terça-feira, 6 de novembro de 2018

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso

Num artigo de jornal não cabem demasiadas considerações sobre os valores que poderão dar arrimo a um centro que não se confunda com a fisiologia de “centrões”, nem se perca na vacuidade das indefinições. Mas é preciso deixar no ar a pergunta: que movimentos e partidos poderão materializar o radicalismo de centro?

Comecemos com a autocrítica. Também o PSDB, ainda que vitorioso em Estados expressivos, se desfigurou nas últimas eleições. Será capaz de se remontar? Francamente, não sei. E os demais partidos e movimentos de renovação, que rumos eles tomarão para sobreviver?

Se for o da adesão oportunista ou o da crítica indiscriminada a tudo o que o novo governo fizer, de pouco servirão para a retomada do rumo democrático e progressista. É cedo para apostar. A paciência histórica é boa conselheira e não se confunde com inação. A consolidação de um novo movimento requer desde já a pavimentação de alianças, não só no círculo político, mas principalmente na sociedade, para formar um polo aglutinador da construção de um futuro melhor. E como as eleições de outubro mostraram, não basta ter boas ideias, é preciso que elas circulem nas redes que conectam as pessoas e mobilizam corações e mentes.

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Sociólogo, foi presidente da República. ‘Paciência histórica’, O Estado de S. Paulo, 4/11/2018

Merval Pereira: Questão de imagem

- O Globo

Novo governo vai ter que sopesar a importância das tradições, princípios e valores de nossa diplomacia

É preocupante o rumo que Jair Bolsonaro parece querer imprimir à política externa, que poderá pôr em risco a credibilidade das instituições brasileiras e promover a importação de ódios e terrorismo, em vez de exportar concórdia, resultante do convívio harmônico entre judeus e árabes, de que o país é exemplo.

Além do mais, o presidente eleito terá que lidar com um problema adicional, a péssima imagem que tem no exterior, que contamina a do próprio Brasil. Seu futuro chanceler terá que ter credibilidade para reverter essa imagem, e suas ações contribuirão para facilitar ou dificultar o trabalho do futuro ministro das Relações Exteriores, que, por isso mesmo, precisa ser da carreira e com experiência para aguentar o tranco que vem por aí. Ele, que ficou tão irritado com o comentário do ex-presidente Fernando Henrique sobre sua imagem no exterior, tem que se preocupar mais com o tema.

A contribuição da política externa para o desenvolvimento, não apenas econômico, mas cultural, do país começa pelo estabelecimento de temas prioritários na agenda internacional, para nos colocarmos ao lado das melhores práticas: desenvolvimento sustentável, atração de investimentos externos, absorção de conhecimento e tecnologia, parcerias capazes de aumentar a produtividade, estimular a inovação e tornar o Brasil mais empreendedor e competitivo.

O novo governo vai ter que sopesar a importância das tradições, princípios e valores de nossa diplomacia, amplamente reconhecidos no mundo, antes de tomar decisões tão polêmicas quanto, por exemplo, a transferência de embaixada para Jerusalém. Após as declarações de Bolsonaro, o governo do Egito cancelou uma visita oficial da missão brasileira.

José Casado: Bolsonaro no buraco

- O Globo

Presidente eleito seria um poeta se falasse menos sobre política externa

Aconteceu numa segunda-feira de 55 anos atrás, na Manhattan de um mundo em Guerra Fria, quando Jair Bolsonaro era apenas um garoto nas ruas descalças de Ribeira (SP), a oito mil quilômetros de distância.

Cinco homens e uma mulher entraram no 112-Oeste da Rua 48, Nova York. Há meses Astrud Gilberto (voz), Antonio Carlos Jobim (piano), Tião Neto (baixo), Milton Banana (bateria), João Gilberto (violão) e Stan Getz (sax) lutavam para apresentar a bossa nova ao público.

Nos ensaios faltou sintonia entre Getz e João, relata Ruy Castro em “Chega de saudade”. O baiano explodiu: “Tom, diga a esse gringo que ele é burro.” O carioca Jobim virou-se para o americano e traduziu: “Stan, o João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você.”

Foi um dos grandes momentos da diplomacia brasileira: o disco “Getz/Gilberto” abriu o mercado dos EUA e da Europa para a bossa nova.

Bolsonaro não possui átomo da genialidade diplomática de Jobim, mas seria um poeta se falasse menos sobre política externa no seu mandato.

Míriam Leitão: O que evitar na política externa

- O Globo

Se o Brasil adotar uma política externa à reboque dos EUA fará o contrário do que os próprios militares implantaram no período deles

Diplomacia é arte de delicada tessitura. Mesmo para endurecer é preciso saber como fazer e qual é o passo seguinte, como num jogo de xadrez. E só deve ter um norte: o interesse do Brasil. O próximo governo tem falado qual será a política externa antes de escolher o futuro ministro. Como candidato, Jair Bolsonaro fez declarações das quais teve que recuar. Como presidente eleito deveria evitar precipitações porque suas palavras têm enorme peso agora. Nos governos Geisel e Figueiredo o Brasil retomou a política externa não ideológica e não alinhada aos Estados Unidos, que, depois, foi seguida em governos democráticos.

Os ministros Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro, nos governos Geisel e Figueiredo, conduziram o chamado “pragmatismo responsável". O Itamaraty retomou, naquela época, o caminho de uma política externa independente que havia sido abandonada no início do regime militar.

Um dos exemplos dessa política ocorreu em novembro de 1975 quando o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o novo governo angolano que havia declarado a independência em relação a Portugal, e era comandado pelo MPLA, que se declarava marxista. Uma parte do país era dominada por outro grupo guerrilheiro, a Unita, que anos depois perdeu a guerra.

Geisel, em março de 1977, rompeu o acordo militar com os Estados Unidos assinado nos anos 1950. Era uma forma de o Brasil escolher seu caminho também nesta área. O então presidente chegou a pensar num rompimento de outros acordos, mas foi aconselhado pelos diplomatas a esperar a reação americana com cartas na manga. Tudo o que os Estados Unidos fizeram foi enviar o general Vernon Walters ao Brasil para tentar demover o país, missão que fracassou.

Eliane Cantanhêde: Brincando com fogo

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro condena a política externa ideológica do PT e não deve incorrer nesse erro

Quem brinca com fogo pode se queimar, mas quem está saindo chamuscado das propostas do presidente eleito Jair Bolsonaro não é ele, mas o Brasil. O duro artigo do governo da China e o duríssimo cancelamento de uma visita oficial do chanceler brasileiro ao Egito devem acender o sinal amarelo no QG de Bolsonaro, que tem uma grande vantagem: sabe recuar. Pois é hora de recuar.

Política externa é “de Estado”, não “de governo”, mas é óbvio que novos presidentes têm direito de fazer ajustes, calibrar o tom e deixar a sua marca nas relações com o mundo. Só não podem dar cavalo de pau, porque política externa se faz com credibilidade e estabilidade, para não atrair retaliações imediatas ou perda de imagem do País a médio prazo.

Aliás, se Bolsonaro condena a política externa ideológica do PT, ele não pode incorrer no mesmo erro, com uma política externa igualmente ideológica, no sentido inverso. Também não convém ignorar que o governo Temer já promoveu uma guinada de pragmatismo, reaproximando Brasília de Washington e afastando de Caracas.

Entre as bombas acionadas pelas falas de Bolsonaro na área internacional destaca-se a transferência da embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém, rompendo décadas de neutralidade do Brasil no Oriente Médio, a favor de Israel e contra os Países Árabes, que têm fortes laços comerciais e culturais aqui.

O Egito – um dos árabes mais moderados – já chutou o pau da barraca, cancelando o convite para o chanceler Aloysio Nunes Ferreira ir ao país nesta semana com dezenas de empresários que, inclusive, já estavam no Cairo. E tudo por um voluntarismo de Bolsonaro. Mudar a embaixada para Jerusalém não muda absolutamente nada a favor do Brasil. Muito ônus para zero bônus. Aliás, só a Guatemala e os EUA de Donald Trump fizeram isso. O Paraguai, que tinha feito, já voltou atrás.

Ana Carla Abrão*: Envelhecer é uma conquista

- O Estado de S.Paulo

Temos um sistema previdenciário que reforça a desigualdade de renda

O Brasil está envelhecendo. Em 2050, mais de 30% da população terá mais de 65 anos, num processo de envelhecimento acelerado e bem mais acentuado do que o dos nossos pares na América Latina ou no conjunto de países emergentes. Paralelamente, temos um sistema previdenciário injusto. Transferimos bilhões de reais, de forma continua, para as camadas mais ricas da população, que se aposentam cedo, e recebem valores que são, em média, muitas vezes superiores ao da grande maioria da população, que recebe apenas um salário mínimo de aposentadoria.

Se isso já não fosse suficiente para motivar uma reforma da Previdência, haja visto sermos o 3.º país mais desigual do mundo, ainda pressionamos todos os outros gastos com um déficit que, em 2017, consumiu R$ 268,8 bilhões. Outros R$ 192 bilhões serão consumidos até o final deste ano, só no Regime Geral. Na peça orçamentária de 2019, os gastos com Previdência superam em 3 vezes o total de gastos em educação, saúde e segurança juntos. Ou seja, temos um sistema previdenciário que reforça a desigualdade de renda e consome recursos que deveriam ser alocados de forma a garantir melhores condições de vida para toda a população, principalmente a menos favorecida.

Bruno Boghossian: Ainda em campanha

- Folha de S. Paulo

Promessas de Bolsonaro têm encontro marcado com o mundo real

Jair Bolsonaro já tirou as medidas para o terno da posse, mas continua vestido com o figurino de campanha. Nos últimos dias, o presidente eleito dobrou a aposta nas promessas que fez na disputa. A diferença é que, agora, suas palavras produzem efeitos que vão além da mera retórica de candidato.

Já vitorioso, Bolsonaro fez questão de reforçar compromissos como a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. “Não vejo clima pesado em mudar as embaixadas. Não vejo problema”, disse, em entrevista na última semana.

Pois o problema apareceu. Países árabes reagiram à proposta, que é vista como uma hostilidade aos muçulmanos. Nesta segunda (5), o governo do Egito cancelou uma visita que o chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira, faria ao país.

A ideia de mudar a sede da diplomacia era um acordo do então candidato do PSL com líderes evangélicos. A promessa caiu bem entre esses eleitores (que deram 70% de seus votos a Bolsonaro), mas pode prejudicar as relações comerciais.

Joel Pinheiro da Fonseca: Bolsonaro e o mundo

- Folha de S. Paulo

Sua política externa permanece, como tanto de seu governo, um mistério

É prudente dar uma chance ao novo governo antes de fazer um juízo taxativo sobre ele. Por enquanto podemos apenas especular sobre o futuro governo Bolsonaro, com base nos elementos que o presidente eleito e sua equipe nos dão.

E, quando for necessário, já fazer o alerta dos riscos mais previsíveis. Sua política externa permanece, como tanto de seu governo, um mistério. Já se delineiam, contudo, três possibilidades de linhas a se seguir.

A primeira, que tem sido defendida por Paulo Guedes, representa um claro avanço para o Brasil: integrar nosso país à economia global. Promover o livre comércio com outras nações. Como os acordos multilaterais não avançam (por exemplo, o com a União Europeia), a aposta será em acordos bilaterais.

Eles podem realmente dar conta das barreiras tarifárias altas que ainda vigoram entre o Brasil e diversos outros países. As barreiras não tarifárias (exigências de regulamentações compatíveis entre os diferentes mercados) provavelmente dependerão ainda dos grandes acordos multilaterais.

Uma segunda possibilidade, que não exclui a primeira, é mais dúbia: subserviência à política externa norte-americana. Quando Bolsonaro diz que mudará a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, imitando Trump, ele toma uma posição extremada em um conflito delicado que não favorece nenhum dos nossos interesses e que não corresponde aos valores de paz e mediação pelos quais a diplomacia brasileira sempre primou.

Hélio Schwartsman: Eleição cansativa

- Folha de S. Paulo

Pleito coloca 48 decisões nas mãos do eleitor de San Francisco, na Califórnia

Se você achou muito ter votado em candidatos para ocupar seis cargos nas eleições de outubro, considere-se feliz por não viver nos EUA. Um eleitor de San Francisco, Califórnia, por exemplo, terá nada menos do que 48 decisões a tomar no pleito desta terça.

Ele será convidado escolher um deputado federal, um estadual, um senador, o governador e mais 16 autoridades eleitas (estaduais e municipais), manifestar-se acerca do destino de 10 juízes (prorrogar o mandato ou fazer o recall) e votar em 13 iniciativas legislativas estaduais e cinco municipais.

Esse banho de democracia é positivo? A questão é traiçoeira. Não há dúvida de que as autoridades políticas devem ser eleitas. Ninguém ainda apresentou um sistema melhor do que a democracia. Mas o que dizer de cargos mais técnicos, como superintendente de educação?

Luiz Carlos Azedo: A decisão estratégica

- Correio Braziliense

“Um alívio de cinco anos no caixa do Tesouro é tudo o que o novo governo precisa para executar seu programa de reformas e retomar o crescimento econômico”

“A decisão mais estratégica é a aprovação da reforma da Previdência que está pronta para ser votada no Congresso. Com ela, o novo governo terá melhores condições para cuidar da economia”, acredita o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, responsável pela elaboração do documento Uma ponte para o futuro, que continua sendo a principal agenda de reformas do país, e um dos artífices das articulações que levaram Michel Temer à Presidência. Moreira já arruma as gavetas para uma retirada em ordem, como se diz no jargão militar. Mas está entre os que defendem a maior colaboração possível com o novo presidente eleito, Jair Bolsonaro, para que a transição de governo seja suave.

Um alívio de cinco anos no caixa do Tesouro é tudo o que o novo governo precisa para executar seu programa de reformas e retomar o crescimento econômico. Mas a prioridade política de qualquer governo que se inicia é a eleição das Mesas da Câmara e do Senado. É aí que está o problema. Bolsonaro tem interesse em aprovar qualquer coisa que o ajude no começo do governo a enfrentar o deficit fiscal, mas precisa da eleição de aliados para as presidências das duas Casas para ter governabilidade, ainda mais diante de uma oposição como o PT, que elegeu a maior bancada da Câmara.

Atual presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) é candidato à reeleição. Sem seu apoio decidido, a soma de esforços de Temer e Bolsonaro pode não ser suficiente para aprovar a reforma. O ministro extraordinário da transição de governo, Ônix Lorenzoni (DEM-RS), futuro chefe da Casa Civil, responsável pelas articulações no Congresso, sabe disso. Entretanto, é um desafeto de Rodrigo Maia, com quem entrou em rota de colisão quando era líder da legenda e acabou sendo por ele isolado. Deu a volta por cima como dissidente da legenda, que apoiou o tucano Geraldo Alckmin. Lorenzoni foi dos primeiros a embarcar na nau catarineta de Bolsonaro, que o levou ao poder. Sem acordo entre Bolsonaro e Maia a reforma sequer entra na pauta.

Fernando Exman: Transmutação entre candidato e presidente

- Valor Econômico

Nomeação de Moro deu novo fôlego ao discurso da oposição

Aos poucos, o brasileiro começa a ser apresentado à nova persona pública de Jair Bolsonaro. Ainda em construção, é um misto de homem que mantém hábitos simples com quem vai tentando assumir a postura de estadista que a condição de presidente da República eleito exige. Seu primeiro teste para valer, contudo, será esta semana. Ele desembarca em Brasília para participar de reuniões em todos os cantos da Praça dos Três Poderes, onde multiplicam-se os curiosos para ver como o capitão reformado do Exército se comportará diante das dificuldades que certamente enfrentará nos próximos anos.

Parlamentar do chamado baixo clero durante quase três décadas, Bolsonaro será o foco das atenções. Mas, desta vez, seus interlocutores esperam mais do que falas de efeito ou das tradicionais declarações feitas em muitos decibéis. Querem ouvir de forma clara como atuará o presidente, como pretende se relacionar com as outras instituições e quais as pautas convergentes que poderão avançar logo nos primeiros meses do próximo governo.

Bolsonaro ainda tem tempo suficiente para concluir esse processo de transmutação, deixando no passado a imagem do deputado habituado a envolver-se em polêmicas. Até a posse, terá de dar espaço à figura de uma autoridade que justifique o ar solene do mestre de cerimônias, cada vez que for anunciada a presença do "excelentíssimo senhor presidente da República" no recinto. Isso não quer dizer ser formal ao extremo, como o presidente Michel Temer. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva soube conciliar essas características e hoje, mesmo preso, representa a maior figura da oposição a ser enfrentada por Bolsonaro. Lula se alimentará dos erros do futuro governo e tentará neutralizar os seus feitos, entre os quais o mais recente foi a nomeação do juiz Sergio Moro para o Superministério da Justiça e Segurança Pública.

Sergio Lamucci: O imenso desafio do ajuste fiscal

- Valor Econômico

Sem programa crível para contas públicas, economia vai patinar

O tamanho do desafio fiscal do novo governo não pode ser subestimado. Além de uma reforma da Previdência ambiciosa, equilibrar as contas públicas exige a contenção de outras despesas num orçamento ultraengessado, em que o governo consegue manejar com liberdade menos de 10% dos gastos não financeiros. Se não apresentar logo de início um programa crível de ajuste, o crescimento da economia tende a não decolar, dificultando a própria consolidação fiscal.

Pelas declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, a ideia é atacar o problema fiscal pelo lado das despesas, e não das receitas. Guedes já disse que vai "simplificar e reduzir impostos, eliminar encargos e impostos sobre a folha de pagamentos para gerar em dois, três anos 10 milhões de empregos novos".

A prioridade ao controle de despesas é positiva, uma vez que os gastos cresceram com força por muitos anos, mas cortar tributos no atual cenário pode comprometer uma situação fiscal já delicada. Desde o fim de 2013, a dívida bruta saltou de 51,5% do PIB para os atuais 77,2% do PIB. O ponto é que concentrar o ajuste exclusivamente pelo lado das despesas coloca "um peso enorme em um Orçamento do qual menos de 10% pode ser alterado discricionariamente pelo Poder Executivo", como destaca um estudo da A.C. Pastore & Associados. A consultoria diz que o esforço fiscal necessário para estabilizar a dívida pública em proporção ao PIB é melhorar em torno de quatro pontos percentuais do PIB - "cerca de 20% das despesas primárias do governo federal". Grosso modo, é preciso fazer o resultado primário (que não inclui gastos com juros) passar de um déficit de 2% do PIB para um superávit de 2% do PIB.

Luiz Gonzaga Belluzzo: Nostalgia do futuro

- Valor Econômico

Corremos o risco de sermos piores do que já fomos, ou podemos ser muito melhores do que parecemos?

Em entrevista sobre seu filme Satyricon, Federico Fellini desvelou a alma que se escondia no rosto atormentado de seus personagens. No crepúsculo do império romano e de suas glórias, as faces se contorciam entre o tédio das concupiscências e as angústias da desesperança. Para o grande Federico, o filme escancarava "a nostalgia do Cristo que ainda não havia chegado".

Nesta hora em que muitos se submetem ao medo ou escolhem o ódio, não é despropositado recordar momentos que inspiraram vida, insuflaram esperanças e ensejaram conquistas às mulheres e homens dos Tristes Trópicos.

Vasculhar o passado com os olhos no horizonte é um saudável exercício de nostalgia do futuro. Nós, brasileiros, padecemos, hoje, as dores de uma indagação crucial: corremos o risco de sermos piores do que já fomos, ou podemos ser muito melhores do que parecemos?

Já tivemos nossos dias de grandes aspirações e realizações. Respondemos com vigor à Grande Depressão dos anos 1930 do século passado. Entre 1930 e 1945, o "fazendão" atrasado e melancólico do Jeca Tatu - a terra da hemoptise, do bicho-do-pé e da lombriga - cedeu espaço para a construção da economia urbano-industrial.

Ricardo Noblat: Por que não te calas, Bolsonaro?

- Blog do Noblat

Sem descer do palanque

Apenas nas últimas 24 horas a tomar-se a meia-noite como limite, Bolsonaro torpedeou a reforma da Previdência, deixou mal seus ministros cinco estrelas Paulo Guedes e Sérgio Moro, voltou a irritar os países árabes, desgostou Israel, pôs em risco a credibilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e estimulou o denuncismo de alunos contra os professores.

Em entrevistas a emissoras de televisão, Bolsonaro deixou o mercado financeiro em sobressalto ao dizer que ainda não “está batido o martelo” sobre a reforma da Previdência. Ele não só vê com desconfiança a ideia de substituir o modelo atual por um que pressuponha uma poupança individual do trabalhador, como não parece convencido sobre a própria reforma em si.

“Nós temos um contrato com o aposentado, você vai mudar uma regra no meio do caminho?”, perguntou o presidente eleito há pouco mais de uma semana. Para ele mesmo responder: “Não pode mudar sem levar em conta que tem um ser humano que vai ter a vida que será modificada”, disse. Bolsonaro descarta qualquer modelo de reforma que atinja os militares.

Do laboratório onde futuros auxiliares deles testam fórmulas para financiar gastos públicos havia saído a ideia de se recriar um tipo de novo imposto em tudo semelhante à antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), vulgarmente conhecida como “imposto do cheque”. Bolsonaro voltou a repetir que isso jamais acontecerá.

Bolsonaro afirmou ter dado “carta branca” ao juiz Sérgio Moro para tocar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, mas em seguida admitiu que não será bem assim. No que ele e Moro divirjam, os dois terão que fazer concessões. Bolsonaro, por exemplo, não abre mão de favorecer a posse de arma “pelos brasileiros de bem”. Moro não está alinhado com ele.

Sobrou para o IBGE. “Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil. O que está aí é uma farsa”, disparou o capitão. A metodologia do IBGE baseia-se em outras adotadas universalmente e no conhecimento acumulado pelo instituto desde sua fundação. Só desperta dúvidas em quem pouco ou nada entende do assunto.

Sobrou também para os professores. Em defesa do controverso projeto Escola Sem Partido, preste a ser enterrado em breve por decisão do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro aconselhou os estudantes a gravarem às aulas que assistirem para, se for o caso, denunciar professores que tentem ensiná-los a pensar politicamente assim ou assado.

A propósito de sua decisão anunciada de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, e no dia em que o Egito, em retaliação, cancelou a visita ao Cairo do ministro Aloysio Nunes, das Relações Exteriores, Bolsonaro aparentemente recuou. “Não é uma questão de honra”, disse. Mas voltou a defender o direito de Israel sobre Jerusalém.

O recuo incomodou o governo de Israel. Apenas os Estados Unidos e a Guatemala já decidiram transferir seus embaixadas de Tel Aviv para Jerusalém. O Brasil seria o terceiro país. A defesa feita por Bolsonaro do direito de Israel sobre Jerusalém aumentou a revolta dos países árabes, mercado próspero para produtos brasileiros.

A governar sem descer do palanque de candidato, o capitão reformado Jair Bolsonaro arranjará mais encrencas para seu lado do que possa imaginar.

Ou Moro é bobo ou se faz
Juiz em trânsito

Esta tarde, em entrevista coletiva de imprensa convocada por ele, o juiz Sérgio Moro, em transição para o governo Jair Bolsonaro, poderá explicar melhor o que disse ontem em meio a uma palestra que deu em Curitiba.

Cármen vê onda ‘perigosamente conservadora’

Durante seminário em homenagem aos 30 anos da Constituição, ministra do STF defende direitos fundamentais e afirma que nova tendência não é só no Brasil. Ayres Britto reclama do nível da campanha

Frederico Lima | O Globo

BRASÍLIA – A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ontem que é preciso respeitar as escolhas da população, mesmo ressaltando que muitas vezes ela mesma fica “preocupada” com algumas decisões do povo. Cármen participou de um seminário em homenagem aos 30 anos da Constituição. No evento, a ex-presidente do STF afirmou que o mundo inteiro, e não só o Brasil, passa por uma onda que, às vezes, é “perigosamente conservadora”.

— Queria lembrar que estamos vivendo uma mudança que não é só no Brasil. Uma mudança, inclusive, conservadora em termos de costumes. Às vezes, na minha compreensão de mundo, e é só na minha, não significa que esteja certa, perigosamente conservadora, porque a tendência na humanidade é de direitos fundamentais que são conquistados a gente não recua — disse a ministra do STF, que, antes, ressaltou a importância da liberdade de escolha da população:

— Eu acredito muito no povo brasileiro, mesmo quando, muitas vezes, eu fico preocupada com as opções feitas, mas que são escolhas próprias de um cidadão livre. Se não tivéssemos liberdade, não estaríamos escolhendo. Também tenho muita consciência de que escolhas feitas, são escolhas que mudam segundo o que o ser humano acha ser a sua necessidade, a sua carência. O cidadão brasileiro mudou e mudou para melhor. E mudou para estar presente, e mudou para falar.

