segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Opinião do dia - Montesquieu*

É preciso observar que o que chamo de virtude na república é o amor à pátria, isto é, o amor à igualdade. Não é absolutamente virtude moral, nem virtude cristã, é virtude política; e essa é a mola que faz mover o governo republicano. Chamei, portanto, de virtude política o amor a pátria e à igualdade.


* Montesquieu (1689-1755), ‘Do espirito das leis’, p.31, Editora Nova Cultura, 2005

Ricardo Noblat - Carnaval de protesto esquenta os tamborins

- Blog do Noblat | Veja

Segura o tranco, Bolsonaro!
Pelo menos 8 das 13 escolas do Grupo Especial no Rio de Janeiro levarão para a avenida no próximo ano sambas e enredos com críticas diretas e indiretas ao governo de Jair Bolsonaro, e às suas ideias ou falta delas.

Mangueira e Portela são as que prometem maior atrevimento com referências ao próprio Bolsonaro. Com o enredo “A verdade vos fará livre”, a Mangueira aborda a mania do presidente de usar os dedos das mãos para fingir que atira e cantará a certa altura:

“Favela, pega a visão/Não tem futuro sem partilha/Nem Messias de arma na mão”.

Bolsonaro e o prefeito Marcelo Crivella, do Rio serão os alvos preferidos da Portela com enredo que conta a história dos índios que habitavam o Rio antes da chegada dos portugueses ao Brasil:

“Índio pede paz, mas é de guerra/Nossa aldeia é sem partido ou facção/Não tem bispo, nem se curva a capitão”.

Com o enredo “O conto do Vigário”, a São Clemente atira em todas as direções – nos laranjais do PSL, nos presos da Lava Jato recolhidos ao presídio de Bangu, e no uso das fake news nas eleições do ano passado:

“Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu/E o país inteiro assim sambou/Caiu nas fake news”.

Os enredos mais inocentes transmitirão mensagens de luta contra o racismo (Salgueiro) e a intolerância religiosa (Grande Rio). Mocidade Independente de Padre Miguel, com desfile sobre a cantora Elza Soares, e União da Ilha citarão as mazelas sociais.

Outubro, para os cariocas, não tem para mais nada. É a data final para a escolha dos sambas que serão cantados na Marquês de Sapucaí. Evoé, Momo!

Viés ideológico afasta investimentos

Fernando Gabeira - Esqueletos no armário

- O Globo

Ao gritar que Queiroz estava com a mãe do ciclista, Bolsonaro chamou a atenção para os ossos

Correndo de praia em praia, seguindo a mancha de óleo no Nordeste, tive uma noite livre para pensar na política nacional.

Dizem que é nova política. Não sei se tenho condições de entendê-la. Mas o exame da política de sempre é o critério que tenho para analisar esses fatos. Na minha tosca enciclopédia, dois verbetes dariam conta da fúria de Bolsonaro contra um ciclista e a divisão desse estranho partido que é o PSL: esqueletos no armário e racha, entendido aqui como a cisão num grupo partidário.

Esqueletos no armário podem ser cadáveres reais ou mesmo episódios que governos ou partidos querem ocultar porque a transparência, nesse caso, é indesejável. Fabrício Queiroz é um esqueleto no armário. Há muitas formas de tratar disso. Bolsonaro parece ainda inexperiente no assunto. Ao gritar que Queiroz estava com a mãe do ciclista, ele apenas usou a pior tática: chacoalhar os ossos e chamar a atenção de todos para o esqueleto rangendo contra a madeira.

Esqueletos no armário são corrosivos. Os ultrafiéis não se importam, talvez nem acreditem que essas coisas aconteçam nos bastidores. Há um grupo que simplesmente aceita, com o argumento de que o objetivo é maior e que essas coisas acontecem mesmo em todos os partidos.

Mas essa concordância entra em colapso quando o chamado objetivo maior não se realiza. Manter os esqueletos silenciosos no armário é uma tarefa difícil também a longo prazo. Bolsonaro, diga-se a seu favor, não é dos mais brilhantes na tarefa.

Rosiska Darcy de Oliveira - Parabéns, Fernanda

- O Globo

É uma herança inestimável a que você nos lega

Parabéns, Fernanda. Você que chega aos 90 anos com a inteligência e o impulso vital intocados, assim como a coragem de viver sem tempos mortos. Parabéns não só pela atriz genial que você é há sete décadas, sobretudo pela vida vivida, honrada, irrepreensível.

Parabéns pelo Prólogo, a infância difícil no plano material, nem por isso menos feliz, a ensinar para toda a vida que a solidariedade familiar vale mais que uma conta em banco, que a cultura é um bem precioso e que o sentido moral se aprende na infância. Em tempos de desvairada corrida ao dinheiro, aos podres poderes, quando tudo e todos parecem ter preço, é uma herança inestimável a que você nos lega.

Cacá Diegues - Do outro lado da Baía

- O Globo

Em proporção a seu orçamento, Niterói já é a 9ª cidade do país que mais investe em cultura. E a primeira do estado

No final do ano passado, Renata Almeida Magalhães, minha esposa e produtora, produziu, em Niterói, o filme “Aumenta que é rock’n’roll”, dirigido pelo jovem realizador Tomás Portella, a partir do livro “A onda maldita”, de Luiz Antonio Mello. O autor do livro foi o fundador da célebre Rádio Fluminense que, a partir de 1982, lançou todas as jovens bandas populares daquele momento e se tornou um sucesso único entre a juventude das cidades próximas, como o Rio de Janeiro. E ainda colaborou com uma renovação cultural e de costumes, para a nova democracia que se anunciava no horizonte.

Voltei portanto a Niterói, para onde, quando era criança, minha mãe me levava com meus irmãos, para tomar banho de mar no Saco de São Francisco. E onde, adolescente aspirante a cineasta, visitei Nelson Pereira dos Santos e sua família, que então moravam na cidade. Redescobri Niterói.

Todo estudioso do assunto sabe que a primeira sessão de cinema na América do Sul, deu-se no Rio de Janeiro, na Rua do Ouvidor, em 8 de julho de 1896. Mas há controvérsias quanto à primeira imagem filmada no Brasil, a inauguração da produção cinematográfica no país. Minha aposta é em Affonso Segretto que, com seus irmãos Paschoal e Caetano, se tornaria depois o mais importante grupo exibidor de cinema do Rio de Janeiro, a então capital federal.

Nelson Paes Leme* - Como as democracias morrem

- O Globo

O culto à personalidade e o voluntarismo voltam à história com força inusitada

Este é o título, em tradução livre, do esplêndido e arrepiante livro “How Democracies Die”, um estudo histórico e comparado dos professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Trata-se de um completo trabalho em torno da tese de que os autocratas não obrigatoriamente tomam o poder através de golpes de Estado. Mas em inúmeros exemplos, ao contrário, valem-se do próprio regime democrático e fundam seus próprios partidos para golpear o poder, já eleitos. Foi assim com Mussolini, que inaugura a extensa lista de casos relatados detalhadamente no livro, passando por Hitler, Getúlio Vargas e vindo até Chávez, que teve seu trampolim no próprio constitucionalista Rafael Caldera ao sair aquele do cárcere para fazer política. Perguntado para onde iria ao sair da cadeia, Chávez teria respondido: “Para o poder!”

Pelo fato de os autores serem americanos, ou talvez também pela forte tradição democrática da nação do “We, the people” do introito da Constituição da maior democracia do Planeta, ou por ambos os motivos, há um capítulo extenso à parte dedicado às eleições de 2016, que, inacreditavelmente, levaram ao poder a esdrúxula figura de Donald Trump. E, claro, o risco que passou a representar para o ideal de democracia dos Founding Fathers dos EUA. E, ainda, o que isso poderá reverberar nas demais democracias do continente, inclusive na nossa.

O livro é extremamente importante para o decisivo momento histórico vivido pelo Brasil, embora estude apenas até o período Vargas, já que, de lá para cá, há copiosa obra de brasilianistas americanos sobre o tema, capitaneada pelo famoso “Brasil — De Getúlio a Castello”, clássico de Thomas Skidmore, também de Harvard. Não faz reflexões expressas sobre o atual momento, até porque a primeira edição foi de 2018, quando se travava a luta plebiscitária eleitoral brasileira do segundo turno. Mas deixa nas entrelinhas do estudo comparado os riscos terríveis que correm a nossa atual democracia e outras mundo afora.

Artigo | Avaliar desempenhos é reformar o Brasil

Medida tem de ser prioridade, se quisermos melhores serviços públicos e estruturas mais eficientes e menos custosas

Ana Carla Abrão* , Arminio Fraga Neto** e Carlos Ari Sundfeld*** | O Globo

Não é de hoje que a população reclama: os serviços públicos não atendem às suas expectativas, que dirá às necessidades de quem é tão carente de serviços básicos. Estímulos ao bom desempenho dos servidores são poucos. Há carreiras com privilégios, outras abandonadas. O sistema não é transparente, nem meritocrático. A produtividade é baixa. Gasta-se muito e o dinheiro público acabou. Por isso, ideias de mudança estão ganhando força.

Priorizar o quê? O governo FHC reviu as funções e a forma de atuação do Estado. Saldo positivo foram a privatização de empresas e a criação das organizações sociais. Quanto aos recursos humanos (RH) do Estado, a reforma aos poucos se frustrou.

Nada é mais importante em qualquer organização, pública ou privada, do que cuidar de suas pessoas de forma adequada. E organizações que não avaliam a si mesmas estão condenadas à decadência. Por isso, em 1998, mudanças constitucionais abriram caminho para modernizar o regime dos servidores. A reforma apontou a avaliação de desempenho como elemento crucial. Ela seria condição para o servidor chegar à estabilidade e mantê-la ao longo da vida funcional. E leis específicas deveriam usá-la para definir a evolução na carreira e pagar mais a quem trabalha melhor.

Conservadorismo ‘cultural’ tenta se popularizar

Nova direita brasileira busca forma de organização para promoção da pauta de costumes que chegou ao poder em 2018. Agenda tem sido financiada por empresários ou com recursos públicos de fundação do PSL

Guilherme Caetano e Dimitrius Dantas | O Globo

SÃO PAULO - Um ano após a eleição, simpósios e conferências se espalharam, do Sul ao Norte do país, com a missão de disseminar o pensamento intelectual conservador defendido pela parcela mais aguerrida do eleitorado de Jair Bolsonaro . O porte desses eventos é diverso, com custos entre R$ 25 mil e quase R$ 1 milhão, e um público que gira de 100 pessoas até três mil.

À exceção do CPAC Brasil , custeado no último fim de semana pela Fundação Índigo , ligada ao PSL, os demais eventos mapeados pelo GLOBO são bancados por empresários da região onde se realizarão, por vezes ajudados pela cobrança de taxa de inscrição ao público.

Os objetivos, em geral, são popularizar e tornar mais acessíveis teses, conceitos acadêmicos e informações sobre o conservadorismo. O III Simpósio Nacional Conservador , realizado em Ribeirão Preto (SP) no começo do mês, por exemplo, queria transformar a cidade no polo do pensamento conservador no país. Menos pretensioso, o 1º Simpósio Conservador de Belo Horizonte (MG), em setembro, teve o objetivo de “disseminar o pensamento conservador e os valores judaico-cristãos”. No Nordeste, principal reduto da esquerda no Brasil após as eleições de 2018, a ideia é apresentar, em novembro, as ideias conservadoras para uma população que, na visão de seus organizadores, é “culturalmente” conservadora.

Sem verniz acadêmico
Para o professor Christian Edward Cyril Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a profusão de eventos conservadores marca uma diferença da ascensão dessa força política em relação a outros momentos da história do Brasil, quando era muito mais dependente do estatismo ou de setores da classe média.

Sergio Lamucci - Juro real pode ficar perto de zero em 2020

- Valor Econômico

Com inflação baixa e enorme capacidade ociosa, BC tem ainda espaço considerável para cortar Selic

Conhecido pelos juros altíssimos das últimas décadas, o Brasil tem a possibilidade de experimentar taxas reais próximas de zero nos próximos meses. Com inflação baixa e enorme capacidade ociosa, o Banco Central (BC) tem ainda um espaço considerável para cortar os juros, hoje em 5,5% ao ano, segundo alguns analistas. A contenção dos gastos públicos e a desaceleração global também contribuem para o BC reduzir a taxa básica e, com isso, tentar dar mais gás a uma retomada que segue lenta, apesar de alguns sinais recentes mais favoráveis no crédito, no varejo e no mercado de trabalho.

Na sexta-feira, os economistas do Banco Safra reduziram a estimativa para a Selic no fim do atual ciclo de corte de juros de 4,5% para 4% ao ano. Na visão do Safra, o BC vai promover neste ano mais dois cortes de 0,5 ponto percentual, fazendo a taxa encerrar 2019 em 4,5%. Além disso, a expectativa é de mais duas reduções de 0,25 ponto nas duas primeiras reuniões de 2020 do Comitê de Política Monetária (Copom). Isso levaria a Selic para 4%, nível em que a taxa terminaria o ano que vem, segundo o banco.

O Safra também revisou as previsões para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para 2019, o Safra cortou a estimativa para o IPCA de 3,6% para 3,4% e, para 2020, de 3,9% para 3,7%. “Caso confirmado nosso cenário de taxa de juros a 4% e IPCA a 3,7% em 2020, passaremos a ter uma taxa de juros real [descontada a inflação] muito próxima do zero, algo sem precedentes na história brasileira”, diz a equipe liderada pelo economista Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro. “E não podemos descartar a possibilidade de estímulos adicionais para uma recuperação mais acentuada da economia como um todo, em um contexto de inflação bastante benigno.”

Bruno Carazza* - Entre privilégios e vantagens

- Valor Econômico

Reforma administrativa precisa ir da eloquência para a eficiência

“A crise do Estado está na raiz do período de prolongada estagnação econômica que o Brasil experimentou nos últimos anos. Nas suas múltiplas facetas, esta crise se manifestou como crise fiscal, crise do modo de intervenção do Estado na economia e crise do próprio aparelho estatal. (...) Para este Governo, a reforma administrativa é componente indissociável do conjunto das mudanças constitucionais que está propondo à sociedade. São mudanças que conduzirão à restruturação do Estado e à redefinição do seu papel e da sua forma de atuação, para que se possa alcançar um equacionamento consistente e duradouro da crise.”

O parágrafo acima, caros leitores, não é o vazamento da última versão da reforma administrativa que está sendo finalizada pela equipe do ministro Paulo Guedes. Trata-se, na verdade, da Exposição de Motivos de uma PEC enviada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso em 18/08/1995. Entre as propostas apresentadas, estavam a possibilidade de contratação por meio da CLT, o fim da isonomia entre servidores (permitindo a adoção de sistemas meritocráticos de avaliação de desempenho), o fim da estabilidade na administração pública (autorizando a exoneração inclusive como solução para a crise fiscal), o estabelecimento de um teto remuneratório para todo o funcionalismo e a expansão do período de estágio probatório para cinco anos - com o propósito de aproximá-lo a um “programa de trainees” do setor privado.

Huck amplia elos com DEM e busca ponte com esquerda

Por Malu Delgado | Valor Econômico

Apresentador aumenta rede de aliados, mas é visto com cautela no meio político

SÃO PAULO - A candidatura de Luciano Huck à Presidência da República é um caminho possível para 2022, mas são muitas as baldeações no trajeto. A viabilidade da candidatura é escrutinada em constantes pesquisas de intenção de votos encomendadas por seus apoiadores, que são categóricos: nenhum passo objetivo será dado antes de 2021 e, até lá, todas as variáveis estão no radar: o protagonismo eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso, é uma incógnita; o ministro Sergio Moro pode ser candidato; o próprio Huck pode declinar, como fez em 2018; a economia pode propiciar um gás inesperado à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Nessas sondagens feitas para consumo interno, Huck já aparece com intenção de votos superior a Ciro Gomes (PDT), que terminou em terceiro na eleição de 2018. Há amostragens qualitativas que deixam os entusiastas da candidatura animados: entre cada cinco eleitores de Lula, três admitem votar em Huck, ou seja, é flagrante a entrada do apresentador nas classes C e D simpatizantes do lulismo. A viabilidade eleitoral de Huck funciona como ímã para várias forças políticas. O apresentador não admite a candidatura e, diante de sua alta exposição nos últimos meses, está mais recolhido. Ao Valor, Huck alegou que, com uma agenda atribulada, preferia não conceder entrevista no momento.

Enquanto concilia sua atividade profissional com o que seus apoiadores chamam de espírito cívico, Huck intensifica contatos políticos com lideranças de centro-direita, tendo aliados no DEM, mas está impelido a buscar também pontes com figuras da esquerda abertas ao diálogo.

O que é inegável, no momento, é que Huck amplia a sua influência para esboçar políticas públicas que poderão constar num programa de governo. O estímulo mais imediato para uma candidatura partiu de fundadores do Agora, movimento político suprapartidário ao qual Huck aderiu em 2017, mas há simpatizantes e apoiadores em outros movimentos sociais recém criados, como o RenovaBR e parte do Livres e Acredito.

Está em curso a reorganização de um campo que vai da centro-esquerda até uma visão liberal reformista”
— Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo

Marcus André Melo* - Rei louco, presidente impossível

- Folha de S. Paulo

A delegação é virtuosa, mas, com a cacofonia, o governo ganha perdendo

A sucessão de disparates da parte de Bolsonaro em meio à aprovação de pautas difíceis nos faz lembrar os monarcas britânicos conhecidos como “impossible kings” porque considerados ineptos para governar.

George 2º (1683-1760) que nasceu e viveu na Alemanha até sua coroação foi um deles. Não falava inglês e a crônica política mais rasteira atribui a este fato a preeminência de Roberto Walpole (1676-1745), seu braço direito no Parlamento, e que lhe servia de intérprete nos debates. E assim teria surgido a figura do primeiro-ministro pela primeira vez na história.

Walpole ficou conhecido como hábil negociador parlamentar: comprou o apoio do rei cancelando a dívida privada do monarca, e o do Parlamento através da concessão a seus membros de “privilégios como a distribuição de títulos da dívida pública, a criação de companhias monopolistas, a manipulação de cargos na Marinha e Exército, além de pensões reais” (Douglass North et al).

George 3º (1738-1820), que sucedeu ao avô no trono, sofria de enfermidade mental e doença degenerativa. Ininteligível, chegou a escrever sentenças com 400 palavras. Mas teve reino longevo (59 anos) e bem-sucedido: derrotou a França na Guerra dos Sete Anos, e Napoleão em Trafalgar. E mais importante: é no seu reinado que a Revolução Industrial britânica triunfa.

O sucesso dos reis impossíveis deveu-se à extensa delegação em que se assentavam. O parlamentarismo como forma de governo emerge desse processo. Com primeiros-ministros hábeis, sucessivos governos aprovaram reformas estruturais em várias áreas.

Celso Rocha de Barros* - Bolsonaro, seu partido, suas razões

- Folha de S. Paulo

A decisão de sair ou não do PSL definirá como o presidente governará

Na coluna passada, escrevi que o resultado da briga de Bolsonaro com o PSL sinalizaria como seria seu governo de agora em diante.

Se Bolsonaro tentasse sair para um partido tradicional (como o DEM), sinalizaria que pretende governar mais ou menos dentro da democracia até o final. Se tentasse criar um novo partido só com os bolsonaristas “puros”, sinalizaria que governabilidade não lhe interessa, e que seu negócio é apostar em mobilização permanente e ataque às instituições.

É bom lembrar: a ideia de formar um partido de bolsonaristas fiéis não começou com o escândalo dos laranjas. Começou quando deputados do PSL foram aproveitar uma boca-livre na China e foram chamados de traidores por Olavo de Carvalho. Desde então Eduardo Bolsonaro pensa em uma nova agremiação.

E uma das principais diferenças entre Bolsonaro e outros líderes de extrema-direita mundo afora é a falta de um partido bolsonarista disciplinado, como o Fidész húngaro ou o Front National francês. Os bolsonaristas notaram o problema e têm tentado consertá-lo.

Pois bem. Na semana passada, Bolsonaro sinalizou radicalização com sua tentativa de sair do PSL. Parecia disposto a investir em um partido-movimento bolsonarista.

Ruy Castro* - A nova normalidade

- Folha de S. Paulo

O populista pisa nos princípios políticos e parte do povo já não acha isso grave

Gérard Araud, ex-embaixador francês em Washington, foi o diplomata que, há tempos, respondeu à infeliz declaração de Jair Bolsonaro de que devia ser “insuportável viver em certos lugares da França”, por causa dos imigrantes. Araud disse apenas: “63.880 homicídios no Brasil em 2017; 825, na França. Sem comentários”. Observador da avalanche populista que gerou figuras como Bolsonaro e Donald Trump, ele deu uma pertinente entrevista a Fernando Eichenbergh, no Globo do dia 6 último. Eis alguns trechos.

“As pessoas de esquerda estão erradas em crer que um populista é um conservador como qualquer outro. Ele governa também contra os conservadores. O populista pisa sobre os próprios princípios da política. Na democracia, há o respeito, você não insulta, não ataca a vida privada. Mas os dirigentes populistas zombam totalmente dessas convicções. E se descobre que, no fim das contas, parte da população não considera isso grave. Torna-se uma nova normalidade.

“Me pergunto o que ocorrerá quando Bolsonaro e Trump desaparecerem da cena política. Tenho dúvida se as coisas voltarão a ser como antes. A primeira lição é a degradação do discurso político.

Vinicius Mota - Não venha bulir com a gasolina barata

- Folha de S. Paulo

Combustível fóssil aquece planeta, mas enfraquece governantes quando fica caro

Enquanto Greta Thunberg mobiliza a esquerda global contra os combustíveis fósseis, a esquerda equatoriana vai às ruas para defender subsídios que barateiam a gasolina. A vida não está nada fácil.

O que no ano passado ajudou a criar o climão favorável à aventura presidencial de um político brasileiro periférico? A Lava Jato, ao arruinar os partidos tradicionais, sem dúvida. A facada de Juiz de Fora, decerto.

Mas o levante dos caminhoneiros, a revolta popular mais reacionária já ocorrida sob a Carta de 1988, também tem o seu lugar nessa história. Foi uma reação anárquica e violenta à alta nos preços do óleo diesel.

Dilma Rousseff manteve o monstro submerso ao longo do seu primeiro mandato à custa de uma repressão multibilionária de repasses de custos da Petrobras aos preços. Aleijou a estatal, mas se reelegeu. Caiu depois, quando tentou cobrar a conta.

Na Venezuela, um fio que pendura Nicolás Maduro ao cargo é a gasolina oferecida quase de graça à população. Se desse para comer petróleo...

Leandro Colon - Brasil envergonhado

- Folha de S. Paulo

O país da casa sem banheiro de Antonete deveria priorizar o acesso ao saneamento básico

O Brasil precisa ter mais vergonha do Brasil. Vergonha dos governos federais e estaduais, do Poder Legislativo e dos lobbies público e privado que deram sua parcela de culpa para o cenário tenebroso do saneamento básico no país.

Desde a última quarta-feira (9), a Folha tem publicado uma série de reportagens sobre o tema. Os dados e as histórias contadas são o retrato de um Brasil esquecido, atrasado, elitista e abandonado pelo estado.

Cerca de 100 milhões de brasileiros, quase metade da população, não têm acesso a coleta e tratamento de esgoto. E 35 milhões vivem sem rede de abastecimento de água, item essencial para o mínimo de estrutura.

Os repórteres Natália Cancian e Pedro Ladeira encontraram Antonete de Castro Monteiro, 50, na periferia de Ananindeua, no Pará. A casa dela não tem pia, torneira, água potável, e o mais assustador: falta banheiro.

Denis Lerrer Rosenfield* - Radicalização

- O Estado de S.Paulo

Quando a insegurança e a instabilidade reinam, apelos autoritários passam a se fazer ouvir

A radicalização de setores da sociedade não é, certamente, a expressão de um corpo sadio, mas de um já infectado por vírus desagregadores. Expõe ela uma fratura social importante, na medida em que os segmentos polarizados não se reconhecem em valores comuns, em regras aceitas por todos. Passa a vigorar a política de cunho autoritário do “nós” contra “eles”, tão popularizada na narrativa petista. Acontece que ela veio a tomar conta da esfera política em sua totalidade, suscitando reações contrárias de sinal oposto, o que ficou claro na vitória do atual presidente da República e, agora, naquilo que se convencionou chamar de bolsonarismo.

Estamos vivenciando um período em que as distinções e as nuances desaparecem, da mesma forma que posições de centro e de apaziguamento perdem importância, embora sem prejuízo de poderem vir a ser recuperadas. Observe-se que a polarização se faz igualmente presente no juízo que se faz da Operação Lava Jato e de seus eventuais excessos, como se não houvesse espaço para uma posição que possa aceitar e elogiar os seus feitos, sem fazer vista grossa para ações em que seguir a lei se tornou não uma diretriz central, mas algo que deveria estar subordinado a uma noção abstrata e redentora de justiça.

É-se, assim, contra ou a favor de tal promotor, procurador, ministro do Supremo Tribunal, desembargador, como se a justificativa fosse por si mesmo evidente em ser a favor ou contra tal indivíduo. A questão central de saber se tal ação se conforma ou não ao Estado de Direito é relegada a segundo plano. A situação pode chegar a extremos, como quando um ex-procurador-geral da República, visto por muitos como um combatente contra a corrupção, observador da lei, lutando pela “justiça”, se mostra, por confissão própria, um psicopata, que revela a intenção de assassinar um ministro de Supremo, por este ter ferido a honra de sua filha.

Cida Damasco - Ecos de Portugal

- O Estado de S. Paulo

Claro que o Brasil é o Brasil e ainda não virou um imenso Portugal, como dizia Chico Buarque, mas qualquer experiência que fuja de extremos e busque a conciliação é uma luz num cenário escuro

O Partido Socialista de Portugal, que há uma semana venceu de novo as eleições e renovou o mandato do primeiro-ministro Antônio Costa, decidiu governar sozinho o país e não renovar o acordo informal com parceiros do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, batizado como Geringonça – a intenção é negociar caso a caso, e não ceder às pretensões do Bloco de Esquerda, de fechar um acordo por escrito, com horizonte de toda a legislatura. Mas isso não esvaziou o debate sobre o que permitiu à Geringonça superar a crise econômica de Portugal e o que pode ser replicado em outros países, como o Brasil. A pergunta que mais se ouve por aqui é: “dá para fazer uma geringonça na economia brasileira?”

Os bons resultados de um programa econômico não identificado com “tudo pela austeridade fiscal” se transformaram, como já era de se esperar, em mais um motivo para a polarização que há bom tempo caracteriza a vida do País. De um lado, estão os adeptos da tese de que Portugal mostrou que é possível reativar a economia, sem adotar a receita fiscalista em vigor em vários países. De outro, os defensores da ideia de que a centro-esquerda portuguesa tem demonstrado forte preocupação com o equilíbrio fiscal, o que no Brasil continua patrimônio da centro-direita.

Não é por outra razão que a vitória de Costa e, por tabela, da equipe liderada pelo festejado ministro Mário Centeno ganhou espaço nas redes sociais, como se não estivesse ocorrendo do outro lado do Atlântico. E alimenta posts irônicos contra os brasileiros que estão se mudando para Portugal, em busca de melhores oportunidades de trabalho e maior segurança – grande parte deles atribuindo o quadro desfavorável no Brasil ao domínio da “esquerda” nos últimos anos, traduzido nos governos petistas.

Luiz Carlos Azedo - O amanhã

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense (13/10/2019)

“A incerteza está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, ainda não reagiu como deveria”

O conhecido samba-enredo da União da Ilha do Governador, campeão do carnaval carioca de 1978, que intitula a coluna, é de autoria de Paulo Amargoso e João Sérgio, nome desconhecido até da maioria dos sambistas, pois, na verdade, se trata do falecido procurador da República Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves, o Didi, também fundador da escola e autor de outros sambas antológicos. Não há carnaval em que suas músicas não sejam cantadas por foliões de todo o país. Naquele ano, na voz de Aroldo Melodia, O Amanhã empolgou as arquibancadas na Marquês de Sapucaí: A cigana leu o meu destino/ Eu sonhei/ Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante/ Eu sempre perguntei/ O que será o amanhã?/ Como vai ser o meu destino?”

Era o primeiro desfile de regras rigorosas, o que gerou protestos do compositor mangueirense Angenor do Nascimento, o famoso Cartola: “Isso não é carnaval, é parada de militar”. Mas foi um desfile memorável, principalmente para a União da Ilha, cuja carnavalesca Maria Augusta não imaginava que o samba seria eternizado pelo gosto popular: “Já desfolhei o malmequer/ Primeiro amor de um menino/ E vai chegando o amanhecer/ Leio a mensagem zodiacal/ E o realejo diz/ Que eu serei feliz”. O refrão todo mundo canta até hoje: “Como será o amanhã/ Responda quem puder (bis)/ O que irá me acontecer/ O meu destino será como Deus quiser.”

Nem só de letra e melodia vive uma samba antológico, o contexto é fundamental para que o povo se identifique com a canção. O país vivia uma transição lenta e gradual, o projeto de Brasil potência dos militares havia naufragado. O general Ernesto Geisel amargava o fim do milagre econômico e muita insatisfação popular. A crise do petróleo e a recessão mundial interferiam fortemente na economia brasileira, os créditos e empréstimos internacionais minguavam. Nas eleições de 1974, o MDB havia conquistado 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e a maioria das prefeituras das grandes cidades. Não havia eleição de prefeitos nas capitais.

Era um ambiente de incertezas. Logo depois do carnaval, eclodiram as greves operárias do ABC. No ano em que União da Ilha do Governador foi campeã, a oposição voltou a vencer as eleições, Geisel acabou com o AI-5, restaurou o habeas-corpus e abriu caminho para a volta da democracia, num processo de retirada em ordem dos militares da política que foi muito bem-sucedido. Era um momento de muitas incertezas e também de esperança. Mais ou menos como estamos vivendo agora, com sinal trocado, pois os militares voltaram ao poder com a eleição do presidente Jair Bolsonaro.

Embora o atual governo mal tenha completado 9 meses, ninguém sabe o que vai acontecer. Há uma tensão permanente entre as instituições. O presidente Bolsonaro protagoniza a radicalização política com uma retórica ultraconservadora. Entretanto, há um calendário e regras eleitorais claras, tudo vai desaguar nas eleições municipais do próximo ano e, depois, em 2022, quando teremos novas eleições gerais. Esse é o leito do processo político democrático. A incerteza maior está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, a economia ainda não reagiu como deveria

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O que é o Estado de Direito – Editorial | O Estado de S. Paulo

Recentemente, o Ministério da Justiça da Alemanha lançou uma campanha publicitária a respeito do Estado de Direito. O objetivo é informar a população sobre os direitos fundamentais inerentes ao Estado de Direito, bem como ressaltar os benefícios que essas liberdades e garantias proporcionam para a sociedade. “Queremos tornar o Estado de Direito mais visível e mais compreensível, além de fortalecer a confiança no Estado de Direito”, disse o porta-voz do Ministério da Justiça, Rüdiger Petz. É muito interessante o esforço de comunicação do governo alemão, ao reafirmar ideias simples, mas fundamentais para o bom funcionamento de uma sociedade.

A origem da campanha remonta ao “Pacto pelo Estado de Direito”, assinado pelo governo central e os governos estaduais. A Alemanha é uma federação com 16 Estados. A finalidade do acordo é melhorar o sistema de Justiça alemão, bem como o funcionamento das forças policiais. Entre os pontos do acordo, o governo central comprometeu-se a destinar recursos para a contratação de novos juízes e promotores. Uma das preocupações é tornar a Justiça mais acessível e ágil.

Com pôsteres, anúncios em cinema e vídeos na internet, a campanha apresenta uma série de perguntas e respostas. Por exemplo, por que precisamos do Estado de Direito? “Porque ele limita o poder do Estado. Essa limitação é assegurada pelos direitos fundamentais. A confiança na atuação do governo também requer distribuição do poder estatal e controle mútuo desse poder. Essa é a razão pela qual existem três Poderes na Alemanha: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Trata-se de um equilíbrio que garantiu, por décadas, a coexistência pacífica e protege o povo do nosso país contra a arbitrariedade do Estado”, diz o site da campanha.

Poesia | João Cabral de Melo Neto – O Rio (trecho)

Ao entrar no Recife
não pensem que entro só.
Entra comigo a gente
que comigo baixou
por essa velha estrada
que vem do interior;
entram comigo rios
a quem o mar chamou
entra comigo a gente
que com o mar sonhou,
e também retirantes
em quem só o suor não secou;
e entra essa gente triste,
a mais triste que já baixou,
a gente que a usina,
depois de mastigar, largou.

Música | Mangueira 2020 - Samba campeão