domingo, 10 de abril de 2011

Novo ambiente não permite que Dilma repita Lula, diz pesquisador

Na avaliação do cientista político da PUC-RJ, Luiz Werneck Vianna, a presidente já acumula modificações significativas em relação a seu antecessor

Wilson Tosta

RIO - Mudanças no ambiente político e econômico - no Brasil e no mundo - somadas a diferenças de estilo têm impedido a presidente Dilma Rousseff de repetir o governo de Luiz Inácio Lula da Silva na extensão em que gostaria.

A avaliação é do cientista político Luiz Werneck Vianna. Em balanço dos primeiros 100 dias do novo governo, o pesquisador da PUC-RJ ressalta que a presidente, ao lado de elementos de continuidade em relação à gestão anterior - como um "repertório" econômico que remete ao varguismo, ao regime militar e ao terceiro-mundismo - opera modificações significativas. Uma delas, na política externa. Outra, no relacionamento com o movimento sindical. "A unidade das centrais foi trincada no governo Dilma pela questão do salário mínimo", diz Vianna.

O acadêmico vê crescente afastamento entre Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical e entende as revoltas de operários do PAC como mudança fundamental na conjuntura, por se darem no Centro-Oeste e serem centradas na construção civil. Como fator de permanência, aponta a continuação do "capitalismo politicamente orientado" do passado, reabilitado no segundo governo Lula e centrado no estímulo, via Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), a grandes grupos econômicos nacionais. "A Dilma tem essa marca também" afirma o pesquisador.

São 100 dias sem Lula e 100 dias com Dilma. Dá para notar alguma diferença?

Dá. Nas circunstâncias e neles. As circunstâncias se alteraram, em alguns pontos significativamente. A revolução árabe, com que o tema da democracia como valor universal se impõe; com que também a perspectiva dominante durante o governo Lula, de um viés terceiro-mundista, perde muito da sua força. Esse é um ponto. Uma questão interna que também acarreta mudança é a questão sindical e operária. Aí, as mudanças circunstanciais, na contingência e até de personalidade dos atores influem.

De que forma?

O ex-presidente Lula veio dos sindicatos, Dilma não. A questão sindical parece tão desconfortável para a presidente que ela a vem delegando ao Gilberto Carvalho. A questão dos sindicatos no Brasil, com seus matizes e suas nuances, foi como que obscurecida, abstraída, por ser tratada em bloco nas centrais sindicais. Falava-se no governo Lula nas centrais sindicais como uma unidade. Essa unidade foi trincada no governo Dilma com a questão do salário mínimo. Por mais que as centrais, especialmente CUT e Força Sindical, tenham feito força para não estabelecer contrastes, na medida em que o processo andava o contraste se impunha, inclusive no sensível tema da contribuição sindical. Essa é uma questão que vai seguir e deve aprofundar fraturas.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Em xeque:: Merval Pereira

A presidente Dilma Rousseff, que tem como objetivo político fixar sua imagemcomo administradora competente, está disposta a enquadrar governadores e prefeitos das cidades envolvidas na Copa do Mundo para garantir o cumprimento do organograma da Matriz de Responsabilidades acertada entre os três níveis de governo para a realização da Copa do Mundo de futebol em 2014.

Todos os 54 projetos que compõem o conjunto de obras da Copa do Mundo foram, sem exceção, reprogramados em relação ao que ficara definido em janeiro do ano passado. No final do ano passado, metade desses projetos sofreu novos acertos, abrangendo 12 dos 17 entes federativos neles envolvidos. Apenas cinco deles mantiveram o cronograma combinado no final de 2010: municípios de Belo Horizonte, Curitiba, Recife e Rio de Janeiro, e estado de São Paulo. Para ressaltar seu empenho, é provável que a presidente Dilma anuncie, na volta de sua viagem à China, a permissão para que o terceiro aeroporto de São Paulo, localizado em Caieras, seja construído e administrado pela iniciativa privada.

Essa decisão já era para ter sido tomada no final do governo Lula, mas opresidente refugou em assinar o decreto para não perder um tema de

campanha eleitoral, a oposição entre o público e o privado na administração do país. A presidente reunirá os responsáveis pelos projetos e anunciará que aprestação de contas sobre a evolução das obras será feita publicamente, com aidentificação dos responsáveis por eventuais atrasos.

O primeiro semestre deste ano — cuja metade já se foi — éfundamental para marcar umnovo ritmo nas obras, pois estão concentrados neste ano 70% das obras e 85% dos investimentos totais. Os projetos de mobilidade urbana, que são os principais legados que as cidades receberão depois dos jogos da Copa, necessitamde financiamentos da Caixa Econômica, mas há problemas burocráticos emperrando a liberação, desde oenvio de documentos para a própria Caixa ou para a Secretaria Nacional do Tesouro, como também demora na resposta do SNT . Recife e Brasília, por exemplo, não enviaram no prazo documentos pedidos pela Caixa. Já Fortaleza e Natal aguardam uma resposta da Secretaria do Tesouro. O estado do Amazonas está tentando uma liminar no Supremo para se livrar do enquadramento da Lei de Responsabilidade Fiscal, que o impede de financiar os projetos da prefeitura de Manaus. Há diversos projetos de transportes emperrados em vários estados. EmBrasília, o VL T (Veículo Leve sobreTrilhos) está sob embargo judicial, com seu processo de licitação questionado. Estudase realizar outra licitação ou até mesmo redefinir o tipo de transporte a ser implantado.

Em Recife, os burocratas ainda discutem se devem adotar o BRT(corredor de ônibus rápido) ou monotrilho. Em São Paulo, o monotrilho aguarda uma decisão do Ministério Público, que quer suspender a licitação. Em Cuiabá, o culpado pelo atraso é o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), do Ministério dos Transportes, que temq ue fazer obras para que os corredores de ônibus sejam implantados.

E em Manaus a licitação para o monotrilho não teve concorrentes por duas vezes, ea prefeitura está sugerindo substituí-lo por corredores de ônibus. Os atrasos são tão acentuados que, mesmo cumprindo todos os compromissos, cerca de 30% das obras, que representam metade do valor total, serão entregues somente no segundo semestre de 2013. Com relação aos aeroportos, do total de 25 empreendimentos, nada menos que

22 estão com atraso em relação ao primeiro cronograma, e pelo menos oito desses representam algum risco para a Copa de 2014. O plano proposto pela Infraero para reduzir os problemas dos aeroportos tem prazos que não são factíveis, de acordo com a análise do Ministério dos Esportes. Em Belo Horizonte, por exemplo, a previsão para outubro de 2013 para o fim das obras na pista, no pátio e no terminal de passageiros do Aeroporto de Confins tem a possibilidade de só se concretizar em março de 2014. O plano da Infraero para tentar atingir os objetivos iniciais prevê aredução do tempo das obras em cinco meses em média, o que certamente implicará redução de qualidade.

Em Manaus, Brasília, Porto Alegre e São Paulo (Viracopos), as mudanças nos terminais de passageiros ainda estão em planejamento ou em projetos ainda sem licitação, e é possível que tanto Viracopos quanto ode Manaus só fiquem prontos depois da Copa. Mesmo com as obras pre-

vistas, alguns dos nossos principais aeroportos estarão funcionando além de suas capacidades, o que torna quase uma certeza problemas na recepção dos turistas.Confins, em Belo Horizonte, estará com 153% de saturação; Brasília eFortaleza, com118%;Guarulhos, emSão Paulo, e Cuiabá, com 111%; e Porto Alegre, com 110%. Nenhum dos sete portos que receberão investimentos para a Copa teve obra iniciada, mas já há reprogramação prevendo aconclusão para 2014, como é o caso do porto do Rio de Janeiro, cujas obras estão previstas para terminarem em março do ano da Copa. O porto de Manaus está em meio a uma disputa trabalhista, pois é uma concessão, eé possível que seja inviável chegar-se a um acordo para investimentos.

O porto de Fortaleza terá seu edital de obras lançado apenas em setembro deste ano, por dificuldades na obtenção de licenças ambientais. Como se vê, o que está em xeque não é apenas a capacidade de opaís realizar os dois maiores eventos esportivos do planeta (Copa do Mundo e Olimpíadas). Muito além do aspecto meramente esportivo, estarão expostas ao mundo as possibilidades de um país moderno e progressista, que se pretende um dos expoentes do novo mundo multipolar , em contraposição aos nossos vícios e mazelas terceiro-mundistas.

FONTE: O GLOBO

Tomada de território:: Dora Kramer

Cientes de que foram eleitos em sua maioria pelo empenho de Lula em derrubar a cidadela oposicionista no Senado e de que não dispõem mais da escora da popularidade do ex-presidente para assegurar vitórias políticas ao governo, os 15 senadores do PT decidiram se organizar e atuar com visão estratégica.

Partindo do seguinte princípio: a maioria governista de 65 senadores não é segura e, mesmo contando com 52 aliados considerados fiéis, a base parlamentar é conjuntural.

Na hora do aperto, quem segura o rojão é a bancada do PT. Afinal, são os petistas que estão comprometidos com o projeto de poder de longo prazo sem levar em conta circunstâncias partidárias ou regionais.

