segunda-feira, 27 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Uso político volta a ameaçar Petrobras

O Globo

Presidente da estatal resiste a pressão para baixar preço do combustível, mas retoma investimentos questionáveis

O presidente da PetrobrasJean Paul Prates, anunciou em agosto que a estatal investiria em 47 projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na ocasião, revelou que o financiamento da estatal geraria encomenda interna de 25 navios e afretamento de 11 outras embarcações. “Vamos lotar nossos estaleiros de novo”, disse, exultante.

Na semana passada, a estatal apresentou seu plano de investimentos para o quadriênio 2024-28. Serão ao todo US$ 102 bilhões, 31% acima do valor previsto no ano passado. O plano era visto com reservas pelo Planalto, cujo interesse é criar empregos no curto prazo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva critica projetos de longo prazo, querendo resultados logo. Mesmo assim, a Petrobras atendeu a todos os anseios do desenvolvimentismo estatista que guia os economistas do PT.

Além dos projetos do PAC, estão lá US$ 16 bilhões destinados a refino, área que a estatal vinha abandonando com a privatização de refinarias, necessária para trazer competição ao mercado brasileiro de combustível. Não apenas as privatizações foram suspensas, mas agora o refino deverá ser ampliado. Vale lembrar que, entre 2007 e 2014, nas gestões petistas, a Petrobras investiu em refino 70% dos recursos destinados à atividade desde a fundação da empresa, em 1953. O retorno foi, segundo estudo do Ibre/FGV, ridículo. Símbolos do desperdício são as inconclusas refinarias Abreu e Lima e Comperj. Focos da corrupção desmascarada na Operação Lava-Jato, voltarão a receber investimentos.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Caminhos de uma PEC

Encontra grande espaço, na cobertura jornalística e no colunismo de política brasileira, uma celeuma em torno de uma PEC, votada no Senado, que impede decisões monocráticas de ministros do Judiciário de sustarem, em caráter liminar, a vigência de leis aprovadas e sancionadas pelos poderes governativos, Legislativo e Executivo. Embora a matéria envolva outros tribunais, o foco evidente é o STF. 

No plano dos fatos, a celeuma sustenta-se em desinteligências entre vozes políticas críticas, dadas como majoritárias no Senado - que acusam o STF de suprimir garantias individuais bem como a mandatos eletivos e desrespeitar prerrogativas do Legislativo – e contundentes posições de ministros do mesmo STF. Esses veem cumplicidade legislativa e ambiguidade da política face a reações de correntes políticas que têm sido responsabilizadas, pela Justiça, por ações golpistas em passado recente e tentam fragilizar a Corte para desestabilizar a defesa institucional do regime democrático. Embora não haja unanimidade entre juristas e operadores do direito sobre esses pontos, opiniões de peso, como a do ex-ministro Celso de Mello, questionam a legitimidade constitucional do Congresso para legislar sobre tal matéria. 

No plano das versões, a situação é tratada, muitas vezes, como iminência ou mesmo evidência de crise institucional, enquadrando-se o discurso moderado do presidente do Senado - que nega a crise - como dissimulação de uma atitude corporativa e/ou de uma intenção política de se aproximar da direita ideológica para obter apoios, na bancada bolsonarista, ao senador Davi Alcolumbre para sua sucessão. Nessa estratégia estariam sendo subestimados, ou mesmo levados de roldão, valores democráticos e o objetivo de proteger a democracia de ameaças da extrema-direita, que ainda seriam relevantes hoje.

Demétrio Magnoli - Uma Palestina para os verdes

O Globo

Ambientalismo corre o risco de se isolar num gueto político

Greta Thunberg subiu à plataforma, diante de 85 mil manifestantes reunidos em Amsterdã, para falar sobre clima, mas discursou sobre Gaza. A ativista, agora com 20 anos, usava um keffiyeh (lenço palestino) ao redor do pescoço. Clamou contra a ação militar israelense, mas não pronunciou nenhuma frase sobre os atentados do Hamas. Naquele dia, 12 de novembro, o movimento ambiental sofreu uma cisão. Só se reerguerá se conseguir chegar à idade adulta.

Uma criança triste, solitária, deprimida, diagnosticada com síndrome de Asperger, transtorno que afeta a capacidade de comunicação e socialização. A descrição de Greta, oferecida por sua mãe, ilumina sua trajetória — e a do movimento ambiental. Aos 15, a adolescente tornou-se subitamente um ícone, ao liderar uma greve escolar pelo clima. Aos 16, perante a cúpula climática da ONU de 2019, pronunciou a célebre frase “Como vocês se atrevem!?”, dirigindo-se aos adultos do mundo no tom de uma diretora escolar que repreende crianças traquinas. Fez sucesso, num tempo que prefere a clareza cortante ao exame nuançado de dilemas difíceis.

Fernando Gabeira - Alzheimer, a doença para não esquecer

O Globo

Mesmo sem uma abundância científica de evidências, é possível formular um programa amplo de prevenção

Na semana passada, visitei uma pessoa muito importante na minha vida. Mente brilhante e curiosa, não me reconhecia mais nem conseguia contar com facilidade até dez. Alzheimer.

Saí da clínica disposto a fazer mais que visitá-la com frequência nesta longa jornada pelo oblívio. Escolho essa palavra porque “Oblivion” é o título de uma das músicas mais tristes que conheço, tocada por Astor Piazzolla.

Desde o fim do século passado, pensei em fazer algo a respeito da doença de Alzheimer. Era deputado quando soube que o governo francês produzira um longo relatório sobre o tema. Recebi apenas uma síntese. Mas era o bastante para me preocupar. É um tipo de doença que sobrecarrega as famílias, sobretudo as mais pobres, que precisam de ajuda para cuidar dos entes queridos.

Encontrei-me numa solenidade com José Serra, que era ministro da Saúde, e disse:

— Serra, você já ouviu falar de Alzheimer?

Brincando com sua fama de hipocondríaco, Serra respondeu:

— Já e tenho um medo danado.

Sergio Lamucci - A força da balança comercial e a blindagem das contas externas

Valor Econômico

O déficit das transações de bens, serviços e rendas com o exterior deve ficar na casa de 1% a 1,5% do PIB neste ano, bem abaixo dos 2,8% do PIB de 2022

O superávit comercial neste ano deve superar US$ 90 bilhões, podendo alcançar US$ 100 bilhões, segundo as estimativas mais otimistas. A diferença crescente entre exportações e importações tem fortalecido as contas externas do Brasil, que já tem reservas internacionais elevadas, de US$ 345 bilhões. Neste ano, o déficit em conta corrente, que mostra o resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior, tende a ficar entre 1% e 1,5% do PIB, bem inferior aos 2,8% do PIB de 2022.

É um desempenho que ajuda a blindar o Brasil num cenário de juros mais altos nos países desenvolvidos, sempre um quadro mais adverso para países emergentes, ainda que o ambiente global esteja mais benigno nas últimas semanas. As contas externas saudáveis contribuem para manter o dólar abaixo de R$ 5, preservando espaço para a continuidade da queda dos juros, embora a situação das contas públicas esteja longe de resolvida.

Bruno Carazza* - O império da lei há de chegar ao coração do Pará

Valor Econômico

Poder de barganha do Brasil em negociações sobre o meio ambiente depende da forma como preservamos a Amazônia

Caetano Veloso compôs a canção “O Império da Lei” após assistir ao filme “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, drama dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, baseado no livro de mesmo nome pelo jornalista e roteirista Marçal Aquino.

A história se passa no interior do Pará, para onde um fotógrafo paulista se muda em busca de novas experiências. Como pano de fundo do romance, a região vive um surto econômico decorrente da perspectiva de liberação da mineração de ouro no rio que banha a cidade. Com o afluxo de moradores de toda parte, o comércio se expande, assim como as externalidades negativas do “progresso”: conflitos entre garimpeiros e indígenas, crimes violentos e uma epidemia de doenças sexualmente transmissíveis.

Christopher Garman* - A principal lição da eleição de Milei

Valor Econômico

A vitória de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018 não foi um resultado atípico ou um “surto” temporário

A vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais na Argentina dará início a uma fase muito mais difícil nas relações diplomáticas entre o Brasil e seu vizinho. No curto prazo, a maior preocupação do Planalto é com o acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Embora as negociações estejam avançando e uma conclusão seja possível ainda este ano, o presidente eleito é crítico feroz do bloco sul-americano, e sua eleição põe dúvidas à execução do acordo.

Mas a escolha dos argentinos por um radical libertário, que defende a dolarização da economia e chamou o Papa Francisco de “maligno na terra”, diz muito sobre o ambiente de opinião pública na América Latina - embora a lição não seja a que parece à primeira vista.

No ciclo eleitoral de 2021-2022, Chile, Peru, Colômbia e Brasil elegeram governos de esquerda, sugerindo uma “onda vermelha”, ou rosa, na região. Agora, a direita estaria retomando posições, com as eleições de Milei e de Daniel Noboa, no Equador, e as dificuldades enfrentadas pelos governos de esquerda no Chile, Peru e Colômbia.

Marcus André Melo* - Milei e o inédito presidencialismo de coalizão na Argentina

Folha de S. Paulo

O que levou o país a escolher entre o dito libertário e o peronismo em ruína?

A única surpresa no segundo turno das eleições presidenciais argentinas foi a margem de vitória entre os candidatos. Foi muito superior ao esperado, o que confere a Javier Milei um mandato claro. Mas ele será minoritário no Congresso, gerando incentivos para que embarque em unilateralismo plebiscitário —o que será provavelmente um dos riscos menores de seu governo.

No mais, nenhuma surpresa. Já havia antecipado na coluna o malogro histórico do peronismo. Milei ganhou em 21 das 24 províncias: é "o candidato do interior sublevado, do subsolo da pátria", como afirmou o cientista político Andrés Malamud.

Ana Cristina Rosa - Mais um ataque à democracia

Folha de S. Paulo

Aprovação da PEC coincide com julgamento de pautas anticonservadoras no STF

Semana passada tirei da estante e reli trechos do livro "Como as Democracias Morrem", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Tentava entender melhor o que aconteceu no Senado com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que veda decisões monocráticas por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a eficácia de uma lei.

Na obra, os professores da Universidade Harvard analisam o processo de subversão da democracia a partir da eleição do ex-presidente Donald Trump (EUA). Alertam para o fato de a escalada do autoritarismo passar a se dar por meio do "enfraquecimento lento e constante de instituições críticas, como o Judiciário e a imprensa, e a erosão gradual de normas políticas de longa data".

Voltando ao Brasil, para além da votação e aprovação de uma PEC a toque de caixa, a "coincidência" entre a apreciação da proposta que estava engavetada desde 2021 e o julgamento de temas contrários à agenda conservadora, como a demarcação de terras indígenas, descriminalização do porte de drogas e liberação do aborto, é indício para ligar o alerta vermelho.

Lygia Maria - Imprensa sob ataque

Folha de S. Paulo

Se jornais são atacados pela direita e pela esquerda, então estão fazendo um bom trabalho

"Se você está em um país desconhecido e todos os jornais falam a mesma coisa, você está numa ditadura". Assim Millôr Fernandes mostra do que é feita a democracia: de liberdade de imprensa e diversidade de opiniões. Mas o Brasil nunca foi lá muito afeito a essa ideia e, nos últimos anos, o método conhecido como "Matem o mensageiro!" virou regra.

Guerrilhas virtuais contra a imprensa e ataques a jornalistas não são invenção de Jair Bolsonaro (PL) e seu gabinete do ódio. A prática foi criada pelo PT. Se bolsonaristas têm algum "mérito", foi o de aperfeiçoá-lo.

Camila Rocha - Governo Lula e o desastre da segurança pública

Folha de S. Paulo

Sem ouvir população, governos de esquerda ficarão condenados a repetir práticas violentas e ineficazes da direita

"Um verdadeiro desastre comunicacional". É assim que Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum de Segurança Pública, classificou a resposta do governo à escalada de violência na Bahia. Para Lima, o revés teve início com o posicionamento de Rui Costa, ministro da Casa Civil e ex-governador da Bahia, que tentou negar o óbvio ao ignorar o problema e desacreditar as estatísticas.

Após os recentes episódios de explosão de violência no Rio de Janeiro, o governo passou a ser ainda mais questionado em relação à segurança pública. De acordo com uma pesquisa da Atlas Intel, divulgada no dia 21, a taxa de desaprovação do governo superou a de aprovação pela primeira vez. E o que move tal descontentamento é justamente a questão da segurança pública e o combate à corrupção.

O aumento da indignação dos brasileiros em relação a tais temas não é algo novo. O Ibope criou um índice de conservadorismo baseado em cinco pautas: legalização do abortocasamento entre pessoas do mesmo sexo; pena de morte; prisão perpétua; e redução da maioridade penal, e aplicou o mesmo questionário sobre tais temas em 2010 e em 2016. A escala varia de 0, liberal, a 1, conservadorismo máximo.

Carlos Pereira - Coleira forte para cachorro grande?

O Estado de S. Paulo

Atuação monocrática de juízes sem controle é um risco, mas risco maior é um presidente sem controle

O presidente no Brasil é um dos mais poderosos do mundo, para que seja capaz de governar em ambiente multipartidário. E para que houvesse equilíbrio entre os poderes, o legislador constituinte de 1988 também delegou amplos poderes ao Judiciário para que tivesse condições de controlá-lo. Essa escolha, no entanto, vem desagradando parte importante da sociedade representada no Legislativo.

O Supremo percebeu esses sinais de insatisfação e decidiu se autoconter por meio de uma reforma de seu regimento interno, liderada pela ex-ministra Rosa Weber em dezembro do ano passado, quando estabeleceu que decisões monocráticas poderiam ser apreciadas imediatamente pelos colegiados e também impôs prazos mais rígidos para a apreciação de pedidos de vista.

Poesia | O Cão sem plumas -João Cabral de Melo Neto com narração de Mundo dos Poemas

 

Música | Quinteto Violado - Vozes da Seca