domingo, 26 de setembro de 2021

Merval Pereira - O desejo de mudança

O Globo

Diz-se que em política existem dois fatos: o novo e o consumado. Não temos fato consumado ainda na corrida presidencial, embora a polarização entre Bolsonaro e Lula seja uma forte possibilidade. Mas o fato novo pode ser o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite”. Mesmo que recebida com ceticismo, a análise da consultoria Eurasia indicando que ele pode ganhar as prévias do PSDB trouxe ao debate político a única novidade no campo da eleição presidencial do ano que vem. Uma novidade que poderá dar mais força à tese da terceira via.

Derrotando o governador João Doria dentro da máquina partidária que em teoria ele controla, Leite indicaria um desejo de renovação no PSDB, apesar de Doria também ser uma novidade na política paulista, onde surgiu em 2017 vencendo a eleição para prefeito de São Paulo. Leite, porém, tem apenas 36 anos e, embora tenha sido vereador em Pelotas com 26 anos, não está  marcado pela prática da velha política como seus eventuais concorrentes.

Paulo Sérgio Pinheiro* - Reconstrução de direitos

O Globo

O atual presidente da República sempre foi contrário aos direitos humanos. Atacou-os repetidamente durante seus vários mandatos como deputado federal e durante a campanha eleitoral para a Presidência. Para além de ações mais visíveis, tais como seus discursos de ódio e suas tentativas de mobilizar apoiadores de um golpe para botar abaixo a democracia constitucional, seu governo promove antipolíticas de direitos humanos.

Estas são implementadas de diversas formas: por meio de mudanças legais, fechamento de órgãos e colegiados, cortes orçamentários, nomeação de dirigentes ineptos com posições hostis ao funcionamento de conselhos onde tem assento a sociedade civil ou pela inação pura e simples. Desse modo, os programas nacionais de direitos humanos em andamento foram esvaziados, inviabilizados ou desviados de seus propósitos, ao mesmo tempo que outras ações tornaram precária a condição dos grupos vulneráveis protegidos por direitos, ao instigar aqueles que os atacam.

Dorrit Harazim - A última estadista

O Globo

Qual foi a última vez em que líderes do mundo inteiro sentiram uma espécie de orfandade diante do afastamento de um de seus pares do cenário global? Não vale citar o sul-africano Nelson Mandela, pois ele já estava fora do poder quando sua morte foi pranteada simultaneamente em 24 fusos horários. Tampouco vale nomear Churchill ou Franklin Delano Roosevelt, pois Stálin e Hitler lhes dedicaram atenção merecida, mas os teriam eliminado de cena se pudessem. A pergunta se refere a um vazio raro na História: uma liderança mundial que deixa o poder em vida, por vontade própria, com direito a respeito e graus variados de admiração universal.

A conservadora Angela Merkel, cuja sucessão como chanceler da Alemanha está sendo decidida na eleição deste domingo, é essa estadista. (Ótimo o vocábulo terminar em “a” e não exigir concordância no feminino, coisa rara tratando-se de posições de poder.) Por ter honrado a arte de governar nos 16 anos em que liderou o país-potência da Europa, o peso de Merkel é acentuado pela degradação da função pública no mundo. O que sobra planeta afora são meros chefes de Estado, alguns terrivelmente genocidas, outros bem-intencionados, em busca de um asterisco na História.

Elio Gaspari - O vírus da política na Prevent

O Globo / Folha de S. Paulo

Num mercado onde prevalece a promiscuidade entre maganos e agentes públicos, a Prevent atravessou a rua para escorregar em cachos de bananas

Em 1997, o deputado Ayres da Cunha, dono de uma operadora de planos de saúde e líder da bancada parlamentar que defendia os interesses do setor, disse que “na minha empresa, há um problema chamado idoso (...) Se tirássemos todos os idosos do meu plano, minha rentabilidade aumentaria muito”.

Nessa época, o médico Fernando Parrillo e seu irmão Eduardo entraram no mercado com a Prevent Senior. Ofereciam planos individuais a idosos e cobravam pouco. Parecia coisa de maluco, mas era a saudável demonstração da destruição criativa do capitalismo.

Enquanto o mercado operava sem controlar seus custos, a Prevent era fechada. Tinha seu plantel de médicos, seus laboratórios, seus hospitais e suas clínicas. Em 2017, o mercado teve autorização para aumentar suas mensalidades em 13,55%, e a Prevent subiu só 6,5%. Seu ticket médio estava em R$ 509. À época, já tinha 327 mil clientes.

Eliane Cantanhêde - Nova guerra

O Estado de S. Paulo

Após recuo nos ataques ao STF e às eleições, Bolsonaro combate passaporte de vacina

Na “declaração à Nação”, o presidente Jair Bolsonaro recuou dos ataques ao ministro do STF Alexandre de Moraes. Em entrevista à Veja, ele recuou também dos xingamentos contra o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, do discurso golpista e das ameaças às eleições e às urnas eletrônicas. A guerra agora é outra: desmoralizar a Coronavac, massificar que as vacinas estão “em teste” e combater o “passaporte da vacinação”.

As pesquisas dispararam a luz amarela no QG, não do Exército, mas do bolsonarismo e a coisa só piorou depois do desastre de cabo a rabo da ida de Bolsonaro e sua comitiva inflada a Nova York. Daí manter a linha dos recuos, um a um, mas dobrando a aposta nos erros na pandemia e centrando fogo no “passaporte”.

Rolf Kuntz* - Num gesto obsceno, o resumo do desgoverno

O Estado de S. Paulo

Saúde é só uma das áreas devastadas pela irresponsabilidade e pela incompetência

A nova façanha do presidente Jair Bolsonaro pode valer um bolo de dez velinhas, uma para cada ponto da inflação. Os bens e serviços consumidos pelas famílias, ou consumidos quando cabem no orçamento apertado, subiram 10,05% em 12 meses, segundo o IPCA-15 de setembro. Mais uma vez o mundo se curva diante deste país. Pressões inflacionárias têm afetado a produção e o consumo em dezenas de países, mas com efeitos menos vistosos. Só dois países do Grupo dos 20, Argentina e Turquia, devem fechar 2021 com inflação maior que a brasileira, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil estará no pódio, com a medalha de bronze do desarranjo monetário. Prévia da inflação é o nome popular do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15, apurado entre a metade de um mês e a metade do seguinte.

Bruno Boghossian - A frente ampla vai encolher

Folha de S. Paulo

Com bandeira antipetista, candidatos da 'terceira via' reduzem espaço para composição no 2º turno

João Doria lançou sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto com críticas indiretas a Jair Bolsonaro e bem diretas ao PT de Lula e Dilma Rousseff. O tucano afirmou que os governos petistas instalaram o "maior esquema de corrupção do qual se tem notícia na história do país" e avisou que o antipetismo “será predominante” em sua campanha.

Não é impulso, é estratégia. Candidatos que buscam o rótulo de "terceira via" precisam de votos da direita para ter alguma chance na disputa. A ideia desses políticos é explorar a rivalidade com o PT para conquistar espaço, chegar perto de Bolsonaro nas pesquisas e convencer o eleitorado de que eles têm mais chances de derrotar Lula no segundo turno do que o atual presidente.

Míriam Leitão - Alerta na ONU sobre a Amazônia

O Globo

Duzentos cientistas lançaram durante a reunião da ONU um alerta que não deixa dúvidas sobre a dimensão da importância da Amazônia, sobre os riscos que ela corre e, portanto, o mundo corre. Avisaram que é preciosa a proteção que os povos indígenas e as comunidade locais oferecem à floresta. A Amazônia está à beira do ponto de não retorno, diz o Painel Científico para a Amazônia, uma espécie de IPCC para a Amazônia, que lançou durante a Assembleia Geral da ONU o sumário executivo do seu primeiro relatório.

— A gente já não tem mais tempo. Infelizmente, entre os cientistas, há essa discussão, até alguns autores do relatório acham que já perdemos o sul da Amazônia. Eu acho que não. Se a gente conseguisse zerar o desmatamento, criar programas de restauração de grande escala, a floresta conseguiria se restabelecer. Mas estamos vendo uma enorme degradação em quase dois milhões de Km2 em toda a Amazônia — explica o cientista Carlos Nobre, co-presidente desse painel. O presidente é o economista Jeffrey Sachs, do Sustainable Development Solutions Network das Nações Unidas. O documento todo será divulgado na reunião do clima em Glasgow.

Vinicius Torres Freire – Brasil no pódio da comida cara

Folha de S. Paulo

Inflação da comida no Brasil é vice-campeã na América Latina; dólar é aberração mundial

A inflação da comida no Brasil perde apenas para a carestia da Argentina, entre as doze maiores economias da América Latina —não faz sentido comparar a situação brasileira com a de países-ilha ou muito diminutos. A inflação em geral também é a segunda maior da região.

Além disso, desde a epidemia foi a que acelerou mais nesse universo latino-americano.A Argentina é “hors concours” em matéria de inflação, com uma taxa de mais de 50% nos doze meses até julho, dado mais recente da Comissão Econômica para a América Latina da ONU, a Cepal.

De resto, a inflação argentina de alimentos e bebidas foi parecida com a da média, de uns 54%. No Brasil, a carestia da comida é quase 50% maior que a inflação geral, média. Enfim, a inflação é um modo de vida ou de sobrevivência do governo argentino.

Luiz Carlos Azedo - Cartórios ferroviários

Correio Braziliense / Estado de Minas

O novo marco legal das ferrovias foi atropelado pelo ministro Tarcísio Freitas, que autorizou a construção e exploração por 99 anos de 14 novos ramais, sem segurança jurídica

O Senado agendou para a próxima quarta-feira a votação do novo marco legal das ferrovias. O anúncio foi feito pelo presidente do Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a pedido do senador Jean Paul Prates (PT-RN), relator do Projeto de Lei 261/2018, de autoria do senador licenciado José Serra (PSDB-SP), aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em dezembro do ano passado. Acontece que o novo marco legal foi atropelado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, que autorizou a construção e exploração, por 99 anos, de 14 ferrovias, com base na Medida Provisória 1.065, de 30 de agosto passado. A Comissão recomendou que a MP seja devolvida.

Esses investimentos são estimados pelo governo em R$ 80 bilhões, mas a maioria dos beneficiados por essas autorizações, segundo o senador José Aníbal (PSDB-SP), não tem capital suficiente para construir as ferrovias. “O mais correto é devolver a medida provisória e aprovar o projeto do senador José Serra, que é mais transparente e eficaz. É um absurdo o que foi feito. As empresas beneficiadas não têm nem segurança jurídica para captar esses recursos. Além disso, é uma afronta ao Senado, que estava para aprovar um projeto de lei que foi amplamente discutido e tem mais consistência técnica”, disse.

Janio de Freitas - O escândalo bolsonoide

Folha de S. Paulo

Bolsonaro, com todos os defeitos, tem a aprovação de metade do patronato

De volta ao personagem criado pela escrita cínica de Michel Temer —cumprido o breve intervalo de autenticidade na ONU—, Jair Bolsonaro sugere estar agora dedicado ao papel de cômico. Palhaço, mesmo. Cambalhotas verbais de um lado a outro. Mas, sem sair do roteiro de falsidades manjadas, não escapa da vaia. O deprimente, para a arquibancada, é que o Bolsonaro em exibição não é apenas o falacioso visto no comentarismo político. Tem mais e maior significação.

E aí está o escândalo que não faz escândalo: o Bolsonaro tal qual é, com todos os defeitos pessoais, a destrutividade e as anticivilidades que nenhum país pode suportar, tem a aprovação e o apoio de um em cada dois integrantes do patronato (retomo a nomenclatura abolida já no começo da ditadura, por iniciativa do dúbio Jornal do Brasil). Os integrantes desse segmento bolsonoide perfazem 47% da classe, quando, entre os brasileiros maiores de 16 anos, só 22% de fato batem palmas a Bolsonaro. Ou uma em cada cinco pessoas.

Cacá Diegues - Poder e horror

O Globo

Quando disse que o presidente só podia ser um rato, o boteco quase veio abaixo de tanto riso e palmas, de tanto protesto e vaias

Há tempos que eu não via Joca, meu velho amigo privilegiado, morador de casarão em trecho exuberante da floresta. Se não fosse apenas pelo prazer de vê-lo e ouvi-lo, não podia recusar seu convite para “tomar uma cerveja e saber como andam as coisas no Brasil”. Fui intrigado.

Joca conduziu o carro para os limites de uma comunidade e parou diante de um botequim, mais bem tratado que a média dos outros na região. Entramos, com ele à frente, e logo ouvi uma voz grossa e cheia de catarro preso gritar, por trás do balcão do boteco: “Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro! É ele, minha gente, é o cara!” E puxou o aplauso pela chegada de meu amigo.

Meu amigo agradeceu os aplausos, assobios e gritos excitados de parte considerável dos fregueses, e me apresentou ao senhor bigodudo e gordo da voz de catarro. “Vamos contar aqui pro meu amigo como anda o Brasil, seu Taco!”, disse ele. Imaginei que Taco fosse uma redução popular para, por exemplo, Eustáquio. E arrisquei: “Boa noite, seu Eustáquio.” “É Otávio. Otávio Costa”, me respondeu jogando fora pela boca o que lhe travava a garganta.

O boteco estava lotado de gente, mesmo para uma noite de sábado. Joca pediu sua cerveja geladíssima, me contentei com uma Coca Zero pequena. Um rapaz, do outro lado do bar, perguntou em voz alta a Joca: “Ouviu o discurso do cara, cara?” Por um desses milagres cariocas de entendimento nas nuvens, compreendi que o rapaz se referia ao presidente e seu discurso em Nova York, na ONU. “Uma merda”, respondeu Joca de bate-pronto, “nem pra eleitor burro serviu”. Quase todo mundo no boteco riu. Um outro rapaz, na mesa ao lado da de Joca, afirmou, sem muita convicção, que “burro vota é no Lula, não vota nele”.

Armínio Fraga - Sobre o tamanho e as prioridades do Estado

Folha de S. Paulo

Sem clareza quanto ao destino dos recursos, é difícil imaginar futuro melhor

Em aula magna proferida em janeiro no encontro anual da Associação Americana de Economia (e publicado em periódico), o professor Emanuel Saez (UC Berkeley) apresentou graficamente a evolução a partir de 1870 da carga tributária para alguns países da Europa e para os Estados Unidos. Apresentou também, para um agrupamento de países da Europa, uma decomposição do gasto público por categoria, ambos como porcentagem do PIB e extraídos do livro “Ideologia e Capital”, de Thomas Piketty.

Os dados apresentados consolidam os gastos do Estado como um todo, ou seja, incluem os três Poderes e os governos central, estaduais e municipais. Na Europa, até o início do século 20 as receitas tributárias não chegavam a 10% do PIB e bancavam o que ele denomina de Estado “real” —no sentido de realeza ou soberano.

Os gastos desse Estado “mínimo” incluíam itens administrativos, lei e ordem, defesa e infraestrutura. Não cobriam gastos sociais, sendo, portanto, um Estado pequeno.