Ou seja, a mudança de comportamento do partido no Senado é um fato e não uma mera impressão provocada pela reação absolutamente coordenada dos petistas ao discurso em que o senador Aécio Neves buscou se firmar como líder da oposição.

Afinados e, sobretudo, afiados nos apartes ao tucano, os petistas chegaram a ser criticados por alguns aliados que consideraram a ofensiva equivocada, pois com isso estariam enaltecendo a figura do adversário.

A avaliação deles foi diferente: responderam à altura acusações feitas ao partido e ao governo Lula. Depois da sessão, na bancada a brincadeira era a de que o PT havia conseguido "eleger" um líder da oposição bastante conveniente, alguém com quem o governo sempre manteve as melhores relações.

Se Aécio vai manter o tom ou se mais adiante vai recrudescer, os petistas não sabem. A senadora Gleisi Hoffmann faz, no entanto, um alerta: "Se ele acha que liderar o processo é aparecer no plenário de três em três meses para fazer um discurso, vai ter problemas".

O êxito da atuação no Senado, pondera, é a convivência, a articulação, o desenrolar cotidiano.

Foi mais ou menos essa receita que o PT aplicou à própria bancada: pacificou divergências, patrocinou o atendimento de reivindicações, neutralizou posições muito independentes e chegou à conclusão de que seria necessário construir um sistema de sustentação do governo que prescindisse da ação de Lula na linha de frente.

A norma de agora é ganhar no voto e também na política. Respeitando a oposição? Sem dúvida, mas também sem ceder de graça os espaços. Quer dizer, quem quiser vencer que lute por isso.

Os senadores do PT acreditam que passaram no primeiro teste importante, que foi a votação do salário mínimo: marcaram presença na discussão e, segundo eles, conseguiram fazer o debate, ganhar no voto sem brigar com a opinião pública.

Inevitável. Se vier a prevalecer mesmo o entendimento defendido hoje por alguns parlamentares de que a reforma política terá de ser corroborada pela sociedade, por meio de plebiscito ou referendo, não haverá como os políticos fugirem da discussão sobre o voto obrigatório.

Partidos de todos os matizes abominam a hipótese do voto facultativo. Mas, quando consultada a respeito, a população se divide.

Na última pesquisa divulgada sobre o tema, pelo Datafolha, 48% dos brasileiros foram favoráveis ao voto obrigatório e 48% se posicionaram a favor do facultativo.

Consulta popular que se preze não pode passar ao largo da questão que é praticamente uma preliminar quando se discute (a sério) mudanças no sistema.

Mal igual. Um dos mais importantes entre os diversos males que assolaram o PFL/DEM foi deixar que o partido vivesse a reboque da dicotomia entre as lideranças de Antonio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen.

O PSDB talvez não tenha se dado conta, mas vai pelo mesmo caminho ao permitir que o partido funcione na dinâmica de dois polos entre as figuras de Aécio Neves e José Serra.

Pior: tucanos interditam o debate quando interpretam que o que se diga a respeito de um é necessariamente em ataque ou defesa do outro.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A Grande Muralha:: Eliane Cantanhêde

A viagem à China é a grande estreia internacional de Dilma. A China é a segunda economia mundial, continua crescendo desabaladamente e é forte compradora de commodities brasileiras -mas também uma concorrente.

Aliada e adversária, é a grande incógnita do século, com um regime econômico agressivo e um regime político esdrúxulo, ao redor de um caixão de cristal: o de Mao.

A frente mais importante da viagem é o comércio bilateral, que se multiplica tanto quanto a China cresce e é superavitário para o Brasil. Mas os chineses barram a inserção real de empresas como Embraer e Marcopolo no país e geram concorrência desigual nos grandes mercados e até nos vizinhos.

Se Dilma disse o que disse para Obama, cobrando coerência e abertura comercial, deverá ir na mesma linha com Hu Jintao, lembrando que "reciprocidade" é palavra-chave nas relações internacionais.

O segundo item da agenda é a Cúpula dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) na cidade de Sanya. E, neste caso, o Brasil só tem elogios à posição chinesa, que recusou uma nova dualidade mundial num G2 (EUA-China) e investiu no bloco.

Se Dilma tem cobranças na área de comércio e indústria, deverá elogiar a coesão do grupo, que se absteve na votação da invasão da Líbia sob pretextos humanitários no Conselho de Segurança da ONU e trata de discutir saídas comuns para a crise financeira internacional, que não acabou. A inflação ronda o mundo -e o Brasil.

O terceiro item é como Dilma, que sofreu na pele e impôs nesses cem dias uma inflexão na área de direitos humanos, vai tratar a prisão do Nobel da Paz Liu Xiaobo e o estranho sumiço do artista Weiwei.

Se ela botou o dedo na ferida no caso do Irã e reviu a mania do Brasil de ficar em cima do muro, sabe-se lá o que vai fazer. A depender do Itamaraty, nada. Mas pode dar um toque para Jintao ou uma indireta num discurso. A ver.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Aquele abraço :: Alberto Dines

Significava real, régio, com o tempo passou a designar algo sem dono, público. Dom João VI destinou a enorme campina para servir de pastagem e, a partir do final do século 19, saiu a boiada e entraram canhões, cavalaria e aviões nas suas escolas e quartéis militares. Num deles, durante o regime militar, foi encarcerado o cantor Gilberto Gil que lembrou o episódio com uma famosa canção, Alô, alô, Realengo, aquele abraço. O massacre nesta quinta numa boa escola pública do pacato bairro carioca coloca o Brasil na sangrenta rota dos serial-killings em colégios e universidades. E nos empurra para a mesma perplexidade que atormenta a sociedade americana, também a francesa, alemã, finlandesa e chinesa onde os seus maníacos logo a adotaram. Ao lado do luto, a revolta, no fundo a dilacerante angústia: qual o mecanismo que produziu esta aberração? Que diabólica combinação intoxicou a mente de Wellington de Oliveira e o levou a organizar e cometer as execuções com tanta frieza? Apertou o gatilho 60 vezes, tinha critérios definidos, fez opções no tocante ao sexo das vítimas e ao ponto onde queria atingi-las (a maioria meninas, baleadas principalmente na cabeça e os meninos, em pontos menos letais).

O assassino completou o primeiro grau, escrevia corretamente (sua carta não contém erros graves), estava desempregado por opção, a casa onde morava era sua. O quadro habitual de miséria não se associa a esta transgressão, a perturbação da mãe biológica, sim. Seu comportamento antissocial já chamara a atenção, ao que consta iniciou um tratamento logo interrompido. A doença mental não difere das demais, deve ser tratada sem preconceitos. Confundida com loucura faz dos enfermos párias ou monstros como Wellington. Tinha amor aos bichos, mas não possuía amigos. Seu confidente e testemunha era um computador que destruiu na véspera, antes de iniciar a faina. O seu diálogo com o mundo fazia-se através da web. Usava uma longa barba, mas raspou-a antes do banho de sangue. O uso da rede o ensinou a recortar e colar fragmentos de crenças e dogmas, certo de que com estes retalhos construiria uma unidade. Costurou até agora, 13 mortalhas. Não foi o único, nem é caso raro. A carta que imprimiu e deixou na escola onde estudou e transformou em cadafalso é um retrato falado da sua mente. Reproduz uma mentalidade pseudo-espiritual que combina aleatoriamente misticismos e ritos variados numa profana caricatura de religiões e sacralidade. Wellington de Oliveira encarna o clamoroso fiasco das confissões religiosas para a melhoria da humanidade. Encarna também o redundante fracasso dos governos no controle das armas de fogo. Nos EUA morrem baleados cerca de 12 mil cidadãos por ano. Aqui, é um genocídio: 50 mil.

O Rio não merece os dois horrores deste ano: dilúvio na região serrana e o massacre no Realengo. O menino que no meio da matança saiu correndo para chamar a polícia, o sargento que acertou o criminoso antes que continuasse atirar, o pronto atendimento das vítimas, os médicos voluntários, a legião de doadores de sangue, a consternação coletiva, a solidariedade, a agilidade da sua mídia, são indícios de uma comunidade disposta a levantar-se. Para ela, aquele abraço.

Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O massacre e a filosofia :: Renato Janine Ribeiro

O massacre do Realengo deixa-nos, todos, estupefatos. Por que ele aconteceu? A filosofia tem algumas coisas, até conflitantes entre si, a dizer a respeito.

A primeira reação, a mais popular, consiste em achar que foi coisa do Mal - não necessariamente do diabo, mas de algo mau que haja no mundo. No pensamento mais sofisticado essa visão é minoritária, mas existe. Pois é difícil negar a presença de algo mau na vida. Contudo a principal tendência hoje, na filosofia como nos saberes que lidam com a sociedade ou a psique, é considerar que o mau é produzido, é resultado. Vejam o que se conta do assassino: uma pessoa com sérios problemas psíquicos, talvez de origem neurológica, que se agravaram pelas condições em que vivia e por, aparentemente, não ter sido tratada. Seus atos são maus, mas com adequado tratamento talvez ele pudesse ter-se socializado.

O mal não seria algo originário, mas efeito de condições anteriores. Há uma vasta gama de possíveis causas para o crime. Mas não interessa aqui qual explicação se dê. O que importa é que se deem explicações, talvez algumas delas genéticas, mas que terão sido ativadas por razões de convívio (ou sua falta) e por carência de tratamento especializado. Ou seja, o mal é produto de algo que, em si, não é mal. Não haveria "o Mal", menos ainda o demônio. Há problemas de ordem humana e que o homem, isto é, a sociedade, pode resolver.

Essa visão hoje predomina, nas ciências como na imprensa. A mídia procura especialistas que expliquem. Mais que isso, explicando o horrível, espera-se que ele não seja replicado. Como consegui-lo? Uns falam em detectores de metais e em guardas nas escolas, o que é pouco viável. Eu pensaria em mais atendimento social a pessoas em perigo, como era, até o crime, o futuro assassino. Choquei-me ao ver, 12 horas depois da chacina, a escola cheia de policiais, a essa altura desnecessários. O Realengo precisava, então, era de centenas de assistentes sociais, de psicólogos, de gente que pudesse ajudar as famílias e suas crianças a lidar com o trauma, que não afetou somente os parentes dos mortos, mas a comunidade inteira - e o Brasil também, porque nunca imaginamos nossas crianças como alvos de ataque tão perverso.

Essa visão tem, ainda que poucos o saibam, remota origem platônica. Platão entendia que só se faz o mal por se ignorar o Bem. A visão do Bem, o seu conhecimento, é tão forte que torna impossível praticar o mal. Ou seja, voltando a nossos estudiosos da sociedade e da psique, e a nossos proponentes de políticas públicas, todos poderão conviver razoavelmente se as condições que deflagram a agressão forem devidamente tratadas. Mas isso não é fácil. Embora saia mais caro construir cadeias e contratar policiais do que erguer escolas e apelar a especialistas no atendimento humano, a tendência é preferir reagir ao choque a prevenir males. Até porque, quando males ocorrem, são visíveis; quando são prevenidos, nunca se sabe deles. A prevenção do crime por suas causas não é notícia.

Vamos a uma terceira visão filosófica dessa chacina. Agora, o horrível é a impiedade. Como pode alguém massacrar inocentes? Ora, há um grande exemplo histórico nessa direção, que foi o nazismo. Muitos indagaram como a Alemanha, país tão civilizado, fora capaz de matar 6 milhões de judeus, bem como ciganos, em menor número, e eslavos, mais numerosos. Há explicações: a humilhação do Tratado de Versalhes, imposto aos alemães (em 1919, após a 1.ª Guerra Mundial), um antissemitismo presente em várias camadas da população, o autoritarismo prussiano. Mas não bastam. Outras culturas tiveram elementos comparáveis, separados ou reunidos, e nem por isso realizaram holocaustos. Daí que vários estudiosos digam que, em última análise, a análise não consegue explicar o horror. O que se poderia dizer é que pouco resta a dizer, sobre o Holocausto. Os testemunhos são mais poderosos do que as explicações. As causas e razões apontadas ficam muito aquém do sofrimento gerado. Daí que se possa e se deva contar o que aconteceu, mas sem jamais entender como tanto mal pôde ser feito pelo homem - ou tolerado por Deus, se Ele existe. Se o horror é inexplicável, que seja, então, narrado: que, pelo menos, não se torne inenarrável. E sabemos que contar o horror pode aumentá-lo, mas também pode aliviá-lo.

O curioso é que a piedade é um sentimento relativamente recente na vida social. Seu grande defensor é Jean-Jacques Rousseau, que, no século 18, afirmou que o sentimento mais básico no homem é a piedade, a comiseração, a capacidade de sofrer junto ("com+paixão") com qualquer vivente que também sofra. Rousseau talvez pensasse que descrevia o homem como ele é, e nisso pode ter errado. Por milênios, um dos espetáculos mais prestigiados - pelos pobres e pela elite - era ver a lenta agonia dos condenados, em público. Mas depois de Rousseau isso muda. Basta notar que a execução deixa de ser lenta para ser rápida, sai da praça pública para o interior das prisões e, finalmente, é suprimida em quase todos os países do mundo.

No entanto, quase 200 anos depois de Rousseau, a pátria de Goethe e Kant chacinou milhões. Quinze anos atrás, hutus massacraram tutsis. E assassinos chacinam crianças. Falta piedade. O que dizer sobre isso? Temos a explicação pelo Mal, a explicação pelas causas sociais e psíquicas e a impossibilidade de explicar. Pessoalmente, mas sem conseguir descartar a primeira, eu oscilaria entre as duas últimas - apostando em mais políticas públicas, agora focadas talvez em impedir que pessoas que sofrem venham a causar sofrimento inenarrável a outras, e também no respeito de quem sente que, se nesta altura as razões não consolam das perdas, as palavras, pelo menos, podem não ser vãs. Isso se elas ajudarem a recuperar os sobreviventes - do Realengo e, pela televisão interposta, do Brasil inteiro -, que precisam voltar a viver com esperança e sem medo.

Professor titular de Ética e Filosofia Política da USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Gramsci no seu e no nosso tempo:: Cássio Augusto S. A. Guilherme

No espectro da esquerda mundial, a vida e os conceitos elaborados pelo comunista italiano Antonio Gramsci têm suscitado uma série de estudos, congressos, teses e publicações. Não poderia deixar de ser assim, uma vez tratar-se de um autor instigante, que, ao analisar a sua realidade histórica, o mundo do entre-guerras, deixou uma importante contribuição para melhor refletirmos acerca da sociedade ocidental contemporânea.

Neste sentido, a Fundação Astrojildo Pereira, juntamente com a Editora Contraponto, lançaram neste segundo semestre de 2010 o interessante trabalho: Gramsci no seu tempo. O livro em questão conta com trezes artigos de vários autores que contribuem sobremaneira para uma melhor historicização do pensamento de Gramsci. Trata-se de textos originalmente publicados na Itália, em dois volumes, que, para a edição brasileira, foram selecionados por Alberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca. A exceção fica por conta dos dois últimos textos, escolhidos especialmente para esta edição.

A grande primazia do livro é a de não contar com ensaios que se limitam apenas à análise dos conceitos gramscianos, mas sim textos que ajudam a contextualizar o pensamento do autor no seu próprio tempo. Neste sentido, os artigos que trabalham os conceitos gramscianos o fazem com uma abordagem histórica, o que possibilita uma maior compreensão dos mesmos.

O primeiro ensaio do livro é de Claudio Natoli, que aborda os primeiros escritos do jovem Antonio Gramsci no contexto da Primeira Guerra Mundial. Em seguida, Andrea Panaccione trabalha o pensamento do autor sobre o socialismo europeu e seus desafios nacionais e internacionais no mundo do pós-primeira guerra. Há também uma análise de Francesco Auletta acerca dos textos que Piero Sraffa publicou no semanário L´Ordine Nuovo sobre a realidade inglesa da época e sua relação com os estudos que Gramsci também fazia.

Aqueles que procuram mais informações acerca das polêmicas levantadas por Gramsci em relação aos bolcheviques e à luta pela revolução socialista encontram no livro bons momentos de reflexão. A sempre instigante relação entre os conceitos de hegemonia em Lenin e em Gramsci aparece no artigo de Anna Di Biagio. Já as disputas internas no grupo dirigente do PCI em relação à chamada “questão russa”, isto é, a disputa interna no Partido Bolchevique entre os grupos de Stalin e Trotski, são muito bem discutidas no texto de Silvio Pons.

Questões de cunho mais filosófico, em especial o pensamento de Gramsci sobre a “filosofia da práxis”, também estão contempladas no livro. Primeiramente, Roberto Gualtieri analisa o desenvolvimento da filosofia da práxis no cenário internacional da época de Gramsci. Posteriormente, Fabio Frosini aborda o neoidealismo italiano e a elaboração da filosofia da práxis. Por fim, a questão da linguagem como concepção de mundo e sua aproximação com a filosofia da práxis é discutida por Giancarlo Schirru.

Há também artigos que abordam os Cadernos do Cárcere e alguns de seus conceitos no contexto europeu da época. É de Terenzio Maccabelli o texto que analisa as interessantes reflexões de Gramsci sobre a relação entre Estado e economia, contidas nos Cadernos. Já o artigo de Alessio Gagliardi trata da análise gramsciana sobre o corporativismo fascista e para além do fascismo, presente nos estudos carcerários. A abordagem gramsciana sobre a relação entre ciência, marxismo soviético e Engels é trabalhada no texto de Giuseppe Cospito.

Como dito acima, os dois últimos capítulos do livro foram escritos especialmente para esta edição brasileira. Ambos tratam de questões instigantes para aqueles que procuram estudar a vida e a obra de Gramsci. Francesca Izzo argumenta que “o Maquiavel que emerge dos Cadernos não tem o perfil nem do utópico nem do artista, mas sim do teórico realista, do cientista do nascimento dos Estados absolutos europeus” (p. 352). Neste sentido, a autora apresenta o Maquiavel gramsciano como um filósofo da práxis, isto é, comparável em importância a Karl Marx.

O último capítulo fica a cargo do já conhecido do grande público brasileiro, Giuseppe Vacca, que analisa a conturbada relação entre Gramsci e Togliatti, os dois maiores líderes do PCI à época. O texto examina as divergências sobre a chamada “questão russa”, as suspeitas de Gramsci acerca do comportamento do camarada durante o seu tempo de cárcere, bem como a comunicação via cartas, a primeira edição de Togliatti dos Cadernos do Cárcere e sua interpretação.

Enfim, o livro traz várias abordagens da sempre instigante reflexão deixada por Gramsci acerca da sociedade ocidental capitalista. Sua grande contribuição, no entanto, versa mesmo sobre a tentativa bem sucedida de relacionar o pensamento gramsciano com o contexto histórico por ele vivido. Assim, podemos perceber ao longo da estimulante leitura “a marca de um pensador avesso a totalizações apressadas, atento à particularidade de cada personagem e de cada situação, sempre em guarda contra quem supusesse trazer o sentido da história no bolso” (p.14). Eis uma das grandes contribuições gramscianas ao pensamento histórico-filosófico, que ainda rende e renderá muitos estudos no meio acadêmico e político da esquerda.

Referência Bibliográfica:

AGGIO, Alberto; HENRIQUES, Luiz Sérgio; VACCA, Giuseppe (Orgs.). Gramsci no seu tempo. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; coedição – Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.

Fonte: Revista Espaço Acadêmico, n. 119, abril de 2011.

Os peões prevaleceram no PAC e na OSB:: Elio Gaspari

Em menos de um mês, os peões prevaleceram em dois cenários extremos, nos alojamentos das empreiteiras do PAC na Amazônia e na Orquestra Sinfônica Brasileira. Nos dois casos, patrões e empregados começaram a se estranhar no início do ano. Nas obras das hidrelétricas, 37 mil operários reivindicavam melhores condições de trabalho. Na Orquestra Sinfônica, que já foi dirigida por Mário Henrique Simonsen e Eugênio Gudin, o presidente da Fundação que a sustenta, economista Eleazar de Carvalho Filho, e o maestro Roberto Minczuk informaram aos seus 85 músicos que passariam por um processo de avaliação individual.

Em fevereiro, reunidos em assembleia, 56 músicos da OSB anunciaram que não se submeteriam à avaliação. Em março, os peões da hidrelétrica de Jirau revoltaram-se, incendiaram alojamentos, ônibus e escritórios da empreiteira Camargo Corrêa.

Eleazar de Carvalho foi em cima de seus peões, acusando-os de "difamar e denegrir a reputação da Fundação OSB", lembrando-lhes que "atos de insubordinação são passíveis de punição".

O doutor usou linguagem das galés de César, mesmo sabendo que a Filarmônica de Berlim nasceu de uma revolta de músicos. Ou que em 1886, no Rio de Janeiro, soube-se que existia um maestro chamado Arturo Toscanini quando, aos 19 anos, ele regeu de memória os quatro atos da Aída, depois de uma revolta de músicos contra um maestro brasileiro e da plateia contra seu substituto italiano.

Na Amazônia, a empreiteira Camargo Corrêa, responsável pela obra de Jirau, informou que ocorrera uma simples "ação criminosa e isolada de um grupo de vândalos". O enviado da CUT, Vagner Freitas, disse ao repórter Leonencio Nossa: "Tem que voltar a trabalhar, eu sou brasileiro, quero ver essa obra funcionando". A ordem seria garantida pela chegada da Força Nacional de Segurança.

Nos dois casos, um ocorrido no andar de cima da sinfônica, e outro, no de baixo, nas obras de construção civil, funcionou a ideia que "manda quem pode, obedece quem tem juízo". Deu errado.

Com as obras paradas, o Planalto acordou e chamou empreiteiros e centrais sindicais para uma reunião em Brasília. Os peões conseguiram o compromisso que não haverá mais contratações por meio de "gatos", a antecipação do reajuste salarial, um novo valor para a cesta básica e novas opções de planos de saúde. Isso e mais cinco dias de folga a cada três meses para visitarem as famílias, com passagens pagas.

Na outra ponta, Eleazar de Carvalho e Roberto Minczuk foram surpreendidos por um boicote liderado pelos pianistas Nelson Freire e Cristina Ortiz, bem como pelo maestro Roberto Tibiriçá. Na quinta feira, depois de demitir 32 músicos, Carvalho trocou de partitura e, numa carta, disse "ter sido levado" a demiti-los e propôs uma negociação para "salvar uma grande instituição". Tudo bem, mas quem falou em "punição" foi ele. Sua permanência no cargo (no qual trabalha de graça), bem como a do maestro Minczuk, tornou-se tão difícil quanto a execução da Sétima Sinfonia de Gustav Mahler.

Tanto nas obras do PAC da Amazônia como na OSB, os doutores descobriram que, para mandar, é preciso primeiro ter juízo.

FONTE: O GLOBO

As armadilhas :: Míriam Leitão

Se há uma coisa que as últimas décadas nos ensinaram é que com inflação não se brinca, num país que tem o histórico do Brasil. No ano passado, como foi dito inúmeras vezes neste espaço, e por vários outros jornalistas ou economistas, o governo estava convocando inflação com suas medidas de expansão do gasto público, suas interpretações equivocadas do fenômeno, seus erros de política econômica.

O governo, em ano eleitoral, produziu uma bolha. Fazer bolha é fácil, difícil é manter o crescimento, como mostra a história das últimas três décadas no Brasil. Os estímulos fiscais e de crédito adotados para evitar o aprofundamento da recessão de 2009 deveriam ter sido retirados a tempo. Não foram.

O ministro Guido Mantega garantiu que a inflação era apenas sazonal e não de demanda. Acabou de subir o IOF para conter a demanda. Se os técnicos da Fazenda tivessem olhado os dados cuidadosamente teriam notado que os reajustes estavam se disseminando. Isso significa que além dos preços que sobem sempre no começo do ano, os outros também estavam se elevando. Portanto, não era apenas o efeito da alta das mensalidades escolares e outros produtos e serviços cujos preços se elevam na virada do ano.

No ano passado, ouvimos o governo repetir que não era necessário fazer ajuste fiscal ou que gasto público não tinha relação com inflação. Mas agora o Orçamento foi cortado em R$50 bilhões. Na semana seguinte, o mesmo governo anunciou mais uma transferência de R$55 bilhões para o BNDES. É elementar que um movimento anula o outro.

Como disse o economista Rogério Werneck num artigo neste jornal, é chato gastar papel, tinta e tempo do leitor dizendo o que todos sabem, mas é o governo que obriga que se repita o conhecido. Se o governo toma dívida, para transferir dinheiro para o BNDES aumentar seus créditos a juros abaixo dos que o Tesouro paga, o nome disso é gasto público.

A conjuntura externa está complexa, mas algumas complicações não vieram de fora, mas das próprias decisões oficiais. O governo incentivou a ampliação do crédito e elevou os gastos, tudo ao mesmo tempo. Agora tenta conter o consumo privado com um aumento do imposto que vai encarecer os produtos comprados a crédito. Congelou o preço da gasolina para evitar a alta da inflação, e a disparada do petróleo tornou ainda mais desajustado o preço do combustível. Se o preço for revisto, a inflação sobe mais; se não for revisto, fica ainda mais surrealista, porque todos os outros derivados de petróleo sobem, menos um. O Brasil alega que é o país dos biocombustíveis e subsidia o combustível fóssil para automóveis. É assim que alguns ajustes vão desajustando a economia e que certos gatilhos, para contornar as dificuldades, viram armadilhas.

O governo tem anunciado a conta-gotas medidas para conter o excesso de entrada de dólares no país. O ministro Guido Mantega disse que preferia errar para menos do que para mais, por isso anunciou uma medida e avisou que tem outras engatilhadas para o caso de o remédio não funcionar. Resultado: quem quer entrar com o dinheiro apressou a decisão de entrar. É por isso que deu o oposto do que ele havia previsto. Mantega ampliou o prazo do IOF de 6% sobre empréstimos externos para evitar a queda do dólar e no dia seguinte o dólar caiu de novo. Avisar que uma medida será tomada no futuro é convocar o agravamento do problema. Elementar. É um estímulo para antecipar a decisão que se tenta evitar.

Numa economia integrada ao mundo, sofremos os efeitos negativos, ou recebemos os impulsos positivos que vêm de fora. A política monetária do Fed de derramar dólares está fazendo os investidores procurarem outros investimentos mais rentáveis. Isso derruba o preço da moeda americana aqui, o que tem um efeito desorganizador: produtos locais não conseguem competir com importados; produtos exportados têm dificuldades de chegar de forma competitiva em outros mercados. Não é tão linear. Há produtos feitos no Brasil que se beneficiam de componentes e matérias-primas mais baratas e há o fato de que outras moedas também se valorizaram em relação ao dólar. O único lado bom é que isso reduz a pressão inflacionária. São exatamente as mercadorias importadas e exportáveis que têm puxado os índices para baixo. Nem por isso a queda do dólar deixa de ser um dilema importante, mas se o governo tivesse muito sucesso em desvalorizar o real e elevar o dólar a inflação aumentaria mais ainda.

Os preços das commodities agrícolas sobem pressionando a inflação aqui e no resto do mundo. Como o Brasil é grande exportador desses produtos, essa elevação dos preços ajuda a financiar uma parte do déficit em transações correntes, que nos últimos 12 meses já está em US$42 bilhões. O governo está ameaçando criar imposto de exportação sobre o açúcar para que haja mais álcool, que não tem conseguido competir com a gasolina subsidiada. Se tiver sucesso em reduzir a produção de açúcar, perderá parte dos US$13 bilhões que o produto põe na balança comercial.

Se todas as medidas derem certo, elas podem derrubar o crescimento do PIB mas ainda assim não derrubar a inflação porque alguns contratos são reajustados pelos IGPs, que terminaram entre 10% e 11% no ano passado. Já se fala de crescimento do PIB abaixo de 4% e de inflação acima de 7% nos próximos meses.

A política econômica está tentando com medidas pontuais desarmar armadilhas que a própria política econômica montou e outras que apareceram neste ano em que várias crises externas estão tornando a conjuntura mais complexa, mais difícil. O ministro Guido Mantega disse que não está improvisando. Parece que está.

FONTE: O GLOBO

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''Pobre Brasil! Durante muito tempo ficaremos sem transformações estruturais'': Entrevista especial com Reinaldo Gonçalves

"O governo Dilma seguirá a mesma linha do governo Lula via arranjos com as oligarquias, os bancos, as grandes empreiteiras e o setor de agronegócio. Não houve qualquer transformação relevante nas relações, estruturas e processos políticos no Brasil nos anos Lula. O mesmo ocorrerá no governo Dilma", avalia o economista.

O economista Reinaldo Gonçalves não vê mudanças estruturais na política econômica do atual governo e menciona que os próximos quatro anos serão de continuidade da gestão Lula

As primeiras medidas econômicas adotadas pela presidente Dilma Rousseff são decorrentes, na avaliação do economista Reinaldo Golnçalves, da “herança nefasta de Lula”. Segundo ele, Dilma mantém a “síndrome de prefeito do interior”, quer dizer, faz ajuste fiscal nos primeiros anos do governo para sobrar dinheiro próximo às eleições. Gonçalves também critica a atual política de reajuste do salário mínimo, que eleva o valor de acordo com a taxa de crescimento dos dois anos anteriores. “O reajuste do salário mínimo no início do ano deve incorporar expectativas quanto à evolução macroeconômica do país (crescimento e inflação) no ano em curso”, assinala.

Em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, o economista também comenta a criação do grupo China, anunciado recentemente, e lamenta: “a criação de grupo de estudos dentro do Executivo é um indicador de que nada de relevante será feito”. Para ele, a relação bilateral China/Brasil “reproduz o modelo centro/periferia”. E argumenta: “O que a China quer é controlar fontes fornecedoras de matérias-primas e criar mercados para seus bens e serviços de alto valor agregado”.

Reinaldo Gonçalves é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Obteve o título de mestre em Economia, pela Fundação Getúlio Vargas - FGV-RJ, e de doutor em Letters And Social Sciences pela University of Reading, na Inglaterra. Atualmente, leciona na UFRJ. É autor de Economia internacional. Teoria e experiência brasileira (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004) e Economia política internacional. Fundamentos teóricos e as relações internacionais do Brasil (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - As primeiras ações de Dilma depois de assumir a presidência foram ajuste fiscal e aumento dos juros. O que isso significa e demonstra em relação à economia brasileira?

Reinaldo Gonçalves - A questão central é a herança nefasta de Lula. As primeiras ações de Dilma demonstram três elementos. O primeiro é que o ajuste em 2010 agravou desequilíbrios macroeconômicos (contas externas, endividamento das famílias e empresas, bolha de preços de imóveis, pressão inflacionária, etc.). O segundo é que este ajuste foi influenciado enormemente pelo oportunismo do governo Lula em ano de eleições gerais. E o terceiro é que no governo Dilma é mantida a “síndrome de prefeito do interior”. Ou seja, arrocho nos dois primeiros anos de governo e extrema liberalidade no final do mandato. Assim, comprime-se a base para se obter resultados mais visíveis no período de reeleição. Em resumo, é a captura da gestão macroeconômica pelo oportunismo eleitoral. É o nosso problema estrutural de combinação de oportunismo político-eleitoral com instituições fracas e sociedade invertebrada. Como parte da herança nefasta de Lula não houve qualquer mudança a respeito deste problema. Muito pelo contrário.

IHU On-Line - Por quais motivos o crescimento tende a cair de 7,5% para 4 ou 5% este ano?

Reinaldo Gonçalves - O forte crescimento econômico em 2010 permitiu a reversão da recessão provocada pela crise global ao mesmo tempo em que foi funcional para os grupos políticos dirigentes, tendo em vista o ciclo eleitoral. Por outro lado, há o agravamento dos desequilíbrios macroeconômicos. Além da pressão inflacionária, verifica-se a forte deterioração das contas externas. Passado o período de eleições, os desequilíbrios macroeconômicos são, então, enfrentados com as medidas ortodoxas de políticas monetárias, creditícia e fiscal restritivas. Em consequência, a expectativa é de não sustentabilidade de elevadas taxas de crescimento do PIB no médio prazo. O Fundo Monetário Internacional - FMI, por exemplo, tem como previsão para o Brasil crescimento real do PIB pouco superior a 4,0% em 2011-12. Ainda segundo as previsões do FMI, o Brasil deve ocupar posições próximas da média e medianas mundiais. As taxas previstas para 2011-12 estão próximas da média do governo Lula (4,0%) e estão abaixo da média secular do país (4,5%). No futuro próximo, a expectativa é de fraco desempenho pelos padrões históricos do Brasil e nenhum avanço na posição internacional. Estes fatos tornam-se ainda mais graves com a trajetória de piora evidente das contas externas, com fortes desequilíbrios de fluxo e de estoque; ou seja, vulnerabilidade externa. Trata-se, aqui, de parte da herança nefasta de Lula.

IHU On-Line - O senhor é autor de um estudo sobre a evolução da renda no governo Lula em comparação com a perspectiva histórica. Quais suas conclusões? A partir desses dados, quais as perspectivas para os próximos anos do governo Dilma?

Reinaldo Gonçalves - A análise da evolução da renda do Brasil durante o governo Lula nos permite chegar às seguintes conclusões: 1) fraco desempenho pelos padrões históricos do país; 2) muito fraco desempenho quando comparado com outros presidentes; 3) país fortemente atingido pela crise global em 2009; 4) o processo de ajuste frente à crise global foi influenciado significativamente pelo ciclo eleitoral e oportunismo político em 2010 e não se sustenta em 2011-12; e, 5) retrocesso relativo no conjunto da economia mundial. Este trabalho pode ser acessado em .

Perspectivas

Sem dúvida alguma há continuidade. É mais do mesmo. A única vantagem é não sofrermos o tsunami diário de hipocrisia e cinismo do Lula. Vale notar que Dilma foi escolhida mais pelos seus defeitos do que por eventuais virtudes. Foi escolhida por ter se mostrado como, talvez, a mais dócil serviçal no governo em que Lula era o centro do poder. Lula mandava e o resto obedecia. Ela é e será uma presidenta frágil, sem uma base própria de poder. O poder para ser efetivo tem que ser conquistado. O poder recebido é raso, oco, simbólico.

Alguns elementos apontam nesta direção:

1) Dilma era totalmente desconhecida antes de ser levada por Lula para Brasília em 2003;

2) ela foi escolhida a dedo por Lula para ser candidata à presidência da República, isto é, ela não disputou esta escolha;

3) os escabrosos arranjos políticos para obtenção de apoio das oligarquias e partidos foram costurados por Lula e pelos articuladores subordinados a Lula;

4) o próprio esquema da campanha milionária à presidência estava fora do alcance de Dilma;

5) toda a força política real da presidência da República é mediada por figuras que Lula indicou para cargos-chave no executivo federal e que são, praticamente, seus serviçais;

6) Dilma está fora do comando das articulações com o congresso, as centrais sindicais, as oligarquias, os bancos, o agronegócio, o núcleo duro do grande capital e os partidos que se tornaram empresas por cotas limitadas (controlados por grupos dirigentes que são dublês de mercadores); e

7) Lula continuará controlando o caixa e os esquemas de financiamento do PT, que são fundamentais não somente para controlar o próprio PT como para o financiamento de campanhas eleitorais regadas a dinheiro.

Para Dilma sobrará o simbolismo do poder. Um dos riscos é que, no contexto de grave crise econômica, eclodam sérios problemas de governança e governabilidade. A fragilidade estrutural de Dilma será sempre travestida pela alegoria da eficiência burocrática e administrativa. A instituição presidência da República invertebrada, fragilizada e travestida de eficiência burocrática é parte da herança nefasta de Lula.

IHU On-Line - O senhor diz que ela será uma presidente sem base própria de poder. Mas o que explica, então, o apoio que recebeu na decisão do aumento do salário mínimo?

Reinaldo Gonçalves - Na história do Brasil podemos identificar presidentes relativamente frágeis e fortes levando em conta a base própria de poder, inclusive, características pessoais. Tomemos o passado recente: na lista dos presidentes relativamente fracos temos Sarney, Itamar e Dilma. Na lista dos presidentes relativamente fortes temos Collor (símbolo de modernização e carisma), Fernando Henrique (intelecto) e Lula (símbolo de mudanças).

Quanto à questão do salário mínimo não se esqueçam que foi uma negociação dura, inclusive, o governo usou o neopeleguismo da CUT contra as outras centrais sindicais e fez compensações. Quando se afirma que a presidente é relativamente fraca não significa que o governo seja fraco, principalmente quando se trata de lidar com grupos sociais e grupos de interesses que são facilmente cooptáveis, como é o caso do atual sindicalismo brasileiro. Não podemos esquecer, ainda, que o governo central no Brasil é hegemônico porque a sociedade civil é frágil, invertebrada. E, ademais, nunca antes na história o peleguismo foi tão marcante.

IHU On-Line – Mudanças no cenário internacional exigirão que tipo de política econômica do governo Dilma? Como vê a questão da exportação de commodities, por exemplo?

Reinaldo Gonçalves - O governo Dilma seguirá a mesma linha do governo Lula via arranjos com as oligarquias, os bancos, as grandes empreiteiras e o setor de agronegócio. Não houve qualquer transformação relevante nas relações, estruturas e processos políticos no Brasil nos anos Lula. O mesmo ocorrerá no governo Dilma. Os setores dominantes (com destaque para o das commodities) beneficiaram-se dos elevados e favoráveis financiamentos do Banco do Brasil e do BNDES. Simplesmente pelo valor simbólico, vale mencionar que, no fechamento das contas da campanha da Dilma, um dos maiores exportadores de soja do país contribuiu pessoalmente com um cheque de um milhão de reais. Quanto à elevação dos preços das commodities há uma saída simples: imposto de exportação. Além do efeito fiscal favorável, o imposto sobre a exportação de commodities aumenta a oferta para o mercado interno e, portanto, tem impacto favorável sobre a inflação.

Naturalmente, Dilma não pretende contrariar os interesses de um setor dominante que, além de financiar campanhas regadas com dinheiro, controla partidos políticos, governos estaduais e municipais, e tem grande base no Congresso Nacional (a chamada bancada ruralista). A reprimarização da economia brasileira e os arranjos com as oligarquias regionais expressam e reforçam estruturas, processos e relações políticas retrógradas.

IHU On-Line - Como o senhor vê os anúncios de investimentos no PAC, considerando o risco de inflação e a perspectiva de crescimento menor?

Reinaldo Gonçalves - O PAC tem sido, desde a sua criação em 2007, uma colcha de retalhos, ou seja, um conjunto frouxo de projetos. Na realidade, é uma lista de projetos, além de ser um balcão para realização de arranjos político-eleitorais. O resultado do PAC é pouco significativo. Vejamos: a taxa de investimento medida em preços correntes foi de 17% no governo FHC (1995-2002), 16% no primeiro mandato de Lula (2003-06) e 18% (no segundo mandato, ou seja, a partir do PAC). Portanto, a média da taxa de investimento do governo Lula (17%) é idêntica à do governo FHC. Ou seja, ambos tiveram desempenho medíocre em termos de taxa de investimento.

A melhora da taxa de investimento com o PAC é inexpressiva (um ponto de percentagem em relação à média do governo FHC). De fato, tirando Petrobrás, o PAC é praticamente inexpressivo. Certamente, se tirarmos os investimentos do pré-sal do cálculo, a taxa média de investimento do governo Lula é, além de medíocre, inferior à observada no governo FHC. O problema com o petróleo é que ele é a base da quarta revolução tecnológica que surgiu há exatamente um século. No século XXI, já estamos na sexta revolução tecnológica e o Brasil está focado nas prioridades do início do século passado.

IHU On-Line – Qual sua opinião a respeito da criação do grupo China?

Reinaldo Gonçalves - A criação de grupo de estudos dentro do Executivo é um indicador de que nada de relevante será feito. A relação bilateral China/Brasil já foi bem estudada e o principal resultado é que esta relação reproduz o modelo centro/periferia. Ou seja, a China é centro e o Brasil é periferia. A China apresenta-se como altamente competitiva e exportadora de bens e serviços intensivos em tecnologia, capital, mão-de-obra qualificada e alto valor agregado, enquanto o Brasil destaca-se como exportador de produtos primários. Ou seja, no século XXI o Brasil terá com a China o mesmo tipo de relação que ele tinha com o Reino Unido no século XIX e com os Estados Unidos no século XX. Com Lula, o Brasil consolida sua vocação para ser um vagão de terceira classe atrelado a locomotivas ou, pior ainda, como atualmente, a um vagão de primeira classe (China). É o Brasil andando para trás e comprometendo sua capacidade de desenvolvimento dinâmico e sustentável no longo prazo com investimentos focados em agronegócio, mineração e petróleo, e, portanto, desindustrialização e reprimarização.

IHU On-Line - É possível exigir do Brasil uma postura diferente do que a de exportador de commodities, considerando que isso que faz parte da raiz histórica do país? Como seria possível investir em setores mais dinâmicos?

Reinaldo Gonçalves - Este argumento tem sido usado desde o século XVI. O fato é que temos raízes apodrecidas. Desenvolvimento é transformação estrutural. Se os Estados Unidos tivessem se concentrado na exportação de commodities (fumo, algodão, etc.) após a independência, talvez, hoje eles fossem algo como o Brasil. Já no final do século XVIII os estadistas nos EUA definiram claramente a estratégia de industrialização. Era necessário que houvesse ruptura com o sul que era escravagista e primário-exportador.

Foi preciso uma guerra civil (1861-65) para romper a resistência de setores retrógrados, libertar 3,5 milhões de escravos e iniciar o salto dos EUA para o desenvolvimento econômico, social, político e institucional. Em pleno século XXI no Brasil, além das mazelas do atraso econômico, social, político e institucional, temos tido um nítido retrocesso intelectual, visto que os graves entraves ao desenvolvimento colocados por estruturas de produção dominadas pelo setor de commodities têm sido desprezados.

Nos anos 1930, o debate era mais inteligente. Como alguém pode, seriamente, pensar que o Brasil é o celeiro do mundo, que a China depende dos nossos produtos primários e que algumas commodities (por exempolo, etanol) não são commodities? Esse retrocesso intelectual também é parte da herança nefasta do governo Lula.

IHU On-Line – Muitas empresas chinesas são estatais e investem em outros países. O que representa, digamos assim, a intervenção direta de um Estado, no caso o Estado Chinês, em outro país?

Reinaldo Gonçalves - A China está usando no Brasil a mesma estratégia que ela usa em outros países da América do Sul, da África e da Ásia. A China trata o Brasil como trata Angola. O que a China quer é controlar fontes fornecedoras de matérias-primas e criar mercados para seus bens e serviços de alto valor agregado. Na realidade, a China está usando no século XXI a mesma estratégia das potências imperiais desde pelo menos os séculos XVI-XVII. E o Brasil entra nesta estratégia como mais um ator coadjuvante fornecedor de matérias-primas. Para se apropriar de tecnologia ou obter maior controle sobre a produção, a China compra empresas, monta alianças estratégicas ou força a criação de join-ventures (como é o caso da Embraer). Nada de perplexidade se daqui a alguns poucos anos a joint-venture da Embraer na China for comprada pelos chineses e passar a competir com a Embraer brasileira no mercado mundial. Portanto, temos aqui mais um exemplo da herança nefasta do governo Lula: no contexto da reprimarização, há internacionalização de empresas brasileiras, perda de controle sobre estas empresas, e perda de competitividade internacional do país.

IHU On-Line – Que avaliação faz do reajuste do salário mínimo?

Reinaldo Gonçalves - A fórmula de reajuste do salário mínimo é burra. O reajuste do salário mínimo no início do ano deve incorporar expectativas quanto à evolução macroeconômica do país (crescimento e inflação) no ano em curso. Não faz sentido atrelar o ajuste à taxa de crescimento de dois anos atrás e à inflação do ano anterior. Provavelmente usaram este método inapropriado pela sua simplicidade; só que neste caso a simplicidade só complica. Era estratégia dominante no governo Lula seguir a linha de menor resistência que, frequentemente, não é a mais apropriada. Há muitos exemplos dessa estratégia de linha de menor resistência: reprimarização, Bolsa Família, câmbio apreciado etc.

Provavelmente, Dilma manterá e, até mesmo, reforçará esta herança. Pobre Brasil! Durante muito tempo ficaremos sem transformações estruturais. Durante muito tempo os problemas estruturais, os vícios e as vulnerabilidades do país continuarão se agravando. E, durante muito tempo, os atuais grupos dirigentes e os seus intelectuais de algibeira (movidos por gratificações das consultorias e expectativas de ambos) argumentarão que os realistas são pessimistas e que o otimismo que eles professam não deriva da combinação de ignorância, venalidade, malandragem e pusilanimidade. Em síntese, não faltam exemplos da herança nefasta de Lula.

FONTE: IHU On-Line

'Inflaçãozinha' boa para quem?

Empresários e trabalhadores passam a conviver com altas de preços de até 20%

Fabiana Ribeiro e Aguinaldo Novo

O Banco Central jogou a toalha e admitiu que este ano não conseguirá trazer a inflação para o centro da meta do governo, de 4,5%. A arrecadação de impostos, movida pelo consumo em alta, não para de crescer. E, com mais dinheiro, o governo faz mais gastos. Os trabalhadores estão tendo ganhos reais (acima da inflação) de salários. Os empresários estão repassando aumentos de custos. E, por fim, apesar das medidas restritivas desde o fim do ano passado, o crédito não para de crescer. O resultado todo mundo conhece e está constatando na ponta do lápis: uma inflação que não para de subir. E já ameaça furar o teto da meta, de 6,5% este ano. Mas, será que é só uma "inflaçãozinha"? Alguém ganha com ela?

