Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 25 de março de 2021
Merval Pereira - O piloto sumiu
Malu Gaspar - Sua excelência, o fato
Quando
os historiadores do futuro olharem para os tempos atuais, possivelmente
encontrarão na terceira semana de março de 2021 um bom roteiro para entender
como chegamos ao ponto em que estamos. Na terça-feira à noite, Jair Bolsonaro
fez um pronunciamento em que, sem nenhum pudor, tentou reescrever a história de
como sabotou quanto pôde as iniciativas de negociação e compra de vacinas para
a prevenção da Covid-19.
No
mesmo dia, do lado oposto da Praça dos Três Poderes, a decisão do Supremo que
concluiu pela parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, no caso de Lula, fez brotar
na outra ponta do espectro político a narrativa que tenta editar a realidade,
apagando a corrupção comprovada e confessada à exaustão.
De
formas diferentes, os dois episódios dizem muito sobre o que nos tornamos.
Bolsonaro declarou que sempre considerou o vírus um grande desafio, pensando talvez que alguma lavagem cerebral vá apagar da mente dos brasileiros a expressão “gripezinha”. Recitou sempre ter afirmado que compraria qualquer vacina aprovada pela Anvisa, quando estão amplamente registrados, em vídeos, tuítes e discursos, seu desprezo pela vacinação e as repetidas afirmações de que não compraria a “vacina chinesa do Doria” — sem contar sua mania de sugerir que vacinas têm efeitos danosos à saúde.
Míriam Leitão - O presidente busca um álibi
Trezentos
mil mortos são uma derrota coletiva tão avassaladora que o país não sabe mais
medir, não tem palavras para qualificar. Existe apenas esse luto sobre nós, dia
após dia. O que o presidente Bolsonaro fez ontem foi pouco, tarde e enganoso.
Ele busca um álibi. Tenta montar uma rota de fuga e chamou quem pode lhe dar
cobertura. Convidou apenas os governadores que lhe são próximos. Não convidou o
Butantan e a Fiocruz. Os presidentes da Câmara e do Senado podem estar
sinceramente envolvidos na missão, o novo ministro pode melhorar o clima no
governo, mas a verdade é que o presidente jamais vai liderar um bom plano de
coordenação da crise. Porque ele não quer e não sabe.
A reunião de ontem no Planalto foi excludente. Bolsonaro escolheu a dedo os coadjuvantes do seu teatro. Não estava sendo sincero quando disse: “a vida em primeiro lugar”. E isso é possível garantir com base em todas declarações feitas durante um ano inteiro.
Luiz Carlos Azedo - Sinistro, 300 mil mortos
A falta
de imunizantes é atribuída ao negacionismo do presidente da República e às
trapalhadas do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello
Com
mais 100 mil mortes em menos de três meses, a covid-19 bateu a marca sinistra
de 300 mil óbitos no Brasil. A crônica das causas desta tragédia está escrita
nas lives, nas entrevistas do Palácio da Alvorada e nos posts do presidente
Jair Bolsonaro nas redes sociais. O mais dramático é que a escala de
transmissão da doença, a partir desse patamar, continua maior do que a
capacidade de contenção da pandemia, com o ritmo atual de imunização da
população, que está muito atrasada. A falta de imunizantes é atribuída ao
negacionismo do presidente da República e às trapalhadas do ex-ministro da Saúde
Eduardo Pazuello.
No mesmo dia em que essa marca foi atingida, uma reunião do presidente Jair Bolsonaro com os demais chefes dos Poderes da República, da qual participaram, também, alguns ministros, constituiu um comitê para coordenar as ações contra a pandemia, liderado pelo senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso. Entretanto, o que era para ser uma virada no combate à pandemia logo caiu no descrédito, no decorrer do dia, por causa das declarações de Bolsonaro no próprio encontro e do fato de os governadores e os prefeitos não estarem representados no comitê. O primeiro a reagir foi o governador João Doria (PSDB), ao dizer que São Paulo não estava representado.
