ao jornal O Globo ao dizer que conversara com Bolsonaro três vezes na véspera, negando a turbulência política.

Mais tarde, no mesmo dia, Carlos divulgou um áudio no qual o presidente da República se recusa a conversar com Bebianno.

Bolsonaro, que seguia para Brasília depois de passar 17 dias internado em São Paulo após cirurgia para reconstruir o trânsito intestinal, endossou a atitude do filho —e o fez publicamente, repostando a acusação de Carlos e dizendo em entrevista à TV Record que não havia conversado com o ministro.

Na mesma entrevista à Record, o presidente disse ter determinado a abertura de inquérito da Polícia Federal sobre o esquema de candidaturas laranjas de seu partido e que, se Bebianno estivesse envolvido, "o destino não pode ser outro a não ser voltar às suas origens", ou seja, deixar o governo.

OPÇÕES
O governo avaliava inicialmente duas possibilidades com a saída de Bebianno: entregá-la a um parlamentar do PSL, tentando reduzir o dano com o episódio, ou extingui-la, passando as atribuições para a Casa Civil ou Secretaria de Governo.

Mas, entre a ala militar da gestão Bolsonaro, o preferido para ocupar o lugar de Bebianno é o general da reserva Maynard Santa Rosa, que já ocupava um cargo abaixo do ministro, como chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Bolsonaro quer Bebianno fora; Planalto busca saída negociada

Após conversa ríspida entre presidente e ministro, governo tenta evitar acirramento da crise política

Tânia Monteiro, Renata Agostini, Julia Lindner e Camila Turtelli | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA / Jair Bolsonaro estava decidido ontem, após reunião tensa, a demitir o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Ele deve deixar o cargo até segunda-feira. Antes do encontro, o presidente havia cedido a pressões dentro e fora do governo para manter o auxiliar, mas voltou atrás após saber que Bebianno teria deixado vazar áudios de conversas entre os dois. Para evitar o agravamento da crise iniciada na quarta-feira, o ministrochefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi chamado para construir uma “saída honrosa” para Bebianno, a quem foi oferecido um cargo fora do Planalto, que ele recusou. A integrantes do governo, o ex-presidente do PSL, partido de Bolsonaro, disse que “não se dá um tiro na nuca do seu próprio soldado”. Para auxiliares do presidente, a saída do ministro pode até mesmo atrapalhar a tramitação da reforma da Previdência no Congresso.

O presidente Jair Bolsonaro estava decidido ontem a demitir o ministro da SecretariaGeral da Presidência, Gustavo Bebianno, a quem acusa de atuar por interesses próprios e contra o governo. Os dois se encontraram pela primeira vez no fim da tarde, após o ministro ter ficado dois dias na “geladeira”. O tom da conversa foi descrito por quem a acompanhou como ríspida e o clima que pouco antes era de fim da crise voltou a azedar.

Antes do encontro com o presidente, Bebianno se reuniu com os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Santos Cruz (Secretaria de Governo), quando foi avisado de que seria mantido no cargo. Bolsonaro havia cedido às pressões de civis e militares de dentro e fora do governo. Até mesmo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pediu pelo ministro, hoje sua ponte com o Palácio do Planalto.

A reviravolta ocorreu, segundo revelou a TV Record, quando o presidente tomou ciência de que Bebianno teria vazado áudios de duas conversas entre eles pelo WhatsApp com orientações de trabalho. O Estado confirmou a versão com um auxiliar do ministro. Seria o troco no vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, por ele ter publicado no Twitter mensagem de voz com o presidente negando uma afirmação do ministro.

Ciente de que Bebianno está com “ódio” de Bolsonaro, nas palavras de um ministro, o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi escalado para tentar construir no fim de semana uma saída honrosa para o colega. Como compensação, a Bebianno foi oferecido um cargo na máquina federal fora do Palácio do Planalto. A lei o proíbe de assumir uma estatal.

O núcleo militar do governo e deputados do PSL não descartam que ele deixe o governo “atirando”, razão pela qual a demissão está sendo costurada. O ministro presidiu o PSL durante a eleição e coordenou a campanha de Bolsonaro. Período em que era frequentador assíduo da casa do presidente.

Ao desabafar ontem com integrantes do governo, Bebianno afirmou que “não se dá um tiro na nuca do seu próprio soldado”. “É preciso ter o mínimo de consideração com quem esteve ao lado dele o tempo todo”, disse Bebianno, segundo o portal de notícias G1.

Com o clima acirrado, Bebianno já precificou a demissão. Seus assessores começaram ontem à noite a limpar as gavetas para bater em retirada.

