• Pezão e outros governadores apoiam tributo, desde que recebam recursos
• Proposta do governo prevê alíquota de 0,38% e cobrança por quatro anos. Objetivo é arrecadar R$ 84 bilhões anuais. Para especialistas, porém, volta do imposto do cheque provocaria mais inflação
O governo decidiu enviar ao Congresso na segunda-feira proposta para recriar a CPMF, que vigoraria por quatro anos com alíquota de 0,38%. A volta do imposto sobre transações bancárias sofreu duras críticas de parlamentares e empresários. O presidente do Senado, Renan Calheiros, disse que é “um tiro no pé”. Eduardo Cunha, da Câmara, também condenou. Para Paulo Skaf, da Fiesp, se for para subir impostos, o ministro Levy deveria “arrumar a mala e ir para casa”. Entidades repudiaram a proposta. O governo espera arrecadar R$ 84 bilhões, a serem divididos com estados e municípios. Com isso, conseguiu apoio de governadores como Pezão e do prefeito do Rio, Eduardo Paes.
Volta da CPMF abre polêmica
• Parlamentares e empresários repudiam medida, Governo quer arrecadar até R$ 84 bilhões
Martha Beck, Sérgio Fadul, André Souza, Júnia Gama, Fernanda Krakovics, Ronaldo D'Ercole - O Globo
BRASÍLIA e SÃO PAULO - A proposta de recriação da CPMF, o imposto do cheque, recebeu duras críticas no Congresso e do empresariado. Ainda assim, o governo vai insistir na ideia e deve encaminhar ao Congresso, já na próxima segunda-feira, um projeto de emenda constitucional (PEC) propondo a volta do tributo em caráter temporário, para vigorar quatro anos. A proposta, a ser enviada junto com o projeto de lei orçamentária de 2016, prevê alíquota de até 0,38%, percentual que era cobrada em 2007, quando a contribuição foi extinta.
Ao propor a divisão das receitas geradas pela CPMF com estados e municípios, o governo espera receber apoio dos governadores, e alguns já se manifestaram favoráveis à criação do tributo. A presidente Dilma Rousseff acionou ontem o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), para que organizasse um encontro com os outros oito governadores da região em Fortaleza. O encontro deve ocorrer em um jantar esta noite, depois de cumprida a agenda de Dilma no estado, que inclui a entrega de unidades do Minha Casa, Minha Vida.
Repaginada, a CPMF deve ganhar um novo nome: Contribuição Interfederativa da Saúde (SIS) e será destinada aos gastos com saúde. A ideia é arrecadar entre R$ 80 bilhões e R$ 84 bilhões por ano.
Para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aumentar tributos neste momento é um "tiro no pé”. Ele disse que o Brasil não está preparado para conviver com elevação da carga tributária.
— Tenho muita preocupação com criação de imposto, criação de imposto, criação de imposto — enfatizou Renan. — Não dá mais. Elevar novamente a carga tributária, mas com a economia em retração, não. É um tiro no pé, não é recomendável. O Brasil não está preparado para voltar a conviver com isso. Estamos numa crise econômica profunda e qualquer movimento nesta direção pode agravar a crise, aumentar desemprego e retração da economia.
Skaf diz que ideia é ridícula
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), também se posicionou contra a proposta. Para ele, nem quando o governo tinha uma base mais consistente e a economia mais forte, conseguiu aprovar a medida.
— É um tema negativo para o governo. O governo terá um desgaste neste debate de tal natureza, sem colher resultados, não sei se vale a pena para ele — afirmou.
Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), chamou de “ridícula” a ideia de recriar a CPMF.
— Se o ministro Levy não souber fazer nada além de aumentar impostos, é melhor ele arrumar a mala e ir para casa, porque assim vai levar o país ao caos — afirmou.
Segundo Skaf, não há ajuste fiscal que avance, se a economia estiver despencando:
—E o governo aumenta mais os juros com o argumento de que é para conter a demanda. Que demanda? O governo não está enxergando que a economia terá uma retração de quase 3%, que 1,5 milhão de pessoas vão perder o emprego, e o que precisa para aumentar a arrecadação é estimular a economia como fez a China.
Segundo fontes do governo, a recriação da CPMF foi articulada pelos ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Saúde, Arthur Chioro com a presidente Dilma Rousseff. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, preferia que o ajuste fosse feito pela redução de despesas. Levy vinha pressionando o Planejamento a fazer cortes mais duros. Técnicos da Fazenda chegaram a reclamar da elaboração de um Orçamento “preguiçoso”.
Chioro defendeu a criação de uma contribuição que garanta mais recursos para a saúde.
— O que a diferencia da CPMF é que é exclusiva para a saúde. Em segundo lugar, ela é interfederativa — afirmou o ministro.
A recriação da CPMF é uma bandeira do PT para financiar a saúde, sob a alegação de ser um imposto “limpo, transparente, não cumulativo e não regressivo”.
— Os governadores estão pressionados e sem recursos em caixa. Isso é uma situação vivida de norte a sul do país. Repartir uma eventual contribuição seria uma forma de garantir que esses governadores trabalhem para que os deputados de seus estados aceitem discutir a recriação da CPMF — afirmou um ministro ao GLOBO.
Ministros da coordenação política, por outro lado, consideraram um erro a volta do tributo no momento em que o governo enfrenta uma crise de governabilidade e a taxa de popularidade mais baixa da História. Essa ala do governo preferia que o Orçamento tivesse uma projeção de receitas maior, apostando em uma retomada do crescimento econômico, e que, depois, fosse feito um bloqueio de recursos.
— A dinâmica da política está sendo levada pouco em conta — disse um ministro.
Um terço do orçamento da saúde
A CPMF nasceu como uma contribuição para a saúde, mas depois passou a ser usada em outras áreas também. Ainda assim, o Ministério da Saúde sustenta que, entre 1997 e 2007, a CPMF representou um terço de seu orçamento. E em 2007, a pasta perdeu R$ 40 bilhões com a extinção da contribuição. Em 2015, caso a contribuição ainda existisse, o ministério informou que teria uma verba extra de R$ 80 bilhões.
De acordo com técnicos do governo, as receitas a serem geradas pela CPMF ajudam a resolver a maior parte do rombo do Orçamento do ano que vem. Não significa, no entanto, que não será preciso fazer cortes significativos na proposta. Isso porque, no ano que vem, o esforço fiscal previsto é de 0,7% do PIB, bem superior ao 0,15% de 2015.
— Tem de ser mantido o esforço pela qualidade do gasto — disse um integrante da equipe econômica.