domingo, 20 de novembro de 2011

OPINIÃO DO DIA – Roberto Freire; a desigualdade e concentração

As desigualdades sociais e a concentração de renda continuam a desafiar uma nação que se pretende no século XXI, mas que grande parte de seu povo vive em condições do século XIX. A situação da saúde continua calamitosa, mesmo depois que o presidente Lula afirmou que o SUS “estava próximo da perfeição”. Vemos agora, pela ausência de saneamento em mais de 50% dos lares brasileiros, e pela completa ausência de uma efetiva política de Estado para superar tal condição, que estamos muito longe de alcançarmos esse trivial sinal de civilização.

Roberto Freire, deputado federal (SP) e presidente do PPS. O Censo e a falta de senso. Brasil Econômico 18/11/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Nova corrida do ouro atrai US$ 2,4 bilhões para o Brasil
País não está pronto para dano ambiental
Superlotação e revoltas são ameaça nos presídios
Espanha: virada à direita pode gerar retrocesso

FOLHA DE S. PAULO
Cesáreas superam os partos normais pela 1ª vez no país
Altamira pede suspensão de Belo Monte
Ir à Justiça contra as aéreas dá certo em 60% dos casos

O ESTADO DE S. PAULO
Crise faz imigração legal para o Brasil crescer 52% em 1 ano
Endividado, brasileiro ganha mais crédito
Usina de contradições

CORREIO BRAZILIENSE
O drama das empresas à procura de pessoal
PF vai indiciar petroleira
Não viu porque não quis

ESTADO DE MINAS
"A alegria da minha vida foi arrancada"
Natal da crise festejado com presente vindo da Europa

ZERO HORA (RS)
Apreensão de armas não freia homicídios

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Os órfãos do crack

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

Espanha: virada à direita pode gerar retrocesso

A vitória iminente dos conservadores hoje na Espanha inquieta intelectuais, que prevêem retrocesso em conquistas sociais e mais protestos por conta do arrocho econômico.

Priscila Guilayn

Intelectuais expõem inquietude frente à vitória prevista do PP

Espanhóis vão hoje às urnas em meio a insatisfação e poucas dúvidas sobre resultado

MADRI - Os espanhóis viram nos últimos três anos seus níveis de riqueza e perspectivas de futuro despencarem. Entre o pessimismo de muitos, o inconformismo de uns e a apatia de outros, os eleitores sabem que o pleito de hoje não se traduzirá em cinco milhões de postos de trabalho, o atual número de desempregados, o maior patamar da União Europeia. Mas sabem também que o precipício apareceu em pleno governo socialista e que o timoneiro deste, José Luis Rodríguez Zapatero, tentou colocar panos quentes, negando por meses uma crise que já existia.

A insatisfação do povo custou caro à esquerda espanhola, desenhando um quadro eleitoral passível de poucas surpresas nessas eleições gerais. Todas as pesquisas apontam para uma vitória esmagadora do Partido Popular (PP). E seu líder, Mariano Rajoy, já avisou que, uma vez na Presidência do Governo, a tesoura dos conservadores cortará de tudo, exceto as aposentadorias. A contenção das despesas públicas, no entanto, não é a única coisa que vai mudar na Espanha que emerge das urnas hoje.

Apesar de se declarar contente com o triunfo do PP, por "contar com a melhor equipe de economistas e as ideias mais claras para realizar as reformas radicais necessárias", o prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, declarou publicamente que não votará em Rajoy. Num polêmico artigo publicado no "El País", o peruano naturalizado espanhol se disse desconfiado de $"maiorias absolutas" como a que o PP está prestes a obter: entre 185 a 195 das cadeiras do Congresso de 350, segundo as pesquisas.

"Preocupa-me que sua ala mais conservadora, impulsionada por motivos religiosos, empurre o governo Rajoy a desfazer as reformas sociais mais avançadas aprovadas pelo governo de Rodríguez Zapatero e que, a meu juízo, fizeram progredir a cultura da liberdade na Espanha, como a lei que autoriza os casamentos gays, a ampliação da lei de aborto e os direitos da mulher, temas nos quais, hoje, a Espanha está na vanguarda", escreveu Vargas Llosa.

A polêmica veio quando, no mesmo artigo, o escritor declarou seu voto no partido minoritário União Progresso e Democracia (UPyD), fundado em 2007 pela ex-socialista Rosa Díez e pelo filósofo Fernando Savater. Contra os nacionalismos e a favor de um modelo federalista, a UPyD tem apenas uma deputada (Rosa Díez), mas pode ganhar pelo menos mais um assento se as urnas confirmarem as pesquisas.

O panorama eleitoral que se desenha dará aos conservadores poder suficiente para aprovar as leis que quiserem, diz o catedrático de Ciências Políticas Cesario Rodríguez Aguilera, autor de livros como "A crise do Estado socialista" e "Antecedentes, estratégias políticas e resultados eleitorais". Segundo ele, dessas eleições emergirá uma Espanha extremamente conservadora, que reforçará seus vínculos com a Igreja Católica.

— O PP terá as mãos livres para entregar cargos a pessoas alinhadas ao partido em diferentes instituições como o Tribunal Constitucional, o Conselho Geral do Poder Judicial e à empresa pública de comunicação Rádio e Televisão Espanhola. Assim, quando os socialistas voltarem ao poder, encontrarão uma predominância de conservadores em várias esferas. Esta será a herança — afirma Rodríguez Aguilera, que acrescenta: — Não podemos esquecer que o PP está em perfeita sintonia com a Igreja e, portanto, reforçará o caráter não laico de nosso sistema.

No âmbito socioeconômico, no entanto, o PP terá que seguir as políticas que a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu exigem. Ou seja, mais austeridade, mais ajustes. Saúde e educação, que têm sido alvo de crescente privatização em regiões governadas pelo PP, são apontadas como os primeiros alvos dos cortes orçamentários.

Preocupação com liderança tecnocrata

O filósofo Emilio Lledó, autor de livros como "A origem do diálogo e da ética", posicionou-se publicamente sobre o que considera um erro, o de apenas olhar pela economia, entregando sua salvação a tecnocratas que, muitas vezes, estão ou estiveram ligados a grandes empresas e cuja única meta seria perseguir o poder econômico. Aí, segundo Lledó, só restará uma saída para a Espanha: a cultura.

— Em "A República" e "A Política", Platão e Aristóteles dizem que a salvação dos Estados, dos povos e das nações se consegue através da decência e da cultura. Esta não é uma frase antiga. Vale para hoje. Como alguém que só pensa no que é privado pode defender o que é público? — indaga Lledó, para quem a Espanha melhorou em cultura e em decência.

O intelectual alerta, no entanto, que, apesar de estar em baixa, ideias franquistas ainda encontram força entre alguns políticos como defesa da educação privada, descrédito do que é público e desprezo pela igualdade de oportunidades.

O escritor Carlos Bardem, irmão do oscarizado ator Javier Bardem, é outro a declarar seu voto. Um dos maiores entusiastas dos Indignados, apostará no minoritário Esquerda Unida (IU), que deve passar de 2 para 11 deputados como reflexo do castigo aos socialistas.

— É preciso pressionar os socialistas a se posicionarem como uma força de esquerda. Nessas eleições está em jogo algo bem maior do que um presidente de Governo. Queremos uma mudança de modelo político e social.

Rodríguez Aguilera concorda que, governada pelo PP, a Espanha "relançará" o Movimento 15-M, que foi qualificado pelo ex-presidente de Governo, o conservador José María Aznar, como "extrema esquerda marginal anti-sistema". Segundo ele, o PP sairá desta eleição com uma oposição institucional muito fraca, mas vai se deparar com uma forte contestação nas ruas.

— Este movimento é muito inquietante para a direita. O PP será um governo forte, mas terá que contar com greves gerais, muitas manifestações e muitas ocupações das praças. A direita sempre fica muito nervosa com a desordem pública, mas terá que enfrentar esta realidade — prevê o cientista político.

Previsão é de que ruas reajam mais ao governo

Nem todos os integrantes da esquerda espanhola estão decepcionados com o Partido Socialista. O cineasta Agustín Díaz Yanes, que dirigiu Penélope Cruz, Victoria Abril e Gael García Bernal no filme "Sem notícias de Deus", apoia sem ressalvas Alfredo Pérez Rubalcaba, líder do PSOE, seu amigo desde os tempos de faculdade. Diz ainda não ter medo de uma vitória do PP.

— A democracia também é alternância e se o PP ganhar é porque os espanhóis votaram nele. Continuaremos mantendo o nosso direito de protestar. Minha previsão é: mais ajustes e mais contestação social.

Mas, mesmo com o apoio de boa parte dos eleitores, o que permitirá a manutenção de 115 das 169 cadeiras que hoje detém, o partido de Zapatero deverá ficar na geladeira, no mínimo, durante dois mandatos, segundo as previsões de analistas políticos. Ou seja, dificilmente, a primazia do Partido Popular, se as urnas confirmarem o favoritismo, vai durar menos de oito anos.