Após atrito com Bolsonaro, Bebianno vai deixar o governo

Presidente ainda ofereceu cargo em estatal ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, que viu nisso demonstração de ‘ingratidão’

Não houve acordo entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que deixará o cargo depois de ser chamado de mentiroso pelo próprio presidente e por seu filho Carlos. Bolsonaro decidiu não atender aos apelos de políticos e militares para contornar a crise. Em reunião no Planalto, os dois tiveram um diálogo ríspido, com ataques mútuos. Bolsonaro chegou a propor um cargo de diretor de estatal a Bebianno, presidente do PSL durante a campanha, mas este o recusou, por considerar a oferta uma demonstração de “ingratidão’’.

Disputa perdida: Bebiano deixará governo

Jussara Soares e Robson Bonin | O Globo

Chamado de mentiroso publicamente pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), crítica que o próprio presidente da República repetiu em público, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, vai deixar o cargo. Segundo auxiliares, o presidente Jair Bolsonaro decidiu não atender aos apelos de militares e políticos para manter Bebianno no primeiro escalão do governo. Numa conversa no final da tarde, no Palácio do Planalto, o presidente chegou a oferecer ao ministro um cargo numa diretoria de estatal, mas ele não aceitou. A permanência de Bebianno no governo tinha sido costurada pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, mas Bolsonaro não ficou satisfeito.

Queria rebaixar o auxiliar de posto, o que não foi aceito por Bebianno. O ministro, que coordenou a campanha presidencial, teria dito que a oferta era uma demonstração de “ingratidão”. Segundo esses auxiliares, o presidente e seu ministro até teriam combinado uma nova conversa na segundafeira, mas a divulgação pela imprensa da intenção de Bolsonaro de exonerá-lo teria acelerado o processo. Ao longo da semana, Bebianno tentou ser recebido por Bolsonaro diversas vezes, mas vinha sendo ignorado. Ontem, o presidente, finalmente, resolveu atendê-lo. Em um primeiro momento, a conversa teve a participação do vice-presidente Hamilton Mourão, de Onyx e de Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Ao final, o ministro e o presidente se reuniram sozinhos em um diálogo ríspido, com ataques de ambos os lados.

No início da tarde de ontem, o Planalto chegou a difundir a informação de que a permanência de Bebianno estava assegurada. A notícia foi dada ao próprio ministro por Onyx e pelo chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz. Mas sabia-se que o caso não estava encerrado. Durante todo o dia, o presidente conversou com pessoas próximas e consultou ministros mais experientes. Queria sentir a temperatura da crise e ouvir conselhos dos auxiliares sobre a decisão de manter ou exonerar Bebianno. Um dos ministros que estiveram com Bolsonaro ficou com a impressão de que a exoneração de Bebianno seria uma questão de tempo.

Envolto numa crise provocada por Carlos, filho do presidente, que trabalhou pela demissão do desafeto no governo, o ministro passou os últimos dias tentando se segurar no cargo. Bebianno enfrentou um processo de desgaste provocado por denúncias de irregularidades no caixa eleitoral do PSL, presidido interinamente por ele durante a campanha.

Filho gestou um incêndio com reflexo no Congresso

Paulo Celso Pereira | O Globo

O primeiro a atrapalhar foi Eduardo, dizendo que bastavam um soldado e um cabo para fechar o STF. Depois, foi a vez do primogênito Flávio protagonizar a crise, ainda aberta, envolvendo os repasses financeiros milionários de seu assessor Fabrício Queiroz. Ontem, com menos de 50 dias de mandato, o terceiro filho, Carlos, conseguiu atingir um objetivo antigo —seu desafeto Gustavo Bebianno deve deixar o governo nos próximos dias, como primeiro ministro defenestrado pelo pai.

Governos precisam de paz para trabalhar. Quem está no comando do Executivo tem problemas de sobra, como bem ressaltou ontem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É por isso que tradicionalmente o Poder Executivo gasta energia para montar bases parlamentares amplas, impede a criação de CPIs, atua para minimizar conflitos internos. Bolsonaro chegou ao Planalto prometendo uma nova forma de fazer política. O que se viu em Brasília nesta semana foi, de fato, novo.

O imbróglio que levou à queda de Bebianno começou com a revelação pela “Folha de S.Paulo” de que uma candidata do PSL ligada ao presidente da legenda, Luciano Bivar, teria recebido R$ 400 mil e obtido apenas 274 votos. A suposta “candidata laranja” pouco tinha a ver com Bebianno, ainda que ele presidisse o partido durante a campanha e repassasse os recursos para os estados.