Ricardo Noblat - Tudo mais ou menos como dantes no quartel do ex-capitão
E segue o baile
É
tal o desejo de aliados e adversários do presidente Jair Bolsonaro de que ele
arregace as mangas e de fato comece a combater a pandemia da Covid que qualquer
gesto seu nesse sentido é lido como um sinal de mudança de comportamento. Doce
ilusão…
Impossível
que ele não tenha se dado conta do que ocorreu. Nos últimos 75 dias, o número
de mortos saltou de 200 mil para pouco mais de 300 mil. A cifra é maior do que
a população de 98,3% dos 5. 568 municípios brasileiros. O vírus só faz
acelerar.
No
dia que Bolsonaro anunciou, com atraso de um ano, a formação de um gabinete de
crise, o que se viu? Ele só convidou para a reunião seis dos 27 governadores de
Estados, cinco deles bolsonaristas assumidos, um independente de mentirinha.
Cadê os prefeitos? Não convidou nenhum. E representantes do Conselho Nacional de Secretários da Saúde? Nenhum. E autoridades médicas? Nenhuma. Empresários de renome? Nenhum. Mas a ideia não era a de um pacto nacional?
Maria Cristina Fernandes - O guizo em busca do pescoço de Bolsonaro
Congresso
busca responsabilizar Bolsonaro
Contra
a armadilha montada por Jair Bolsonaro na reunião de ontem no Palácio do
Planalto, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo
Pacheco (DEM-MG), exigiram o nome do presidente da República no topo do comitê
anunciado para a gestão da pandemia. Trata-se da garantia contra uma investida
do tipo: “Tentei, montei até um comitê que não resolveu nada, talquei?” Um
comitê do gênero foi tentado na primeira minuta da chamada PEC do Orçamento de
guerra, a primeira proposta de emenda constitucional aprovada no início da
pandemia em 2020. À época, Bolsonaro o recusou porque temia a tutela do
Congresso. Desta vez, o presidente parece não ter alternativa senão colocar o
pescoço no guizo.
A
queda de braço em torno desta responsabilidade marcou a reunião a portas
fechadas e também a cena que se seguiu, ante as câmeras. Lá dentro, Rodrigo
Pacheco cobrou que Bolsonaro liderasse o comitê. Na coletiva, como o presidente
disse que Pacheco faria a coordenação junto a governadores e que este comitê se
reuniria toda semana com “autoridades”, Pacheco achou por bem citá-lo no topo
desta estrutura a ser criada. E ainda acrescentou: “Trata-se de um pacto
nacional liderado por quem a sociedade espera que lidere que é o senhor
presidente da República (...) Fiquei incumbido de ouvir as demandas de todos os
governadores e trazer para este comitê”.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, foi na mesma linha, repetitivo: “Que tenhamos rumos coordenados pelo presidente da República, responsável pela coordenação”. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que estava presente à reunião, mas não participará do comitê, falou a palavra mágica. Nada funcionará sem o “exemplo”. Só faltou completar: do presidente da República, aquele que, minutos antes, insistira em citar o “tratamento precoce”, a cargo do Ministério da Saúde e em respeito ao “direito do médico”.
William Waack - Elites revoltadas
Está
evidente o divórcio entre setores de peso das elites econômicas e o presidente
“Essa barca já foi”, diz empresário de peso,
engajado em política, sobre o apoio de colegas ao presidente Jair Bolsonaro. Uma parte relevante da
elite industrial, do setor financeiro, serviços e até varejo considera inútil
esperar mudanças de conduta de Bolsonaro em relação ao combate à pandemia e à
economia. Essa postura ficou escancarada com a adesão desses setores, com
destaque para o financeiro, a um manifesto político batizado de “carta dos
economistas”.
Para onde vão com a barca, que é conduzida por grupos informais de WhatsApp, ainda é uma incógnita. Neste momento, quem se disporiam a apoiar é um porto desconhecido para os próprios empresários, integrantes de uma elite que abraçou entusiasmada a derrocada do PT e a eleição de Bolsonaro em 2018 e hoje se considera profundamente decepcionada. Esse estado de espírito está se propagando e já chegou a setores do agronegócio – lembrando que a candidatura de Bolsonaro cresceu no arco próspero produtor de grãos e proteínas antes de se transformar em fenômeno em grandes centros urbanos.
José Pastore* - Como melhorar o auxílio emergencial
Ajuda paga pelo governo tem de ser capaz de manter as pessoas vivas, em casa e longe do vírus
Mal
saiu a Medida Provisória 1.039 para surgirem dezenas de críticas aos valores do
novo auxílio emergencial (R$
150,00, R$ 250,00 e R$ 375,00). Afinal, qual é o valor ideal para enfrentar a
devastadora pandemia?
De
um lado, o auxílio tem de ficar dentro das possibilidades de gasto do governo
que, no caso, foi fixado constitucionalmente em R$ 44 bilhões. De outro lado,
tem de ser capaz de manter as pessoas vivas, em casa e longe do vírus.
Acertar
esse valor é um enorme desafio. Muitos dizem que, em 2020, houve exagero no valor
que custou ao erário R$ 50 bilhões por mês. Mas, do ponto de vista sanitário,
foi um grande acerto, pois conseguiu manter muita gente isolada por bons meses,
reduzindo a chance de contágio e de morte.
Hoje, com a variante P.1, estamos diante de uma ameaça mais perigosa e com um auxílio emergencial menor. O número dos que terão de sair de casa para buscar alguma renda deve aumentar, gerando, assim, mais doentes e mais mortos. Todavia, em lugar de especular, é melhor buscar soluções.
José Serra* - Solidariedade pelo bem comum
Todos
podemos praticar ações que salvam vidas e interrompem a loteria perversa da
covid-19
Estamos
no fim de março de 2021, no pior momento da crise sanitária da covid-19, com o
sistema de saúde, público e privado, em colapso em todo o Brasil. Milhares de
famílias se enlutam diariamente e os que sobrevivem temem pela incerteza de
encontrar leitos para eventual tratamento. E mesmo encontrando leito, não
encontrar as medicações básicas necessárias.
Estamos
sofrendo uma tragédia que somente pode ser mitigada quebrando o contágio
exponencial do novo coronavírus. Já deveríamos ter impedido que se chegasse a
este ponto de colapso, mas sempre há tempo para fazer a coisa certa.
Quanto
maior o número de contágios, maiores serão as possibilidades de desenvolvermos
novas variantes do vírus. O Brasil tem clima úmido e temperado, com fauna
silvestre em contato com o homem, ambiente propício ao surgimento de variantes,
como a de Manaus.
A evolução viral normalmente encontra três possíveis equilíbrios, todos com repercussões e impactos próprios. Existem vírus altamente contagiosos, porém brandos, que induzem rapidamente a imunidade de rebanho, extinguindo o surto. A maioria das gripes toma esse curso e o próprio coronavírus, originalmente, parecia ter essa característica.
Eugênio Bucci* - O preço do tal ‘mercado’
Precisaremos
de mais 300 mil defuntos para que diga o que precisa ser dito, fora Bolsonaro?
À parte a declaração da parcialidade do juiz Sergio Moro no caso de Lula, o que se deu em turbinadíssima sessão da Segunda Turma do Supremo, anteontem, em clima de final de BBB (as transmissões da TV Justiça têm o andamento de um reality show de mau gosto, uma espécie de circo de gladiadores em que os esquartejamentos são verbais e os leões esfaimados vestem toga); à parte o discurso do mitômano, também anteontem, tentando reescrever a história da pandemia no Brasil à moda do Big Brother de George Orwell; à parte termos ultrapassado o marco dos 3 mil cadáveres por dia, em curva vertical, a semana transcorreria monótona. Acontece que, além disso, daquilo e daquilo outro, tivemos a momentosa carta aberta de banqueiros, economistas e empresários que, sem citar o nome do mitômano, cobra dele uma conduta menos psicopática (sem usar esse termo também) no enfrentamento da pandemia.
Para Doria, pronunciamento de Bolsonaro foi disfarce para enganar o país
Everton
Lopes / Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse que a mudança de tom do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no pronunciamento feito pela TV na noite da terça-feira (23), quando passou a defender a vacinação em massa para a população, foi um disfarce para enganar o país.
Doria
disse que o Bolsonaro faz um pacto com a morte. "É o que ele está
acostumado a fazer ao propor cloroquina, não defender vacinas, não usar
máscaras, estimular aglomerações e fazer um disfarce, como fez ontem [terça] no
seu pronunciamento à nação. Foi um disfarce para enganar o país. Ali está o
retrato de um mentiroso", disse o governador.
"O
presidente não só foi um negacionista desde o início da pandemia, como também
não tem coordenação nacional, nem por ele nem pelo Ministério da Saúde",
afirmou.
Nesta
quarta-feira (24), Bolsonaro fez uma reunião com governadores para discutir
medidas de combate à pandemia no país. Doria, que não foi convidado para o
evento, criticou a ação do presidente.
"Fazer um pacto de união nacional apenas com os que adulam e apoiam o presidente é um jogo de cena, e disso não participo. Lamentamos que o presidente chame isso de pacto nacional", afirmou.
Crise da pandemia acentua dependência de governador do Rio ao clã Bolsonaro
Sob
pressão do presidente, com quem troca mensagens até de madrugada, Cláudio
Castro resiste a adotar medidas mais duras
Ana
Luiza Albuquerque, Catia Seabra / Folha de S. Paulo
RIO DE JANEIRO - Sob pressão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de quem recebe mensagens via WhatsApp inclusive durante a madrugada, o governador interino do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), resistiu nos últimos dias a adotar restrições mais duras contra o recrudescimento da pandemia do novo coronavírus.
A
resistência à suspensão de atividades em setores não essenciais, como bares e
restaurantes, colocou o governador em conflito com o prefeito da capital,
Eduardo Paes (DEM), que
tentava consenso no estado para a adoção das medidas, recomendadas por
especialistas.
A
divergência tornou-se pública nas redes sociais nesta segunda-feira (22). Além
da objeção do presidente, reafirmada por Bolsonaro em um telefonema na tarde
desta segunda-feira, Castro também se rendeu aos apelos do setor produtivo
fluminense, que divulgou nota contrária ao fechamento do comércio.
Se
Castro já havia começado seu governo em dívida com clã
Bolsonaro para garantir sustentação à sua administração, a dependência
aumentou com a mais recente pressão
sobre o sistema de saúde.
Nesta segunda-feira, o Rio de Janeiro tinha 85% dos leitos de UTI da rede SUS ocupados. Castro quer que essa demonstração de lealdade seja recompensada com a abertura de leitos inativos em hospitais federais e obtenção de auxílio para contratação de pessoal.
Carlos Melo*, Eugênio Bucci** - Não haverá terceiro nome em 2022 se Lula se fortalecer no centro
-
Folha de S. Paulo
Antiga polarização PT-PSDB precisa ser superada para construir uma frente com olho no futuro
Autores
sustentam que, com o extremismo
antidemocrático de Jair Bolsonaro, nenhuma força política está à direita do
governo. No novo tabuleiro político, PT e PSDB têm hoje mais identidades que
arestas entre si.
Desde
o final da ditadura militar, nós nos acostumamos a pensar
a política no Brasil como um pêndulo entre polos acomodados no PT e no PSDB.
O
primeiro nasceu da confluência entre o movimento sindical dos anos 1970, a base
radicalizada da Igreja Católica e as organizações clandestinas que se opunham
aos militares. Convencionou-se chamá-lo de esquerda.
O
segundo surgiu de um racha do velho MDB, autodeclarando-se social-democrata.
Com o tempo, aliou-se a próceres civis do regime autoritário, e, sobretudo após
o ocaso do malufismo, no início dos anos 2.000, assumiu o posto da
centro-direita.
Nessa
gangorra desengonçada se escondia um indefinível ponto de equilíbrio. O
eleitorado tendia ora para um lado, ora para outro, em oscilações que davam a
impressão de que o dilema do poder no Brasil se resumia a escolher entre esses
polos.
Sendo
ambos gerados no campo da democracia, a polarização se dava em torno de
divergências naturais em relação à política econômica ou à abrangência de
políticas públicas. Acreditávamos que a alternância entre os dois fortaleceria
os acertos e corrigiria os erros de cada um.
Em
2013, isso começou a mudar: havia nas ruas algo descolado da velha
dicotomia PT-PSDB e seus satélites costumeiros. Do asfalto tomado pelas
multidões, aflorou uma crítica feroz ao Estado —de resto, ineficiente.
Logo
percebemos que o atraso, a treva e a selva desfilavam nas passeatas, ao lado de
milhões de pessoas de boa fé. Em algumas das vertentes projetadas por 2013, o
propósito parecia pender para a eliminação do Estado, ao invés de apostar em
aperfeiçoamentos institucionais. Exumadas das profundezas da história
patriarcal e escravagista, vozes cavernosas passaram a clamar por tirania e
intervenção militar.
À
primeira vista, o brado reacionário parecia folclórico, algo caricato, mas logo
se viu que o pesadelo tinha vindo para ficar e falava sério. Em 2016, no impeachment
casuístico de Dilma Rousseff, a extrema direita mais furibunda mostrou a
cara por inteiro. O moralismo de fundo religioso, a violência policial, as
milícias semiclandestinas e os piores ícones do regime militar deram então de
assombrar a opinião pública e o Congresso Nacional.
O vazio de liderança política e a dissonância social pariram Jair Bolsonaro. A eleição de 2018 destampou o esgoto. O autoritarismo atroz, primário e regressivo saiu dos porões pretéritos para se instalar no Palácio do Planalto atual. A trágica reviravolta se consumou: PT e PSDB foram empurrados para o canto da sala e, desde então, não mais polarizam as corridas eleitorais.
Maria Hermínia Tavares* - O governo perdendo gás a olhos vistos
-
Folha de S. Paulo
A carta
aberta de economistas, banqueiros e empresários cobrando medidas de combate
à pandemia é importante por mais de um motivo.
Primeiro,
por suas propostas tão simples quanto urgentes: acelerar o ritmo da vacinação;
incentivar o uso de máscaras; implementar medidas de distanciamento social de
acordo com necessidades e possibilidades definidas em nível local; criar
mecanismos de coordenação de âmbito nacional; e manter medidas de apoio à
população mais vulnerável e às pequenas e médias empresas enquanto durar a
emergência.
Depois, porque suas quatro parcimoniosas recomendações foram capazes de juntar pessoas com opiniões heterogêneas quanto ao melhor rumo para a economia. Uma vitória da demanda por sensatez sobre a demanda por mágica, nas palavras do economista Gustavo Franco, um dos mais de 1.500 subscritores do documento, em questão de dias.
Bruno Boghossian – 300 mil mortes depois
Sem frear Bolsonaro, 'pacto nacional' interessa mais a ele do que ao país
Parecia
que o coronavírus tinha acabado de chegar ao Brasil. Numa
encenação solene, Jair Bolsonaro e outros chefes políticos se reuniram para
pedir harmonia e prometer um esforço conjunto no combate à pandemia. A
iniciativa chegou depois de 300 mil mortes, e ninguém foi capaz de apontar o
dedo para os principais responsáveis pelo atraso.
Bolsonaro
anunciou um comitê que se reunirá toda semana e que pode "redirecionar o
rumo do combate ao coronavírus". O presidente do Senado falou num
"pacto nacional" liderado pelo Planalto, e o presidente da Câmara
cobrou "uma única orientação nacional", segundo diretrizes do
Ministério da Saúde.
Mudar o caminho do enfrentamento à pandemia, liderar esse trabalho e seguir as orientações das autoridades de saúde foi tudo o que Bolsonaro se recusou a fazer nas últimas 54 semanas. A doença está aí há mais de um ano, já existem vacinas, e os protocolos para conter a catástrofe foram testados. Quando teve oportunidade, o presidente empurrou o país pelo caminho errado.
Gabriela Prioli - Bolsonaro não mudou de tom
Quantas
vidas perdidas a cada vez que o Congresso dá a última chance a Bolsonaro?
Há
alguém que, baseado no que vimos no pronunciamento de terça (23), acredite de fato
que Bolsonaro mudou sua concepção sobre o vírus? Que me perdoem os ingênuos,
mas crer que o caos que vivemos seja causado pela nova variante do vírus é o
mesmo que dizer que o que tínhamos desde o começo de 2020 era só gripezinha. O
risco não surgiu agora, ele existe há mais de um ano. Variantes são
consequência do descontrole —agravado pelo discurso e pelas ações do
presidente—, não o inverso.
Bolsonaro mente sobre a vacina. Divulga dados sobre doses de vacina em números absolutos para mentir sobre o fracasso dos números relativos. Seu fracasso. Não mudou de tom: aproveitou-se da falta de conhecimento das pessoas sobre método científico e estatística para recomendar a cloroquina e também quando usou gráficos de bancos de imagem para divulgar, sem dados, "resultados de pesquisas".
Mariliz Pereira Jorge - Bolsonaro descobriu a pandemia
E
mentiu para a população e a si mesmo ao contrariar suas próprias crenças
Um
ano depois, Bolsonaro descobriu que o Brasil está mergulhado numa pandemia.
Vestiu o terno, penteou o cabelo, baixou o tom de voz e por pouco mais de três
minutos controlou o autoritário que vive dentro dele e mentiu. Não que
mentir seja novidade. Mentiu para a população e para si mesmo ao contrariar
suas próprias crenças.
Um ano depois, o governo Bolsonaro vai criar um comitê para coordenar ações contra a Covid em conjunto com o Congresso e o Judiciário, e também com governadores, acusados pelo presidente de serem os culpados pela tragédia na gestão da crise. O clima parece ótimo. Nesta segunda-feira (22), o ministro do STF Marco Aurélio negou ação do presidente para derrubar as medidas de restrição de circulação adotadas por estados e municípios.
Vinicius Torres Freire – A tentativa de depor Bolsonaro na Saúde
Comitê
tenta depor presidente do governo da epidemia, mas mortos-vivos mordem e matam
O comitê
de combate à epidemia pode dar algum resultado apenas se Jair
Bolsonaro renunciar ao comando da Saúde e à propaganda criminosa contra os
esforços de controle da Covid-19. Ainda que se retire e se cale, falta saber se
o comando do Congresso e Marcelo
Queiroga, novo ministro da Saúde, vão apertar o laço de Bolsonaro o
bastante para mantê-lo preso e a distância nesse novo “parlamentarismo branco”.
Há
sinais de contemporização, de pequenas mordidas e grandes assopros. Arthur Lira
(PP-AL), presidente da Câmara fez
na noite de quarta-feira um discurso em que explicita os termos do
acordo com Bolsonaro: vai se evitar a escalada que pode terminar em conflito
aberto ou com a degola, mas o presidente precisa se colocar no seu lugar. Em 78
linhas, cerca de 65 são de palavras como “também não é justo descarregar toda a
culpa de tudo no governo federal ou no presidente. Precisamos ... de alma leve,
abrir nossos corações e buscar a união de todos”. Outras 13 têm termos como
“remédios políticos no parlamento”, “todos amargos”, “alguns fatais”.
Qualquer tolerância com bolsonarices já será uma rendição, uma farsa completa. Farsa existe, pois o arranjo do comitê é um aditivo do acordo geral centrão-Bolsonaro.
Fernando Schüler – Invisíveis
A
desigualdade é 'funcional' no Brasil, e isso vem travando as políticas de
isolamento
Ele
trabalha na segurança do prédio. Está sempre lá, cedo de manhã, o João. Nunca soube
de onde ele vem e como chega até aqui. Um dia perguntei. “Pego
um ônibus, embarco no metrô e depois caminho um pedaço de Moema pra
chegar aqui.”
Me
lembrei do João quando vi um comunicador reclamando que a cidade andava “quase
normal”, no
meio da pandemia, com o transporte lotado e tal. Perguntei de onde as
pessoas imaginam que surgem os entregadores de pizza, diaristas, motoristas,
frentistas e porteiros que atendem o andar de cima, silenciosamente, todos os
dias?
Alguém me disse que a pergunta era inconveniente e podia servir de boicote às medidas de isolamento. Era melhor manter essa coisa meio “invisível”. Achei curioso. Naquela visão, devíamos fingir que o problema não existia, ou quem sabe nem bem aquelas pessoas todas existiam. E irmos pra cama tranquilos depois de um filme na Netflix.
Ribamar Oliveira - Assim é fácil cumprir o teto de gastos, ministro!
Guedes
deixou o Congresso votar um orçamento fictício
A
equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, informou que as despesas da proposta
orçamentária para 2021, que o governo enviou ao Congresso em agosto do ano
passado, estão completamente desatualizadas. E que, para o Orçamento ficar
dentro do teto de gastos, será necessário realizar um corte de R$ 17,57 bilhões
na proposta que deverá ser votada hoje pelos parlamentares. Os dados estão no
relatório de avaliação de despesas e receitas do primeiro bimestre deste ano,
divulgado segunda-feira.
O
que surpreendeu a todos foi que Guedes não avisou, formalmente, ao relator da
proposta orçamentária, senador Marcio Bittar (MDB-AC), sobre a nova realidade
dos números, antes que o parlamentar apresentasse o seu parecer final para ser
votado, o que aconteceu também na segunda-feira. Assim, o país foi informado,
por meio do relatório bimestral, que o parecer de Bittar é uma peça de ficção,
pois projeta receitas e despesas para este ano completamente irreais.
A questão que está colocada é saber por que Guedes não pediu ao presidente que enviasse ao Congresso uma mensagem modificativa do projeto de lei orçamentária deste ano, pois todos os parâmetros macroeconômicos que deram origem a ele foram substancialmente alterados. Tempo ele tinha para fazer isso, pois a Constituição estabelece que o presidente pode solicitar mudanças no projeto enquanto não iniciada a votação, na Comissão Mista de Orçamento (CMO), da parte cuja alteração é proposta. Somente em fevereiro, a CMO foi instalada e, no dia 3 de março, Bittar apresentou o seu relatório preliminar.
Luiz Roberto Nascimento Silva - Vacina contra fake News
Os limites aos excessos das Big Techs têm sido dados em duas frentes. Nos Estados Unidos, pelo Executivo, pela abertura de processos antitruste com base na legislação existente, como a Lei Sherman. Na União Europeia, pelo Legislativo, com leis já em vigor e projetos caminhando em vários países. Obrigam que as plataformas digitais remunerem as empresas jornalísticas. A revolução digital causou impactos graves na imprensa tradicional. Alguns grandes jornais conseguiram fazer a transição para uma mídia digital paralela à mídia impressa. Os jornais regionais foram extremamente enxugados, a ponto de desaparecerem.
Na Austrália, no Canadá e na Alemanha, surgem leis que obrigam Google e Facebook a pagar pelo conteúdo que retiram gratuitamente dos jornais. Os jornais investem na apuração das informações, seguem padrões editoriais, têm custos para manter esse jornalismo investigativo e constatam que isso é sugado sem qualquer contrapartida pelas redes sociais. A Austrália saiu na frente, com uma lei que obriga as plataformas digitais a remunerar a mídia e editoras que tenham seu conteúdo vinculado em feeds de notícias ou resultados de busca. Facebook e Google terão que compartilhar com elas suas receitas publicitárias. As Big Techs começaram a negociar com outros veículos, temendo as regulações que se sucedem. No Reino Unido e na França, ambos fizeram vultosos acordos financeiros com os jornais.
Cora Rónai – Ser humano em situação de Brasil
O
ser humano em situação de Brasil prevê o dinheiro recuperado sendo devolvido
aos ladrões, vai para um canto, cobre a cabeça de cinzas e chora
O
ser humano em situação de Brasil não tem paz. O ser humano em situação de
Brasil quer espairecer, quer tocar a vida, quer maratonar séries e acompanhar o
Big Brother, quer contar gracinhas dos seus gatos e conversar abobrinhas, quer
ser cronista de miudezas, mas a situação de Brasil se impõe sobre todo o resto.
Dá para ignorar a decisão da Segunda Turma do STF? Não, não dá. O ser humano em situação de Brasil precisa perder a tarde em frente à televisão assistindo a uma sessão do Supremo, coisa que nenhum ser humano em circunstâncias normais jamais precisaria fazer em qualquer outra parte do mundo, a menos que se especializasse em Direito e achasse tudo aquilo fascinante.
300 mil vidas perdidas – Opinião / O Globo
As
300 mil vidas perdidas para a Covid-19 no país representam aproximadamente 23%
da média anual de mortes antes da pandemia. Grosso modo, de cada cinco mortos
no último ano, um estaria vivo não fosse o ambiente hospitaleiro que o vírus
encontrou entre nós. Viramos um assumido pária mundial, epicentro da Covid-19 e
ameaça sanitária ao planeta.
A história poderia ter sido outra? Certamente. O governo Jair Bolsonaro escreveu de próprio punho cada capítulo do roteiro macabro que nos impôs um luto sem data para terminar. Nada foi por acaso. Em 28 de março do ano passado, quando o país contava apenas 114 mortos pela Covid-19, o presidente foi alertado pelo então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para a gravidade da pandemia e seus efeitos devastadores. Na época, a pior projeção previa 180 mil mortos, caso não fossem tomadas as medidas necessárias. Àquela altura, era plenamente possível evitar o pior. Bolsonaro ignorou o alerta. Continuou agindo como sempre: desprezou máscaras, provocou aglomerações, atacou medidas de isolamento social decretadas por governadores e prefeitos, menosprezou a pandemia — era “só uma gripezinha” — e desdenhou as mortes que não paravam de crescer. Ressoa até hoje seu indiferente “e daí?” diante da tragédia.
O presidente improvisado – Opinião / O Estado de S. Paulo
Jair Bolsonaro agora quer convencer os brasileiros de que é presidente da República, e não o irresponsável que todos conhecem. Esse novo personagem se apresentou ao País em cadeia nacional de TV, na terça-feira à noite, e numa reunião com governadores e dirigentes do Congresso e do Judiciário para tratar da pandemia de covid-19, no dia seguinte.
Bolsonaro
vestiu um mal-ajambrado figurino de estadista nas últimas horas não porque,
subitamente, passou a se preocupar com o padecimento de seus concidadãos, e sim
porque a queda acentuada de sua popularidade, em razão de sua desastrosa
administração da crise, ameaça sua reeleição.
Cobrado
pelos líderes políticos que ainda o apoiam, mas que já começam a mostrar
impaciência com seu talento para criar tumulto em vez de governar, Bolsonaro
viu-se na contingência de se mostrar mais comedido e até disposto a defender a
vacinação e a colaboração para o combate à pandemia.
Os panelaços que acompanharam o pronunciamento de Bolsonaro na TV mostram que os espectadores não se deixaram convencer por esse presidente improvisado. Pudera.
Sob pressão - Opinião / Folha de S. Paulo
Após
idas e vindas, o presidente Jair Bolsonaro enfim decidiu-se
a falar ao país, em cadeia de rádio e TV, sobre a fase dizimadora da
pandemia de Covid-19 que enluta os brasileiros. Adotou tom comedido, expressou
compaixão com as vítimas e prometeu prioridade ao avanço da vacinação.
Pareceria
um discurso digno de um chefe de Estado, não fossem as lorotas sobre os feitos
de sua administração na crise e, principalmente, a enorme discrepância entre o
desvelo retórico dedicado à tragédia e a prática negacionista, negligente e
sabotadora que exibe diariamente desde o ano passado.
Não foi a primeira vez, recorde-se, que Bolsonaro buscou a sensatez em um pronunciamento à nação. Em 31 de março de 2020, anunciou que o enfrentamento da epidemia representava “o maior desafio de nossa geração” —apenas para, em questão de horas, voltar a pregar contra o distanciamento social e a espalhar notícias falsas.
Poesia | Ferreira Gullar – O partido
Eles eram poucos.
E
nem puderam cantar muito alto a Internacional.
Naquela
casa de Niterói em 1922.
Mas
cantaram e fundaram o partido.
Eles
eram apenas nove, o jornalista Atrogildo, o contador Cordeiro, o gráfico
Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro Luís Peres, os alfaiates Cendon
e Barbosa, o ferroviário Hermogênio.
E
ainda o barbeiro Nequete, que citava Lênin a três por dois.
Em
todo o país eles eram mais de setenta.
Sabiam
pouco de marxismo, mas tinham sede de justiça e estavam dispostos a lutar por
ela.
Faz
sessenta anos que isso aconteceu, o PCB não se tornou o maior partido do
ocidente, nem mesmo do Brasil.
Mas
quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele.
Ou
estará mentindo.