sábado, 13 de outubro de 2018

Opinião do dia: Alberto Aggio*

A chegada de dois polos excêntricos ao segundo turno não foi um raio em céu azul. O colapso do centro político acabou produzindo uma situação paradoxal: ele passa a ser o objeto de desejo dos dois extremos. O centro está morto. Viva o centro! Sua conquista será o que vai definir o segundo turno. E, no caso brasileiro, não apenas a futura governabilidade, mas a possibilidade real de o País continuar a viver em democracia.

Mas não será nenhuma mudança cosmética que garantirá a conquista do centro político. Os dois polos têm obsessões indisfarçáveis de visíveis inclinações autoritárias. À esquerda, não será a ancilosada noção de “frente única” (uma “frente de esquerda” ao velho estilo) o que vai angariar apoio em defesa da democracia. Haddad não passa de um construto enganoso de Lula. Não representa nem une os democratas brasileiros. Bolsonaro é a regressão aos anos pré-democracia e uma ameaça iliberal evidente.

Entre a catástrofe e o desastre, nossa frágil democracia terá de resistir para seguir respirando e ganhar sobrevida. É um momento difícil, no qual somente nos serve o “pessimismo da razão”. E o mais trágico é que não há nenhum locus facilmente reconhecível que vocalize algum “otimismo da vontade”. Atônitos, os brasileiros seguem os sinais de alerta buscando evitar, de alguma maneira, uma aproximação com a morte da democracia.
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*Historiador, é professor titular da Unesp. ‘Dias de espanto’, O Estado de S. Paulo, 12/10/2018.

Merval Pereira: Questão de honra

- O Globo

Em momentos radicalizados como o atual, é preciso conter os impulsos primitivos que podem aflorar em militantes

O candidato Jair Bolsonaro deveria ser o primeiro a querer uma investigação rigorosa sobre os episódios de violência envolvendo seu nome nos últimos dias. Não basta dizer que não quer os votos de quem participa de tais atos, nem se eximir de culpa quanto a eles, alegando que nada pode fazer.

Cabe a um líder político da envergadura que ele se tornou, mais por circunstâncias da política do que por méritos próprios, dar o rumo a seus liderados, desencorajando a violência como método político.

Ao mesmo tempo, em momentos radicalizados como o que estamos vivendo, a luta política toma feições selvagens, e é preciso conter os impulsos primitivos que podem aflorar em militantes, que, além de atos violentos, são capazes de usar os novos meios de comunicação para espalhar calúnias contra os adversários.

Há diversos exemplos dos dois lados em disputa de uso distorcido das redes sociais, com a disseminação de fake news. Os bolsonaristas espalharam, por exemplo, que o PT distribuirá nas escolas o tal kit gay, com descrição gráfica de objetos pornográficos para crianças.

Os petistas, que Bolsonaro acabará com o Bolsa Família, recurso recorrente já tradicional nas campanhas presidenciais dos últimos anos. Um vídeo reproduz o que seria uma carreata de bolsonaristas em uma cidade do Nordeste, distribuindo grama para a população que votou maciçamente no PT.

Míriam Leitão: O meio ambiente e o bolsonarismo

- O Globo

General diz que não se pode derrubar uma árvore no Brasil sem que alguém venha ‘encher o saco’. Só em 2017, 14 milhões foram derrubadas

O alerta não vem de um ambientalista, mas de um dirigente de instituição financeira internacional, com quem conversei. O que o preocupa, num cenário de vitória de Jair Bolsonaro, é o absoluto desprezo pela questão ambiental e climática. Na visão dele, é obvio que a competitividade e a capacidade de financiamento do agronegócio serão maiores quanto mais pacificada for a relação com o meio ambiente. Um general da campanha de Bolsonaro reclamou que no Brasil não se pode derrubar “uma árvore sem que alguém venha encher o saco”. No ano passado, só na Amazônia e no Cerrado foram derrubadas 14 milhões de árvores.

O raciocínio do banqueiro é assim: se o produtor do Cerrado, por exemplo, quer ter água para produzir, precisará cumprir rigorosamente os limites das áreas de preservação em suas terras. Se cumprir esses limites, ele poderá ser financiado por capital externo que não aceitaria, a esta altura, emprestar para desmatadores. Esse financiamento pode ser feito a juros baixos, sem depender do subsídio estatal.

O mais lógico seria, segundo o banqueiro, que o diálogo que começava a existir entre o agronegócio e o ambientalismo fosse estimulado. Mas, na eventualidade de um governo Jair Bolsonaro, ficará mais difícil. A bancada do agronegócio que aderiu ao candidato busca respaldo para suas posições mais extremadas. E ele já disse que submeterá o assunto ao Ministério da Agricultura, acabando com a pasta do Meio Ambiente.

