domingo, 13 de março de 2022

Pedro S. Malan*: É assustador

O Estado de S. Paulo.

Há quem acredite saber exatamente ‘o que fazer’ e se dedique a convencer os demais a acreditar nisso em busca do poder

Começamos muito mal esta terceira década do século 21. É assustador imaginar os desdobramentos desta crise, que transcende em muito a questão ucraniana. Os horrores da guerra, o sofrimento causado ao povo da Ucrânia, terão consequências globais, geopolíticas e econômico-sociais que se projetarão por anos. As incertezas, os riscos e a volatilidade, que já não eram pequenos, acentuaram-se sobremaneira com os choques de oferta, as fortes pressões inflacionárias e a inevitável redução da taxa de crescimento global.

“É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo.” A frase de Amos Tversky poderia ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso – como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar.

Bolsonaro já está no poder e nele pretende continuar, para o que precisa obter 50% + 1 dos votos válidos nas próximas eleições. Conta, para tanto, com o relato de seus feitos neste primeiro mandato, turbinando a narrativa com o uso de sua ampla militância digital nas redes sociais. Conta, também, com os instrumentos do poder – a prerrogativa de nomear, demitir, cooptar, ameaçar, prometer e distribuir benesses. Esse poder do incumbente não deve ser subestimado, principalmente quando se está disposto a fazer o que for necessário, custe o que custar, para alcançar o objetivo de mais um mandato. Pouco importa que outros não concordem, desde que representem menos de 50% dos votos válidos. Se forem mais, é sempre possível alegar fraude; o modelo Trump vem sendo seguido à risca, desde 2016.

Rolf Kuntz: Guerra, inflação e populismo

O Estado de S. Paulo

Improvisação e ações populistas contra a alta de preços podem ser mais danosas que os reflexos econômicos da aventura de Vladimir Putin

Putin chegou atrasado, mas deu sua contribuição ao desarranjo econômico do Brasil. A inflação brasileira, uma das maiores do mundo, já superava 10% em 12 meses antes do primeiro tiro contra a Ucrânia. Em janeiro, bateu em 10,38%. Em fevereiro, atingiu 10,54%, mas a invasão do território ucraniano só começou no dia 24. A guerra e as sanções à Rússia agravaram as condições de um mercado internacional já inflacionado. Subiram as cotações de alimentos e do petróleo. A Petrobras acabou elevando os preços do óleo diesel, da gasolina e do gás de cozinha, encerrando um estranho congelamento mantido por 57 dias. A aventura russa abalou, finalmente, o dia a dia dos brasileiros, mexendo nos preços, aumentando a insegurança de uma economia emperrada e reforçando as tentações de jogadas populistas e de novos desatinos eleitoreiros.

Míriam Leitão: O desmonte do futuro

O Globo

O futuro exige de nós esperança. Mas a realidade a nega diariamente. A guerra transforma a Ucrânia em escombros e cria um ambiente de hostilidade crescente entre potências que têm o poder de destruir o planeta. Estão sendo desfeitos elos de décadas de cooperação. No Brasil, o governo Bolsonaro e suas forças bombardeiam edifícios legais que a democracia construiu em anos de debate, negociação e luta. Bolsonaro não age nesta destruição do futuro sozinho. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é seu fiel escudeiro.

Lira colocou para votar a urgência de um projeto hediondo, no momento em que, na frente do Congresso, manifestantes pediam tempo para debater o assunto. O projeto permite mineração, exploração de óleo, gás, hidrelétricas, plantação de transgênicos em terras indígenas. Lira disse que criou uma comissão para debater o assunto. Não é verdade. Sua comissão é para inglês ver. Ele está impedindo o debate e há outras tramas sendo urdidas, como a de acoplar esse projeto a outro que já está com a tramitação mais adiantada. Essa matéria define o futuro dos indígenas, mas também o nosso futuro como país.

Elio Gaspari: Vozes do agro contra a boiada

O Globo

Para o bem de todos e felicidade geral da nação, a Coalizão Brasil Clima, que reúne empresas, bancos e associações de agricultores, dissociou-se dos agrotrogloditas e do garimpo ilegal que tentam passar a boiada da mineração em terras indígenas por conta da guerra na Ucrânia.

Na parolagem, o caso é simples: o Brasil precisa de fertilizantes, eles vêm de lá e da Rússia. Cortada a linha de comércio, seria necessário minerar o potássio que está em terras indígenas da Amazônia.

