sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Vera Magalhães - Todo mundo quer ser JK

O Globo

Presunção e água benta, dizia minha avó, cada um toma quanto quer. É daqueles ditados que, quando se é criança, custam a fazer sentido, mas ficam na cabeça de tanto que são repetidos.

Pois foi nele que pensei quando vi Rodrigo Pacheco, 44 anos, se esforçando para ficar empertigado e emular a pose de um dos muitos pôsteres de seu conterrâneo Juscelino Kubitschek na solenidade em que se filiou ao PSD, primeiro passo de um ainda embrionário projeto de candidatura presidencial.

O dito faz menção à falta de limite para a vaidade humana, e, no caso dos políticos brasileiros, haja água benta. Diante de uma realidade em que todos juntos têm menos que Lula e Jair Bolsonaro separadamente nas pesquisas, os quase dez candidatos a ser a alternativa à polarização em 2022 se comportam como se fossem a última bolacha de um pacote disputado a tapa pelos eleitores.

Não fosse essa autoestima exacerbada, como explicar o surgimento diário de candidatos de si mesmos, antes de qualquer mínima definição de propositura para o país?

Fernando Gabeira - Os pobres como álibi

O Estado de S. Paulo

Para políticos cujo único objetivo é o poder, é possível ver o País entrar num processo de decadência e não se importar tanto com isso

Existe um consenso, não unanimidade, é claro, de que o teto de gastos não pode ser rompido. Bolsonaro usou as condições dramáticas da população para estourar os limites de gastos.

A maioria das análises indica que isso pode trazer quebra de confiança dos investidores, aumento de preço dos combustíveis, inflação, enfim. Não vi ninguém condenar uma ajuda aos mais pobres. Os argumentos mais comuns são os de que, feita dessa maneira, ela dá com uma das mãos e tira com a outra, pois a economia vai estagnar, o desemprego vai crescer, e isso com repercussão negativa para todos, principalmente para os mais vulneráveis.

Essa é a discussão mais frequente. Alguns chegam a indicar as famosas emendas de relator, do também famoso orçamento secreto, como a fonte ideal para financiar a nova versão do Bolsa Família. Mas nem os deputados ligados ao governo nem o próprio governo estão dispostos a abrir mão dessas emendas, pois ela são uma das formas de pagamento de Jair Bolsonaro para evitar o impeachment.

Eliane Cantanhêde - Um espanto!

O Estado de S. Paulo

PEC dos Precatórios, uma síntese de Lira: submissão ao Planalto e corporativismo

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é um espanto! Sua gestão é toda voltada para dois objetivos nada engrandecedores: a submissão ao presidente Jair Bolsonaro, quando prevalece o jogo de poder do Centrão, e o corporativismo, quando o que vale são os interesses pessoais e políticos dos deputados.

A PEC dos Precatórios é uma síntese dessa atuação de Lira. Estão ali, num só texto, tanto a vontade do presidente de ter um programa social para chamar de seu no ano eleitoral quanto a gula dos deputados, que pegam carona para ampliar suas “emendas”, já tão caras para a sociedade.

Numa só tacada, a PEC formaliza um calote, implode o teto de gastos e deflagra o populismo desbragado às vésperas do início do ano eleitoral. Precatório não é favor, é uma dívida da União tramitada em julgado e, se não é paga, vira calote. Teto de gastos, regra de 2017, é uma barreira à irresponsabilidade fiscal, à falta de limites no uso dos recursos públicos. E populismo todo mundo sabe o que é: usar bandeiras sociais para interesses só eleitoreiros.

Bernardo Mello Franco - Blindagem para o negacionismo

O Globo

Para Arthur Lira, não basta sentar em cima de mais de 130 pedidos de impeachment. O presidente da Câmara também quer blindar os bolsonaristas que usaram as redes para espalhar mentiras na pandemia.

A CPI da Covid pediu o indiciamento de sete deputados por incitação ao crime. Eles estimularam o descumprimento de medidas sanitárias e difundiram informações falsas sobre máscaras e vacinas. A lista é encabeçada pelo ministro Onyx Lorenzoni, que está licenciado da Câmara. Também inclui Eduardo Bolsonaro, Osmar Terra, Ricardo Barros, Bia Kicis, Carla Zambelli e Carlos Jordy.

