domingo, 28 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Setor privado desmente arautos do intervencionismo

O Globo

Com investimentos estimados em R$ 170 bilhões, empresas privadas se tornam solução para infraestrutura

Os investimentos estimados para este ano e os próximos em infraestrutura deverão somar pelo menos R$ 170 bilhões. O destaque, ao contrário do que imaginam os arautos do novo intervencionismo estatal, é a iniciativa privada. Sem ela, estradas continuariam em decrepitude, linhas de transmissão de energia não existiriam, portos deixariam de ser ampliados, e o saneamento básico se manteria no estado de indigência em que esteve nas últimas décadas.

Ao mesmo tempo que anunciou investimentos de R$ 300 bilhões numa nova versão de política industrial — cujos detalhes têm despertado inquietação —, o BNDES elabora no momento a modelagem de 138 concessões e projetos de Parceria Público-Privada (PPP), segundo levantamento do GLOBO. Ao todo, eles podem significar obras no valor de R$ 268 bilhões.

Luiz Sérgio Henriques* - O pessimismo da razão

O Estado de S. Paulo

Há, pois, uma aparência de retomada dos anos 1930, mas também dos que se seguiram a 1945

Acostumamo-nos, não de todo arbitrariamente, a olhar para personagens, fatos e processos de um século atrás em busca de alguma luz que nos guie em meio à enorme obscuridade ao redor. Discutimos se o fascismo pode voltar, ainda que com roupagem nova, ou se a República Popular da China reatualiza o velho comunismo, agora singularmente dotado de dinamismo econômico e capaz de magnetizar, por causa da mobilidade social exitosa, o que antes se considerava o “Terceiro Mundo”. E as sociedades que, cada qual a seu modo, experimentaram a difícil combinação de capitalismo e democracia política voltam a caminhar na corda bamba, ameaçadas pelos seus próprios demagogos e o séquito de massas que arrastam em rodadas eleitorais sucessivas.

Há, pois, uma aparência de retomada dos anos 1930, mas também dos que se seguiram a 1945. Um observador marxista daquela década, pouco propenso ao sono dogmático, viu no surgimento e na imposição do americanismo e do fordismo não uma ardilosa maquinação imperialista, mas sim uma inédita tentativa de racionalização progressista da economia e da sociedade. Não é certo – referimo-nos a Antonio Gramsci – que deixasse de apostar inteiramente no socialismo soviético, mas é fato que admirava na civilização americana, em contraste com a europeia, uma capacidade hegemônica que “nascia diretamente da fábrica”. Por isso, ela dispensava mediações ideológicas excessivas bem como limitava vigorosamente setores parasitários, rentistas e outros dissipadores da riqueza socialmente produzida.

Entrevista | Yascha Mounk: Bolsonaro mostra para onde estão indo os populistas

Yascha Mounk, que lança novo livro, minimiza desinformação nas redes sociais, aponta risco da ascensão de herdeiros da extrema-direita e compara ex-presidente, inelegível, a Trump, candidato: ‘Escolha dos brasileiros não estava disponível a americanos’

 Paulo Celso Pereira / O Globo

Autor de ‘O povo contra a democracia’, o cientista político Yascha Mounk, professor da Universidade Johns Hopkins, lança no Brasil em fevereiro ‘O grande experimento’ (Companhia das Letras), no qual discute como as democracias com ampla diversidade étnica podem triunfar. Nascido na Alemanha e naturalizado americano, Mounk tem uma visão mais otimista que muitos autores contemporâneos e aponta progressos significativos nos direitos de grupos menos favorecidos: “Precisamos analisar a situação de maneira equilibrada”, alerta.

O senhor afirma no livro que há, tanto na direita quanto na esquerda, um “pessimismo que distorce a realidade” sobre a democracia. A situação é melhor do que os dois lados sugerem?

Sim. Nos Estados Unidos, democratas e republicanos não conseguem concordar em quase nada. Mas uma coisa com a qual concordam é que há uma séria ameaça às instituições democráticas. Há uma crise política em muitos países decorrente da ascensão de populistas. Mas a tendência nas últimas décadas é positiva. Tivemos uma grande ascensão das mulheres, expansão da tolerância para gays e lésbicas, e há muito mais representação de minorias étnicas nos níveis mais altos da sociedade, dos negócios e da política.

Eliane Cantanhêde - O ‘SNI particular’ de Jair

O Estado de S. Paulo

Ramagem não agira por conta própria, mas dentro da engrenagem do golpe e a mando de Bolsonaro

Ao anunciar que tinha um “sistema particular de inteligência”, na reunião ministerial tenebrosa de maio de 2020, o então presidente Jair Bolsonaro confessou um crime, a manipulação das instituições e uma velha prática: a confusão entre o público e o privado. O sistema de inteligência do Estado não é propriedade de presidentes e nunca poderia ser considerado “particular”, assim como Exército Brasileiro nunca deveria ser chamado de “meu Exército”.

Os sistemas que Bolsonaro tentou transformar em “particulares” foram os de inteligência, como Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin); os armados, Exército, Marinha e Aeronáutica, além de PRF e até polícias estaduais; e os de investigação e controle, como Receita Federal (impostos) e Coaf (operações financeiras “atípicas”).

Rolf Kuntz - Promessas e perigos do plano industrial

O Estado de S. Paulo

Não basta fazer da indústria, novamente, um dos focos da política de crescimento. É essencial evitar a repetição de erros

O Brasil pode voltar a crescer como potência industrial, se nenhuma grande bobagem for cometida em Brasília. Emperrada e abandonada pelo governo por mais de dez anos, a indústria é reabilitada, agora, como um dos focos da política econômica. Com financiamento previsto de R$ 300 bilhões até 2026, o programa foi recebido com ceticismo e críticas por analistas do mercado. Se o dinheiro aparecer e as mudanças começarem, ainda será necessário um enorme esforço de recuperação. O setor produziu em novembro 17,6% menos que em seu pico histórico, atingido em maio de 2011. Mesmo com alguma retomada na fase pós-pandemia, a produção da indústria foi 0,9% menor que em fevereiro de 2020, quando ainda eram poucos, no País, os casos conhecidos de covid-19.

Merval Pereira - A pressão contínua

O Globo

Usar o poder estatal para pressionar uma empresa privada, é a aplicação de um capitalismo de Estado de baixa qualidade que certamente abalará a imagem do país no exterior.

Continua nos bastidores a pressão do governo sobre o Conselho da Vale, embora extraoficialmente se saiba que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega desistiu da indicação para a presidência da companhia, caso raro de alguém que desiste de um cargo para o qual não foi convidado. Seria um prêmio de consolação do presidente Lula para Mantega, que considera seu amigo um injustiçado.

A questão não é se Mantega tem ou não condições para presidir uma empresa do porte da Vale, mas lembrar que a mineradora é uma empresa privada, tem critérios próprios para a escolha de seus dirigentes, pelos quais o indicado pelo governo não passaria. A começar pelo fato de que, segundo essas regras, há um comitê de nomeação que recomenda ao Conselho os nomes dos candidatos, escolhidos por uma empresa de “head hunter” de nível internacional reconhecido.

Dorrit Harazim - Barbárie

O Globo

Pena de morte é incompatível com qualquer sociedade evoluída. Simples assim, apesar de toda a complexidade

É tudo muito louco. Em novembro de 2022, no dia marcado para ser executado por injeção letal, o condenado à morte Kenneth E. Smith, do Alabama, ficara amarrado à maca por quatro horas, enquanto agentes lhe perfuravam braços e pernas à procura de um acesso intravenoso para aplicar o coquetel de fármacos. Demoraram tanto que o prazo para a execução expirou, e Smith foi devolvido ao corredor da morte. Estava traumatizado. Já havia recebido as últimas orações, degustara uma refeição de sua escolha como parte do ritual, se despedira de lembranças. Em resumo, estava despreparado para voltar a ser vivente encarcerado há 34 anos.

Bernardo Mello Franco - O resgate de um diário: Mércia Albuquerque e a resistência à ditadura

O Globo

Nos 60 anos do golpe militar, anotações de advogada viram livro e inspiram monólogo de Andrea Beltrão

Em 2 de abril de 1964, militares amarraram Gregório Bezerra à traseira de um jipe e o arrastaram seminu pelas ruas do Recife. Preso nas primeiras horas do golpe, o ex-deputado foi espancado e exibido como um troféu do novo regime. A brutalidade chocou a jovem advogada Mércia Albuquerque, que presenciou a covardia contra o velho comunista.

“Gregório, apenas com um calção preto e uma corda de três pontas amarrada no pescoço, era arrastado por soldados, seguidos de perto por um carro de combate, com pés que haviam sido banhados em soda cáustica, sangrando”, registrou Mércia. Naquele dia, ela tomou uma decisão: abandonaria o emprego para defender presos políticos.

A advogada virou referência para vítimas do arbítrio em todo o Nordeste. Denunciou torturas, peitou coronéis, ajudou a localizar desaparecidos vivos e mortos. Para aguentar o tranco, despejou suas angústias e num diário secreto, recém-publicado pela Editora Potiguariana. O livro inspira “Lady Tempestade”, monólogo de Andrea Beltrão que tem lotado todas as sessões no Teatro Poeira.

Elio Gaspari - Mercadante quer o quarto polo naval

O Globo

Não deu outra, 24 horas depois do anúncio do programa Nova Indústria, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, anunciou que a Viúva poderá botar pelo menos R$ 2 bilhões num projeto de recriação da indústria naval. Assim, a geração de Lula será a única que financiou quatro polos navais. Os três anteriores foram a pique.

Mercadante diz que “nós precisamos fazer navios, já fizemos.” Tem toda razão. No século XVII, na Ilha do Governador, construiu-se o galeão Padre Eterno, que pode ter sido o maior barco do mundo. Na mesma fala o doutor informou: “Tivemos uma indústria pujante de construção naval nos anos 70.” Pujante ela era, mas quebrou. Os polos navais quebram porque quando se lança um novo programa não se revisita a causa da ruína dos anteriores.

Luiz Carlos Azedo - Vale reabre debate sobre privatizações

Correio Braziliense

"O mandato de Eduardo Bartolomeu, atual CEO da empresa, termina em maio e o conselho de administração precisa decidir até quarta-feira se o mantém ou não"

Durante a última semana o nome do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega voltou à ribalta, como suposto indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para presidir a Vale, a grande empresa brasileira que atua nos setores de mineração, logística, energia e siderurgia. Foi criada como estatal em 1942, por Getúlio Vargas, para exploração de ferro em Itabira (MG), com o nome de Companhia Vale do Rio Doce, um alicerce da industrialização pesada no Brasil, principalmente da siderurgia. O caso reabre o debate sobre as privatizações. Hoje, a Vale S.A. é a 31ª maior companhia do mundo.

Celso Rocha de Barros - Jair criou um SNI clandestino contra Lira e ministros do STF

Folha de S. Paulo

Faz sentido Congresso continuar tratando bolsonaristas como participantes legítimos do jogo político?

Sempre que você ouvir de um bolsonarista que Alexandre de Moraes ameaça o equilíbrio entre os três Poderes, lembre-se disso: enquanto presidente, Jair Bolsonaro mantinha um esquema clandestino de espionagem contra o presidente da Câmara dos Deputados e os ministros do Supremo Tribunal Federal.

Em país sério, isso dá uma cana tão longa que no final da pena o elemento ganha o terreno do presídio por usucapião.

As revelações são da Polícia Federal. Segundo a PF, o esquema era comandado por Alexandre Ramagem, chefe da Abin durante o governo Bolsonaro.

Além de espionar o chefe dos outros Poderes, o esquema clandestino monitorava jornalistas e adversários políticos de Jair, promovia fake news e buscava informações que ajudassem os filhos de Bolsonaro a escapar da cadeia por escândalos de corrupção variados.

Bruno Boghossian - Talvez Lula precise dar mais broncas em seus ministros

Folha de S. Paulo

Presidente começou o ano com três reprimendas após falhas coletivas do primeiro escalão

Lula começou o ano ao ritmo de uma grande bronca por semana em sua equipe. Em reuniões recentes, ele reclamou da demora na retirada de garimpeiros do território yanomami, passou um sabão em ministros por erros nas negociações da energia de Itaipu e repreendeu auxiliares que prepararam o novo plano do governo para a indústria.

O petista já admitiu que é um presidente mais ansioso neste mandato. Passou 2023 dizendo que tinha pressa para entregar resultados e que o tempo de governo era curto. Mas as reprimendas de Lula têm menos a ver com seus humores e mais com falhas coletivas do primeiro escalão.

Muniz Sodré* - A polarização política e a polarização social

Folha de S. Paulo

Episódios de vida são mais reveladores do que conceitos geopolíticos

A polarização política que inquieta especialistas por sua persistência não é o mesmo fenômeno da polarização social. Faz diferença a dimensão afetiva, em que episódios de vida são mais reveladores do que conceitos. Assim, um indivíduo convicto do momento de "pacificação" decide aproximar-se do vizinho percebido como pacato, respeitoso, mas de quem se diz votar no lado violento. Na afabilidade da piscina condominial, aborda-o com tato, a resposta é tranquila: "Sim, sou bolsonarista, mas do bem". Acrescenta: "Isso existe".

Hélio Schwartsman - Gerindo a incerteza

Folha de S. Paulo

Livro mostra como Big Techs se apropriam de informação para assegurar monopólio e lucrar

"Incerteza, um Ensaio", de Eugênio Bucci, é um livro ao mesmo tempo despretensioso e profundo. O autor começa recapitulando ideias da física sobre incerteza e entropia, passa pela teoria da informação de Claude Shannon, e mostra como o mundo moderno, em especial a esfera digital, se tornou um campo de batalha pelo controle da incerteza. As big techs se garantem como monopólios porque são capazes de se apropriar da incerteza e geri-la.

Antes de seguir, devo assinalar que Bucci é meu amigo, o que me torna automaticamente meio suspeito para comentar seu livro. O leitor que aplique os descontos que julgar necessários.

Poesia | Um homem e o seu carnaval, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Alceu Valença - Luar de Prata