Faz tempo que Jair Bolsonaro fala desse potássio. É um aspecto de sua fixação em metais e produtos mágicos. Na pandemia, cloroquina, fora dela, grafeno e nióbio. Indo mais adiante, uma pesquisa para transmitir de energia por cima da floresta, sem cabos.

A Coalizão Brasil Clima bateu de frente contra esse avanço nas terras indígenas, que tramita em regime de urgência na Câmara. Para evitar que se passe a boiada, ela informa:

Vinicius Torres Freire: Gasolina sob Lula e Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Preço de combustíveis em qualquer governo depende de dólar, mercado mundial e política

O preço médio da gasolina sob Lula 2 era equivalente ao do governo Bolsonaro antes da epidemia e até mesmo em fins de 2020. O diesel era um tico mais caro. O gás de cozinha, mais barato. A guerra fez estrago decisivo. Trata-se aqui de preços corrigidos pela inflação para o consumidor, o IPCA.

Sob Dilma 1 (que fez tabelamento informal e teve dólar amigável) e Temer (que liberou geral), diesel e gasolina eram mais baratos. A conta muda pouco se a gente medir o poder de compra do salário mínimo ou do salário médio em termos de combustíveis, vide gráfico.

Essa história dá o que pensar sobre preços importantes, combustível e comida. Dependem de dólar e preço mundial, sempre, e de políticas, várias com danos colaterais graves, como tabelamentos e subsídios perversos.

Bruno Boghossian: O chuchu e o socialista

Folha de S. Paulo

Ex-presidente ainda quer Alckmin para neutralizar discurso antipetista, mas tenta preservar bases

Lula abriu os braços para personagens de campos políticos opostos na última semana. Num canto, o petista reconheceu o avanço de suas negociações com Geraldo Alckmin e repetiu o interesse em ter o ex-tucano como candidato a vice. De outro lado, ele enviou uma mensagem ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto e prometeu dar protagonismo ao grupo se vencer a eleição.

Esses dois aliados de Lula são mais do que tímidos adversários políticos. Guilherme Boulos (PSOL), líder do MTST, já acusou Alckmin de cometer uma barbárie ao ordenar a remoção da comunidade do Pinheirinho, no interior de São Paulo. O ex-governador, por sua vez, se referiu ao psolista como um "desocupado" num debate presidencial de 2018.

Janio de Freitas: São crimes de antibrasileirismo

Folha de S. Paulo

Bolsonaro e deputados mercenários compõem espécie de milícia especializada em política como negócio imoral

Todas as propostas que partem de Bolsonaro ou mobilizam o seu empenho têm alguma ordinarice, de seu interesse pessoal, como motivação básica. Nem por isso a conduta por ele imposta à Presidência é o que mais compromete o futuro do Brasil como país —no conceito do mundo e no seu próprio sentimento de país envergonhado.

aceitação da tragédia nacional pela quase total coletividade dos influentes, civis e militares, é ela mesma uma tragédia maior, por sua propagação incorrigível no futuro.

Tornar legal o garimpo em terras indígenas e a liberação prática do desmatamento são favorecimentos diretos às milícias criminais, que invadem as áreas preservadas, e ao empresariado que toma áreas imensas para plantio de soja ou criação de gado.

Hélio Sshwartsman: Sem fazer prisioneiros

Folha de S. Paulo

Para que não haja mais guerras, devemos travá-las como animais

Para que não haja mais guerras, devemos travá-las como animais, sem fazer prisioneiros e sendo tão cruéis quanto possível com o inimigo. Chocante? Hoje, sem dúvida, mas esse tipo de raciocínio era relativamente comum até o início do século 20. Ele está presente, por exemplo, nas reflexões que Leon Tolstói põe na boca do príncipe André, um dos protagonistas de "Guerra e Paz".

É verdade que, à medida que Tolstói foi se tornando um fanático religioso, também foi abraçando um pacifismo que soa menos paradoxal a nossos ouvidos modernos. Mas talvez o príncipe André não estivesse tão errado assim.

Cristovam Buarque*: Foto da insensatez

Blog do Noblat / Metrópoles

A decisão de Putin de invadir a Ucrânia muito provavelmente será um destes casos de insensatez que os historiadores futuro vão estudar

A insensatez é um processo, só pode ser captada por filme, mas a guerra da Ucrânia conseguiu fazer uma foto que concentra neste instante a falta de sensatez ao longo de décadas. Analisando casos concretos, historiadora Barbara Tuchman publicou clássico sobre a insensatez nas decisões políticas de governantes. Entre eles, a decisão de Troia de aceitar o presente dos gregos, um cavalo cheio de soldados dentro; o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnam; a arrogância do Papa esnobando um simples e jovem padre chamado Martin Lutero.

Merval Pereira: Compromissos

O Globo

Na posse da nova diretoria da Academia Brasileira de Letras (ABL), sexta-feira, enumerei alguns compromissos da principal instituição cultural do país, que passo a enumerar:

Diversidade

 “Nos últimos meses procuramos espelhar mais a diversidade brasileira ao escolher os substitutos para as cadeiras vagas. Renovamos nossa crença no empoderamento feminino elegendo a atriz Fernanda Montenegro, ícone da cultura brasileira e representante do teatro que já deu à ABL, entre outros, o crítico Sábato Magaldi e o dramaturgo Dias Gomes, cujo centenário comemoramos este ano. Em Gilberto Gil celebramos a poesia e a identidade afrobrasileira, que sempre esteve presente na Academia, desde o fundador Machado de Assis até o recente presidente Domicio Proença Filho e grandes negros do mundo da cultura brasileira, como Evaristo de Moraes Filho, Octavio Mangabeira e José do Patrocínio, entre outros. Num momento em que a ciência nunca foi tão necessária e ao mesmo tempo tão negligenciada pelas autoridades, elegemos o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, seguindo uma tradição de ter entre nós grandes médicos como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas Filho e mais recentemente Ivo Pitangui. A visão humanística de José Paulo Cavalcanti, jurista e escritor, especialista em Fernando Pessoa, e a visão modernizadora do economista, filósofo e escritor Eduardo Giannetti da Fonseca foram as duas recentes homenagens feitas à diversidade cultural do país, um pernambucano de raiz, o outro mineiro, com atuação a partir de São Paulo”.

Bernardo Mello Franco: Ninguém fotografou a ditadura como Orlando Brito

O Globo

O fotógrafo não fotografa para si, mas para os olhos que estão distantes. A definição é de Orlando Brito, o grande repórter fotográfico de Brasília. Por quase seis décadas, ele transportou os olhos dos leitores para a capital. Desvendou o teatro da política e foi testemunha ocular da história do Brasil.

Nascido no interior de Minas, Brito migrou para o Planalto Central em 1957, antes de a cidade ser inaugurada. Aos 7 anos, ajudava o pai a levar tijolos aos canteiros de obra. Aos 14, servia cafezinho na sucursal da Última Hora. Foi promovido a laboratorista, aprendeu a revelar filmes, apaixonou-se pelo fotojornalismo. Em 1965, o acaso o presenteou com uma oportunidade. A redação estava sem fotógrafos, e o garoto recebeu a tarefa de acompanhar uma agenda do marechal Castello Branco. “A primeira foto que fiz foi de um presidente”, contava. A estreia seria o prenúncio de uma carreira única na imprensa.

Dorrit Harazim: Meu amigo, o fotógrafo Orlando Brito (1950-2022)

O Globo

Muito antes de o bicho homem tomar rumo semelhante, os animais já se aglomeravam em grupos mais amplos do que as famílias biológicas a que pertenciam. Fizeram bem, pois assim alongaram seu tempo de sobrevivência no planeta. A natureza das espécies foi generosa também com o ser humano, pois foi desse mesmo instinto de sobrevivência que deve ter emergido algo tão monumental e fugidio a definições como a amizade. Melhor nem pretender descrevê-la e recorrer logo a um desses filósofos da Antiguidade que sabiam pensar e escrever sobre tudo. Certo estava Sêneca quando escreveu que a amizade é um talento. E, como todo talento, um dom. Orlando Brito, o mais completo repórter fotográfico brasileiro, tinha esse dom. Foi meu amigo. O verbo no pretérito perfeito dói.

