sábado, 21 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Distensão traz esperança para venezuelanos

O Globo

Embora esteja longe de garantida, transição negociada para democracia entrou no horizonte

A esperança de a Venezuela voltar a ser uma democracia cresceu nesta semana. Na terça-feira, representantes do ditador Nicolás Maduro firmaram acordo com a oposição prometendo um pleito presidencial competitivo no ano que vem, monitorado por observadores internacionais. Na quarta, cinco presos políticos foram soltos. Em seguida, os Estados Unidos anunciaram a suspensão por seis meses de sanções impostas contra petróleo, gás e ouro venezuelanos.

Todas essas notícias foram resultado de meses de negociação entre os governos venezuelano e americano, com intervenção da diplomacia brasileira. A aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre foi negociar com os chavistas, com quem tem afinidades históricas e ideológicas. Ele foi duramente criticado pelos afagos ao chavismo e por ter recebido Maduro com honras em Brasília, mas é preciso reconhecer que sua estratégia começa a surtir efeito. É cedo para saber se os passos de distensão no regime são consistentes, mesmo assim abrem um caminho que merece ser perseguido com afinco. A saída negociada da ditadura será sempre menos traumática, embora esteja longe de assegurada.

Horas depois do anúncio dos americanos, Lula disse ter recebido a notícia com satisfação. “Sanções unilaterais prejudicam a população dos países afetados”, disse. Lula esquece, porém, que o suplício venezuelano é resultado das políticas do regime, não das sanções. Maduro é responsável por um declínio econômico sem precedentes em qualquer país em tempos de paz. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o PIB venezuelano caiu mais de 75% entre 2013 e 2020. Mais de 7,3 milhões deixaram a Venezuela desde 2014. O controle da imprensa, o aparelhamento das instituições e a perseguição a oposicionistas continuam como antes.

Carlos Alberto Sardenberg - Lula deveria se ocupar com o Brasil

O Globo

Toda a movimentação diplomática do governo brasileiro simplesmente não deu em nada até agora. E não dará

Vamos falar francamente: só os Estados Unidos têm capacidade de intervenção no conflito do Oriente Médio. Deve-se ao presidente Biden — com sua arriscada viagem a Tel Aviv — o único movimento, digamos, no sentido da redução de danos: obter a concordância de Israel e do Egito na abertura do corredor para levar comida, água e remédios para a sofrida população de Gaza.

E o Brasil?

Ia escrever capacidade zero. Mas perto de zero é mais adequado. Por um motivo: as boas relações de Lula e de Celso Amorim, seu assessor especial, com lideranças palestinas, incluindo, muito especialmente, o Hamas. E com o Irã, patrocinador dos terroristas do Hamas e do Hezbollah. Tratamos desse tema na coluna da semana passada. Voltamos para acrescentar novos dados.

Pablo Ortellado - Milei é o Bolsonaro argentino?

O Globo

Sem deixar que a economia perdesse centralidade, ele incorporou elementos das guerras culturais à campanha

Amanhã os argentinos vão às urnas para eleger seu presidente, e o candidato que lidera as pesquisas é Javier Milei, do partido A Liberdade Avança. Em algumas reportagens brasileiras, Milei tem sido descrito como um candidato de direita, mas essencialmente diferente de Bolsonaro. Enquanto Bolsonaro enfatiza a agenda de costumes, Milei enfatiza a econômica.

Sua postura libertária, ultraliberal, o aproximaria mais de um Felipe D’Avila, do partido Novo, que de um Bolsonaro. Algumas posturas que adotou no passado, mais tolerantes com drogas e práticas sexuais, o qualificariam como um liberal. Essa leitura, porém, está equivocada. Milei é hoje, como ele mesmo gosta de lembrar, um paleolibertário, um candidato que combina liberalismo econômico extremo com conservadorismo moral. Uma pesquisa realizada em Buenos Aires mostra que, entre seus apoiadores, a adesão a ideias conservadoras é ampla.

Eduardo Affonso - Pequeno dicionário clamoroso

O Globo

Brasil é uma espécie de Argentina, só que sem cinco prêmios Nobel, dois Oscars ou um Messi

Argentina s.f. 1 país sul-americano que insiste em ir ao inferno à procura de luz (ver Brasil).

Brasil s.m. 2 espécie de Argentina, só que sem cinco prêmios Nobel, dois Oscars ou um Messi.

Direita s.f. conjunto de indivíduos que defendem valores cristãos, “na exata medida em que não sejam incompatíveis com uma vida de pecado” (valeu, Ambrose Bierce!); que são contra a legalização das drogas (as que costumam usar já foram legalizadas); que, uma vez no governo, não cessam de fornecer combustível a seus supostos antípodas (ver Esquerda).

Esquerda s.f. conjunto de indivíduos que apoiam a democracia e têm crush por ditaduras (ver Oximoro); que defendem os direitos das minorias (exceto nas ditaduras amigas; ver Oximoro de novo); que, uma vez no governo, não fazem senão municiar seus supostos antagonistas (ver Direita).