A crise poderia ter sido retirada do Palácio do Planalto com a simples justificativa, usada por Bebianno, de que sua tarefa era protocolar e que era responsabilidade do diretório pernambucano escolher as candidatas que receberiam recursos. Só que o mais recluso entre os filhos do presidente decidiu jogar gasolina no que era uma fagulha.

Demétrio Magnoli*: Esferas de influência

- Folha de S. Paulo

A nova/velha lógica das grandes potências paira sobre a Ucrânia e a Venezuela

Trump não tem problemas com regimes autoritários. Ele admira o russo Putin, o turco Erdogan e o saudita Bin Salman. Uma exceção notória é Nicolás Maduro, um personagem que o faz falar sobre direitos humanos. Ninguém, porém, deve se iludir: do ponto de vista do presidente americano, a Venezuela é sobre esferas de influência.

O conceito de esferas de influência aproxima Trump de Putin. O líder russo devota um desprezo absoluto pela noção de soberania popular. Na Ucrânia, quando o povo se levantou contra o regime pró-russo de Viktor Yanukovych, em 2014, o Kremlin interpretou a revolução como ingerência estrangeira num país aliado: uma conspiração ocidental antirrussa. Trump nunca discordou da avaliação, tanto que se recusou a condenar a anexação da Crimeia e a guerra separatista patrocinada por Putin no leste ucraniano.

Sob as lentes de Trump, Maduro deve cair não porque seu regime viole sistematicamente os direitos humanos ou porque tenha conduzido a Venezuela a uma catástrofe humanitária sem precedentes. A substituição do regime, aos olhos da Casa Branca, é um imperativo ditado pela meta de restauração da hegemonia dos EUA na sua esfera tradicional de influência.

A política externa trumpiana organiza-se ao redor desse conceito antigo, que está sendo reativado por Washington e Moscou. No teatro do Oriente Médio, os EUA traçam uma linha no chão, dividindo áreas de influência com a Rússia. A aliança americana com Israel e a Arábia Saudita destina-se a contrabalançar a aliança russa com o Irã e a Síria. A anunciada retirada das forças americanas da Síria tem a finalidade de concluir a partilha geopolítica, que inclui a aceitação de uma "faixa de segurança" para a Turquia mesmo às custas do abandono dos curdos à sua própria sorte.

EUA vivem um inesperado alvorecer do socialismo

Por Edward Luce | Financial Times / Valor Econômico, 15/2/2019.

Quem acredita que o momento populista dos EUA já passou, deveria pensar duas vezes. Donald Trump prometeu tornar os EUA grandes novamente. Metade do Partido Democrata agora promete tornar o país socialista pela primeira vez na história. Boa parte do que se acreditava sólido agora evapora no ar. Há poucos anos, a maioria dos democratas tinha medo de se dizer liberal, o termo para esquerdista no vocabulário político americano. Agora, abraça o socialismo com naturalidade.

Eles podem acabar às lágrimas. Uma derrota para Trump em 2020 seria um túmulo precoce para o amanhecer socialista dos EUA. Até lá, contudo, os eleitores americanos deverão continuar tendo vislumbres de algo raro - um debate ideológico genuíno. Seria precipitado prever qualquer desfecho.

A principal prova disso tudo é o "New Deal Verde", de Alexandria Ocasio-Cortez. Sob qualquer ângulo, seu projeto é absurdamente extravagante. Segundo uma estimativa, as obras públicas e novos benefícios do governo previstos no plano custariam US$ 6,6 trilhões por ano, quase 70% a mais do que o orçamento federal dos EUA, que é de US$ 4 trilhões.

Nunca se viu nada parecido no país. Ocasio-Cortez parece ter pouca ideia de como fazer para pagar os custos da proposta. Alguns dizem que o projeto é autofinanciável, porque iria estimular a economia. Outros apostam no lançamento de títulos de dívida, livre de custos. De acordo com uma teoria monetária moderna, os governos podem simplesmente emitir dinheiro novo sem causar inflação.

Entrevista: A quarta onda do populismo

Especialista em relações internacionais Bertrand Badie afirma que fenômeno atinge países muitos diferentes ao mesmo tempo

Por Helena Celestino | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

"O populismo não descreve regime nem doutrina, mas uma situação de crise profunda, de falta de confiança entre o povo e instituições"

RIO - Os ex-alunos de Bertrand Badie são onipresentes no Quai d'Orsay, a maneira como os íntimos tratam o Ministério das Relações Exteriores da França. Alguns estão em postos com altas responsabilidades políticas e muitos foram parar nas redações de jornais ou em influentes "think tanks" da Europa. Especialista em relações internacionais, professor-estrela do Instituto de Estudos Políticos de Paris, a prestigiada Sciences Po, Badie tem uma dúzia de livros escritos e dirige há dez anos uma obra coletiva em que anualmente intelectuais fazem um diagnóstico sobre o estado do mundo. "A volta dos populismos" foi a capa de "L'Etat du Monde 2019", tema considerado por todos como o grande fenômeno político da atualidade.