Apoiadas num mercado de trabalho aquecido, com maior formalização do emprego (carteira assinada) e crédito farto - na faixa de 40% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produtos no país) - as famílias continuam comprando.

- A confiança e o otimismo dos brasileiros se fortalecem num cenário em que quase todas as categorias profissionais recebem aumentos reais. Isso dá mais fôlego ao consumo. E cria uma ilusão de que as pessoas estão com um rendimento maior. Uma ilusão. Com mais dinheiro, apesar da inflação maior, gastam e gastam - disse Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central.

Mas não é só a questão dos salários. As indústrias estão remarcando. Somente no mês passado, o preço das resinas plásticas, por exemplo, teve correção de 20%. O produto é essencial na fabricação de muitos produtos, de eletrodomésticos a carros. Nessa conta, entram também o aço e o alumínio (alta média de 10% no mercado doméstico) e as embalagens de papelão ondulado (com previsão de reajuste entre 7% e 10% até maio).

- A pressão está insuportável - conta o presidente de uma empresa do setor de eletroeletrônicos.

O executivo, que pede para não ter o nome revelado, diz que levou o assunto ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e voltou da viagem a Brasília com a resposta de que "o governo está atento a isso". Alguns setores já iniciaram negociações com o varejo para o repasse dessa elevação de custos, mas a maioria diz que a forte concorrência com os produtos importados deve inibir esse processo - pelo menos, neste primeiro momento.

"A inflação é o custo da festa"

Já Genival de Souza, diretor da rede Prezunic, com cerca de 30 lojas no Rio, admite que os repasses da indústria este ano já oscilam entre 5% e 15% - uma alta que, apesar da renda maior dos trabalhadores, não tem como ser totalmente repassada ao consumidor.

- Precisamos segurar preços, apertar margens. Impossível repassar todos os nossos custos - disse ele.

- Em algum momento, esse repasse terá de acontecer. Ou acontece isso ou as empresas vão perder lucratividade - afirma o gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.

Frente a frente com reajustes acima da inflação, o consumidor reclama. Mas paga. Exemplo: produtos para as unhas, como esmaltes. No último ano, o preço do grupo subiu 11,96% - bem acima da variação média dos preços de 6,30% em 12 meses. Pode parecer pouco, dado que o preço de um esmalte fica na faixa dos R$3. Mas o produto faz parte de uma indústria que faturou R$27,5 bilhões em 2010, 12,6% mais do que em 2009. E a expectativa é de um 2011 melhor, com um faturamento de R$31,12 bilhões.

Os alimentos já encareceram 8,75% nos últimos 12 meses. Altas que fizeram as vendas do setor de supermercados crescer 13,9% em 2010, alcançando R$200,1 bilhões.

- A festa do crescimento tem um custo. Não existe almoço de graça. Não dá para a economia crescer, a renda subir, o crédito ampliar e a inflação ficar parada. A inflação é o custo da festa - afirmou o professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha, especialista em inflação.

Reclamar dos preços é uma coisa. Deixar de consumir um bem ou serviço é outra, sugere André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV). Diz isso porque os emergentes da classe média aderiram a novos hábitos e, com renda e crédito, podem pagar por eles. Academias, centros de beleza, viagens e serviços médicos deixaram de ser exclusivos de uma faixa da população. Um aumentinho - R$5, que na verdade podem ser 25% - não vai tirar uma cliente do salão de beleza.

- Se cabe no orçamento, o brasileiro absorve o custo a mais no fim do mês - diz Braz.

- O Brasil ainda tem um demanda reprimida por bens e serviços. E, por isso, agora que realiza seus sonhos de consumo, prefere se endividar a dizer não às tentações do varejo - completou Carlos Thadeu.

Então, é justamente no setor de serviços que as empresas estão garfando mais o bolso dos brasileiros - seria o ápice da complacência com a "inflaçãozinha". Há médicos que subiram o valor de sua consulta em 20%, sem sentir queda na procura. Em salões, como o Fios e Arte, houve alta de 10% a 15% dos serviços. O Studio Betina Guelmann, centro de dança, reajustou as mensalidades em 17%, mas mesmo assim mantém fielmente suas 180 alunas. No salão Fashion Mix, o reajuste de 15% nos serviços não afastou a clientela.

- Precisei fazer um reajuste de 15% no preço dos serviços, pois aumentei o número de funcionários, fiz uma obra no salão para aumentar o bem estar das crianças. Mesmo com esse aumento, este primeiro trimestre de 2011 foi o melhor em seis anos de Fashion Mix - conta Joana Wolf, dona do salão infantil.

Não é pequena a lista de reajustes do orçamento da consumidora Cristiane Dart. Academia, curso de francês, serviços de beleza, gastos com vestuário, alimentação... Apesar das altas, ela não alterou significativamente seus hábitos. Tanto que não abandona os serviços de sua manicure Gracinda, que a conhece desde os cinco anos de idade.

- Mesmo com aumentos, sou fiel à minha manicure. É uma relação de anos. Mas também não saio do francês, não deixo a academia - diz.

Num ambiente em que os aumentos são repassados e os consumidores aceitam, a indexação vai se espalhando pela economia. Segundo Carlos Thadeu, 30% da economia brasileira já estão indexados, ou sejam, tem correção automática. E Cunha lembra que o reajuste da tabela do Imposto de Renda e o do salário mínimo também são formas de indexação.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que por causa da baixa competitividade do mercado doméstico, existe "já há algum tempo um estado latente" de reindexação.

- O problema é o governo negligenciar esse problema, minimizar seus riscos. Deveria, por exemplo, buscar uma meta de inflação menor. Enfim, os instrumentos para combater a indexação não estão sendo usados.

Em relatório a clientes, Laura Haralyi, do Itaú Unibanco, diz que os últimos índices de custo de vida divulgados confirmam uma "percepção de deterioração do perfil da inflação".

"O aumento da difusão e a alta das expectativas de inflação dos consumidores (observadas nas pesquisas da CNI e FGV) reforçam a percepção de maior inércia inflacionária para os próximos meses e o risco de aumento da indexação de preços", afirma ela.

FONTE: O GLOBO

Oposição busca forma de enfrentar estilo Dilma

PSDB e DEM avaliam que jeito mais discreto da presidente os obriga a renovar sua atuação

Silvia Amorim

SÃO PAULO. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) conclamou semana passada, da tribuna do Senado, toda a oposição a se unir para promover um "choque de realidade" no país. A tarefa se revela ambiciosa diante do estado em que se encontram os principais partidos oposicionistas, PSDB e DEM. Mais do que superar crises internas e o distanciamento entre eles, tucanos e democratas avaliam que precisam renovar não só o discurso, mas a forma de agir. O diagnóstico é que o estilo discreto e cauteloso da presidente Dilma Rousseff desarmou a oposição.

Após três meses de gestão, líderes de PSDB e DEM concluíram que a fórmula usada pela oposição no governo Lula não surtirá efeito com a sua sucessora. Com o ex-presidente, as duas legendas se acostumaram a fazer uma oposição mais reativa do que ativa, surfando basicamente nos discursos polêmicos de Lula. Ele tinha uma agenda de eventos intensa, aparecendo em público quase diariamente, o que propiciava aos oposicionistas pautas suficientes para fazer o enfrentamento com o governo.

"Lula dava mais gancho para a oposição", diz tucano

Com Dilma, a fonte secou. As poucas aparições públicas e os discursos comedidos e sem improviso, que estão virando a marca da presidente, reduziram a voz da oposição.

- Ela adotou discrição, o que dificulta o trabalho da oposição e funciona como uma blindagem para a presidente. O Lula dava mais ganchos para a oposição - afirmou o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR).

- Lula era 24 horas por dia no palanque. Já a Dilma tem um perfil menos eleitoreiro, o que faz com que esse embate da oposição com o governo tenha que mudar de características - avaliou o líder do DEM na Câmara, ACM Neto (BA).

A preocupação da oposição é encontrar uma nova fórmula para recuperar espaço. Por ora, o entendimento, unânime, é que o caminho para sobreviver será fazer um trabalho sério de fiscalização do governo. Na tribuna do Senado, quarta-feira passada, esse foi um dos chamamentos de Aécio.

- Em relação ao governo, temos como obrigações básicas: fiscalizar com rigor, apontar o descumprimento de compromissos com a população, denunciar desvios, erros e omissões e cobrar ações que sejam realmente importantes para o país - discursou o mineiro.

DEM vai lançar "promessômetro"

É nesse contexto que o DEM prevê lançar na próxima terça-feira, na liderança do partido na Câmara, um "promessômetro" da gestão Dilma, painel que mostrará as promessas feitas na campanha eleitoral e em que pé está a sua execução. A iniciativa é inspirada no "impostômetro" de São Paulo, que mede a carga tributária e, alimenta os discursos da oposição.

- A fiscalização mais rigorosa das ações do governo é o caminho para não deixar que esse estilo da Dilma amarre a oposição - resumiu Dias.

FONTE: O GLOBO

Oposição ainda junta cacos, mas já esboça eixo de ataque

Divisão acentuada pela derrota de José Serra permanece, mas críticas surgem e miram gastos públicos, PAC e inflação

Christiane Samarco e Alberto Bombig

A oposição ao governo Dilma Rousseff passou os primeiros dias da atual gestão divida entre as tarefas de juntar os cacos de mais uma derrota para o PT e de encontrar um discurso que faça frente à nova presidente. Somente na semana passada, o PSDB, principal partido de oposição, encaixou críticas ao governo Dilma. Aumento dos gastos públicos, desaceleração do PAC e descontrole da inflação vão formar o tripé do ataque oposicionista.

Esses foram os eixos do discurso que o senador e presidenciável tucano Aécio Neves (MG) proferiu no Senado quarta-feira passada. Esses pontos também foram reforçados pelo líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Duarte Nogueira (SP). "O governo está trabalhando com orçamentos paralelos: o que foi aprovado para este ano e o dos restos a pagar do governo anterior, que se transformaram em uma bola de neve e que reduzem a capacidade de investimento", afirmou Nogueira. "Vemos, infelizmente, renascer, da farra da gastança descontrolada dos últimos anos, e em especial do ano eleitoral, a crônica e grave doença da inflação", afirmou Aécio.

Mas o desafio ainda é grande. Não bastassem os 56% de aprovação da presidente Dilma Rousseff, segundo pesquisa Ibope, os adversários dela ainda penam com a falta de rumo diante de uma personalidade discreta e econômica na retórica. "O Lula facilitava a oposição parlamentar porque falava demais e abria espaço para o contraditório. Dilma, não", resume o presidente nacional do PSDB, o deputado Sérgio Guerra (PE).

O tucanato já notou que Dilma analisou o discurso do adversário da época da campanha, José Serra. "Agora, ela ensaia um pedaço do discurso do Serra no governo", observa Guerra, ao destacar que Dilma fala em austeridade, controle de gastos, direitos humanos e gestão profissional na saúde, além de procurar mostrar que a política externa mudou. O líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), observa que uma coisa é o discurso, e outra, a prática. Mas admite que no primeiro momento, o que prevalece mesmo foi o discurso. "Fica a aparência, que não é ruim", concorda Guerra.

Divisão. Se por um lado o DEM implodiu com a perda de seu principal quadro no Executivo - o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que criou o novo PSD - o PSDB também enfrenta o velho racha entre Minas e São Paulo e a falta de foco que penaliza o conjunto da oposição. "Os eleitores do PSDB têm simpatizado com as ações da presidente Dilma e isto tem preocupado o partido", disse a certa altura da reunião fechada dos governadores tucanos no dia 28 passado o anfitrião Antonio Anastasia (MG). "Faço um parêntese à fala de Anastasia", atalhou o paulista Geraldo Alckmin. "Nós não vamos atacar ou criticar a pessoa da presidente, mas temos realmente que fazer nosso papel de oposição, criticando o governo". Alckmin frisou que o Brasil não é "vocacionado" para ter um partido somente, e afirmou que o PSDB tem que se preparar para a alternância do poder.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Mercado é de Marte; Dilma, de Vênus :: Vinicius Torres Freire

Talvez o grande público não tenha percebido que a política econômica mudou muito nas últimas semanas, obra de Dilma Rousseff e cia. Tanto que o governo agora combate a inflação com aumentos de impostos. Vivemos em outro planeta político-ideológico em termos de política macroeconômica (gasto público, juros, impostos).

De Marte, das juras de apreço pela "ortodoxia" (ou a versão brasileirinha disso), fomos para Vênus das políticas ditas alternativas. Nem tão mais alternativas, certo, pois o mundo inteiro mudou, dados o estado anormal das economias no pós-desastre de 2008 e a desmoralização do mercadismo.

Mas não faz muito tempo, talvez ainda sob Lula 1, esse tipo de exotismo provocaria passeatas de economistas "padrão". Passeatas midiáticas, explique-se, com ironia.

Decerto o grande público tem mais o que fazer além de se ocupar de controvérsias tediosas entre economistas. Da inflação terá notado que o preço da carne de boi subiu 30% no ano passado.

Que o supermercado ficou uns 10% mais caro, mais que o IPCA, em alta de uns 6,5% em 12 meses. Que um prato de comida pode custar cerca de US$ 40 em restaurantes bons de Rio e São Paulo -restaurantes, no entanto, todos lotados.

Que o preço das consultas médicas dispara, como o preço de manicure, encanador, eletricista, empregado doméstico. Que aqueles jipões de R$ 200 mil agora são carne de vaca nas ruas de Rio e São Paulo.

Quando ficamos tão ricos? Ficamos? Os preços são londrinos, mas a renda média do Brasil ainda fica lá pelo meião do ranking mundial, pelo 70º lugar num listão de 150 países. Além do mais, o Brasil ainda tem sinais evidentes de Belíndia, de Bélgica e Índia, desigualdade e pobreza, apesar dessa falação de "nova classe média".

O que tem a ver a "nova política econômica" de Dilma Rousseff e cia. com a "riqueza brasileira"?

Parece que estamos vivendo acima de nossos meios. Há inflação crescente, no rumo dos 7% ao ano, sinal claro de excesso de consumo.

Compramos cada vez mais importados. O crédito para consumo pessoal (afora imóveis) cresce rápido demais. O gasto do governo cresce rápido demais. O investimento cresce devagar. Enfim, somos um país ainda pobrinho demais para US$ 1 custar apenas R$ 1,50.

O governo não quer dar uma paulada nos juros e, assim, abater o "espírito animal" do empresário. Não quer frear investimentos. Não quer um real ainda mais forte, coisa que aconteceria com juros ainda mais altos (embora o governo esteja jogando a toalha no que diz respeito a evitar a valorização da moeda).

Assim, o governo abandonou a linha de política econômica que mal e mal foi seguida (ou pregada) de, digamos, 1994 a 2008.

Quer conter o crédito via imobilização do dinheiro dos bancos, barreiras ao financiamento externo, imposto sobre crédito (sobre consumo, pois) etc. Quer regular ainda mais os preços de combustíveis. Desistiu da contenção firme da despesa pública. De quebra, vale-se desses impostos corretivos, como o IOF, para fazer caixa, superavit e ainda cortar um tico do consumo.

Se vai dar certo, isso é assunto para o futuro e para economistas. Mas seria bom prestar atenção: estamos em outro planeta econômico.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

No Congresso, predomínio do Executivo

Izabelle Torres

A independência do Legislativo, tão defendida no início dos trabalhos do Congresso este ano, ainda é uma realidade distante da pauta de votações das duas Casas. Desde o começo da legislatura, cerca de 70% das propostas aprovadas eram de interesse do Executivo, incluindo medidas provisórias e decretos avalizando acordos bilaterais já firmados pelo governo em anos anteriores. Resultado que demonstra a influência da presidente Dilma Rousseff e sua capacidade de pautar a atividade parlamentar em torno de planos e pretensões governistas.

A maior parte das matérias apreciadas pelos parlamentares fazia parte da herança deixada por Lula. No entanto, para votá-las, a atual presidente precisou se empenhar, em alguns casos pessoalmente. O atual comando do país precisou entrar em campo, por exemplo, para evitar a rejeição de medidas provisórias que já geraram efeitos, como as que concediam créditos extraordinários a diversos órgãos. Garantir a aprovação dessas matérias era uma forma de fugir de imbróglios financeiros e jurídicos, caso despesas já realizadas fossem barradas pelo Congresso.

Na Câmara, sob o comando do petista Marco Maia (PT-RS) — que jurou independência em sua atuação na Casa, apesar da interferência direta da cúpula palaciana para garantir sua eleição —, a pauta governista tomou conta de mais de 70% dos 34 projetos aprovados em plenário. Um placar que tem intrigado partidos da base aliada e irritado a oposição. “Até agora, estamos aguardando a entrada em pauta dos assuntos de autoria e de interesse do Legislativo. Todas as votações importantes e discussões de matérias estão em torno das orientações do governo. Estamos trabalhando para atender às demandas do Executivo. Resta saber até quando”, avalia o líder do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA).

No Senado, o cenário não é distinto. Sob a batuta de José Sarney (PMDB-AP), a Casa aprovou 19 projetos de lei que nasceram no Executivo. Número que representa 64% do total de matérias referendadas. Além disso, há uma lista extensa de mensagens presidenciais cuja análise e votação ocuparam a maior parte das sessões de comissões permanentes.

O rolo compressor nos trabalhos do Congresso deve continuar passando, pelo menos até junho. É que com MPs na fila e acordos e tratados pendentes, a base do governo foi instruída a trabalhar para zerar os entraves sem negociar concessões ou aceitar a entrada de outros itens na pauta. “Estamos conseguindo impor um bom ritmo de trabalho. A ideia é que até o meio do ano votemos tudo para evitar que medidas provisórias percam a validade. Votar essas matérias é parte do trabalho legislativo”, diz o líder do governo, Cândido Vacarezza (PT-SP).

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE