sábado, 5 de março de 2022

Alberto Aggio*: Vivo, PCB faria Cem Anos

Revista Será? (Penso, logo duvido)

O surgimento do Partido Comunista do Brasil (PCB) completa cem anos, em março de 2022.  O partido nasceu sob o influxo da Revolução bolchevique de 1917 e se vinculou a Internacional Comunista (IC) comandada pela URSS. Durante décadas, foi o maior referencial político da esquerda no Brasil. O PCB não nasceu de uma secessão no interior de um Partido Socialista já existente, como em boa parte do Ocidente. Sua gestação advém do deslocamento de algumas lideranças do anarquismo, seduzidas pela onda bolchevique. 

No início, o discurso e a postura do partido guardavam os traços duros da luta operária, central no ideário comunista, fulcro da revolução proletária contra o capitalismo. Depois de alguns anos de tateantes formulações sobre a realidade brasileira, os conflitos e lutas cívico-militares que marcaram a década de 1920, cujo corolário foi a Revolução de 1930, acabaram por impactar decisivamente a vida do PCB. A adesão de parte dos integrantes do “tenentismo”, dentre eles, o capitão Luiz Carlos Prestes, mudou o perfil da direção partidária bem como a orientação do partido em relação à realidade brasileira, sem abandonar a perspectiva de “revolução global” emanada da IC. É desse momento – outubro de 1935 –, a fracassada tentativa de tomada do poder por meio de uma insurreição armada, conduzida a partir dos quartéis. Depois disso, o PCB viveu a maior parte do tempo na ilegalidade, ascendendo à vida legal entre 1945 e 1947, quando participou da Assembleia Constituinte de 1946, com 14 representantes. Volta à ilegalidade no contexto da “guerra fria” e irá conquistar vida legal em 1985, apenas 7 anos antes do Congresso que oficialmente definiu o fim de sua trajetória.  

O PCB carregou, em toda sua história, uma “dupla alma” (Gildo Marçal Brandão), que entrelaçava a convicção de que fazia parte da revolução comunista mundial e a elaboração de uma estratégia de ação voltada para a transformação da realidade brasileira. A identidade do PCB guarda, portanto, uma dimensão de reprodução doutrinária do ideário comunista e outra dimensão de “tradutibilidade” com vistas à mediação desse ideário frente à realidade brasileira. O PCB participou dos esforços intelectuais que visavam à compreensão da realidade brasileira e foi um dos poucos partidos a oferecer uma leitura específica dessa realidade, com vistas à sua transformação. 

Bernardo Sorj*: Putin, Bolsonaro e certa esquerda

O Globo

Variedade de análises e de posturas perante os acontecimentos recentes no Leste Europeu é parte necessária da vida democrática. É de esperar que sejam bem fundamentadas e consequentes com os valores que defendem.

Diversos artigos de jornais e blogs de autores de esquerda explicam a invasão da Ucrânia como produto das exigências de segurança russa e da política imperialista americana.

Se o que está acontecendo no mundo contemporâneo for criticado em nome do pacifismo ou porque todos os implicados têm interesses mesquinhos, porque “tudo é uma grande sujeira”, como aparece em certa sensibilidade do senso comum, estaríamos perante um argumento sólido e moralmente aceitável.

Acontece que não é essa a postura de certos analistas “engajados”. Para eles, trata-se de atacar os Estados Unidos, responsável por manter uma ordem mundial imperial.

Certamente, a política externa americana está crivada de episódios inaceitáveis, que devem ser criticados. Igualmente, pode-se argumentar que a expansão da Otan para a Europa do Leste não foi adequada, que se poderiam ter procurado caminhos alternativos de aproximação com a Rússia.

Mas o núcleo duro está noutro lugar. Os Estados Unidos, apesar das várias brutalidades cometidas, protegem a ordem mundial do capitalismo democrático. Em face deles, apresentam-se dois discursos alternativos para o sistema internacional: o da potência em ascensão, a China, e o de outra potência militar, mas sem contrapartida econômica, a Rússia, que propõe uma ideologia autoritária de direita reacionária, que se apresenta como último baluarte dos “valores cristãos” diante do materialismo do Ocidente. O governo russo legalizou que as mulheres possam ser maltratadas pelos maridos, persegue os homossexuais, assassina seus oponentes, fecha organizações da sociedade civil e aprisiona os manifestantes que o criticam.

Marcus Pestana*: Não há mágicas, dinheiro não caí do céu

A política não é uma ciência. Na democracia, as decisões são compartilhadas, há mecanismos de controle, freios e contrapesos. A complexidade é muito maior. Inúmeras variáveis atuam.

O aprendizado histórico vai conformando o que poderia ser uma “ciência política”, ferramenta que ergue uma série de conceitos, categorias de análise, diretrizes, tipologias e métodos de previsão. Platão, Maquiavel, Rousseau, Tocqueville, Marx, Karl Popper, Gramsci, Bobbio, e tantos outros, tentaram construir uma boa teoria sobre a dinâmica política e seus desdobramentos. Mas o jogo político é sempre surpreendente. Múltiplos vetores atuam e a resultante nem sempre obedece a padrões de racionalidade razoáveis. A demagogia e o populismo fazem parte do jogo democrático.

Uma das questões mais difíceis de lidar na arena política é a percepção dos limites orçamentários do Estado, a noção de conflito distributivo presente nas decisões sobre gastos e impostos, os constrangimentos gerados pela irresponsabilidade fiscal. Há um mito reinante de que o Estado tudo pode. Se assim fosse, tudo ficaria mais fácil. É corrente no meio político a expressão “vontade política” que seria uma varinha mágica que resolveria todos os problemas.

Dora Kramer: Donos do poder

Revista Veja

O próximo presidente vai encontrar um Congresso empenhado em ser cada vez mais poderoso

Caciques dos partidos e respectivos candidatos à Câmara e ao Senado não escondem o jogo: estão mais interessados na eleição de deputados e senadores do que em investir nas candidaturas a presidente da República. Mesmo o PT, em sua dianteira até agora folgada, articula alianças de olho vivo e faro fino na execução do plano de reforço às tropas no Congresso.

Tanto é assim que as principais legendas resolveram colocar suas maiores estrelas na disputa por vagas no Parlamento. Normalmente o costume era deixar candidaturas de gente conhecida para os cargos de governador ou senador. Isso mudou quando os partidos decidiram direcionar o foco ao Legislativo, notadamente à Câmara. Governadores têm independência menor que parlamentares na relação com o Planalto.

A importância do Congresso se baseia em várias razões: o protagonismo da Casa na condução da agenda do país é uma; outra, a derrama de verbas públicas distribuídas de acordo com o tamanho das bancadas; e a terceira, a correlação de forças internas e externas, firmada a partir da fragilidade política do governo de Jair Bolsonaro. Fraqueza decorrente do erro original de visão — a ideia de que poderia contar com bancadas temáticas em detrimento das agremiações —, que o obrigou a optar pela entrega do controle da agenda do Planalto ao Poder Legislativo.

Ricardo Rangel: O Brasil na vanguarda do atraso

Revista Veja

A guerra no Leste Europeu revela onde Bolsonaro e Lula estão

Vladimir Putin fez uma agressão não provocada à Ucrânia, país soberano e pacífico. Mentiu que a Ucrânia não existe como Estado independente. Mentiu que o governo ucraniano é neonazista. Mentiu que seu objetivo é proteger os habitantes de Donbass (por que a Rússia está bombardeando Kiev, do outro lado do país?). Mentiu que foi uma ação para impedir que a Ucrânia entre para a Otan: não havia perspectiva de inclusão da Ucrânia. E, se fosse assim, por que Putin concordou com a entrada das repúblicas bálticas na Otan em 2004? E que argumento é esse de que se pode invadir um país soberano para impedi-lo de fazer acordos internacionais?

O mundo não comprou o lero-lero de Putin e repudiou em peso a invasão. No Brasil, entretanto, nada é simples. Os bolsonaristas ficaram confusos, sem saber se a Rússia é o monstro-­comunista-inimigo-da-civilização-cristã, como disse a máquina de fake news durante anos, ou se Putin é “conservador”, conforme Bolsonaro agora o descreve. Para complicar, Putin tem o apoio de outros monstros comunistas, como China, Cuba e Venezuela.

Marco Antonio Villa: Rússia, Ucrânia, e Bolsonaro no Guarujá

Revista IstoÉ

O processo de globalização unificou o mundo de tal forma que a aplicação de sanções terá impacto negativo em todas as principais economias

A invasão da Ucrânia por parte da Rússia abre um novo momento na história. Tivemos a Guerra Fria entre 1945 até a queda do muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. O fim do socialismo real na Europa Oriental, a desagregação da União Soviética em mais de uma dúzia de países e as transformações capitalistas na Rússia – e seu consequente enfraquecimento no jogo geopolítico-militar mundial – deram aos Estados Unidos o protagonismo único na nova ordem. A China, neste período, passava por radicais transformações econômicas e teve papel pouco significativo em questões militares, priorizando as relações econômicas com a África negra, a América Latina e algumas regiões da Ásia.

Carlos Alberto Sardenberg: A Rússia é culpada, sem adversativas

O Globo

Como não dá a menor atenção a questões ambientais, sociais e de sustentabilidade, o presidente Putin não percebeu a enorme mudança ocorrida nas corporações privadas ocidentais: a era da responsabilidade social. E, assim, cometeu o maior erro de cálculo de seu ataque à Ucrânia: não imaginou que as grandes multinacionais, envolvidas em negócios bilionários com o governo e empresas russas, pudessem aderir de maneira avassaladora às sanções contra o país.

Todas essas multinacionais estão perdendo muito dinheiro. A Embraer informou que não prestará mais assistência aos 30 aviões que voam na Rússia. Nem assistência técnica, nem fornecimento de peças. Logo, deixa de receber dólares por um serviço.

A BP simplesmente cancelou sua participação no capital de empresas petrolíferas russas — assimilando uma perda patrimonial de US$ 25 bilhões e perdendo acesso a importantes reservas de óleo e gás.

Por que fazem isso? Porque, no mundo corporativo contemporâneo, contam muito os valores éticos, a responsabilidade com o público e a sociedade.

Muita gente dizia que isso de ESG — environmental, social and governance — era puro marketing. Uma enganação para parecer politicamente correto. Mas o verdadeiro cancelamento que as multinacionais impuseram aos negócios com a Rússia teve efeitos devastadores. As ações das 11 maiores empresas russas listadas na Bolsa americana Dow Jones viraram pó. Uma queda de 98%!

Perderam riqueza empresas e pessoas russas, mas também empresas e pessoas do mundo ocidental.

Pablo Ortellado: Por que a postura de Bolsonaro sobre a Rússia é ambivalente?

O Globo

A leitora ou o leitor deve ter notado que a posição do governo Bolsonaro com relação à invasão russa à Ucrânia é para lá de ambivalente. De um lado, ele visitou Putin às vésperas da guerra e disse que era “solidário à Rússia”; depois, desautorizou o vice-presidente, que havia condenado a invasão; e, numa entrevista no domingo passado, disse que a posição do Brasil é de “neutralidade” e que as mortes de ucranianos não deveriam ser chamadas de “massacre”. De outro, o Brasil, que atualmente ocupa uma cadeira rotativa no Conselho de Segurança da ONU, apoiou resolução que condenava as “agressões” da Rússia e depois, novamente, apoiou resolução da Assembleia Geral que “deplora nos termos mais fortes a agressão da Rússia contra a Ucrânia”. Por que essa dualidade tão marcada entre as declarações do presidente e as posições oficiais do país?

Eduardo Affonso: Marinheiros ou ratos

O Globo

Não fosse a Argentina estar sob uma ditadura nos anos 1970, talvez Alfredo Astiz tivesse sido apenas mais um militar da Marinha — hoje na reserva, tomando mate com os amigos no Clube Naval. Não fossem o despudor e a corrupção dos governos petistas, talvez Jair Messias Bolsonaro continuasse a ser só um deputado do baixíssimo clero — hoje num churrasco com os filhos na Barra da Tijuca, contando piadas de quinta série e discutindo pequenos golpes contra o Erário. Mas havia uma ditadura no caminho de Astiz, e sua vocação se revelou: torturador e assassino. Havia um PT no caminho de Bolsonaro. A retórica o tirou do pelotão dos candidatos folclóricos, e uma facada o levou ao Palácio do Planalto.

Demétrio Magnoli: Na longa mesa de Putin

Folha de S. Paulo

Ultradireita e esquerda petista subordinam relações internacionais a preferências de natureza ideológica

Bolsonaro sentou-se à longa mesa de Putin para expressar "solidariedade" à Rússia, às vésperas da invasão da Ucrânia. Depois, quando as cidades ucranianas enfrentavam bombardeios, o Itamaraty conferiu substância à palavra do presidente. Simultaneamente, a bancada de senadores do PT reproduziu as cínicas justificativas do Kremlin para a guerra de agressão. Só ingênuos incorrigíveis ficaram surpresos.

A ultradireita brasileira cindiu-se em duas facções. Uma, autenticamente "olavista", posicionou-se contra a Rússia, devido à aliança entre o Kremlin e os odiados chineses. A outra, com a qual se perfilou Bolsonaro, escolheu o lado de Putin, curvando-se às simpatias de Trump e às estreitas ligações do líder russo com partidos da extrema direita europeia.

Cristina Serra: A Ucrânia e o PL anti-indígena

Folha de S. Paulo

O PL trata as terras dos povos originários como a última fronteira a ser derrubada

Governistas estão usando a guerra na Ucrânia e o possível desabastecimento de fertilizantes no Brasil como chantagem para acelerar a votação do projeto de lei 191/2020. Como se sabe, o projeto viola a Constituição ao permitir a mineração e o garimpo (entre outras atividades) em territórios indígenas.

A eventual escassez é mero pretexto para passar o rolo compressor sobre os direitos dos indígenas. Mesmo que o projeto seja aprovado na Câmara em regime de urgência, provavelmente a guerra já terá terminado quando a tramitação for concluída.

Uma importante contribuição para entender o que está em jogo é o relatório "Quem é quem no debate da mineração em terras indígenas", organizado pela historiadora Ana Carolina Reginatto e pelo geógrafo Luiz Jardim Wanderley.

João Gabriel de Lima: Putin, o Convidado de Pedra

O Estado de S. Paulo

Segundo Angela Merkel, o presidente russo é um líder do século 19 agindo no século 21

A melhor definição de Vladimir Putin foi dada por Angela Merkel, a ex-chanceler alemã. Segundo ela, o presidente russo é um líder do século 19 agindo no século 21, um nacionalista disposto a anexar Estados soberanos numa era de direito internacional e globalização. Merkel conhece bem Putin. Visitaram-se várias vezes enquanto coincidiram no poder, e conversavam sem intérprete – um é fluente na língua do outro.

Merkel nasceu na Alemanha Oriental. Escapou de um totalitarismo para liderar informalmente a União Europeia, um clube de democracias. Putin é um nostálgico da Rússia totalitária, mais a czarista que a comunista. Merkel era frequentemente dura com Putin. Ele respondia ora com flores, ora soltando na sala seu labrador Koni. Merkel tinha medo de cães, mas não demonstrava na frente de Putin. E colocava os galanteios machistas na conta do século 19.

Miguel Reale Júnior*: 'Fake news' nas eleições

O Estado de S. Paulo

Cabe ao Congresso Nacional, no combate à pirataria informativa, derrubar o veto presidencial ao artigo 359-O da lei que altera o Código Penal.

Em discurso de posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin foi enfático na defesa da lisura do processo eleitoral, cuja integridade cabe ser repetidamente proclamada, com total respeito ao escore das urnas.

Destaca o presidente do TSE o perigo das armadilhas da pirataria informativa que se vale do uso de robôs e de contas falsas para disparos em massa, levando a uma distorção sistemática da verdade.

Quais instrumentos legais estão previstos na legislação ou em vias de serem estatuídos para prevenir e reprimir atos ilícitos provocadores de acusações falsas a adversários ou que atingem a própria higidez do processo eleitoral?

Desde sua edição, em 1965, o Código Eleitoral consagrava o direito de resposta em face de declarações ofensivas à honra de candidato na propaganda eleitoral. Esse direito foi estendido, pela Lei n.º 9.504/97, também para o caso de afirmação sabidamente inverídica.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Sem retomada

Folha de S. Paulo

PIB recupera patamar pré-Covid, mas deve voltar ao padrão de quase estagnação

Com o avanço de 0,5% no quarto trimestre, a economia brasileira terminou o ano passado com crescimento de 4,6%, o suficiente para superar o nível de atividade de antes da pandemia. O resultado não altera a perspectiva pouco animadora para este 2022, que se tornou mais nebulosa com a eclosão da guerra na Ucrânia.

O desempenho melhor do final de 2021 se deveu à agropecuária e aos serviços, que já respondem à menor preocupação com a crise sanitária. Atividades mais dependentes do contato pessoal têm espaço para expansão nos próximos meses, mas há novos obstáculos.

O principal deles é o novo choque de inflação, concentrada em itens essenciais como alimentos e combustíveis, que retirará poder de compra da população. A retomada até aqui, ademais, se deu num contexto de piora de salários.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: O Cão sem plumas

 

Música | Roberta Sá - Quem te viu, quem te vê (Chico Buarque)