"Pela primeira vez na história do mundo, tantos e tão diferentes países vivem um mesmo fenômeno político. É único, o populismo tornou-se quase universal", diz Badie, de 68 anos. Na análise do professor, são populistas o presidente dos EUA, Donald Trump, assim como o da Rússia, Vladimir Putin, e o brasileiro Jair Bolsonaro. Também o são os governos escandinavos, da Itália e das Filipinas. E ainda estão nessa lista, por exemplo, o partido de esquerda La France Insoumise, de Jean-Luc Mélenchon, assim como o de extrema-direita Rassemblement National (ex- Front National), de Marine Le Pen.

O populismo, explica Badie, é uma onda que vai e volta desde o século XIX: estamos agora vivendo a quarta dessas vagas; a mais dramática foi entre as duas guerras mundiais, com o aparecimento do fascismo e do nazismo. "O populismo não descreve nem um regime nem uma doutrina, mas uma situação de crise profunda, de falta de confiança entre o povo e suas instituições", diz o professor.

Filho de imigrantes persas - ele se recusa a dizer Irã -, Badie jamais voltou ao país de seus pais depois da revolução dos aiatolás. Formado politicamente nos protestos de Maio de 68, ele agora vê aparecer nos protestos, pela primeira vez, a bandeira francesa, empunhada ao som da "La Marseillaise". "Esta é a marca dos protestos dos coletes amarelos. Para nós, é profundamente novo isso. Há um século, quando há contestação social, é sempre empunhada a bandeira vermelha, e não a tricolor [azul, vermelha e branco]. É sempre ao som da 'Internacional', e jamais ao da 'Marseillaise'. Isso mostra a ruptura muito profunda. É a direitização da contestação social", constata.

O movimento dos coletes amarelos, cuja base é a classe média baixa do interior da França, há três meses faz manifestações todos os sábados contra o governo Macron e as elites globalizadas.

Valor: A volta dos populismos é o fenômeno mais importante de 2019? Ou da próxima década?

Bertrand Badie: Pela primeira vez na história do mundo, um fenômeno político atinge ao mesmo tempo países tão diferentes quanto Estados Unidos, os da Europa Ocidental, o Brasil, a Turquia, muitos países do Norte, do Sul, do Leste e Oeste. É uma coisa única, um fenômeno quase universal. Estamos na quarta etapa do populismo: a história do mundo é ritmada por sequências populistas, a primeira no fim do século XIX, a segunda entre as duas guerras, a terceira em alguns países do Sul depois da Segunda Guerra Mundial [1939-1945], e agora estamos na quarta fase, ou seja, tem também um elemento histórico. O populismo traz uma contradição extremamente forte com a globalização - populismo e globalização são como a água e o fogo, uma contradição que pode prejudicar a globalização e levar o populismo a um impasse, ou seja, a uma incapacidade de gerir a política.

Como fabricar crises: Editorial | Folha de S. Paulo

Filho de Bolsonaro, humilhação de ministro e inabilidade do presidente ampliam turbulência

A crise deflagrada pela revelação de desvios ocorridos no partido do presidente Jair Bolsonaro desdobrou-se de forma espantosa nesta semana ao atingir o centro nervoso do Palácio do Planalto —e por iniciativa do próprio mandatário.

Como esta Folha demonstrou numa série de reportagens, acumulam-se evidências de que verbas públicas recebidas pelo PSL na campanha eleitoral foram destinadas a candidaturas de fachada.

Em Minas Gerais e Pernambuco, postulantes que alcançaram resultados insignificantes nas urnas foram aquinhoados como campeões de votos e usaram o dinheiro para pagar gráficas e outros serviços que agora não conseguem explicar.

Na quarta (13), as suspeitas atingiram o ministro Gustavo Bebianno, que presidiu o PSL durante a disputa e chefia a Secretaria-Geral da Presidência desde janeiro.

Homem de confiança de Bolsonaro, ele teve como uma de suas atribuições a divisão de fundos entre os diretórios estaduais —e era previsível que um dia seria chamado a prestar contas do que fez.

Ninguém esperaria, porém, o que aconteceu depois. Bastou Bebianno dizer numa entrevista que discutira o problema com Bolsonaro para que um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, o atacasse nas redes sociais.

Finalmente, a reforma: Editorial | O Estado de S. Paulo

O secretário especial da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, informou na quinta-feira que o governo finalmente conseguiu chegar a um consenso sobre a proposta de reforma da Previdência. Ainda não se conhecem todos os detalhes do que foi acertado - o presidente Jair Bolsonaro deverá fazer um pronunciamento à nação, na próxima quarta-feira, dia 20, para apresentar a proposta. Sabe-se, no entanto, que o projeto prevê o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, com um período de transição de 10 anos para homens e de 12 anos para mulheres. A equipe econômica estima uma economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos, essencial para começar a colocar as contas públicas em ordem.

Será um desafio e tanto fazer aprovar uma reforma a respeito da qual nem mesmo o presidente da República parece ter convicção. É bom lembrar que há muito pouco tempo Jair Bolsonaro defendia publicamente uma idade mínima de 57 anos para mulheres e 62 anos para homens. Aliás, também é bom lembrar que Bolsonaro passou a vida, como parlamentar, a boicotar qualquer tentativa de mexer na Previdência, e seu principal articulador na Câmara, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, prejudicou o quanto pôde a tramitação da reforma da Previdência proposta pelo presidente Michel Temer, muito parecida com esta que será encaminhada agora.

Reforma ataca pontos críticos da Previdência: Editorial | O Globo

Medidas antecipadas pelo governo têm boa calibragem, e projeto deverá atender ao ajuste fiscal

Anunciadas pelo secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, as propostas do governo para limite de idade e tempo de transição deram início na tarde de quinta-feira à divulgação do projeto do governo da reforma da Previdência, a ser apresentado na totalidade pelo próprio presidente Bolsonaro na semana que vem. Algo estratégico para o país de hoje e das próximas gerações, a fim de que estas escapem do destino de não terem a proteção de qualquer sistema de seguridade no futuro, se o atual não for reformado.

Em linhas gerais, o que foi anunciado busca, com acerto, algum nivelamento entre as previdências, a do INSS e a dos servidores públicos, estes privilegiados pelas atuais regras. Por intervenção do presidente da República, o limite de idade de 65 anos para os homens poderem requerer a aposentadoria não foi estendido às mulheres. Para elas, valerão 62 anos.

Adriana Calcanhoto: Trenzinho do Caipira ( Heitor Villa-Lobos/Ferreira Gullar)

Carlos Drummond de Andrade: A excitante fila do feijão

Larga, poeta, a mesa de escritório,
esquece a poesia burocrática
e vai cedinho à fila do feijão.

Cedinho, eu disse? Vai, mas é de véspera,
seja noite de estrela ou chuva grossa,
e sem certeza de trazer dois quilos.

Certeza não terás, mas esperança
(que substitui, em qualquer caso, tudo),
uma espera-esperança de dez horas.

Dez, doze ou mais: o tempo não importa
quando aperta o desejo brasileiro
de ter no prato a preta, amiga vagem.

Camburões, patrulhinhas te protegem
e gás lacrimogêneo facilita
o ato de comprar a tua cota.

Se levas cassetete na cabeça
ou no braço, nas costas, na virilha,
não o leves a mal: é por teu bem.

O feijão é de todos, em princípio,
tal como a liberdade, o amor, o ar.
Mas há que conquistá-lo a teus irmãos.

Bocas oitenta mil vão disputando
cada manhã o que somente chega
para de vinte mil matar a gula.

Insiste, não desistas: amanhã
outros vinte mil quilos em pacotes
serão distribuídos dessa forma.

A conta-gotas vai-se escoando o estoque
armazenado nos porões do Estado.
Assim não falta nunca feijão-preto

(embora falte sempre nas panelas).
Método esconde-pinga: não percebes
que ele torna excitante a tua busca?

Supermercados erguem barricadas
contra esse teu projeto de comer.
Há gritos, há desmaios, há prisões.

Suspense à la Hitchcock ante as cerradas
portas de bronze, guardas do escondido
papilionáceo grão que ambicionas.

É a grande aventura oferecida
ao morno cotidiano em que vegetas.
Instante de vibrar, curtir a vida

na dimensão dramática da luta
por um ideal pedestre mas autêntico:
Feijão! Feijão, ao menos um tiquinho!

Caldinho de feijão para as crianças...
Feijoada, essa não: é sonho puro,
mas um feijão modesto e camarada

que lembre os tempos tão desmoronados
em que ele florescia atrás da casa
sem o olho normativo da Cobal.

Se nada conseguires... tudo bem.
Esperar é que vale - o povo sabe
enquanto leva as suas bordoadas.

Larga, poeta, o verso comedido,
a paz do teu jardim vocabular,
e vai sofrer na fila do feijão.