FONTE: O GLOBO.

'O Brasil é hoje a versão 2.0 da Espanha de 2003'

Para economista, Brasil segue o mesmo caminho adotado pela Espanha, de endividamento e de crescimento pelo crédito

MADRI - A Espanha é "irresgatável" e seus crescimento nos últimos anos foi "baseado numa ficção". O alerta é de uma das principais referências hoje na Espanha, o economista Santiago Nino Becerra, autor de dois livros sobre a crise econômica que afeta o país. Em entrevista ao Estado, o economista diz que um resgate para a Espanha custaria 800 bilhões à UE e ao FMI, dinheiro que "simplesmente não existe". Becerra também alerta que há sinais claros de que o Brasil está seguindo o mesmo caminho de endividamento e de crescimento pelo crédito adotado pela Espanha há dez anos. "O Brasil hoje é a Espanha de 2003, em versão 2.0."

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como, depois de anos de euforia, a Espanha chegou a essa situação? A festa não era real?

A festa em todo o mundo tem sido uma ficção e ainda é uma ficção nos países onde continua. Quando a capacidade de endividamento se esgotou, o pagamento da dívida se tornou impossível.

Como o sr. explica que ninguém na classe política viu essa ameaça e a criação de bolhas ?

Certamente sabiam. Mas tinham de ignorar essa possibilidade. O hiperendividamento era, desde o final dos anos 80, a única opção para crescer.

O sr. já alertava para os riscos em 2006. O que diziam as pessoas ao ouvir essa advertência?

Quem me escutava admitia que o crescimento da dívida era insustentável. Na Espanha, entre 1996 e 2005, a dívida privada cresceu 140%.

Na segunda-feira, quando um novo governo assume o poder, há coisas que ele possa fazer diferente do governo atual para solucionar a crise?

Na segunda-feira, alguém ligará para Moncloa (palácio do governo) e perguntará pelo presidente do novo governo e dirá a ele que pegue papel e lápis para tomar nota do que terá de fazer o novo governo do Reino da Espanha. Isso se já não lhe foi dito.

Depois de Portugal, Irlanda e Grécia, a Espanha é resgatável?

A Espanha é irresgatável, assim como a Itália. Seriam necessários uns 800 bilhões. valor que simplesmente não existe.

Os planos de austeridade terão efeitos sociais profundos. Serão suficientes para tirar os países da crise?

O problema não é o gasto, e sim a arrecadação. Ao não crescer, a arrecadação é reduzida e a renda pública cai. Como os países europeus têm compromisso de déficit, a única possibilidade é o corte de gastos públicos, mesmo que isso deprima ainda mais a economia.

O Brasil vive um boom. A Espanha pode servir de lição sobre como não fazer as coisas?

Acredito que o Brasil vive uma situação virtual como a que viveu a Espanha de 1995 a 2007. Pelo que eu sei, a economia brasileira navega em um mar de créditos no qual o governo incentiva o consumo de tudo, como ocorreu na Espanha. Para "resolver" a questão da distribuição de renda, o Brasil deu acesso a crédito a um porcentual enorme da população. Algo parecido com o que ocorreu na Espanha. De 1997 a 2007, os salários reais dos espanhóis só cresceram 0,7%. Mas a população consumiu de tudo. Penso que o Brasil hoje é a Espanha em 2003, numa versão 2.0. / J.C.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Endividado, brasileiro ganha mais crédito

O governo incentiva o crédito para consumo num momento, em tese, delicado: nunca os brasileiros deveram tanto e comprometeram parcela tão grande do salário para pagar dívidas. Em média, cada um deve atualmente R$ 3.724 a financeiras e bancos

BC incentiva crédito no momento em que dívida de brasileiro bate recorde

Desde a crise de 2008, a dívida total dos brasileiros saltou 80,7% e o valor das parcelas pagas mensalmente cresceu 60%

Fernando Nakagawa

BRASÍLIA - O governo volta a incentivar o crédito para o consumo em um momento que, teoricamente, tem ingredientes arriscados: brasileiros nunca deveram tanto e nunca comprometeram parcela tão grande do salário para pagar as dívidas. Desde a crise de 2008, quando o governo aumentou a oferta de crédito para manter a economia aquecida, a dívida total dos brasileiros saltou 80,7% e o valor das parcelas pagas mensalmente cresceu 60%. Enquanto isso, o salário aumentou bem menos: 33,3%.

Dados do Banco Central revelam que o endividamento das famílias está no nível mais alto da história: pessoas físicas devem cerca de R$ 715,19 bilhões aos bancos em operações das mais simples, como o microcrédito e o cheque especial, até financiamentos longos, como o imobiliário e de veículos, passando pelo caro cartão de crédito.

Segundo o BC, cada brasileiro deve atualmente 41,8% da soma dos salários de um ano inteiro, um recorde. Há pouco mais de três anos, quando começou a crise de 2008, brasileiros deviam o correspondente a 32,2% de sua renda de 12 meses.

Pela metodologia usada nesses cálculos, o endividamento é o total das dívidas de uma família em relação à sua renda somada em um ano.

Seria como dizer que, na média, cada um dos mais de 192 milhões de brasileiros deve atualmente R$ 3.724 às financeiras e bancos. No início da crise passada, quando o Brasil tinha 2 milhões de habitantes a menos e o governo ainda não havia incentivado o crédito, o endividamento médio era de R$ 2.093.

Receituário repetido. O diretor de política econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, disse no começo do mês que a instituição não está preocupada com o aumento do endividamento das famílias porque o prazo praticado pelos bancos cresceu e os juros têm caído. Além disso, o mercado de trabalho e a renda seguem em expansão. "Percebe-se que o endividamento das famílias cresce, mas o comprometimento da renda tem se mantido", disse na ocasião.

Nos últimos dias, o BC retirou parte das amarras impostas ao crédito no fim do ano passado. Com o objetivo de aumentar a demanda interna, foram anunciados incentivos para financiamentos voltados ao consumo - como o crédito para veículos, pessoal e consignado. Além disso, o juro básico da economia cai desde agosto com o mesmo objetivo de baratear o crédito, incentivar o consumo e, assim, reduzir os efeitos da crise internacional. O receituário é bem parecido com o usado na crise de 2008.

Mas o quadro tem, gradualmente, mudado. Apesar do esforço para incentivar a economia interna, as forças geradas pelo complicado quadro global têm aparecido cada vez mais: estoques elevados, produção industrial cada vez mais lenta e desaceleração na geração de empregos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Desaceleração contribui para elevar superávit

RIO - A desaceleração da economia brasileira também contribui com o forte resultado da balança comercial este ano. Com o resfriamento, o ritmo de crescimento das importações está caindo, ampliando o saldo comercial.

Segundo recente relatório do grupo financeiro Nomura, "a recente melhora geral na balança comercial foi impulsionada principalmente pelo crescimento mais fraco das importações, um reflexo da desaceleração do crescimento econômico". Assim, "o crescimento das exportações está razoavelmente estável, em torno de 30%, ano a ano, mas o crescimento das importações caiu de um pico de 44% em janeiro deste ano para 28%, agora".

O relatório também nota que o ritmo de crescimento das importações tanto de bens duráveis quanto de bens de capital caiu cerca de um terço desde os respectivos picos.

Os duráveis, que cresciam 56,5% em novembro de 2010, ante o mesmo mês do ano anterior, reduziram o ritmo para 37,7% em setembro. Já a desaceleração do ritmo de importação de bens de capital foi mais rápida: o pico, de 45,5%, foi em junho deste ano, e em setembro a velocidade já tinha caído para 30,3%. / F.D.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dilma afirma que crise não pode paralisar direitos sociais

País não deve repetir "décadas perdidas", diz

Fábio Guibu

RECIFE - A presidente Dilma Rousseff disse ontem que vê na crise econômica internacional uma "espécie de repetição" do que chamou de "nossas duas décadas perdidas", em que a recessão, segundo ela, foi imposta como uma saída todos para os problemas.

"Nós ficamos 20 anos no Brasil aceitando, de uma triste forma, que as conquistas sociais fossem paralisadas pela necessidade de reciclagem das dívidas soberanas da América Latina", afirmou, em reunião com presidentes e representantes de dez países de África e América Latina, em Salvador (BA).

"Nós sabemos que esse processo não dá certo, ele leva à recessão, ao desemprego, a perdas de direitos, mas não tira os países da crise."

No encontro, Dilma conclamou os países da América Latina e do Caribe a uma ação conjunta para o enfrentamento da crise. Segundo ela, a instabilidade em países como EUA pode prejudicar "nossas conquistas sociais e agravar as desigualdades raciais".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Não viu porque não quis

Os escândalos que derrubaram quatro ministros do governo Dilma já haviam sido investigados pela Controladoria-Geral da União, que também tinha apontado irregularidades no Ministério do Trabalho.

Era só olhar os relatórios

Escândalos que derrubaram quatro ministros de Dilma já haviam sido investigados pela Controladoria-Geral da União. Roteiro é o mesmo agora no Trabalho

Karla Correia

Se o governo pudesse voltar no tempo até 15 de julho de 2008, a crise que hoje atinge o Ministério do Trabalho já poderia ser considerada assunto superado. Naquele dia, a Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu relatório, enviado ao gabinete do ministro Carlos Lupi, no qual apontava irregularidades em um convênio firmado entre a pasta e a Fundação Pró-Cerrado na área de qualificação profissional. Em dezembro de 2010, o secretário de Prevenção da Corrupção da CGU, Mário Vinícius Spinelli, esteve no gabinete do então ministro do Turismo, Luiz Barretto. Tinha em mãos um parecer mostrando falhas graves em contratos assinados para capacitação de mão de obra e realização de eventos.

Depois de três anos acumulando poeira, sem que nada fosse feito, o primeiro relatório vem à tona no inferno astral vivido por Carlos Lupi, depois que sua relação com o dirigente da Pró-Cerrado, Adair Meira, foi revelada pela imprensa. Hoje, Lupi contempla o mesmo abismo no qual o ex-ministro do Turismo Pedro Novais caiu, abatido por uma crise iniciada com uma operação da Polícia Federal sobre os mesmos problemas que já tinham sido detectados pela CGU e encorpada com uma saraivada de denúncias divulgadas no noticiário. O roteiro é o mesmo dos escândalos que derrubaram outros quatro ministros envolvidos em denúncias de corrupção. “O governo sabia antecipadamente das irregularidades em praticamente todos os escândalos que foram divulgados pela imprensa”, afirma Spinelli.

O problema é que esse conhecimento só resulta em algum tipo de penalidade contra um integrante do alto escalão do governo quando se torna alvo de denúncias apresentadas na imprensa. Equipados com estruturas de peso, órgãos de fiscalização, como a CGU e o Tribunal de Contas da União (TCU), produzem uma profusão de informações sobre irregularidades em obras e contratos que tornam difícil para qualquer governante afirmar que desconhece problemas em qualquer ministério. Um dado que a CGU tem orgulho de divulgar é o número de servidores federais que foram afastados de seus cargos nos últimos oito anos pelo governo, por evidências de envolvimento em corrupção. “São mais de 3,5 mil funcionários”, contabiliza o secretário.

Mas as investigações prévias da CGU e do TCU ainda não abateram nenhum ministro. Por mais que o governo tenha ciência antecipada de denúncias envolvendo uma pasta, e por mais perto que elas passem do titular do cargo, o ministro só sucumbe depois de bombardeado pela imprensa. “Em muitos casos, falta aquele detalhe que liga o ministro ao caso”, argumenta Spinelli. “Não temos a possibilidade de interferir para substituir ninguém. A decisão é da Presidência da República”, explica o secretário-geral de Controle Externo do TCU, Guilherme La Rocque.

Superfaturamento

“O ato de afastar um ministro tem implicações políticas sérias para um presidente. É uma decisão que vai ferir diretamente o representante de um partido aliado que, em um governo de coalizão, vai ter poder para dar o troco em votações no Congresso”, analisa o especialista em administração pública da Universidade de São Paulo Isaías Custódio.

Tomem-se por exemplo as denúncias envolvendo o Ministério do Turismo. Sócio de uma das empresas beneficiadas pelos contratos com irregularidades apontadas pela CGU, a MGP Brasil, o servidor Luciano Paixão da Costa deixou o cargo tão logo o relatório chegou ao conhecimento do ex-ministro Luiz Barreto. Mais de nove meses depois, o ministro Pedro Novais teve sua posição ameaçada quando o secretário executivo da pasta, Frederico da Silva Costa, foi preso durante a Operação Voucher da Polícia Federal. Conquistou uma sobrevida por contar com apoio dentro de seu partido, o PMDB; e de padrinhos como o vice-presidente da República, Michel Temer, e o líder da legenda na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Mas só foi cair mesmo quando a imprensa divulgou que a mulher dele, Maria Helena de Melo, mantivera irregularmente um funcionário da Câmara como seu motorista particular.

Outro caso notório é o do ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento. Indícios do esquema de cobrança de propina supostamente instalado por seu partido, o PR, dentro da pasta, já eram conhecidos da CGU, que investigava a possível ocorrência de superfaturamento em obras da BR-116, no Rio Grande do Sul; da BR-260, em Santa Catarina; e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, tocada pela estatal Valec — citada no centro do escândalo que derrubou Nascimento. Três meses depois da queda do ministro, a CGU divulgou relatório detalhando as irregularidades nos contratos dessas obras. “Um relatório desse leva muito mais tempo que isso para ser concluído. Já estávamos acompanhando a movimentação no Ministério dos Transportes havia muito tempo”, diz Spinelli.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Manual de sobrevivência de um ministro

Com base na experiência do dominó de titulares da Esplanada derrubados por denúncias, o Correio publica cartilha para mostrar o que fizeram os governistas que conseguiram superar os tremores políticos na gestão de Dilma Rousseff

Josie Jeronimo

Seis ministros caíram e um agoniza na UTI política do Palácio do Planalto, tentando ganhar sobrevida pelo menos até a reforma nas pastas, marcada para fevereiro de 2012. De junho pra cá, a praga que atinge a Esplanada dos Ministérios revela que parte do primeiro escalão da presidente Dilma Rousseff morreu vítima de um conjunto de sintomas que se repete escândalo após escândalo.

Os que conseguem sobreviver à crise adotam a fórmula "bom senso e separação entre público e privado" para evitar encrencas. O estado das artes da longevidade ministerial não é um mistério. Os ministros que continuarão na foto oficial do próximo ano são aqueles que perguntarão quem é o dono do avião antes de pegar caronas em jatinhos, acompanharão o destino do dinheiro que sai dos cofres públicos e não usarão recursos humanos e materiais das pastas que comandam para resolver problemas domésticos.

O manual de sobrevivência dos ministros também mostra que separar a vida partidária da ministerial contribui para a tranquilidade da gestão, assim como a temperança, remédio milagroso contra o suicídio verborrágico. Todos os itens de segurança foram esquecidos pelos ministros afastados.

Tudo começou na Casa Civil. Antonio Palocci não conseguiu explicar como aumentou em 20 vezes seu patrimônio, graças ao sucesso de sua empresa de consultoria, e abriu a porteira da reforma ministerial antes da hora. Menos de um mês depois da queda de Palocci, foi a vez de Alfredo Nascimento ser acusado de transformar o Ministério dos Transportes em uma sucursal da tesouraria do Partido da República. Denúncias de obras superfaturadas, farra dos aditivos e o sucesso empresarial do filho na área de infraestrutura derrubaram o ministro.

Jatinho

Na Defesa, foi a verborragia que custou o cargo de Nelson Jobim. O ex-ministro declarou voto no adversário de Dilma nas eleições de 2010 e colocou em dúvida a envergadura política da ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti. O mau agouro de agosto que atingiu Jobim também pegou o ex-titular da Agricultura Wagner Rossi. As denúncias contra a pasta começaram na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e chegaram ao ministro quando o Correio revelou que Rossi utilizava o jatinho de empresa beneficiada por políticas do ministério para viagens pessoais.

Em seguida, foi a vez de Pedro Novais, que já chegou com aviso-prévio assinado à pasta de Turismo depois de ser pego usando verba indenizatória da Câmara para pagar despesas em motel. Novais aguentou operação da Polícia Federal, que prendeu até mesmo seu número dois em investigação de desvio de recursos em convênios, mas sucumbiu ao flagrante fotográfico que mostrou motorista contratado com dinheiro público prestando serviços domésticos a sua mulher.

De ONGs e ongueiros foi vítima o ex-ministro do Esporte Orlando Silva. Um ex-policial militar e presidente de entidade que tem convênios com a pasta acusou Orlando de receber propina na garagem do ministério. Loteamento político da pasta e problemas com ONGs no Programa Segundo Tempo também contaram para o afastamento do ministro.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

A enorme paciência de Dilma com Lupi

Isolado por aliados, ministro do PDT deve ser mantido pelo Planalto até fevereiro, mas mesmo governistas admitem que imunidade não resistiria a uma nova denúncia

Paulo de Tarso Lyra

O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, conseguiu sobreviver, a duras penas, a mais uma semana de tiroteio. Depois de fotos e um vídeo mostrarem que ele voara em uma aeronave King Air ao lado do empresário Adair Meira, presidente da Fundação Pró-Cerrado, até mesmo o partido de Lupi, o PDT, jogou a toalha e admitiu que o melhor seria procurar outro nome para o ministério. Dilma, no entanto, subverteu as expectativas, chamou Lupi para uma nova conversa no Palácio do Planalto, e decidiu dar-lhe uma nova chance. Como confidenciou ao Correio um interlocutor da presidente, Dilma está "com uma paciência enorme com o ministro, embora ele não esteja imune a uma nova denúncia".

A novela Lupi repete, até o momento, o roteiro de outros ministros que acabaram sendo exonerados. Surge uma denúncia, o ministro exonera pessoas próximas, promete empenho nas investigações, é chamado pela presidente e dá as primeiras explicações. O bombardeio prossegue até que se torne insuportável. "Todo mundo sabe o fim dessa novela", lembrou um assessor palaciano.

A presidente, no entanto, tenta surpreender os analistas e manter Lupi na pasta até a reforma ministerial prevista para o início do ano que vem. Ela não quer ceder às pressões de parte do PDT, que se mobiliza para indicar um novo nome. Além disso, segundo pessoas próximas da presidente, o receio de Dilma é ceder mais uma vez e ficar refém da rotina de denúncias contra integrantes do primeiro escalão. "No dia em que Lupi for demitido, os mesmos jornais que estamparem a notícia vão trazer novas denúncias contra um outro ministro. E tudo vai começar novamente", ressaltou um aliado de Dilma.

A boa vontade de Dilma com Lupi não significa uma relação política anterior. Apesar de a presidente ter começado sua carreira política no PDT, eles não eram próximos nos tempos em que dividiam a mesma legenda. Dilma militava no Rio Grande do Sul e foi secretária dos governos de Alceu Collares (PDT) e de Olívio Dutra (PT). Lupi foi tesoureiro do partido e vice-presidente da legenda. Com atuação mais concentrada no Rio de Janeiro, só aparecia nos Pampas acompanhado do presidente pedetista Leonel Brizola.

Neopetista

Quando o PDT rompeu com o governo Olívio, Dilma recusou-se a deixar o posto no governo e teve de pedir desfiliação do partido. Ela foi muito criticada pela direção nacional do PDT e acabou, pela sua lealdade ao então governador gaúcho, filiando-se ao PT. A divisão seguiu em 2002, quando Dilma apoiou Lula e o PDT coligou-se com Ciro Gomes.

Quando Brizola morreu, em junho de 2004, Lupi assumiu a direção partidária e conseguiu unificar os diretórios gaúcho e fluminense, que viviam às turras por ciúmes mútuos do fundador da legenda. Em 2006, Dilma e Lupi começaram a se aproximar um pouco, quando o então presidente do PDT convenceu o partido a, no segundo turno, apoiar Lula contra o tucano Geraldo Alckmin, apesar dos protestos de Paulo Pereira da Silva.

Dessa vez, foi Lupi quem teve a lealdade premiada. Lula o escolheu para ser ministro do Trabalho. Em 2010, o PDT manteve o passo ao lado dos petistas e se estabeleceu como primeira legenda a anunciar apoio à candidatura de Dilma Rousseff a presidente. "Lupi costurou esse apoio antes mesmo de o PT confirmar que estaria com ela", lembra o deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), um dos cotados para a pasta em 2012.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Crescimento de Eduardo Campos incomoda PT

Petistas temem que governador, do PSB, se fortaleça a ponto de se tornar uma opção viável para a Presidência

Gerson Camarotti

BRASÍLIA. Aliado histórico do PT, o PSB se prepara para deixar de ser um apêndice do maior partido do país ao final do atual ciclo petista no comando do Brasil, em 2018. A cúpula petista está extremamente incomodada com os sinais de força política e da movimentação precoce do governador Eduardo Campos (PE), 46 anos, presidente do PSB. O comando do PT reconhece que Campos pode crescer e se tornar adversário do projeto político petista não só em 2018, mas até antes disso.

As articulações de Campos começam a ser vistas com desconfiança por dirigentes petistas, como o ex-chefe da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu, que tem feito alertas internos sobre o crescimento do PSB e as pretensões de Campos.

A preocupação ganhou força nos últimos dias com a declaração do ex-ministro Ciro Gomes (PSB-CE), que considera natural um futuro rompimento entre PSB e PT. Apesar da desconfiança petista, Campos tem recebido nos bastidores estímulo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se transformar em alternativa no futuro. Isso na lógica lulista de que é melhor criar alternativas dentro da própria base governista que possam defender o seu legado.

- O PSB vai apoiar o governo Dilma. Mas, para as eleições de 2018, todas as possibilidades estão na mesa. O que interessa para o PT é o projeto de 2014. Há uma tensão nessa relação. Mas não é uma tensão que seja capaz de levar para um afastamento neste momento - reconheceu o líder do PT, deputado Paulo Teixeira (SP).

Segundo os socialistas, Campos trabalha com o esgotamento do PT nos próximos anos, mas com a manutenção da forte influência do lulismo. A estratégia do PSB é consolidar o governador pernambucano como opção ao PT. O reconhecimento é que, em 2014, as chances de Campos seriam remotas, e uma candidatura presidencial só aconteceria com a desistência da presidente Dilma Rousseff ou de Lula.

Nas palavras de um interlocutor do governador pernambucano, para 2018, Campos quer estar pronto para ser uma opção competitiva.

FONTE: O GLOBO

'Todos podem crescer', afirma líder do PSB

Campos se alia com adversários do PT e ganha força política

Gerson Camarotti

BRASÍLIA. O plano do governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos, é ganhar visibilidade e acumular forças para enfrentar concorrentes do PT e do PSDB. A eleição de sua mãe, a ex-deputada Ana Arraes (PSB-PE), para vaga de ministra do Tribunal de Contas da União (TCU) faz parte dessa estratégia, embora seja considerada agressiva em determinados meios políticos.

- O PT sempre foi majoritário na base aliada. Mas não há eternidade na política. Isso só acontece nas ditaduras. O PT precisa ter espírito democrático para entender que todos podem crescer. E, se o PSB tiver um projeto próprio no futuro, o PT tem que avaliar que é melhor que o governo fique nas mãos de aliados que nas de adversários - diz o líder do PSB no Senado, Antonio Carlos Valadares (SE).

É isso que incomoda o PT, pois, no cenário atual, apesar do desejo de continuar no comando do país, a legenda não tem nomes para suceder à presidente Dilma Rousseff, depois de uma eventual reeleição em 2014.

Nos bastidores, Campos tem dito que o PSB é aliado fiel do governo petista nas horas boas e nas de dificuldade, como em votações impopulares no Congresso ou durante o escândalo do mensalão. Mas sempre frisa que não é uma relação de subserviência, como deseja o PT.

Boas relações com Aécio, Kassab e Sérgio Guerra

Campos tem enfatizado o crescimento do PSB e sua estratégia para fortalecer a legenda em 2012, com meta de eleger entre dez e 12 prefeitos de capitais, o que assusta o PT. Em outra ação ousada, Campos tem feito parceria com adversários históricos do PT.

A aliança estratégica com o PSD do prefeito Gilberto Kassab chamou atenção do PT. Em São Paulo, o PSB já faz parte do governo do tucano Geraldo Alckmin. Em Minas Gerais, o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), está perto de restabelecer aliança com o senador Aécio Neves (PSDB-MG), causando forte atrito com o PT local.

Em outros estados, também cresce a parceria entre tucanos e socialistas. Alianças entre os dois partidos estão consolidadas em Paraná, Alagoas e Paraíba para a sucessão municipal. O governador Beto Richa (PSDB-PR) anunciou apoio à reeleição do prefeito de Curitiba, Luciano Ducci (PSB).

Na eleição de 2010, o incômodo do PT com as boas relações do PSB com o PSDB foi tal que forçou Ciro Gomes a se afastar do seu padrinho, o ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) nas eleições estaduais. Em Recife, Campos tem se reaproximado de um antigo aliado: o deputado Sérgio Guerra, presidente do PSDB. Também em Recife, o PSB ameaça lançar a candidatura do ministro Fernando Bezerra Coelho (Integração Nacional). O presidente do PT, Rui Falcão, já citou o risco de quebra de aliança em Recife e Fortaleza.

FONTE: O GLOBO

Marisa Monte - Para ver as meninas (Paulinho da Viola)

A moral do dinheiro:: Merval Pereira

Em tempos de "indignados" acampados em praças ao redor do planeta, cuja mais perfeita tradução é o "Ocupem Wall Street", que de Nova York se espalhou por diversas cidades dos Estados Unidos e do mundo, nada mais atual do que a exposição "Dinheiro e Beleza. Banqueiros, Botticelli e a fogueira das vaidades", em exibição até 22 de janeiro no belíssimo Palazzo Strozzi, um dos mais finos exemplos da arquitetura da Renascença, no centro de Florença, na Itália.

Um dos aspectos abordados na exposição é a usura, que desde a Antiquidade até hoje separa a economia da moralidade, no centro dos debates dos "indignados" atuais, que consideram que o capitalismo precisa de regulamentações e amarras contra a especulação financeira.

Os curadores da exposição, Ludovica Sebregondi e Tim Parks, têm visões distintas a partir de suas origens: ela é uma historiadora com formação católica, ele um jornalista protestante. Seus textos, nos quais me baseei para escrever esta coluna, orientam toda a exposição. A partir da criação do florin de ouro, em 1252, que se transformou na principal medida de valor em toda Europa, trazendo para Florença grande prestígio e provando-se importante trunfo para os comerciantes e banqueiros da cidade, a exibição percorre dois séculos e meio "da mais resplandecente época da história de Florença", que experimentou nesse período rápido desenvolvimento econômico.

A atividade de emprestar dinheiro era das poucas permitidas aos judeus - a outra era a medicina -, e sempre foi vista de maneira negativa.

Nessa tensão, "doações para a salvação da alma" tornaram-se comuns, dirigidas à caridade ou às artes. A Igreja tinha preocupação de proteger pessoas em dificuldades financeiras, e os franciscanos, a partir de 1462, ajudaram a estabelecer instituições que impediam a usura.

O famoso óleo de Marinus van Reymerswaele, de 1540, "Os usurários", do Museu Stibbert de Florença, faz parte da exposição.

As imagens de usurários queimando no fogo do inferno perturbavam tanto emprestadores quanto tomadores de empréstimos.

A "carta de troca" surgiu para permitir que fosse dado um empréstimo em troca de pagamento de juros sem que parecesse usura. Por mais de 200 anos ela permitiu a banqueiros lucrarem sem se sentirem usurários. Funcionava assim: se alguém queria trocar florins por libras inglesas, por exemplo, os florins eram dados em Florença e as libras recebidas em Londres.

A viagem para Londres demorava 90 dias, e nesse período, a taxa de troca se alterava, produzindo lucro. Muitas vezes nem era preciso viajar.

Outro quadro de Marinus van Reymerswaele, "O cambista e sua mulher", de 1540, do Museu Nacional de Bargello, em Florença, também está na exposição, e já mostra uma mudança na percepção.

O cambista já não é uma figura grotesca como no quadro "Os usurários". A "carta de troca" tornou-se o principal instrumento de crédito e financiava o comércio internacional. Os banqueiros passaram a atuar também como comerciantes.

Segundo a curadora Ludovica Sebregondi, a tensão entre a exigência da Igreja de sobriedade e o amor pelo luxo produziu obras de artes sublimes nos séculos XIV e XV.

O estabelecimento de uma moeda como medida de valor de todas as coisas, ao mesmo tempo em que permitiu comparações entre, por exemplo, um barril de vinho e uma prece por um ser amado doente, trouxe uma sensação de desconforto, especialmente porque na época as diferenças sociais eram tidas como expressões da vontade divina.

Eram frequentes as queixas no século XIV de que um camponês podia usar seu dinheiro para mudar-se para um local melhor ou até mesmo "abrir as portas do paraíso".

O livre uso do dinheiro ameaçava ao mesmo tempo o status quo e a metafísica cristã, ironiza Tim Parks, outro dos curadores da mostra.

Um exemplo dessa tensão é o quadro de Botticelli "Madona e a criança", pintado para ajudar as preces de um cliente privado, coisa que só os muito ricos podiam pagar. A Madona, embora tenha dado à luz em uma manjedoura, está ricamente vestida.

A partir do século XIII, com a disseminação do comércio e das demandas de consumo, os símbolos de riqueza foram se multiplicando, e aumentando também aqueles que tinham condições de exibir sua riqueza, criando uma tensão com os ensinamentos da Igreja que definiam as classes sociais como desejos divinos.

Foi então baixada uma legislação que pretendia limitar a exibição da riqueza não apenas em roupas e ornamentos, mas também em festas, banquetes, batismos e funerais.

O século XIV trouxe duas novidades: cavaleiros, doutores, médicos, juízes e suas mulheres tinham permissão de ostentar suas riquezas, e tornou-se aceitável que se burlasse a lei desde que se pagasse uma multa, o que ajudava a encher os cofres públicos.

A crise da sociedade Florentina no final do século está ligada à disputa entre os Medici e o frade Girolano Savonarola. A luta entre Lorenzo e o frade de Ferrara marca o final do século XV.

Uma das peças mais bonitas da exposição é "Cristo crucificado", uma têmpera em molde pintado dos dois lados por Botticelli, de 1496, que tem tudo a ver com a pregação de Savonarola. Em 1497 e 1498 ele organizou duas fogueiras de coisas "vãs, lascivas e desonestas" na Piazza della Signoria em Florença. A polêmica que contribuiu para a sua derrocada e execução.

Para a Igreja na época, o usurário peca porque vende o intervalo de tempo entre o momento em que empresta o dinheiro e o recebe de volta, com lucro. Ele, portanto, negocia o tempo, que pertence a Deus. Mas havia exceções: Tomás de Aquino estabeleceu as condições para que contratos legítimos pudessem cobrar juros, e Bernardino de Siena fez a distinção entre um usurário e um banqueiro, cujo negócio permitia a circulação da riqueza, ainda hoje base do sistema financeiro.

Condenada pela Igreja, que proibia a reprodução do dinheiro sem a produção ou transformação de bens, a usura provoca a pergunta no ar até hoje: onde acaba a compensação justa e começa o lucro que destrói vidas?

FONTE: O GLOBO

Tira, põe, deixa ficar:: Dora Kramer

O processo de tomada de decisão da presidente Dilma Rousseff é de difícil compreensão, mas exibe uma característica visível a olho nu: não é, recorrendo a Fernando Pessoa, um poema em linha reta.

Desde as primeiras decisões bem no início do governo até suas atitudes nessa obra inacabada de escândalos em série na Esplanada dos Ministérios, Dilma se notabiliza pelo vaivém.

Com a mesma assertividade com que sinaliza numa direção, em seguida segue no rumo oposto.

Numa versão otimista, isso revela personalidade maleável, embora não seja esse traço de seu perfil o que seus próprios auxiliares ressaltam quando relatam episódios da mais absoluta intransigência no trato cotidiano.

Os fatos mostram uma realidade diferente, alvo de críticas por parte de aliados: pressionada, Dilma avança ou recua nem sempre tomando a resolução que seria a mais adequada, mas sim aquela que as circunstâncias a obrigam a tomar.

Ocorreu quando da votação do Código Florestal na Câmara, obrigando a liderança do governo a desfazer um acordo na última hora em plenário.

Aconteceu no caso da prorrogação do prazo para pagamento de emendas parlamentares de 2009: primeiro anunciou de maneira peremptória que não prorrogaria, mas dois dias depois foi obrigada a mandar dizer o contrário ante a reação negativa dos partidos aliados.

Em maio, foi a vez da lei de acesso à informação. Dilma declarou-se contra o sigilo eterno, mudou de opinião - tendo como porta-voz a ministra Ideli Salvatti - para agradar aos senadores Fernando Collor e José Sarney, mas, diante da posição favorável à liberação dos militares e do Itamaraty, voltou a defender o texto que, afinal, sancionou na sexta-feira pondo fim ao sigilo eterno.

Depois disso, tomaram conta da cena as idas e as vindas nos casos dos ministros envolvidos em escândalos. A todos eles emprestou apoio num primeiro momento para terminar por demiti-los pelas mesmas razões que os levaram à berlinda, alongando o tempo de desgaste.

Seria Dilma uma pessoa indecisa? Não parece. O problema talvez esteja na ausência de um "entorno" experiente, na falta de um conselheiro como Lula teve em Márcio Thomaz Bastos e no temor que impõe à equipe, que, intimidada, prefere deixar a presidente errar sozinha a correr o risco da humilhação.

Apesar dos pesares. Marta Suplicy é antipática? Sabe ser. Arrogante? Como ninguém. Inadequada com as palavras? Às raias da inconveniência.

Diga-se o que for, goste-se dela ou não, uma coisa é certa: a senadora é das raras pessoas no PT que não segue a cartilha do Amém. Tem tutano.

Mas escorrega onde outros colegas de vários partidos também tropeçam: ao sobrevalorizar o cargo executivo em detrimento do mandato parlamentar.

Marta enfrentou uma eleição difícil, quase perde para um adversário de coalizão de nível (político) sofrível, e poderia muito bem dar-se por orgulhosa de ter sido escolhida para representar São Paulo no Senado.

Sem precisar entrar em atrito inútil no partido ou diminuir-se por nomeação em ministério.

Bipartidarismo. Em longa entrevista - que ainda merece novos comentários - à repórter Raquel Ulhôa, do jornal Valor Econômico, Ciro Gomes afirmou ter ouvido de Lula a ideia de formar um só partido açambarcando as legendas hoje sob área de influência do PT: "A intenção é aniquilar essas frações", disse.

Testemunhas de que Ciro não exagera são diversos jornalistas que no início do primeiro mandato tiveram dois encontros com o então presidente em que ele disse o mesmo.

Defendeu a volta do bipartidarismo durante café da manhã no Palácio do Planalto e reafirmou simpatia à tese em jantar meses depois. Lula nunca mais voltou a falar do assunto em público, o que não significa que tenha abandonado a ideia.

O papel lateral que os partidos da base tiveram nos dois governos de Lula e continuam tendo com Dilma, sem participação efetiva no núcleo de poder, indica apreço ao projeto.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Castelo de cartas :: Eliane Cantanhêde

No Brasil, os ministros caem como frutos maduros -ou podres. Na Europa, são os próprios presidentes e primeiros-ministros que despencam, uns derrubados (como na Itália e na Grécia), outros derrotados nas urnas (a maioria).

A alternância de poder é resultado político evidente da crise que sacode o mundo, particularmente o mundo rico, desde 2008. Em geral, é da esquerda para a direita, como em Portugal, mas não sempre. A Dinamarca é uma das exceções.

Praticamente só escaparam da degola os que, não por acaso, são de países que vivem razoável estabilidade econômica: Suécia, Polônia e Estônia, além da poderosa Alemanha.

É nesse contexto que a Espanha deve derrotar hoje o candidato do premiê José Luis Zapatero, socialista, e eleger Mariano Rajoy, do Partido Popular, à direita. A crise é internacional e europeia, mas o eleitor sente e reage como se fosse local. Não percebe que, ganhe quem ganhar, vem mais corte por aí.

A Espanha se esgoela, tentando convencer o resto da Europa e do mundo de que está metendo a tesoura desde maio de 2010 e cumprindo as metas graduais. O problema é que a construção civil, carro-chefe dos anos de bonança, desabou. Com ela, os empregos: o índice de desemprego é de assustadores 22,6%.

Na campanha, Rajoy já avisou que vai manter o aperto e não se comprometeu a salvar nem os salários. E a previsão de expansão econômica acaba de ser revista para baixo, de 1,3% para 0,8%. Seu desafio é aprofundar a substituição da construção civil pelas exportações e equilibrar o que parece "inequilibrável": forte arrocho fiscal e crescimento.

É assim que a crise econômica vai afetando a política e alimentando incertezas, com um rastro de vítimas nas cúpulas dos governos. Entre mortos e feridos, poucos se salvam.

Nicolas Sarkozy, aliás, deve botar as barbas de molho. Em 2012, tem eleição na potência França.

FONTE FOLHA DE S. PAULO

Inimiga da república :: Renato Janine Ribeiro*

Por que o combate à corrupção e ética na política, antigas bandeiras do PT, não podem hoje ser tratados como um "udenismo reciclado"

O grande tema da política brasileira parece, a uma leitura dos jornais ou numa conversa com a classe média, ser a corrupção. E esse é mesmo o problema crucial na república. Uso aqui o termo república, como sustentei em meus livros A República e A Democracia, como o contrário não da monarquia, como aprendemos na escola, mas da corrupção. A "boa política" de hoje é republicana e democrática, mas os termos não são sinônimos. Democracia é o regime no qual a maioria do povo decide, distinguindo-se do que no passado se chamou monarquia e aristocracia e hoje chamaríamos de ditadura. O que define o regime democrático é o poder da maioria. Já a república, etimologicamente, não é um meio de escolher governantes, nem de votar leis. É a grande finalidade do viver em conjunto: é ter por meta a res publica, a coisa pública, o bem comum. Daí que o ideal seja termos democracias voltadas para o bem comum. Não é fácil, mas é possível.

Por isso, se a república é o empenho no bem comum, seu inimigo é o furto do público pelo particular, a destruição do que é de todos em favor de poucos: a corrupção. Se a melhor forma de governo é a república democrática (o regime em que a maioria decide, em prol do bem de todos), ela tem de lutar implacavelmente contra a corrupção. Nada desmoraliza tanto a boa política quanto o homem de bem "ter vergonha de ser honesto", como dizia Rui Barbosa. Daí, a preocupação com a ética na política. Isso não é udenismo reciclado, até porque por muito tempo foi a grife do PT, partido que conseguia identificar a preocupação com a honestidade e o empenho na justiça social. Esse é, sim, o cerne de uma política decente.

Infelizmente, é difícil identificar a corrupção e seus praticantes. Ao contrário do que se propala, o País avançou nisso. Vários órgãos dos três poderes se empenham em coibir e punir a corrupção. Mas temos dois problemas sérios. O primeiro são os corruptos hábeis, que driblam os controles. Dou um exemplo. Para garantir a honestidade dos dirigentes, uma série de restrições lhes é imposta. Se viajam a serviço, devem prestar contas da viagem e das diárias recebidas. Ora, o que faria um corrupto? Não pediria diárias ou passagem ao governo. Podendo ganhar milhões com um ato ilegal, por que deixar pegadas? Pois quase todo o combate à corrupção se baseia em rastros. Quando um reitor pagou um espetáculo de fado com dinheiro público, agiu errado, mas os próprios sinais que deixou provam que não era parte de uma quadrilha. Se ele estivesse envolvido num esquema de assalto aos cofres públicos, ganharia muito mais – e não deixaria transparecer nada. Esse é uma dificuldade no combate à corrupção. Há outra.

Para combater os malfeitos, impõem-se controles, mas são tantos que inviabilizam a vida dos gestores... honestos. Vejam o ordenador de despesas – o servidor que pode mandar pagar algo, seja uma soma pequena, seja elevada. Eles vivem apavorados. Sabem que podem ser acusados por uma assinatura. Assim, para evitar malfeitos, cada despesa é autorizada por uma série de escalões. Só que o responsável é o último, o mais alto na série. Ora, tem ele certeza de que os outros fizeram tudo direito? Pois quem paga é ele. Daí que precise ler tudo, o que é impossível, entender tudo, o que também não dá, ou delegar a pessoas de total confiança sua, que podem traí-lo. Para evitar a corrupção, multiplicamos o red tape, a burocracia.

Chegamos aqui ao ponto crucial. A corrupção aumentou ou não no governo Lula? O combate a ela é uma luta moral ou resvala para o moralismo? As duas questões estão ligadas. Se cresceu a corrupção, a condenação ética ao lulismo – ou ao PT – se justifica. O mesmo vale, por sinal, para a possível corrupção tucana, que em São Paulo a Assembleia jamais apura. Esse é o grande problema, aliás: fala-se muito, sabe-se pouco. Por várias razões. Primeira: como disse, a grande corrupção é furtiva. Sou reticente quando incidem acusações sobre somas pequenas, possíveis erros, dificuldade com a papelada. Creio que isso desvia a atenção do dolo, das grandes somas. Mas a segunda razão é que infelizmente os políticos e a mídia brasileiros têm pouca vontade de pôr fim à corrupção. Os acusadores mais veementes dos corruptos só condenam a corrupção do lado oposto.

Vejo isso no Facebook. Quando se levanta uma suspeita contra seu lado, indignam-se. Dizem que o outro lado (o "do mal") os acusa para esconder seus malfeitos. Recusam-se a ser investigados, com uma indignação que até parece autêntica. Assim, o combate à corrupção, que deveria ser empenho de todos, se subordina a agendas baixas de campanhas políticas. Isso explica por que mais gente foi protestar contra o não metrô em Higienópolis do que contra a corrupção no Brasil: porque a causa não é limpa. O que é, convenhamos, uma grande pena.

E há um finalmente. Quase toda a crítica ao governo se concentra na corrupção, real ou imaginária. Não vejo os tucanos irem além de defender a privatização do pré-sal ou de atacar o Bolsa Família (mesmo assim, em 2010, Serra propôs aumentá-la, de modo que essa bandeira saiu de cena). No Feice, quem ataca a corrupção não propõe nada para o Brasil. A discussão política ficou pobre. Sinal disso é a recente entrevista de Aécio Neves. O Brasil merece mais. Merece pelo menos duas coisas: debates sobre políticas para o País e um combate, sem uso partidário, contra a corrupção.

*Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política na USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Variações sobre o tempo :: Celso Lafer

O tempo não perdoa o que se faz sem ele, costumava dizer Ulysses Guimarães, citando Joaquim Nabuco. Desse modo ensinava a importância na política do apropriado discernimento do momento oportuno. Não é fácil a identificação desse momento, pois, entre outras coisas, requer conjugar o tempo individual de um ator político com o tempo coletivo de um sistema político e de uma sociedade. Além disso, o tempo flui e é instável no seu movimento, e não só na política. É o caso do tempo da meteorologia, cada vez menos previsível por obra das mudanças climáticas provocadas pela ação humana.

A vasta reflexão dos pensadores, dos poetas e cientistas sobre o estatuto do tempo e seu entendimento aponta para uma complexidade que carrega no seu bojo o desafio de múltiplos significados, cabendo lembrar que a função da orientação é inerente à busca do saber a respeito do tempo. Assim, uma coisa é conhecer o tempo do relógio, que molda o mensurável de uma jornada de trabalho. Outra coisa é lidar com a não mensurável duração do tempo vivido, que perdura na consciência e não se confunde, por sua vez, com o tempo do Direito, que é o tempo normatizado dos prazos, dos recursos, da prescrição, da coisa julgada, da vigência das leis e do drama cotidiano da lentidão da Justiça.

Faço estas considerações lembrando que em 1999, quando fui ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, elaborei uma reflexão sobre os tempos com que estava lidando - o da mídia, o financeiro, o econômico e o político - para me orientar e, ao mesmo tempo, justificar os desafios que estava enfrentando.

O tempo da mídia já era naquela época, e continua sendo cada vez mais, um tempo online, caracterizado pela instantaneidade e pela fragmentação que a revolução digital magnifica pela atuação das redes. A instantaneidade provoca, no Brasil e no exterior, a repercussão imediata dos eventos nas percepções coletivas. Leva a uma concentração no momento presente, afasta a atenção em relação ao passado e contribui para moldar o futuro em função de avaliações, frequentemente precárias, das expectativas.

O tempo financeiro é também um tempo online, de escopo internacional, que lida com a confiança inerente ao crédito. Passa pelas percepções a respeito da consistência das políticas macroeconômicas dos países e da solidez das instituições financeiras. Transita pela volatilidade dos fluxos financeiros, exponencialmente ampliada pela sua desregulação no plano internacional. Isso levou, na época, ao contágio irradiador das crises financeiras nas economias emergentes - entre elas, a do Brasil. Esse contágio irradiador do tempo financeiro é um dos dados da crise de 2008 nos EUA, que se aprofundou este ano com a crise do euro.

Tem outras características o tempo político. É mais lento e menos internacional que o da mídia e o financeiro, pois é condicionado pela territorialidade das instituições e, no caso do Brasil, pelos dilemas do equilíbrio federativo. Estes dificultam a solução de temas como o da guerra fiscal entre os Estados, e hoje afloram no debate sobre os royalties do pré-sal. O tempo político está voltado para dentro do País e o seu horizonte transita pelo calendário das eleições, pelos interesses dos partidos e pelas aspirações e ambições de suas lideranças.

O tempo econômico, que é do ciclo do investimento, da produção e da distribuição, é mais lento que o da mídia e o das finanças e não tem, como o da política, um horizonte marcado pelo calendário eleitoral. É um tempo que requer tempo e não comporta a instantaneidade de soluções. É o que eu apontava naquela época para explicar, sem maior sucesso, as minhas dificuldades no atendimento das expectativas geradas pelos outros tempos com os quais me confrontava.

Lograr sincronizar os diversos tempos, foi a conclusão a que cheguei, é o grande desafio de um ator político e a chave para a condução de políticas públicas no mundo contemporâneo. Estes tempos, cabe realçar, são simultâneos e assimétricos, e não sucessivos, como os tempos evocados pelo Eclesiastes (o de nascer, o de morrer, o de plantar, o de colher, o de guardar, o de jogar fora, etc.).

Acrescentei novos elementos a esta reflexão sobre o tempo na política quando, em 2001-2002, chefiei o Itamaraty e me confrontei com o desafio representado pela sincronização de outros tipos de tempo. Refiro-me ao tempo da globalização e ao tempo da diplomacia.

O tempo da globalização é um tempo rápido, facilitado pelo fim da rigidez da guerra fria e propiciado pelo encurtamento dos espaços e pela porosidade das fronteiras, que internaliza o mundo na vida dos países. O tempo da globalização passou a exigir do Brasil uma diplomacia de participação ativa na vida internacional, posto que deixou de ser possível operar por um relativo distanciamento do mundo e, assim, contar com um tempo mais distendido.

Por sua vez, o tempo da diplomacia, no mundo contemporâneo, é, paradoxalmente, tanto o da urgência das crises e das dificuldades de seu encaminhamento quanto o da lentidão das negociações, como as comerciais ou as do meio ambiente, que resultam das dificuldades de construir consensos lastreados na identificação de interesses compartilhados.

A busca do saber sobre o tempo tem, como mencionei, uma função de orientação. Neste século 21, é preciso parar para pensar a vertiginosa instantaneidade dos tempos e os problemas da sua sincronização, que a revolução digital vem intensificando.

A tradicional sabedoria dos provérbios portugueses diferencia o tempo do falcão e o tempo da coruja. O tempo do falcão é o da rapidez e da violência. É este tempo que nos cerca. O tempo da coruja é o da sabedoria - a sabedoria que nos falta para lidar com a estrutura de possibilidades do tempo no mundo em que estamos inseridos.

Professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no Governo FHC

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Crise expõe coalizão de fachada:: João Bosco Rabello

É a crise do Ministério do Trabalho, dentre todas que a antecederam, que melhor expõe o quão fictício é o chamado governo de coalizão montado em torno de partidos políticos que mais se traduzem por blocos fisiológicos sem outro objetivo além de cargos que sirvam a negociatas de todo o tipo.

Trata-se de uma coalizão de interesses sem qualquer programa mínimo que una os partidos em torno de seus próprios ministros, como se observa agora com a bola da vez, Carlos Lupi, do PDT. Uma ala não desprezível de seu partido simplesmente pediu uma CPI para investigar os desvios na pasta, algo que a desorientada oposição não cogitou sequer como um mero gesto formal de sua intrínseca obrigação.

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) considera que o governo conduz a crise no Trabalho, como as demais, como se aos partidos coubesse a decisão de manter ou demitir ministros. Faria sentido num sistema parlamentarista ou se a coalizão atual estivesse amalgamada por um programa comum de governo.

Como não há uma coisa nem outra, no sistema presidencialista presente cabe exclusivamente à presidente decidir sobre a permanência de um ministro no cargo.

O que a presidente Dilma Rousseff até agora se recusa a fazer em relação a Lupi, apesar dos desvios verificados na pasta que dirige, teoricamente preocupada em perder o apoio do partido na votação da prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permite ao governo o livre uso de 20% do orçamento.

É mais uma das muitas explicações para a condução diferenciada dada a Lupi em relação aos que já caíram abatidos pelo mesmo enredo do titular do Trabalho. Nenhuma dessas explicações, no entanto, convence. Principalmente a DRU, já aprovada uma vez com apenas 44 votos contrários, confirmando a extensão inédita de uma base sem precedentes, que sobra ao governo.

Como a maioria dos políticos, Miro Teixeira acha que o governo se beneficia duplamente do processo de fritura do ministro, até sua queda, porque o que a sociedade grava, ao final, é a demissão, que fica debitada a uma suposta intolerância da presidente com a corrupção.

De outro lado, a longa agonia associa os demais partidos da "coalizão" à corrupção, socializando os desgastes de um governo identificado pela população como do PT.

De concreto, a dar alguma materialidade a essa reflexão corrente no PDT, estão as pesquisas que mantêm a presidente em índices de aprovação invejáveis, ainda que a gestão, em seu governo, se limite a algumas das estruturas chamadas de Estado, no caso presente, na economia, diplomacia, e comunicações.

Cenário que só tem chance de ser minimamente revertido se a reforma ministerial tão anunciada vier acompanhada de um conceito administrativo que reduza o tamanho de uma máquina cujo inchaço a torna ingovernável.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Outubro frio e recessões:: Vinicius Torres Freire

Outubro foi tão ruim quanto o de 2003 para emprego formal; indústria de São Paulo emprega menos

Foi o pior outubro para o emprego formal desde a crise de 2008, a gente ouvia ou lia na sexta-feira dos noticiários "em tempo real", em rádios e em TVs, baseados em números absolutos e na narrativa oficial.

Mas o crescimento de outubro de 2011 foi o menor em quase uma década, em termos relativos, praticamente tão ruim quanto o outubro do ano de estagnação de 2003.

Como de costume o emprego formal estaciona em novembro e despenca em dezembro, o ano terminou para o trabalho com carteira assinada. Ou melhor, para o saldo de novos empregos (contratações menos demissões).

Um mês sozinho de estatística não faz um verão nem um inverno recessivo. O resultado do mês passado, ainda assim, equivale à chegada de uma intensa frente fria.

Parece um exagero chamar a atenção para o péssimo resultado da criação de empregos formais de outubro quando a taxa de desemprego brasileira (na verdade, para meia dúzia de regiões metropolitanas) é a mais baixa provavelmente em mais de 20 anos.

"Provavelmente", explique-se, porque não é possível comparar de modo preciso a taxa de desemprego medida a partir de 2002 com dados anteriores (a metodologia mudou).

Mas se esqueça a história e se considere a "a margem": os dados mais recentes. O mergulho foi rápido. O efeito da política econômica mais restritiva do início do ano somada ao choque de confiança derivado da crise europeia é mais intenso do que o previsto.

Observe-se a situação da indústria. Apanhava devido ao câmbio (ao real forte) desde 2010; sofreu mais com o aperto no crédito. De janeiro a setembro, a produção industrial subiu apenas 1,1% (ante o mesmo período de 2010). Mais ou menos um terço do crescimento do conjunto da economia.

As indústrias de São Paulo e de Minas Gerais estão em recessão, digamos, pois encolheram no segundo e terceiro trimestres do ano. A do Rio de Janeiro encolheu no primeiro semestre do ano e cresceu pouco no trimestre passado.

Está um massacre nas indústrias gráfica, de papel, calçados, couro, madeira e vestuário, nas quais o número de empregos diminui. Nas indústrias têxtil, química, de borracha e plásticos, há estagnação.

Em São Paulo, com um terço da indústria nacional, caiu o número de empregos industriais neste ano. São Paulo, aliás, ajudou e bem a afundar o crescimento do emprego formal no país, em outubro.

Agosto, setembro e outubro são meses de reforço no pessoal da indústria, que mira a produção para as vendas de festas de fim de ano. Faltam os dados oficiais de outubro ainda, mas as estimativas são de estagnação nesse período.

Não é, claro, o caso de dizer que o país escorrega para uma crise típica dos anos 1990, digamos, ou para uma rateada como a vista em 2008, devida à explosão da crise americana.

No mínimo, como remédio de curto prazo, há muita taxa de juros para cortar, e as contas públicas e externas estão em certa ordem, precária e remendada, mas em ordem.

Porém, daqui até meados de 2012, o clima vai ser frio como esta primavera deste ano aqui no sul do país. 

Ou pior, se a recessão for glacial na Europa.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Lenha na fogueira:: Míriam Leitão

De 2006 para cá, a dívida das famílias brasileiras cresceu 250%. No mesmo período, a renda subiu 80%. Em 2006, a dívida total era quitada com dois meses e meio de rendimentos. Hoje, o/a chefe de família precisa de cinco meses para pagar tudo o que deve. As famílias não têm percepção do aumento da dívida porque a dilatação dos prazos faz a prestação caber no bolso.

O aumento da dívida e da renda foi calculado pelo economista André Gamerman, da Opus Gestão, incluindo todos os rendimentos dos brasileiros, como salários e transferências do governo, e todas as dívidas. A diferença de ritmo fez o endividamento das famílias em relação à renda anual saltar de 21,97% para 41,83%, em pouco mais de cinco anos (vejam gráfico). O percentual é maior porque a estatística do Banco Central não considera as dívidas que não passam pelo sistema financeiro, como os carnês de lojas. Também não entram cheques pré-datados que ficam retidos com os lojistas.

O presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, Roque Pellizzaro Júnior, diz que 70% das vendas do comércio são feitas a prazo, incluindo cartão de crédito, carnês e pré-datados. Nas cidades maiores, é mais comum o uso de cartões. Nas menores, o cheque e o carnê ainda são fortes. O uso de carnês tem crescido:

- É uma zona obscura de estatística as vendas com carnês e pré-datados porque as empresas varejistas do Brasil são em sua maioria de capital fechado. Nos últimos seis meses os varejistas estão reclamando que as vendas com carnês estão subindo porque as pessoas já estouraram o limite do cartão.

A inadimplência do consumidor permanece baixa, mas tem subido este ano. Em janeiro, era 5,7% das operações. Em setembro, estava em 6,8%. É a maior taxa desde maio de 2010 e acontece no momento em que o desemprego está em 6%. É isso que chama atenção: se no melhor momento a inadimplência sobe, como será se a economia desacelerar ou a inflação comer parte da renda?

- Estamos com a pulga atrás da orelha. O Brasil não tem poupança nem nível alto de securitização. Qualquer desarranjo no orçamento vai se transformar em dívida. A coluna que sustenta o processo todo é o mercado de trabalho. Se mexer no nível de emprego, vai ser um caos. Por isso o BC está certo em estimular a economia - acredita Pellizzaro.

O BC voltou atrás nas medidas de restrição ao crédito. O parcelamento para compra de automóveis voltará a 60 meses, o valor mínimo para o pagamento do cartão de crédito não subirá a 20%. O crescimento do PIB induzido pelo crédito está em ritmo preocupante, segundo o economista José Marcio Camargo:

- O que mais preocupa é o crescimento muito rápido do crédito, entre 15% a 20% ao ano. Nada que cresce a uma taxa assim pode estar em equilíbrio. As pessoas se endividam pensando em aumento de renda no futuro, acham que vão ganhar mais e assim poderão pagar mais. Há risco caso a economia esfrie e o desemprego aumente.

Não é só a desaceleração que preocupa. A inflação tira renda das famílias e isso significa menos dinheiro para quitar dívidas. A alta dos serviços é um problema:

- A inflação tira bastante renda. Quem virou classe C passou a comprar mais serviços, como telefonia, cabeleireiro, TV por assinatura. As pessoas têm muita relutância em cortar o serviço e a renda vai ficando mais apertada - disse Pellizzaro.

O prazo para pagamento de dívidas foi dilatado e isso ajuda a parcela a caber no bolso. Em janeiro de 2006, as pessoas físicas tinham que honrar os compromissos em 318 dias, em média. Em setembro deste ano, o prazo havia subido para 584 dias. Por isso, a renda das famílias em um mês comprometida com o pagamento de dívidas está em patamar baixo, 14%.

Roque Pellizzaro dá uma boa notícia: o brasileiro, quando alertado, se esforça para sair do atraso:

- Entre 60% e 65% das pessoas que vão para o SPC pagam em até 30 dias depois de receber o aviso. O brasileiro é honesto e quer pagar. Quem entra no cadastro não pode fazer novas compras, isso protege o sistema.

A dívida dos brasileiros está crescendo mais rapidamente do que a renda. As parcelas cabem no bolso, mas a dívida em relação à renda anual está subindo. É bom lembrar que o acesso ao crédito é recente e o dinheiro brasileiro é caro demais. A boa notícia é que a maioria dos brasileiros quer usar o 13º para quitar dívidas.

FONTE: O GLOBO

Governos concentram, não distribuem renda :: Suely Caldas

A mais chocante das realidades que emergem do Censo Demográfico do IBGE é a da péssima e injusta distribuição da renda nacional, a desumana desigualdade social, o abismo entre ricos e pobres. Nas últimas três décadas de Censo (1990, 2000 e 2010), o IBGE vem captando gradativas melhorias. Algumas, motivo de festejo, como o número de computadores nos lares (que saltou de 10,6%, em 2000, para 38,3%, em 2010); outras, mais lentas (embora urgente, a qualidade da educação está neste grupo). Mas a concentração da renda persiste quase inalterada e dela derivam os atrasos sociais que colocam o Brasil no 84.º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), muito atrás do Chile (44.º), da Argentina (45.º) e de outros 17 países da América Latina.

Com o poder de regular o setor privado da economia, concentrar e aplicar 35% de toda a renda nacional obtida com a arrecadação de tributos, os governos têm responsabilidade central na distribuição da renda do País. E desde sempre têm distribuído mal, privilegiando ricos e penalizando pobres. Governar é escolher, decidir onde aplicar verbas públicas. Sustentar uma máquina cara, inflada por 38 ministérios que poderiam ser reduzidos à metade, é escolher gastar muito do Orçamento da União com estruturas e salários de seus funcionários, consciente de que faltará dinheiro para investir em saneamento, educação, saúde e segurança.

Quando passou de 25 para 38 o número de ministérios, o ex-presidente Lula escolheu concentrar gastos no funcionalismo, em detrimento de áreas mais carentes, e reforçar uma enorme anomalia: entre todas as unidades da Federação, Brasília é a cidade mais pobre na produção de riquezas (quase não há indústrias nem agricultura) e a mais rica em renda per capita: a renda média por domicílio (R$ 4.635,00) é a mais alta do País, quase o dobro da segunda colocada, São Paulo, com R$ 2.853,00. É uma cidade que vive do dinheiro público. Nos gastos com aposentadoria o privilégio é ainda mais gritante: enquanto o governo vai gastar este ano R$ 40 bilhões para cobrir o déficit do INSS e garantir a aposentadoria de 28 milhões de trabalhadores privados, vai despender R$ 50 bilhões com o mesmo fim para só 950 mil funcionários públicos.

E como a renda é concentrada no funcionalismo, o Distrito Federal é também o mais desigual dos Estados brasileiros, onde convivem pobres, desempregados ou que trabalham no setor privado e ricos funcionários do governo, sobretudo os vinculados ao Judiciário e ao Legislativo, cujos salários e aposentadorias são mais gordos. Segundo o Censo de 2010, o índice Gini (quanto mais próximo de 1, pior a distribuição da renda) em Brasília é o pior do País (0,591) distante da média brasileira (0,526) e mais ainda de Santa Catarina (0,455), Estado que melhor distribui renda.

Quando o governo escolhe aumentar verbas para universidades públicas e encolhê-las para o ensino fundamental, está privilegiando ricos que conseguem chegar à faculdade e penalizando crianças pobres, analfabetos funcionais que recebem educação de péssima qualidade, além de jovens que, sem condições financeiras, deixam a escola para trabalhar. As universidades têm meios de faturar com pesquisas para empresas privadas; escolas do ensino básico não têm como vender conhecimento, dependem unicamente de dinheiro público.

Outra má escolha ocorre quando o governo decide sobre renda tributária e investimentos: enquanto aplica só R$ 7,5 bilhões em saneamento básico para atender um país onde só 55% dos municípios coletam esgoto, este ano vai deixar de arrecadar R$ 116,1 bilhões isentando ou reduzindo tributos de empresas e instituições ricas. Ou seja, além de escolher mal, age na contramão do progresso social e acentua as desigualdades.

Enquanto essas anomalias não forem corrigidas e governos e a classe política não redirecionarem gastos sociais para os mais pobres, a concentração da renda vai persistir, e no Censo de 2020 o IBGE pode até captar melhorias, mas vai continuar apresentando dados alarmantes de pobreza, violência e carência em saúde, educação e segurança.

Jornalista, professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO