Coligação proporcional é mantida, e verba para nanicos fica garantida
Aprovado por deputados, fim da reeleição também deverá passar no Senado, na avaliação de líderes
Um dia após aprovar o fim da reeleição para cargos executivos, a Câmara decidiu, num acordo entre partidos grandes e nanicos, manter as coligações proporcionais. E instituiu cláusula de barreira bastante branda, o que também favorece pequenas legendas. Com isso, dois dos principais problemas do sistema brasileiro não devem mudar: o número elevado de partidos e o acesso deles a verbas públicas. Já o Senado protestou contra os chamados jabutis (inclusões em MPs), que permitiram, por exemplo, a aprovação de um shopping na Câmara. Patrocinador da proposta, o presidente da Casa, Eduardo Cunha, chamou a reação de palhaçada.
Mudança que não muda
• Acordo entre grandes e pequenos partidos mantém coligações e suaviza cláusula de desempenho
Isabel Braga e Luiza Damé – O Globo
BRASÍLIA - Após aprovar o fim da reeleição para cargos executivos, a Câmara dos Deputados pouco avançou ontem na solução daquele que é considerado por especialistas um dos principais problemas do sistema político brasileiro: o número elevado de partidos e o acesso deles a recursos públicos. Muitos, com representação irrisória, são apontados como "legendas de aluguel". Preocupados em que prevalecessem suas posições no debate sobre sistema eleitoral e financiamento das campanhas durante a semana, PMDB e PT, os dois maiores partidos da Câmara, fizeram acordos com as siglas pequenas e nanicas, que salvaram essas legendas.
A regra aprovada para a chamada "cláusula de barreira" estabelece que, para ter acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda no rádio e na TV, os partidos terão que eleger apenas um deputado ou senador.
Efeito tiririca permanece
Os acordos dos grandes partidos com os pequenos também garantiram a derrota de outro ponto importante da reforma política: o que pretendia proibir coligações partidárias para eleições de deputados e vereadores. Assim, os partidos continuarão podendo se unir para concorrer a esses cargos e tentar eleger o maior número de candidatos, sem que haja necessariamente identidade programática. Em 2010, Tiririca (PR) ajudou a levar para a Câmara deputados do PT e do PCdoB de São Paulo.
Aprovada com um placar alto (369 votos), a cláusula de desempenho partidária foi proposta pelo relator em plenário da reforma política, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e usada pelo PMDB e outros partidos para atrair legendas pequenas, como PCdoB e PHS, na votação do sistema eleitoral do distritão. A regra que estava sendo negociada pelos partidos na comissão de reforma política era mais restritiva: exigia a obtenção de ao menos 2% dos votos válidos para a eleição de deputados federais.
Parlamentares do PSDB criticaram o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por insistir na votação de temas tão relevantes quando o quorum de deputados era menor do que nos dois primeiros dias de apreciação da reforma. Os tucanos entraram em obstrução, mas ficaram isolados, e a regra mais flexível, que prevê a eleição de apenas um deputado ou senador, prevaleceu.
- Essa cláusula de barreira é uma piada. Fizeram acordos para votar o distritão - criticou o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT).
- Queremos uma cláusula de verdade! Vamos dizer claramente à sociedade que está sendo votado aqui um puxadinho de regra eleitoral. Essa reforminha vai se resumir ao fim da reeleição e à mudança de data da posse do presidente. Fracassamos porque os grandes partidos fizeram acordos com os partidos pequenos - disse o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG).
Maioria petista para manter coligações
Líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE) reagiu e disse que a cláusula é um primeiro passo para criar restrições no acesso dos partidos ao Fundo Partidário e ao tempo de TV e rádio:
- Muitos vão dizer que os passos foram insignificantes, mas alguma resposta está sendo dada - disse Mendonça Filho.
O fim das coligações teve o apoio de apenas 206 deputados. A bancada do PT votou em peso contra a medida. O partido fez acordo com alguns partidos pequenos e com o PRB, e evitou a aprovação do distritão.
Acordo semelhante foi feito pelo PMDB e por Eduardo Cunha com outros partidos pequenos, como PCdoB e PHS. Mesmo com a derrota do distritão, o PMDB manteve o voto contra o fim das coligações. O PMDB também fez acordo com o PRB e os oito partidos do bloco, que soma 38 deputados, e garantiu com o apoio deles a aprovação da doação empresarial a partidos.
- Votamos contra o fim das coligações porque fizemos acordo com os partidos pequenos para derrotar o distritão. Tínhamos que evitar o desastre maior - justificou Carlos Zarattini (PT-SP)
- O plenário já mostrou que não quer mudar o sistema. Então, não vamos mexer nas coligações - disse o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ).
Eduardo Cunha abriu a sessão de ontem discutindo a duração dos mandatos. A confusão em torno do texto que prevê mandatos de cinco anos para cargos executivos e deputados adiou a votação desse ponto e também do que trata da coincidência de eleições. José Carlos Aleluia (DEM-BA) disse que o texto abria margem para a prorrogação por um ano dos mandatos da presidente Dilma Rousseff e dos atuais deputados federais, estaduais e vereadores eleitos em 2014.
Coincidência de eleições preocupa Tóffoli
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Dias Toffoli, disse ontem que o fim da reeleição para cargos do Executivo diminuirá o número de processos na Justiça Eleitoral, porque muitos envolvem o uso da máquina administrativa e medidas e programas criados para fins eleitorais no ano do pleito.
O ministro afirmou que é importante a aprovação de um limite de gastos para campanhas eleitorais. Também defendeu a redução do limite de doação de empresas, hoje de 2% do faturamento. Toffoli manifestou preocupação com a proposta de unificar as eleições brasileiras:
- Isso pode gerar um número, conforme o sistema eleitoral mantido de base proporcional, de cerca de 3 milhões de candidatos em uma eleição unificada. Essa é uma preocupação que temos do ponto de vista operacional. Mas a Justiça Eleitoral estará sempre apta a fazer aquilo que o Congresso vier a determinar.
Irritados com a nova votação sobre doação empresarial feita por Eduardo Cunha, 63 deputados deram procuração para que advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrem com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a sessão que aprovou o financiamento de empresas a partidos. Para eles, houve desrespeito ao acordo de líderes e a regras do regimento da Casa por Cunha, que pôs novamente em votação o tema que já tinha sido derrotado na terça-feira em plenário.
Palavra de especialista
A visão de: Roberto Romano, professor de Filosofia Política e Ética da Unicamp
"Esta reforma é estratégia de despiste. não é séria"
"Esta reforma política é uma estratégia de despiste. Uma estratégia para não se resolverem os problemas essenciais do Estado e da representação: o Parlamento trata de questões da reforma para a sociedade não o cobrar mais. Para citar a frase muito conhecida de Lampedusa, "é preciso mudar para que tudo continue o mesmo". Não é uma reforma séria. O Parlamento brasileiro não tem a qualidade do Estado moderno de ser institucionalizado. A atitude do presidente da Câmara de desconstituir a comissão da reforma, por exemplo; por mais defeitos que o relatório da comissão tivesse, era um instrumento institucional. Mas, na tradição brasileira personalista pré-democrática, ele usou os poderes de presidente, de forma imperial.
Além disso, para que esta fosse uma reforma política crível, precisaria ter começado por tratar da legitimidade dos partidos. O que a Câmara fez hoje (ontem), ao manter as coligações para eleições proporcionais e ao aprovar cláusula de barreira não tão rigorosa para o acesso a Fundo Partidário e tempo de TV, mostra como políticos são autopreservadores, e como tiram os programas partidários da vista do eleitor. No caso do acesso ao Fundo e ao tempo de TV, desde que o STF proibiu a cláusula de barreira, a anarquia se estabeleceu nessa área. Se você não tem critério juridicamente seguro para que só partidos com estofo político obtenham esses recursos, isso dificulta decisões sobre a questão. Em um seminário esta semana, ouvi a seguinte análise de um jurista: "Cobram a fidelidade do político ao partido, mas não a fidelidade do próprio partido". Não se questiona a fidelidade ao programa, o que legitima um partido. O problema é que a base da legitimidade democrática é a legitimidade partidária". (Alessandra Duarte)