Cristovam Buarque* - Centralismo e Desigualdade

Blog do Noblat / Metrópoles, 25/09/2021

O risco de a Federalização provocar a ineficiência do centralismo se 200.000 escolas forem administradas desde Brasília

Na parede de meu gabinete no Senado coloquei fotos com pessoas a quem admiro. Uma delas, com o economista Ricardo Paes de Barros, porque representa uma nova geração de economistas que se dedicam a entender como reduzir a pobreza, no lugar da orientação tradicional de que a riqueza se espalha automaticamente e elimina a pobreza. Minha admiração vem também do fato que ele faz parte do reduzido grupo de economistas que veem a educação, não a produção, como o vetor do progresso econômico e da distribuição de renda. Ainda mais porque ele é um economista que constrói soluções. Por tudo isto, levo à sério sua crítica ao risco da centralização, se a ideia do Sistema Único de Educação de Base, uma Federalização, for adotada no Brasil.

Pela admiração ao Ricardo Paes de Barros, nosso PB, não poderia deixar de responder aos seus argumentos, com o propósito de aperfeiçoar a ideia.

Entrevista | Cesar Maia: ‘DEM migrou para a direita e fusão com PSL será confusa’

De saída do partido, ex-prefeito critica guinada feita por ACM Neto

Thiago Prado / O Globo, 25/09/2021

RIO — Com as malas prontas para sair do DEM, o ex-prefeito e vereador Cesar Maia avalia que a fusão com o PSL é praticamente certa, e que o novo partido deverá marcar posição à direita do espectro ideológico. A guinada, comandada por ACM Neto, presidente nacional da sigla, foi marcada pelo racha devido a divergências na escolha do sucessor de Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados, que acabou expulso do partido em junho. Diante do cenário que se desenha para a eleição presidencial de 2022, Maia ainda especula desistência de Bolsonaro e enfraquecimento de Lula.

De zero a dez, qual a chance da fusão entre DEM e PSL realmente se concretizar nos próximos meses?

Sete. Temos que aguardar os desdobramentos, especialmente nos estados. As informações que tenho recebido é que a escolha dos presidentes dos diretórios estaduais será confusa. Veja o caso do Rio. Um acordo de ACM Neto com o pastor Silas Malafaia levou o deputado Sóstenes Cavalcante à presidência do DEM no Rio. Mas, se houver mesmo a fusão, o presidente será o Waguinho, prefeito de Belfort Roxo pelo PSL. Em São Paulo, difícil saber como vai se resolver. Esse processo de fusão vai demorar no mínimo 90 dias.

A união dos dois partidos é boa para a centro-direita brasileira?

Pelo que tenho acompanhado, a fusão formará um partido de direita e não de centro-direita. O DEM estava indo por um caminho de centro e optou por migrar para a direita. É uma decisão com foco apenas nas eleições de alguns governadores e deputados.

Novos livros ajudam a repensar os modelos clássicos de intelectual em tempos midiáticos

'A saga dos intelectuais franceses' e 'Roland Barthes: biografia' retratam a era de ouro do pensamento francês

Bolívar Torres / O Globo, 25/09/2021

RIO — Houve um tempo em que Jean-Paul Sartre (1905-1980) enchia auditórios em todo o globo, arrastando multidões como uma estrela de rock. E em que brasileiros aproveitavam a vinda de Michel Foucault (1926-1984) ao país para perguntar ao autor de “Vigiar e punir” como derrubar os militares no poder. Durante décadas, os pensadores franceses foram uma espécie de oráculo, encarnando no imaginário social um modelo de pensar, articular ideias e engajar-se politicamente. Tudo o que diziam virava manchete, dos cafés parisienses para o mundo.

Dois livros recém-lançados por aqui dão uma dimensão da trajetória dessas figuras no passado, e seus resquícios em nosso tempo. Essencial para entender o século XX, o filósofo e semiólogo Roland Barthes tem sua trajetória esmiuçada pela crítica literária Tiphaine Samoyault. Através de materiais inéditos, “Roland Barthes: biografia” (Editora 34) propõe uma nova visão sobre aquele que é visto tanto como um pai quanto como um filho de seu próprio tempo (e que, por ironia, odiava biografias).

Já “A saga dos intelectuais franceses”, de François Dosse, é um ambicioso retrato cronológico das ideias construídas na nação de Sartre na segunda metade do século XX. O primeiro volume, que sai no Brasil pela Estação Liberdade, começa na véspera do fim da Segunda Guerra e vai até o disruptivo ano de 1968, revisitando personalidades como Simone Beauvoir e Albert Camus. O segundo, com previsão de lançamento para 2022, termina em 1989, com a queda do Muro de Berlim. Entre os protagonistas desta era estão nomes como a dupla Deleuze-Guattari, Jacques Derrida e, claro, Foucault.

Entrevista | François Dosse: ‘Responsabilidade dos pensadores é maior hoje’

Historiador das ideias, François Dosse faz amplo panorama da era de ouro do pensamento francês

Bolívar Torres / O Globo, 25/09/2021

RIO — François Dosse é o que se convencionou chamar de “historiador das ideias”, um campo de estudos recente que trata da evolução das ideias ao longo dos anos. Após biografar diversos grandes intelectuais franceses, como Paul Ricoeur, Pierre Nora e a dupla Deleuze-Guattari, ele se lançou em um desafio monumental: reconstruir cinco décadas de inteligência francesa em seu livro “A saga dos intelectuais franceses (1944-1989)”.

O primeiro volume, que sai no Brasil pela Estação Liberdade, começa na véspera do fim da Segunda Guerra e vai até o disruptivo ano de 1968, revisitando personalidades como Simone Beauvoir e Albert Camus. O segundo, com previsão de lançamento para 2022, termina em 1989, com a queda do Muro de Berlim. Entre os protagonistas desta era estão nomes como Gilles Deleuze, Jacques Derrida e, claro, Foucault.

Quando foi professor de Emmanuel Macron no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po Paris), em 1998, ele o apresentou ao filósofo Pierre Nora, que acabou virando uma espécie de mentor do futuro presidente. Dosse escreveu um livro, “Le Philosophe et le président” (2017), detalhando a troca intelectual dos dois.

O que significa exatamente uma História das ideias?

Tendo há mais de 30 anos como objeto de estudo a vida das ideias, analisei o funcionamento delas sob diferentes ângulos, tanto seus fracassos quanto seus sucessos.  Nesse novo livro, tentei dar uma visão mais panorâmica, global e sintética dos últimos 50 anos do século XX.  O que me interessa nesta saga, é o desdobramento cronológico da vida intelectual entre dois polos. O polo da história das ideias, da história filosófica, de um lado, e o pólo da sociologia das ideias, do outro. Você tem que pensar neles juntos. Em vez de separar a descrição das escolas de pensamento, as relações sociais e a análise dos textos, procuro correlacionar, em conjunção significante, os textos e seu contexto.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Brasil não pode tolerar retrocesso na vacinação

O Globo


É preocupante a queda nos índices de vacinação das crianças brasileiras, constatada em reportagem do GLOBO. Em plena pandemia, quando todos ansiamos por uma vacina que nos proteja do coronavírus, agravou-se a tendência, verificada desde 2015, de queda nos percentuais de aplicação das vacinas contra poliomielite, sarampo, caxumba, hepatite, tuberculose e outras previstas no calendário infantil. O risco é a luta inclemente contra a Covid-19 ser sucedida por surtos de doenças que há muito deixamos para trás.

É o caso da pólio, tema de campanhas de imunização com o popular personagem Zé Gotinha no passado. O último caso foi registrado no país em 1989. Em 2015, a vacinação contra pólio cobrira 98,3% das crianças de até 1 ano. Em 2020, a cobertura caiu para 73,8% e, de acordo com dados preliminares, neste ano ficará longe da meta necessária para manter a garantia de que a doença estará sob controle, estipulada em 95%. A pólio é uma doença atroz que provoca paralisia nos membros, leva os doentes à dependência de pulmões artificiais ou até à morte.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Verbo ser

Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.

Música | Tereza Cristina canta Vasco da Gama