O relatório da CPI dedica mais de 200 páginas às fake news. “Não suporto mais essas máscaras na nossa cara”, tuitou Kicis, quando médicos e cientistas explicavam a importância do equipamento. A deputada afirmou que o uso das máscaras causaria “malefícios” e “prejuízos” à saúde. Em outra postagem, sustentou que as vacinas poderiam afetar o DNA humano.

Na cruzada para desinformar a população, Carla Zambelli mentiu até sobre a própria saúde. Em agosto de 2020, ela disse ter se curado da Covid-19 “com tratamento precoce e hidroxicloroquina”. “Muito obrigada pelas mensagens de apoio e orações!”, escreveu. O hospital que atendeu a deputada informou que seus exames para o coronavírus deram negativo. Ela apagou o tuíte, mas não admitiu a lorota.

Luiz Carlos Azedo - Jogo bruto no PSDB

Correio Braziliense

A disputa no ninho tucano virou um jogo de xadrez entre os líderes partidários. A exclusão dos 92 prefeitos e vice-prefeitos da votação pode alterar o resultado final

A Executiva Nacional do PSDB decidiu, ontem, desconsiderar os votos de 92 prefeitos e vices de São Paulo recentemente filiados à legenda nas prévias que vão escolher o candidato do PSDB à Presidência da República. Partidários do governador gaúcho Eduardo Leite contestaram as filiações feitas pelo governador paulista João Doria, no rastro da entrada do vice Rodrigo Garcia, que deixou o DEM para ser o candidato tucano ao Palácio dos Bandeirantes.

A Executiva confirmou decisão do presidente da legenda, Bruno Araújo (PE), que havia acolhido denúncia de que o diretório de São Paulo havia alterado a data das filiações para que os prefeitos e vice aliados de Doria participassem das prévias. O ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio, que também concorre às prévias, apoiou a decisão da Executiva. O diretório estadual do PSDB em São Paulo negou as irregularidades. A denúncia fora apresentada pelos diretórios de Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará e Minas Gerais. Todos já declaram apoio a Leite.

A decisão acirra ainda mais a disputa no ninho tucano, que virou um jogo bruto nos bastidores e deve deixar muitas sequelas. Pelas regras das prévias, apenas filiados até o dia 31 de maio podem votar. De fato houve “filiação em bloco” em São Paulo após a data limite, mas as adesões refletem inequivocamente o crescimento da legenda, em razão da entrada de Garcia no PSDB. Partidários de Doria alegam que as filiações foram anunciadas após o prazo em razão do falecimento do então prefeito de São Paulo Bruno Covas, cujo luto provocou 60 dias de interrupção de atividades partidárias.

Vinicius Torres Freire - O esculacho final do governo

Folha de S. Paulo

Gasto com pobres é discutido em gritaria de xepa e PIB evapora no mercado de juros

discussão do Auxílio Brasil, do teto de gastos e dos precatórios parece gritaria de xepa de fim de feira (desculpas aos feirantes). Para liquidar o assunto e conseguir uma baciada de emendas e de gambiarras fiscais, a cada momento se grita solução diferente. Ora é a emenda constitucional que revisa o teto de gastos, ora se propõe a prorrogação do auxílio emergencial, ora se vende o peixe de financiar a coisa com um crédito extraordinário ou com um decreto de calamidade.

Nos mercados financeiros, o futuro da economia evapora. Para piorar, o Banco Central não convenceu os donos do dinheiro de que pode segurar o estouro da boiada de inflação, juros e expectativas em geral.

Como se fosse possível, o desgoverno é ainda maior. O comando está nas mãos de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil, a diarquia que ora funciona como regência provisória da esculhambação final de Jair Bolsonaro.

Reinaldo Azevedo - TSE mira a Al Qaeda do Neofascismo

Folha de S. Paulo

Justiça Eleitoral acerta ao não cassar agora a chapa Bolsonaro-Mourão

O TSE tomou algumas decisões nesta semana que podem funcionar como um freio de arrumação na disputa eleitoral do ano que vem. A síntese poderia ser esta: "crime não é liberdade de expressão". O que chamo de "Al Qaeda Eletrônica do Neofascismo" está agora no radar da Justiça Eleitoral.

O tribunal cassou por 6 votos a 1 o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) por propagar "fake news" em 2018, no dia mesmo da disputa. Em contraste apenas aparente com esse voto majoritário, rejeitou, por unanimidade, a cassação da chapa que elegeu Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, respectivamente, presidente da República e vice.

Eis aí: os ministros não submeteram o passado a uma revisão que seria absurdamente tumultuada, mas estabeleceram parâmetros para o futuro. Já volto ao caso.

No dia da eleição, Francischini, então deputado federal e candidato a uma vaga na Assembleia Legislativa do Paraná, fez uma live em que asseverava haver fraude nas urnas eletrônicas. Dizendo-se protegido pela imunidade parlamentar, afirmou: "a gente tá trazendo essa denúncia gravíssima antes do final da votação".

Obviamente estava mentindo. O Ministério Público Eleitoral pediu a sua cassação "por abuso de poder de autoridade e uso indevido de meio de comunicação". O TRE do Paraná, creiam, o absolveu. Mas não passou pelo crivo do TSE. A punição é inédita. O apelo às "fake news", como se vê, cassa um mandato.

Bruno Boghossian – Eleição em campo minado

Folha de S. Paulo

Ao absolver chapa e reconhecer mentiras, tribunal abre espaço para repetição das práticas que promete punir

Ministros do TSE fizeram contorcionismo ao absolver a chapa de Jair Bolsonaro. Alexandre de Moraes foi contra a condenação por distribuição de notícias falsas, mas afirmou que "todo mundo sabe o que ocorreu" na campanha de 2018. Luís Roberto Barroso acompanhou o voto, mas disse que o julgamento demarcava limites para a próxima eleição.

Na prática, os ministros admitiram que bolsonaristas fizeram o diabo em 2018 e reconheceram que o roteiro deve se repetir em 2022. Como o tribunal não conseguiu comprovar a participação direta do presidente na campanha suja, os ministros trocaram uma possível punição por uma ameaça para o futuro.

Hélio Schwartsman – Pistoleiros da moralidade

Folha de S. Paulo

Sinto falta dos tempos em que as pessoas se negavam a fazer o papel de pistoleiros da moralidade

Não existe razão objetiva para discriminar gays, e fazê-lo constitui uma violação à moral vigente. Vou um pouco mais longe e afirmo que há algo de patológico em tentar controlar o que dois ou mais indivíduos fazem consensualmente em matéria de sexo. Nesse contexto, parecem-me intrinsecamente erradas, para não dizer levemente doentias, as observações homofóbicas que o jogador de vôlei Maurício Souza fez em suas redes sociais.

É preciso também corrigir uma interpretação esquisita da noção de liberdade de expressão que a extrema direita vem difundindo. Em sentido técnico, liberdade de expressão é a garantia de que o Estado não vai censurar pessoas nem processá-las penalmente por opiniões emitidas, não a blindagem em relação aos efeitos que essas opiniões desencadeiam na sociedade. Se eu digo algo que desagrada a alguém, não há como esperar que o ofendido não esboce reação.

César Felício - Bolsonaro com poucas cartas na mão

Valor Econômico

Alta de juros freia não só a inflação como a renda do eleitor

De todas as variáveis da economia que podem afetar uma eleição presidencial, a alta da inflação parece a mais letal. Oposicionistas venceram a eleição em todas as ocasiões em que a trajetória da inflação era claramente ascendente no momento do pleito.

A começar em 1960, na sucessão de Juscelino Kubitschek, que a história consagrou como um dos melhores governos republicanos. Há um consenso de que a alta da inflação foi um dos principais fatores, ainda que não o único, a colaborar para a eleição de Jânio Quadros. Collor ganhou 29 anos depois prometendo dar um “ippon” na inflação. Lula em 2002 chegou ao poder em uma circunstância de inflação alta.

Neste sentido, o aperto na taxa de juros que o Banco Central promove pode neutralizar um fator com potencial de enterrar o projeto de reeleição de Bolsonaro. É claro que o Banco Central, como instituição independente, toma suas decisões “by the book” e o presidente mais atrapalha do que ajuda a autoridade monetária como guardiã da moeda. Mas se o arrocho monetário derrubar a taxa da inflação Bolsonaro não estará morto, é o que importa.

Fernando Abrucio* - O centrão e Bolsonaro

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A marca da “república do centrão bolsonarista” que ficará para o futuro é a da falta de preocupação com o destino coletivo de longo prazo da nação

Períodos históricos receberam nomes diferentes no Brasil para realçar suas principais características. Assim, houve a República Velha, fim de uma era atrasada, e a Nova República, esperança de um novo tempo. Mais recentemente, o governo Itamar Franco foi chamado por alguns como República do Pão de Queijo, o que ressaltava mais o regionalismo do que a feição da liderança presidencial. Os anos FHC e o lulismo são termos mais genéricos, e detratores sempre vão buscar nomes que lhes deem um sentido mais negativo. Mas, e agora, como denominar o período Bolsonaro? Propõe-se aqui um título que representa tanto o casamento de dois grupos como uma visão de mundo em comum: a república do centrão bolsonarista.

O presidente Bolsonaro defende ideias de extrema-direita, relacionadas a um moralismo intolerante, ao negacionismo científico e à defesa de um capitalismo predatório, no qual vale mais a “liberdade dos mais fortes”, sejam os empreendedores sem peias como os garimpeiros ilegais, seja por meio da multiplicação das armas nas mãos da população. A essa ideologia somou-se originalmente uma forte visão antissistêmica contra tudo que pode representar o establishment, mas especialmente contra o sistema político. Embora o bolsonarismo ainda propague que é contra a velha política, o fato é que ele já entregou a maior parte da agenda e do cofre federal ao centrão, na nova versão comandada por Arthur Lira.

José de Souza Martins* - Mistério do dinheiro

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Os que têm mais clareza intuem que, virada do avesso, a economia brasileira já não é propriamente capitalista, e o dinheiro se tornou apenas fetiche

Todos nós julgamos compartilhar a mesma concepção de dinheiro. A mesma dos economistas, dos governantes, dos banqueiros, do pipoqueiro da praça, de quem recebe esmola e de quem recebe salário.

Num país como este, a coisa é bem mais complicada. Discurso para explicar ao povo o sobe e desce da economia, que mais desce do que sobe, chega-lhe reinterpretado pela diversidade de concepções desencontradas do que o dinheiro é. Quem não fala a língua dos mistérios do dinheiro não legitima orientações da economia.

Há muitos anos, fiz ampla pesquisa sobre a expansão da nossa fronteira econômica, na região amazônica, que em pouquíssimo tempo foi invadida por uma nova mentalidade, associada ao dinheiro. O dinheiro e seus mistérios.

Claudia Safatle - Os dilemas de Paulo Guedes

Valor Econômico

Ministro está convencido de que sua eventual saída pode produzir uma crise da qual os últimos dias têm sido apenas uma pequena amostra

Mário Henrique Simonsen costumava dizer que “não há ministro da Fazenda forte ou fraco. Há ministro da Fazenda e ponto final”. Simonsen foi ministro da Fazenda do governo Geisel e continuou no comando da economia, desta vez como ministro do Planejamento, durante os primeiros cinco meses do governo Figueiredo. Saiu em agosto de 1979 quando percebeu que o seu programa de austeridade fiscal não seria adotado pelo governo, e o país estava literalmente quebrado - o que só ficou explícito em agosto de 1982, quando da moratória da dívida externa do México.

Tomo as palavras do então ministro para refletir sobre a situação de Paulo Guedes, ministro da Economia, que teve que abrir mão da sua tarefa número 1, que era preservar a âncora fiscal dada pela lei do teto de gasto. Guedes foi sitiado pela área política, implodiu o teto, perdeu parte da sua equipe e deixou o mercado em polvorosa, sem a menor noção de preços dos ativos, sobretudo juros, câmbio e ações.

Rogério L. Furquim – Desfecho previsível

O Globo / O Estado de S. Paulo

O melancólico fim de uma regra fiscal que vinha funcionando surpreendentemente bem

Não faltará quem retruque, como Billy Wilder, que “visão retrospectiva é sempre perfeita” (Hindsight is always twenty/twenty). Mas a verdade é que não há como alegar surpresa. Só não viu quem não quis. A desastrosa “flexibilização” do teto de gastos era perfeitamente previsível. Um desfecho mais do que esperado de meses de esgarçamento do controle do Ministério da Economia sobre a política econômica.

Rememorar como tal esgarçamento se deu ajuda a perceber que a “flexibilização” do teto é uma agenda em aberto. Não há como ter ilusões. A escalada de descontrole fiscal ainda está longe do fim.

Em 2020, medidas de ajuste fiscal de mais fôlego aventadas pela equipe econômica – gatilhos, reforma administrativa, privatização – foram sistematicamente solapadas pelo próprio Planalto.

Flávia Oliveira - Em memória dos que perdemos

O Globo

O recém-aprovado relatório da CPI da Covid centrou esforços na atribuição de responsabilidade e punição — sobretudo do presidente da República, indiciado por nove tipos penais, incluindo crime contra a humanidade — pela tragédia que já ceifou a vida de 605 mil brasileiros. Não descuidou, contudo, de propor arcabouço legal para que o enfrentamento fracassado à pandemia não se repita, em caso de outro desgoverno, nem de sugerir reparação financeira a famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica e necessária homenagem aos mortos.

O relator Renan Calheiros recomendou — e o grupo majoritário da comissão parlamentar referendou — a aprovação de projetos de lei, já em tramitação no Congresso Nacional, que instituem pensão aos dependentes, sobretudo órfãos menores de idade. Para que o massacre não seja esquecido, há proposta de fazer do 12 de março, data da primeira morte no país, o Dia Nacional em Homenagem às Vítimas de Covid-19, bem como de instalar no Senado um memorial.

Pedro Doria - O algoritmo é de direita e dá para provar

O Globo / O Estado de S. Paulo

A ordem de prisão do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos e a demissão do central Maurício Souza após comentários homofóbicos fizeram explodir, nas redes, o debate sobre os limites da liberdade de expressão. Não custa lembrar: os casos são muito distintos. Allan faz parte de uma engrenagem de desinformação que ameaça a democracia. E a pergunta por responder é ligada a ele: quanto uma democracia deve permitir livre expressão para aqueles que usam o direito para dar cabo da própria democracia? É difícil criar uma regra geral. Afinal, como se mede o que ameaça e o que não ameaça uma democracia? Na ausência de filósofos que se debrucem hoje sobre esse debate, ao menos temos informação nova para digerir. Informação que comprova a existência do problema.

O Twitter tornou público na última sexta um estudo interno realizado em sete países: seu algoritmo distribui mais conteúdo de direita que de esquerda. Tuítes de veículos de imprensa e políticos ligados à direita foram muito mais amplificados que os do outro lado. Mesmo quando governantes são tirados da amostra, o viés do algoritmo permanece lá. Isso não quer dizer que tudo seja desinformação, mas comprova que o sistema tem viés ideológico. É o próprio Twitter que o reconhece.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O risco maior

Folha de S. Paulo

Descrédito do teto e alta dos juros geram temor de que dívida do governo volte a crescer sem freio

Ao elevar a taxa básica de juros de 6,25% para 7,75% ao ano, o Banco Central anunciou que a economia brasileira será abatida pela onda mais agressiva de aperto monetário em quase duas décadas.

Pelo que se depreende da leitura do comunicado divulgado pela instituição nesta quarta-feira (27), pode ser ainda pior. A taxa Selic deve ir a pelo menos 9,25% em dezembro, com outro aumento de 1,5 ponto percentual.

Até esta semana, o ritmo de incremento era de 1 ponto, já em marcha forçada para conter a inflação, que surpreende desde o segundo trimestre. O passo pode ser acelerado ainda outra vez em caso de descontrole das expectativas econômicas.

O risco maior é de descrédito das normas que estipulam um limite para a despesa federal e que em certa medida contêm o crescimento da dívida pública. Jair Bolsonaro, com a aprovação de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, trabalha pela revisão do teto de gastos.

O Banco Central deu a entender que não tem como certa a aprovação da emenda constitucional que aumenta o teto. A aceleração do ritmo da Selic agora seria apenas para conter o estrago já feito pelos planos irresponsáveis de Bolsonaro e Guedes.

Disseminou-se ainda mais a impressão de que nem mesmo regras inscritas na Constituição, como a do teto, reprimem o descuido com as contas públicas. Renovou-se o temor de que a dívida do governo volte a crescer sem freio, como entre 2014 e 2017.

Poesia | Joaquim Cardozo – Velhas ruas

Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Escuras e estreitas, humildes pardieiros
Quanta gente esquecida e abandonada!

As varandas se alongam
Num gesto atento e imóvel de quem espreita
Rumor, sombra de passos que passaram,
Tato de mãos ligeiras invisíveis.

Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Refúgio do valor desviado e da coragem anônima,
Sombra indulgente para os malfeitores,
De quem ocultais os crimes
E a quem dais generosas.

Nos momentos de paz um conselho materno.
Comovida e cristã sabedoria,
Espírito coletivo das gerações passadas,
Estes muros que a ferrugem da noite rói sugerem
O velado esplendor espiritual dos conventos,
O ritmo das coisas imperfeitas,
A volúpia da humildade.

Trêmula, dos lampiões
Desce uma luz de pecado e remorso,
E o cais do Apolo acende os círios
Para velar de noite o cadáver do rio.

In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.4-5

Música | Margareth Menezes - Faraó