Luiz Carlos Azedo: Orlando Brito fez a crônica do poder, da glória e da solidão

Correio Braziliense / Estado de Minas

Era impressionante a sua capacidade de ler a alma dos políticos, suas verdadeiras intenções e agruras, pela simples postura. Mestre do fotojornalismo, captava o instante certo

Sua filha única, Carolina, cuidou dele até o último momento. Mobilizou a solidariedade dos amigos, acompanhou os cuidados dos médicos, tentou convencer o pai a aceitar a nova situação sem se rebelar contra os tubos e aparelhos que o mantiveram vivo nos hospitais públicos de Brasília. O jornalista Orlando Brito foi sepultado ontem no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, após 34 dias de muita luta. Depois de duas cirurgias no intestino, em decorrência de um câncer, teve falência múltipla dos órgãos. Morreu íntegro e pobre, como acontece com muitos jornalistas, no Hospital de Taguatinga.

Orlando Péricles Brito de Oliveira nasceu em 1950, em Janaúba, Minas Gerais. Como muitos jornalistas da sua geração, começou a carreira muito jovem: em 1964, aos 14 anos, começou a trabalhar como laboratorista no jornal Última Hora, uma porta de entrada das redações; as outras eram a revisão e o trabalho de office boy. A profissão somente viria a ser regulamentada em outubro de 1969. Fez carreira nos principais veículos do país: O Globo, Jornal do Brasil e revistas Caras e Veja. Ao deixar a revista, criou a agência de notícias Obrito News, organizou seminários, deu aulas, fez conferências e palestras. Andou pelos cafundós do Brasil e pelo mundo afora, mas especializou-se na cobertura política.

Cacá Diegues: Um dia santo

O Globo

Não vou com a cara de Vladimir Putin. Mas nem por isso considero Volodymyr Zelensky intocável, um herói da humanidade

Todo mundo tem meus telefone e endereço de email. Foi um princípio que Flora minha filha me ensinou; se eu não gostasse da cara ou não quisesse atender, simplesmente não tomava conhecimento da mensagem, ia adiante como se não tivesse recebido nada. Depois, se fosse o caso, culpava a telefônica ou coisa parecida pela falha. Sempre deu certo. Sobretudo em períodos como o atual, com uma guerra, suas notícias chocantes e suas terríveis imagens a nos sobressaltar a todo momento.

Não acho que seja um privilégio, não vejo graça nenhuma em disputar com parentes e amigos a visão inaugural dos piores desastres humanos, dos restos de um hospital pediátrico em Mariupol, hordas de mães ucranianas fugindo das bombas russas com seus bebês no colo mal protegido. Ainda mais porque, fora a observação do horror evidente nos rostos e nos gestos do povo da Ucrânia, não tenho como julgar o que se passa na cabeça e no coração dos russos responsáveis ou não pelas batalhas dessa guerra. Muitos deles podem ser também vítimas de seus comandantes mal intencionados.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Amazônia perto da devastação irreversível

O Globo

O sobrevoo da floresta em boa parte da Amazônia dá a impressão de um verde sem fim para qualquer lado que se olhe. A vastidão da vegetação faz quem não conhece a região perder a direção. Esse “mar verde” também tem efeito desorientador no debate público ao provocar questões descabidas como: por que tanta gritaria dos ambientalistas se ainda há tanta floresta? A resposta, mais uma vez, vem sendo dada pela ciência.

Um estudo publicado na semana passada na revista Nature Climate Change por três pesquisadores de instituições europeias reforça a hipótese de que a Amazônia esteja perto de um ponto em que a devastação será irreversível — ou “ponto de não retorno” na tradução do inglês. A partir de certo nível de desmatamento, a floresta provavelmente perderia a capacidade de se recompor e entraria em autodestruição, sem que nenhuma ação humana pudesse reverter seu destino. Não haveria árvores suficientes para manter o atual regime de chuvas.

Poesia | Bertold Brecht: Louvor ao estudo

Estuda o elementar: para aqueles

cuja hora chegou

não é nunca demasiado tarde.

Estuda o abc. Não basta, mas

estuda. Não te canses.

Começa. Tens de saber tudo.

Estás chamado a ser um dirigente.

 

Frequente a escola, desamparado!

Persegue o saber, morto de frio!

Empunha o livro, faminto! É uma arma!

Estás chamado á ser um dirigente.

Não temas perguntar, companheiro!

Não te deixes convencer!

Compreende tudo por ti mesmo.

O que não sabes por ti,

não o sabes.

Confere a conta.

 

tens de pagá-la.

Aponta com teu dedo a cada coisa

e pergunta: “Que é isto? e como é?”

Estás chamado a ser dirigente.

Música | Coral Edgard Moraes: Recife cidade lendária