O general Oswaldo Ferreira, que está tocando os planos do candidato para a área de infraestrutura e de meio ambiente, lembrou ao “Estado de S. Paulo” os anos 1970, quando ele era um tenente “feliz da vida” trabalhando na BR-163. “Derrubei todas as árvores que tinha à frente, sem ninguém encher o saco. Hoje, o cara, para derrubar uma árvore, vem um punhado de gente encher o saco”.

João Domingos: Águas turvas

- O Estado de S.Paulo

Bater boca com eleitor é um dos erros que todos os candidatos devem evitar

Restam ainda duas semanas para o segundo turno da eleição, a propaganda no rádio e na TV começou nesta sexta-feira, 12. Tudo e nada podem acontecer. Levando-se em conta a primeira semana pós-primeiro turno, porém, não dá para dizer que foi uma semana boa para Fernando Haddad. Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) frustraram as tentativas do PT de tornar Haddad líder de um movimento amplo de defesa da democracia. O PDT declarou apoio crítico ao PT, mas Ciro, de quem se esperava o apoio formal, viajou para a Europa e deixou Haddad na mão. Já Marina se disse contrária a Bolsonaro, virou as costas e nada mais disse. Ainda no campo dos gestos políticos, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), vice de Ciro, pediu que Haddad abandone a disputa e dê lugar ao candidato do PDT, por suas condições reais de derrotar Jair Bolsonaro (PSL).

Para completar a má fase, Haddad caiu numa armadilha nesta sexta. Depois de participar de uma missa, em São Paulo, o candidato foi abordado por uma mulher que o chamou de “abortista”. Haddad respondeu: “Eu sou neto de um líder religioso”. E completou: “Você deve ser ateia”. A discussão foi gravada pela reportagem do Broadcast Político. Mesmo que Haddad tenha se sentido agredido pela forma como a mulher o abordou, dizer que ela “deve ser ateia” foi um erro político primário. Em primeiro lugar, num país laico, de liberdade religiosa plena, é livre ser desta ou daquela religião, assim como é livre não ter religião nenhuma. Dizer que alguém é ateu numa conotação negativa, como Haddad disse, é intolerância religiosa, intolerância que tem se tornado um dos males do Brasil atual. Sem falar que qualquer manual mequetrefe sobre política desaconselha o candidato a bater boca com quem quer que seja, mesmo que este esteja cumprindo tarefa de um adversário, provocando-o ao máximo. É o candidato que está atrás de votos. É ele que está exposto. Nessa condição, não pode cometer deslizes.

Adriana Fernandes: Não deixem o Brasil quebrar

- O Estado de S.Paulo

Novas projeções da dívida pública brasileira caminham para 100% do PIB

Bastou menos de uma semana de campanha, no segundo turno das eleições, para ficar claro que os acenos reformistas dos dois candidatos ao Palácio do Planalto – Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) – não são firmes. Ao contrário.

Quem esperava ações na direção da reforma da Previdência imediatamente após o resultado das urnas pode ir revendo o seu ponto de vista. É plausível afirmar que em alguns pontos do debate da proposta de reforma da Previdência houve até mesmo um retrocesso.

Antes das eleições no primeiro turno, o time econômico de Bolsonaro, sob a batuta de Paulo Guedes, emitia sinais de que já na transição trabalharia pela reforma, inclusive aproveitando algumas partes da proposta do governo Michel Temer. Investidores, analistas e operadores do mercado passaram a acreditar que as contas públicas estariam “salva” e a confiança retornaria.

No campo adversário, Haddad emitia sinais também de que faria uma reforma mais ampla – além daquela prevista no programa do PT, que cita mudanças no regime próprio da Previdência dos servidores públicos. Em debate, chegou a falar na fixação de uma idade mínima para o acesso à aposentadoria no País.

Só que não.

Nada disso foi reforçado nos últimos dias. Bolsonaro falou em uma reforma tocada vagarosamente. “Não é como muitos querem. Não adianta querer botar remendo novo em calça velha”, disse. Na quarta-feira, falou em “botar” uma idade de 61 anos. Na quinta, o candidato do PSL disse não ter fechado questão em torno da idade mínima. “Pode mudar. No primeiro ano, a gente pode fazer um plano 62-57 anos”, afirmou.

Demétrio Magnoli: A carta que Haddad não escreverá

- Folha de S. Paulo

O que o candidato do PT à Presidência deveria dizer na atual campanha eleitoral

O Datafolha mostrou que a democracia é um valor fundamental para 69% dos brasileiros. Dirijo-me a essa ampla maioria para pedir um voto contra o autoritarismo. O Brasil experimentou uma ditadura militar de 21 anos. Eleger meu adversário seria colocar no governo um grupo de saudosistas da ditadura que testarão a resistência de nossa democracia. Minha candidatura tornou-se a única alternativa a isso. O segundo turno não pode ser um plebiscito sobre Lula ou o PT, mas um plebiscito sobre as liberdades públicas e individuais.

Verde-amarelo no lugar do vermelho? O marketing não substitui a política. Hora de assumir erros históricos, falar a verdade. O PT dividiu o país em “nós” e “eles”. Isso acaba aqui. Não qualificarei como “golpistas” os que defenderam o impeachment, a quem também peço o voto. Nunca mais usaremos o rótulo “fascistas” para marcar os que divergem de nós. Não mais usaremos o rótulo “racistas” para marcar os que discordam de políticas de cotas raciais. Adotaremos, perante a sociedade, o “protocolo ético” que meu adversário rejeitou. A pluralidade de opiniões é a substância da democracia. De agora em diante, nós a respeitaremos.

Democracia exige coerência. Lula respeitou a regra do jogo democrático ao não buscar um terceiro mandato sucessivo. Mas, reiteradamente, o PT ofereceu apoio ao regime ditatorial em Cuba, à ditadura instalada por Maduro na Venezuela, à escalada repressiva de Ortega na Nicarágua. Jamais concordei com isso, que acaba agora. Não cultivaremos ditadores de estimação. O Brasil defende a democracia aqui e lá fora. Na China e na Arábia Saudita, na Rússia e na Turquia, em Cuba e na Venezuela.

Hélio Schwartsman: Em busca de um voto honesto

- Folha de S. Paulo

Não faltam sistemas mais sofisticados, cada qual com seu mix de pontos positivos e negativos

Escrevi alguns dias atrás uma coluna mostrando que existem sistemas de votação que tornam menos prováveis situações de forte polarização como a que vivemos agora. À guisa de exemplo, citei a contagem de Borda, em que o eleitor ranqueia os candidatos por ordem de preferência. Ato contínuo, alguns leitores me escreveram, recriminando-me por ter escolhido um exemplo ruim. Há coisa melhor no mercado, asseguraram-me.

O sistema de Borda, em que pese eliminar alguns problemas do voto uninominal, é muito vulnerável às manipulações da escolha estratégica. O eleitor fatalmente coloca seu candidato favorito em primeiro lugar, dando-lhe a pontuação máxima, e reserva a última posição para o rival com maior chance de vencer, atribuindo-lhe o escore mínimo.

Com isso, candidatos muitas vezes inexpressivos (pense num Eymael) ficam em posições intermediárias —e pontuam bem— porque não são vistos como ameaça. Não é impossível que um deles triunfe, embora não reflita a preferência real de quase ninguém. Alertado para esses problemas, o matemático Jean-Charles de Borda (1733-1799) proclamou “meu sistema é para homens honestos”.

Julianna Sofia: Morde e assopra

- Folha de S. Paulo

Bolsonaristas batem cabeça sobre Previdência, mas pode ser só estratégia eleitoral

Alheio ao mau agouro do anedotário político sobre sentar-se na cadeira antes do resultado das urnas, Jair Bolsonaro escala intrepidamente a rampa do Palácio do Planalto ao anunciar três ministros estratégicos de seu governo virtual. O economista Paulo Guedes(Fazenda/Planejamento), o deputado Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e o general da reserva Augusto Heleno (Defesa). Outros seis nomes já aparecem como favoritos para compor o ministério enxuto do candidato do PSL, que deverá ter 15 pastas.

Assim como as indicações precoces —a duas semanas do segundo turno das eleições—, surgem divergências prematuras e nada triviais sobre o rumo de projetos do eventual novo governo. A reforma da Previdência é o melhor exemplo da bateção de cabeça instalada nas trincheiras do capitão reformado.

Guedes insiste em aproveitar a proposta de Michel Temer, que dormita no Congresso desde o final de 2016, votando-a já neste ano. Seria um primeiro passo dentro do plano de fatiar as mudanças nas regras de aposentadoria, com vistas a um regime de capitalização.

O roteiro já foi desautorizado pela Casa Civil de Lorenzoni, que esculacha o texto-legado do emedebista. Bolsonaro também desmerece a reforma de Temer. Quer uma discussão mais devagar e consensual sobre o tema e diz ser prioridade acabar com privilégios do funcionalismo.

Luiz Carlos Azedo: O piloto sumiu

- Correio Braziliense (12/10/2018)

“Haddad não esperava que a transferência de votos do petista batesse no teto tão cedo, bem abaixo da rejeição que fez Bolsonaro subir ainda mais e quase vencer no primeiro turno”

O candidato do PT à Presidência da República, Fenando Haddad, volta ao horário eleitoral hoje repaginado, vestido de verde-amarelo e com um discurso paz e amor. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu mentor intelectual e chefe político, desaparecerá da propaganda do petista. Resta saber se a dissimulação, que atende aos apelos dos setores “golpistas” que querem apoiá-lo como “um mal menor”, trará votos suficientes para vencer o pleito ou se a tática tipo “o piloto sumiu” confundirá ainda mais os eleitores. O tracking de ontem mostrava que Bolsonaro continua subindo e Haddad, caindo: a distância entre os dois seria de 18 pontos percentuais, com 10% de nulos e brancos.

Haddad mudou completamente a linha de campanha. Para chegar ao segundo turno, o PT alimentou a tática do ódio nas eleições, com o discurso “nós contra eles”, pois Lula considerava Bolsonaro o adversário ideal a ser batido no segundo turno. Quem eram “eles”? Os “golpistas neoliberais”, claro. Um post do petista Breno Altman, do site Opera Mundi, nas redes sociais, intitulado “Quem é o inimigo principal?”, no momento em que essa linha política passou a ser questionada internamente no PT, ilustra como Haddad chegou ao segundo turno:

“São diferentes os alvos da primeira e da segunda volta, a meu juízo. No primeiro turno, os inimigos principais são os partidos e candidatos que comandam o bloco golpista, a começar por Geraldo Alckmin, mas se estendendo a Meirelles, Alvaro Dias, Amoedo e Marina Silva. A centro-direita deve continuar a ser destroçada por sua cumplicidade com o impeachment e a agenda antipopular, antidemocrática e antinacional do governo Temer. Sua destruição política é fundamental para a regeneração do país. Caso haja alguma chance, em algum momento, de levantar a cabeça, toda artilharia possível deve ser voltada para aniquilar os aliados de Temer.”

Intérprete fiel da lógica política petista, Altman antecipava o que viria depois: “No segundo turno, por óbvio, o inimigo principal será o neofascismo representado por Jair Bolsonaro. A inversão de objetivos táticos é tudo o que deseja o partido do golpe para buscar um caminho que enfraqueça a polarização entre Haddad e o capitão reformado, dando algum fôlego para uma candidatura de centro que possa ser apresentada como ‘mais viável’, ‘mais moderada’, para derrotar o neofascismo.” Haddad manteve a rotina de visitas semanais a Lula, vestiu a camiseta vermelha da campanha Lula livre e chegou ao segundo turno sem mudar o discurso. Não esperava, porém, que a transferência de votos do petista batesse no teto tão cedo, bem abaixo da rejeição que fez Bolsonaro subir ainda mais e quase vencer no primeiro turno.

“Aconteça o que aconteça, na delícia ou na dor, um objetivo estratégico terá sido alcançado nessas eleições: a destruição da centro-direita, do centro golpista, como alternativa viável para o comando do país”, disparou Altman, quando isso aconteceu. “A soma do arco Alckmin-Marina, somando Amoedo, Meirelles e Alvaro Dias, mal chega a 20% das intenções de voto. Essa é uma vitória importante do campo popular, que pavimenta o segundo turno e a marcha rumo ao triunfo em 28 de outubro.” Essa estratégia, porém, se tornou uma maldição para Haddad. A maioria dos partidos derrotados no primeiro turno optou pela neutralidade, alguns já se posicionam para permanecer em oposição, outros para aderir ao novo governo, vença Bolsonaro ou Haddad. Por ora, acompanham o jogo da arquibancada.

Ruy Fabiano: Os números elegem Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Bastam-lhe os votos dados a João Amoedo, Cabo Daciolo e Henrique Meirelles, que guardam perfil claramente antipetista.

turno presidencial. O espírito plebiscitário manifestou-se já no primeiro turno, visível na escassez de votos a candidatos outrora competitivos, de grandes partidos, como PSDB, PMDB e PDT.

O eleitor percebeu, desde o início, que havia – e há – apenas dois lados em disputa, projetos antagônicos. E antecipou sua escolha.

A diferença expressiva de votos pró-Bolsonaro não se reverterá. É impensável que alguém que abraçou o seu ideário venha a fazer opção oposta, já que o voto, de ambos os lados, teve o sentido de legítima defesa. Foi – e é – uma eleição binária.

Resta saber de onde os dois finalistas poderão buscar votos suplementares. E aí a vantagem também é de Bolsonaro.

O fiasco dos partidos de esquerda, aqueles cujos votos podem reverter em massa para Haddad – Psol, Rede e PDT –, indica que essa transferência já ocorreu no primeiro turno.

A votação somada desses partidos não muda o destino eleitoral de Haddad, que precisa crescer mais de 20 pontos percentuais para que sua votação em primeiro turno atinja a maioria absoluta. Já Bolsonaro, considerando-se os números do primeiro turno, está a 4,5 pontos percentuais da vitória.

Bastam-lhe os votos dados a João Amoedo, Cabo Daciolo e Henrique Meirelles, que guardam perfil claramente antipetista.

Há ainda os votos do PSDB, que devem se dividir, dado o perfil centrista do partido. FHC quer apoio ao PT; Dória, que disputará em segundo turno o governo de São Paulo, e Anastasia, que disputará o de Minas, já declararam apoio a Bolsonaro.

A democracia vai passar por um teste inédito

Entrevista: com o cientista político Sérgio Abranches

Por Vicente Vilardaga | IstoÉ

As eleições da semana passada definiram uma nova composição para o poder Legislativo, que nada tem a ver com a que vigorou nos últimos 24 anos da República, dominada pela tríade PSDB, PT e PMDB. Ocorre agora uma fragmentação inédita, uma ascensão do baixo clero e uma mudança de agenda e de rumos, com 30 partidos ocupando pelo menos uma vaga na Câmara e nove deles tendo entre 28 e 37 representantes. Dois deles têm mais de 50 deputados, o PT (56) e o PSL (52), partido de Jair Bolsonaro. O desafio para o novo presidente será compor uma maioria robusta que lhe garanta a sustentação no poder. Em entrevista para a ISTOÉ, o cientista político Sérgio Abranches, 69 anos, que acaba de lançar o livro “Presidencialismo de Coalizão — raízes e evolução do modelo político brasileiro” (Companhia das Letras), explica como isso poderá ser feito. Para Abranches, “presidencialismo de coalizão” é o tipo de regime em que há uma diluição do poder parlamentar em vários partidos. “O PSL saiu do nada para formar a segunda maior bancada e com isso a lógica mudou porque não há mais um partido estruturador”, afirma.

• O que caracteriza o presidencialismo de coalizão?

É o modelo político brasileiro desde 1946. A primeira versão dele entrou em colapso em 1964, com o golpe militar. Foi retomado em 1988, com a promulgação da nova Constituição democrática. Caracteriza-se pelo fato de combinar uma série de traços, de elementos estruturais ou institucionais que o tornam muito diferente do modelo presidencialista norte-americano. A principal diferença é que lá o presidente pode governar em minoria. É frequente na história política dos Estados Unidos o que eles chamam de governo dividido — o Congresso com a maioria de um partido e o Executivo com um presidente de outro partido. Aqui no Brasil tem se mostrado impossível governar em minoria.

• Esse modelo ainda funciona?

Depende do ângulo que a gente olha. O fato de que o presidente não consegue governar sem maioria e de não conseguir fazer maioria com seu próprio partido (o partido do presidente nunca consegue mais de 20% das cadeiras), torna o modelo vulnerável e sujeito a crises. Toda vez que a coalizão se desfaz há uma crise política. Mas se a gente considerar o fato de que ele foi pensado para resistir a traumas que levassem a rupturas e à instabilidade democrática, certamente funcionou muito bem. Os constituintes conseguiram colocar no modelo uma série de elementos de defesa da democracia que fizeram com que fosse muito mais resiliente do que o modelo anterior.

• O eleitor sente-se representado pelos nossos políticos?

Em nenhum lugar do mundo a população está satisfeita com a maneira pela qual vem sendo representada pelo sistema político. O problema local é mais grave por algumas razões. A primeira delas é que a crise de representatividade se associa a uma forte crise econômica e social, a mais grave da nossa história republicana. A segunda é que a gente já vinha numa tendência de esgotamento do sistema partidário que dominou os últimos trinta anos da República. As lideranças não se renovaram e os partidos envelheceram, se tornaram mais oligárquicos e controlados por um pequeno grupo de personalidades, quando não por uma personalidade só, como o PT.

• De que forma isso explica a migração para a direita no espectro político?

Isso está muito embutido nessa tendência de realinhamento partidário. O que essa eleição produziu foi justamente isso, uma onda muito forte para a direita, liderada por um político que tem uma mentalidade claramente autoritária. O processo de realinhamento foi acelerado e atingiu gravemente os partidos que dominaram o jogo político a partir de 1994, principalmente o PT e o PSDB.

• O PSDB parece ser o maior derrotado nesse processo.

É o maior perdedor. Sua bancada em 2014 tinha 54 parlamentares e agora tem 29. Foi derrotado em estados importantes e perdeu o papel estruturador na disputa presidencial. Sofreu uma derrota fragorosa exatamente no eixo da disputa que dominou por duas décadas. E não vai retomar sua posição porque não tem condições de liderança. O partido se deteriorou de uma forma avassaladora.

• Qual o saldo das urnas para o PT?

O PT também foi fortemente derrotado. Ficou confinado no Nordeste, onde mantém alguma força, e viu a sua bancada desidratar. Embora seja a segunda maior bancada do Congresso, perdeu treze deputados — tinha 69 cadeiras e passou para 56. E perdeu também substância no Senado.

Madame antifascista

A ex-secretária de Estado Madeleine Albright diz que os países estão aprofundando o fosso entre ricos e pobres e precisam repudiar a violência política

Por Duda Teixeira | Revista Veja

Aos 81 anos, Madeleine Albright segue dando aulas de diplomacia na Universidade Georgetown, em Wa¬sh¬ington. Em paralelo, mantém uma consultoria de estratégia empresarial, a Albright Stonebridge Group, com clientes em mais de 110 países. Entre 1997 e 2001, ela exerceu a função de secretária de Estado no governo de Bill Clinton e ganhou a alcunha de Ma-dam Secretary. Foi a primeira mulher a ocupar o cargo. Seu novo livro, Fascismo, um Alerta (Crítica), acaba de ser lançado no Brasil. Por telefone, Madeleine conversou com VEJA.

• Por que escrever um livro sobre fascismo?

Nasci na Checoslováquia, a atual República Checa, e tive de deixar meu país duas vezes. Na primeira, em 1939, foi por causa do fascismo. Na segunda, em 1948, fugi do comunismo. Devido a essas experiências, sempre tive interesse em saber como as instituições nacionais reagiram diante dessas ameaças e quais eram as causas desses fenômenos. Além disso, fico incomodada olhando a situação atual em vários países.

• O que a incomoda?

As divisões sociais entre ricos e pobres têm aumentado e a tecnologia tem feito com que muitos percam o emprego. Vários líderes têm tentado emendar essas fissuras sociais, mas acabaram fazendo com que elas se aprofundassem ainda mais. Não buscaram encontrar um denominador comum, unir as pessoas. O que procurei fazer foi recuperar a história e detectar as tendências, para evitar que as sociedades repitam os erros do passado. Senti que era preciso fazer um alerta. Alguns criticam meu livro dizendo que é uma obra alarmista. Mas era exatamente essa a intenção.

• Como a senhora define o fascismo?

É um método para ganhar e para manter o poder. Não é uma ideologia. No fascismo, um governante se identifica como o representante de uma etnia, de uma nacionalidade ou de uma tribo. Então, em detrimento de outro grupo, cria uma regra para a maioria e não dá nenhum direito às minorias. Em vez de encontrar pontos em comum entre os diferentes grupos, o fascista aprofunda as divisões. Além disso, ele usa a violência para subir ao poder e aferrar-se a ele.

• Em seu livro, o ditador coreano Kim Jong-un é considerado “um verdadeiro fascista”. Como ele tem se aproximado da Coreia do Sul e dos Estados Unidos, a senhora diria que ele está deixando de ser fascista?

Os fascistas geralmente acabam sendo enforcados ou cometendo suicídio. Mas acredito que estamos vivendo uma era diferente e que vale a pena tentar a diplomacia e as sanções econômicas. Temos de fazer todo o possível para que não haja um confronto nuclear entre a Coreia do Norte e qualquer outro país. Além do mais, a diplomacia serve para que a gente possa falar com monstros. Kim tem utilizado uma violência ina¬creditável contra seu povo. Mantém pessoas em campos de concentração e acha que seus cidadãos só lhe devem obediência. Ele tem prometido parar com isso ou aquilo. Falou em fechar instalações do programa nuclear. Não acho que alguém confie nele, mas é preciso manter um canal de comunicação. É esse o trabalho de quem faz relações exteriores. Um diplomata deve conversar mais com quem discorda dele do que com quem concorda com ele.

• Como a senhora define o presidente Donald Trump?

Ele não é um fascista, e o principal motivo é que não tem usado a violência contra seu povo. Ele também não tem dado passos indicando que pretende controlar tudo. Mas estou preocupada. A principal citação do meu livro é do italiano Benito Mussolini. Para concentrar o poder, Il Duce dizia que cai bem, ao depenar um frango, tirar uma pena de cada vez, de forma que cada guincho seja ouvido à parte dos outros e todo o processo ocorra da maneira mais discreta possível. Trump também tem tirado penas da galinha, mas ainda restam muitas nas suas asas.

O que de fato pensam os candidatos: Editorial | O Globo

Há muitas dúvidas sobre o que na realidade será colocado em prática pelo próximo presidente

Faltam debates e explicações objetivas que ajudem a esclarecer o quede fato pensam os candidatos, problema que já vem do primeiro turno. A lacuna terminou ampliada com o atentado a Jair Bolsonaro (PSL), que chegou à frente de Fernando Haddad (PT) nas urnas. Hospitalizado, não pôde participar dos debates programados na primeira fase das eleições, tendo sido liberado para a campanha a partir de quinta-feira, segundo os médicos. Espera-se que Bolsonaro e Haddad possam, frente afrente, esclarecer as inúmeras dúvidas que existem e não param de aumentar.

O PT apresentou um programa, mas feito, como se percebeu, sem maiores interferências do candidato Fernando Haddad, que assumiu a cabeça de chapa petista depois da confirmação daquilo que já se sabia: Lula, condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, não teria condições de se candidatar, conforme estabelece a Lei da Ficha Limpa. Devido a razões apenas eleitorais, Lula determinou que o partido continuasse a guerra de recursos, para estender ao máximo a indefinição, por considerar que facilitaria a transferência para Haddad de votos que seriam seus.

Deu certo, porque o pupilo foi para o segundo turno. Mas terminou encurtando o tempo para o candidato defender o programa.

Esta eleição tem sido marcada por grande desinformação sobre o que esperar dos candidatos. Fernando Haddad deu indícios de que pelo menos parte do programa herdado de Lula ele não assinaria embaixo.

Cacoetes estatistas: Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro dá novas mostras de resistência à venda de estatais e causa desconfiança

Se já havia dúvida quanto à sinceridade da súbita conversão de Jair Bolsonaro (PSL) ao liberalismo econômico, o próprio presidenciável tratou de reforçá-la com suas mais recentes declarações acerca da venda de empresas estatais.

O capitão reformado disse discordar da privatização na área de geração de energia elétrica, além de pretender preservar o controle do que chamou de “miolo” da Petrobras —referência ao segmento de pesquisa e extração de petróleo.

Reafirmou, além disso, sua conhecida aversão à presença de empresas chinesas no país, o que considera um risco estratégico.

A sinalização de descompasso, ao menos em parte, com a plataforma liberalizante de seu economista, Paulo Guedes, repercutiu de imediato no mercado financeiro.

Na quarta-feira (10), despencaram os preços das ações de estatais, interrompendo uma trajetória de alta que estava ligada, justamente, à ascensão de Bolsonaro nas pesquisas e sua surpreendente votação no primeiro turno.

Bolsonaro aparentou desconhecer até que a Eletrobras já passa hoje em dia por um processo de ajustes visando uma nova estratégia de privatização.

Desconectados da realidade: Editorial | O Estado de S. Paulo

Na economia, Jair Bolsonaro e o PT têm muito mais semelhanças do que os incautos imaginavam

Os candidatos que disputam o segundo turno da eleição presidencial, Jair Bolsonaro (PSL) e Lula da Silva, este representado na cédula pelo preposto Fernando Haddad (PT), parecem totalmente divorciados da dura realidade nacional. É compreensível que, em uma campanha eleitoral, temas espinhosos sejam evitados ou tratados de maneira superficial, para que não assustem o arisco eleitor. No entanto, o que se tem visto na reta final da disputa é uma preocupante alienação, como se a prioridade do País não fosse o saneamento das estranguladas contas públicas, sem o qual nenhuma das promessas de palanque, mesmo as mais modestas, poderá ser cumprida.

Do PT, é claro, nem se poderia esperar outra coisa. O programa de Lula da Silva, que interposta pessoa apresenta por aí com ares professorais, é um mal ajambrado repeteco da desastrosa política que culminou em dois anos de recessão, alta do desemprego, disparada da inflação e dos juros e retrocesso em quase todos os setores da economia.

A despeito de ter se comprometido a mudar no programa o que for necessário para angariar apoio fora dos tradicionais domínios petistas – sindicatos, movimentos sociais e todos os demais setores estatólatras –, não se pode imaginar que o PT de uma hora para outra tenha se convertido ao credo liberal. É preciso muito mais do que suprimir o vermelho na propaganda eleitoral para que se acredite na suposta disposição de Haddad de tirar dos planos oficiais petistas, por exemplo, a proposta de "reconfigurar" o "setor produtivo estatal" para "fortalecer setores industriais estratégicos", ou então a ideia de fazer com que os bancos públicos assumam "papel importante no padrão de financiamento da reindustrialização".

PSDB não tem a linha do Bolsonaro e fará oposição a ele ou ao PT, diz Tasso

Tucano diz que 'ventania no Congresso derrubou bons e ruins' e articula 'grupo do bom senso'

Thais Bilenky | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Senador com mais quatro anos de mandato e ex-presidente nacional do PSDB, o cearense Tasso Jereissati afirmou que Jair Bolsonaro (PSL) "não tem a linha" de seu partido, que será oposição no próximo governo, seja o militar o presidente, seja Fernando Haddad (PT).

Para Tasso, "o grupo de Bolsonaro é muito perigoso", e senadores já se articulam em um "grupo do bom senso" para resistir a empreitadas polarizantes. A "ventania no Congresso derrubou bons e ruins", lamentou.

O candidato tucano a governador de São Paulo João Doria "não representa a cara" do PSDB, afirmou Tasso.

• Como está o clima no Senado?

Está pesado. Com a quantidade de gente que não se elegeu, está todo mundo para baixo, deprimido. Acho que nunca vi isso. A renovação, nas outras eleições, não era tão grande, e tem gente muito boa [que não se reelegeu]. Cristovam [Buarque (PPS-DF)], Armando Monteiro [(PTB-PE), que tentou o governo de Pernambuco], Ricardo Ferraço (PSDB-ES). É uma pena.

• Os eleitos não têm o mesmo preparo?

A minha primeira impressão é que caiu [a qualidade] pelos que saíram. Não estou vendo gente com esse nível, não. Vai ter muita gente nova, pode ter surpresas, mas a primeira impressão é caiu. A ventania derrubou tudo, bons e ruins. Mas foram os bons, que eram poucos.

• Essa onda conservadora reconfigurou o Congresso.

Não foi só conservadora, não, porque os líderes conservadores também foram [embora]. Armando, que era candidato ao governo, Ferraço... Quer um senador que tenha tido desempenho melhor que o Ferraço nesses anos na linha de economia liberal? Eu vejo alguns de extrema direita, que não são liberais na economia, são estatizantes até.

• Têm às vezes viés autoritário. O sr. se preocupa?

Existe a preocupação aqui de fazer um bloquinho, bloquinho, não, um grupo do bom senso, seja de esquerda ou de direita, que vá se aglutinando para evitar essa polarização, e que o bom senso prevaleça.

• Mas vai ser uma minoria, não?

Não sei, não sei quem vem.

• Se Bolsonaro ganha, o sr. tem preocupação com a democracia?

O grupo dele é muito perigoso nesse sentido, mas acho que as instituições, pelo quadro que estou vendo aqui no Senado, serão uma coisa bem resistente, um ponto de equilíbrio bem forte. A confirmar, em função dos que estão chegando aí.

PT falhou em não reconhecer que praticou corrupção, diz senador derrotado

Jorge Viana (AC) perdeu a reeleição ao Senado e seu grupo político ficou fora do governo

Angela Boldrini | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Derrotado em seu estado, o senador petista Jorge Viana (AC)fala da necessidade de autocrítica pelo partido, que corre o risco de perder também a disputa presidencial entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro (PSL).

Para ele, o PT errou "de não reconhecer claramente que membros do nosso partido ou aliados praticaram corrupção", disse à Folha em seu gabinete de Brasília, na quarta-feira (10).

O senador, que foi da tropa de choque de Dilma durante o impeachment, criticou também a prisão do ex-presidente Lula e disse que o partido recebeu uma "segunda chance" e deve mudar o jeito de fazer política se conseguir a virada contra o deputado no dia 28 de outubro.

Além disso, Viana afirmou que a nova composição do Congresso, em que bancadas conservadoras ganharam força, levará o país "para teses do século 19".

• O que explica a onda conservadora que se viu no primeiro turno?

A gente está flertando no Brasil com aquilo que aconteceu nos EUA com a eleição do Trump. É assustador, eu acho que ninguém apaga fogo com gasolina. Fiquei triste de ver uma pessoa chegar no meu estado, pegar um tripé e dizer que ia metralhar as pessoas do partido que ele não gosta. Como é que ele vai pacificar o Brasil?

Eu sempre tive uma posição ponderada, sou muito crítico do PT, inclusive das alianças que fizemos. Eu nunca deixei de ver que nós temos uma falha no PT que é de não reconhecer claramente que membros do nosso partido ou aliados praticaram corrupção. Mas isso não justifica o que estão fazendo nem com o presidente Lula nem com outros líderes, e também não diminui as coisas bonitas que nós fizemos: a inclusão social, inclusão dos jovens na universidade, atenção ao trabalhador rural, crescimento econômico, pleno emprego. Não é o que eu quero, mas eu prevejo coisas muito ruim para o nosso país nos próximos anos.

• Como o sr. vê essa nova composição do Congresso?

Eu sou muito crítico a essa composição atual. Ela que pariu o impeachment, dela que veio o Bolsonaro. Nós estamos em 2018 e não entramos no século 21. Mas agora vai ficar pior, os que estão vindo vão querer nos levar para as teses do século 19. Mas o que fazer? Eu me sinto entristecido como brasileiro em ver um horizonte tão sem esperança para a frente.

• Ainda é possível ter uma virada no segundo turno?

Eu acho que de um lado tem o pior momento para a vida nacional, para esse transe coletivo que estamos vivendo. E do outro lado você tem o melhor candidato, não importa se é do PT, de que partido é. Ele é o melhor para poder estabelecer o diálogo e fazer essa travessia.

Diante disso eu tenho que acreditar ainda que é possível, mas eu digo que numa hora dessas tem que ter uma grande união do Haddad, do Ciro Gomes, porque as pessoas estão vivendo um transe. As lideranças democráticas do país não podem ficar indiferentes, ou cada um de nós vai carregar um pouco dessa culpa.

Madeira que cupim não rói (Capiba)

João Cabral de Melo Neto: Discurso do Capibaribe

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.

Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.

Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.

Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.

E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geléias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.

Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua flor;
como a árvore
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc. etc.

Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).