Fake news s.f. 1 fatos inventados (ver Oximoro também) para sustentar uma narrativa 2 “verdade” que prescinde da veracidade para ser aceita como tal 3 o calcanhar de aquiles da imprensa séria.

Bolívar Lamounier - Terrorismo e genocídio, pragas do mundo atual

O Estado de S. Paulo

O ataque do Hamas a Israel, ainda que precedido por uma longa série de ‘avisos’, desde 1948, combinou os ingredientes essenciais de ambas

O adjetivo político(a) pode ser aplicado com propriedade a uma infinidade de situações, ações e fatos. Podemos caracterizar como político desde a eleição de um prefeito nos cafundós de algum país a um embate eleitoral e, até mesmo, com limites, a atos de guerra. Se perguntarmos o que é política a uma pessoa que não nutra interesse algum pela vida pública, as respostas mais prováveis serão “não sei” ou “as falcatruas daquela corriola de Brasília”.

A linha divisória entre determinado fato político e a antipolítica – e aqui me refiro ao terrorismo e ao genocídio – nem sempre é nítida. A desproporção entre o fato que possa ter sido a causa de uma resposta terrorista é uma aproximação, mas não é uma resposta satisfatória. Considere-se, por exemplo, o ataque japonês à base americana de Pearl Harbor, em 1941. A situação mundial era de guerra, o Japão já estava na guerra, e tratava-se de uma base militar. Mas os Estados Unidos não haviam ainda entrado na guerra. O que faz pensar em terrorismo, no caso, é seu caráter traiçoeiro, a surpresa, a calada da noite, mas não seu objetivo, que foi claramente bélico, ou seja, ligado à guerra. Um tiro no pé, pois forçou a entrada dos Estados Unidos na guerra, alterando o equilíbrio de forças e decretando a derrota, em 1945, tanto do Japão quanto da Alemanha.

Fareed Zakaria - Só os EUA podem garantir paz em Gaza

O Estado de S. Paulo

A tarefa é difícil para a diplomacia americana, mas a alternativa seria deixar a crise piorar

A crise no Oriente Médio revelou uma importante realidade a respeito do mundo. Apesar da influência americana não ser o que já foi, ainda é verdadeiro que nenhum outro país pode substituir os Estados Unidos enquanto principal ator na arena global. Para reter essa influência, Washington precisará agir sabiamente e ir além do que jamais foi.

Considerem como Rússia e China têm permanecido ausentes desta crise. Ao longo dos últimos anos, ambas as potências tentaram de várias maneiras se inserir na região. A Rússia intensificou as relações com Israel. A China ajudou a facilitar a retomada de vias diplomáticas entre Arábia Saudita e Irã. E ainda assim, desde o início da crise na Faixa de Gaza, nenhum dos países foi capaz de desempenhar nenhum papel na desativação das tensões nem forneceu soluções.

Adriana Fernandes - A farra no Senado da pauta-bomba fiscal

O Estado de S. Paulo

O que surpreende é a baixa capacidade de ação do governo para barrar essas propostas

O cenário econômico internacional está para lá de preocupante para os parlamentares insistirem em aprovar projetos que são uma “bomba fiscal”, com aumento de despesas ou renúncia de receita. Pode ser mera coincidência ou não diante da proximidade da apresentação do relatório da reforma tributária, mas a pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado virou uma fonte de “pauta-bomba fiscal” a cada semana.

Redução da contribuição previdenciária dos municípios, emendas parlamentares de comissão impositivas, mudanças no Simples, novos benefícios sociais. E renovação dos benefícios da Sudam, Sudene, com inclusão da Sudeco, do Centro-Oeste, com impacto de R$ 15 bilhões.

Oscar Vilhena Vieira* - E quando o Supremo erra?

Folha de S. Paulo

Ministros vêm, contrariamente aos seus próprios precedentes, anulando decisões dos tribunais do trabalho

Thurgood Marshall foi o mais importante advogado norte-americano do século 20. Também foi o primeiro juiz negro nomeado para a Corte Suprema, em 1967, por Lyndon Johnson. Em Brown v. Board of Education, que determinou o fim da segregação racial nas escolas norte-americanas, em 1954, Marshall foi responsável por provocar a reversão de uma das mais ignóbeis decisões da história da Suprema Corte.

Em 1979, Marshall estava proferindo uma palestra para os juízes de uma corte de apelação quando perguntou: "como esse tribunal se saiu na Suprema Corte este ano?". Sob o olhar lívido dos magistrados, Marshall explicou que dos nove casos analisados, seis haviam sido reformados pela Suprema Corte.

Hélio Schwartsman - Argentina à beira do abismo

Folha de S. Paulo

Candidatos que prometem 'quebrar o sistema' vendem ilusões perigosas

Os argentinos poderão colocar Javier Milei na Presidência da República.

Confesso que meu coração é anarquista. Eu gostaria de viver numa sociedade sem Estado ou, evocando os escritos de Pierre Clastres, até em uma contra o Estado. Mas o mundo é um lugar complexo. O fato de termos simpatia por uma ideia não significa que ela vá funcionar.

A natureza humana tem seus anjos bons. Nem toda comunidade hippie fracassa, o que nos permite manter a esperança de que um dia o anarquismo seja viável. Mas ela também tem muitos anjos maus. É só olhar ao redor para entrevê-los.

O Estado liberal democrático, que comporta variações mais à esquerda (social-democracia) e mais à direita (individualismo norte-americano), é a melhor forma que encontramos para nos equilibrar entre as duas tendências inscritas em nossa natureza, preservando o máximo de liberdade.

Dora Kramer - Mais dinheiro no cofrinho

Folha de S. Paulo

Enquanto olhamos para a guerra, partidos trabalham para triplicar valor do fundo eleitoral

O mundo atemorizado com o Oriente Médio e por aqui suas altezas parlamentares quedam-se empenhadas em como solapar o Orçamento da União para financiar a eleição de prefeitos e vereadores no ano que vem.

Enquanto olhamos para o horror, os partidos aproveitam o momento de desatenção para o que se passa no Congresso Nacional para tocar adiante a ideia de triplicar o montante do fundo eleitoral em relação ao que receberam em 2022 —em muitos casos com mau uso que, depois, para todos se pede anistia.

No último pleito municipal foram R$ 2 bilhões, algo já exorbitante quando se trata da transferência de dinheiro público para associações de direito privado que deveriam buscar formas lícitas de se sustentar. Pois agora pretendem obter três vezes aquela soma.

Alvaro Costa e Silva - A guerra virou divertimento nas redes

Folha de S. Paulo

Não importa a verdade e sim xingar o outro time, como nas arquibancadas

Poupado pela base lulista, Bolsonaro não mostrou a cara na CPI do 8 de janeiro. Mas seu nome aparece 835 vezes no relatório da senadora Eliziane Gama. Tantas citações podem até ter sido motivo de alegria para quem, apesar de todos os esforços inconstitucionais, perdeu a eleição. Colecionador de crimes, entre os quais a falta de combate à pandemia, o ex-presidente ficará na história da República como o campeão das tentativas de golpe fracassadas.

A senadora defende que o capitão foi o cabeça do plano golpista. Ainda há a indicação de que Bolsonaro agiu como "mentor moral" dos ataques à democracia. A escolha do adjetivo me soou estranha e trouxe à lembrança outro capitão do Exército, Cláudio Coutinho, técnico da seleção na Copa de 1978, na Argentina. Terceiro colocado, o Brasil foi considerado o "campeão moral".

Aos olhos de parte da população, o ambiente político é semelhante a um jogo, com grupos idiotizados se enfrentando na defesa de posições ideológicas. Ganhou o bolão da rodada aquele que apostou nos militares que serviram a Bolsonaro (e dele se serviram). Foram indiciados os generais Augusto Heleno, Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos, Paulo Sérgio Nogueira. Perdeu quem jogou suas fichas na tese dos infiltrados na invasão das sedes dos Três Poderes.

Demétrio Magnoli - Punição coletiva

Folha de S. Paulo

Tanto Hamas quanto Israel trilham a estrada da lógica bárbara

Punição coletiva é o corolário lógico da noção de responsabilidade coletiva, que imputa a uma sociedade inteira a culpa por atos de um Estado ou governo. Os atentados de 7/10 que deflagraram o atual conflito e a represália militar na Faixa de Gaza inscrevem-se nessa lógica bárbara.

A operação do Hamas não teve nenhum objetivo militar. O massacre deliberado de 1.300 civis israelenses, inclusive crianças, numa orgia macabra de violência, desnuda a alma da organização terrorista. Do ponto de vista dela, inexiste diferença entre civis e militares, pois todos seriam "soldados da ocupação".

Na guerra de independência da Argélia (1954-62), a Frente de Libertação Nacional promoveu ataques a civis, lembram vozes prontas a oferecer uma justificativa anticolonial para o terror do Hamas. O argumento, em si mesmo problemático, delineia um paralelo falso –e, por isso, revelador.

Marcus Pestana* - Fernando Pessoa: seu universo, seus heterônimos

Poesia, a uma hora dessas? Tudo que o mundo mais precisa! Gullar desvendou essa demanda existencial: “A arte existe porque a vida não basta”. Não basta e às vezes sufoca. “A gente se acostuma, mas não devia”, advertiu Marina Colasanti. Como banalizar as cenas que chegam da Ucrânia, de Gaza e de Israel? Fingir que tudo está bem e vida que segue? 

A cada vez que vejo Javier Milei e sua motosserra, mais vontade tenho de rever Elis & Tom. A cada bravata de Trump, bate saudades de Guimarães e Drummond. Diante de cada nada edificante bate-boca entre extremistas brasileiros, repleto de xingamentos onde ecoam: “fascistas”, “comunistas”, “canalhas”, “ladrões”, mais atraente se torna o universo de Paulinho da Viola e seus oitenta anos.  Dos olhos dos emigrantes famintos e desesperançados ao encontrar uma cerca de arame farpado ou uma barreira policial na fronteira de um país rico, nasce a fome de uma tela de Picasso ou um filme de Chaplin.

Poesia | Tabacaria - Fernando Pessoa (Narração de Mundo dos Poemas)

 

Música | Beth Carvalho - O que é o que é (Gonzaguinha)