CONQUISTAS DE GERAÇÕES
Cármen Lúcia considera que a Constituição é uma lei viva, que pode ser interpretada e está aberta às mudanças atuais da sociedade, mas que tais mudanças não podem alimentar retrocessos. A ministra também fez uma defesa das liberdades adquiridas depois de 1988.

—Transformações acontecem, o que não pode acontecer nunca, eu acho, é a transformação que seja contrária às liberdades humanas, aos direitos fundamentais, porque são conquistas de gerações em gerações. Obriga o compromisso de fazer valer, de tornar concreto e principalmente de garantir o que foi conquistado por tantas gerações que não se acabe de um momento para outro. É muito fácil destruir e isso não leva a lugar nenhum.

A ministra exaltou a Constituição, ressaltando que ela não é perfeita, mas que é criticada mais pelos acertos do que pelos erros:

— Temos uma boa Constituição, com defeitos, sim, nenhuma Constituição é perfeita, porque ela é obra do ser humano e nenhum ser humano é perfeito. Ela foi criticada muito mais pelo o que ela tem de bom do que pelos pontos ruins. Essa Constituição não é inadequada, é a Constituição que o povo brasileiro entendeu de fazer no momento em que nós saímos de uma ditadura.

Cármen Lúcia vê mudança perigosamente conservadora no Brasil e no mundo

Ministra do STF defende direitos fundamentais conquistados nos 30 anos de Constituição

Reynaldo Turollo Jr. | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúciadisse, nesta segunda-feira (5), que o Brasil e o mundo passam por uma mudança perigosamente conservadora. Ela defendeu a manutenção de direitos fundamentais conquistados ao longo dos últimos 30 anos, sob a vigência da Constituição de 1988.

"Queria lembrar que estamos vivendo mudanças não só no Brasil. Uma mudança inclusive conservadora em termos de costumes. Às vezes, na minha compreensão de mundo, e é só na minha, não significa que eu esteja certa, perigosamente conservadora porque a tendência é que de direitos fundamentais que são conquistados a gente recue", disse.

Para Cármen Lúcia, mesmo que as mudanças eventualmente não sejam as desejadas, "se tiver respeito à Constituição já é um ganho". A ministra participou na manhã desta segunda do seminário "Desafios Constitucionais de Hoje e Propostas para os Próximos 30 Anos", promovido em Brasília pela editora Fórum.

O tema da palestra de Cármen Lúcia foram as mudanças promovidas pelo Supremo nos últimos 30 anos. A ministra mostrou-se otimista em relação às conquistas e destacou o direito à liberdade de expressão.

"O brasileiro está nas ruas, está presente. Se ele fala algo que não gosto, não é meu inimigo", disse. "Essa é uma mudança que foi possível porque vivíamos em 88 e continuamos vivendo numa democracia."

No entanto, Cármen Lúcia ressaltou que a luta pela democracia é permanente. "[Em 1988] O país vinha de um processo extremamente doloroso, de uma ditadura que tinha lutas e lutos. As lutas não acabam, porque a democracia e a Justiça são lutas permanentes", afirmou.

"Mesmo que eu fique preocupada com as escolhas feitas, elas são típicas de cidadãos livres", disse.

Após a palestra de Cármen Lúcia, o ministro aposentado do STF Carlos Ayres Britto falou sobre a força normativa da Constituição, que, para ele, aumenta conforme o tempo passa.

"[O artigo 78 da Constituição diz:] O presidente da República e o vice tomarão posse perante o Congresso Nacional. Seja quem for o presidente da República, tem que baixar sua crista. Eventualmente elitista, eventualmente autoritário, tem que baixar a crista para a Constituição. Porque, se não baixar a crista, salta do [artigo] 78 para o 87. O que é o 87? O impeachment", disse Ayres Britto.

"A gente ‘desfulaniza’ as coisas e percebe que povo desenvolvido é o que gravita em torno das instituições. Queremos instituições, agentes de instituições fiéis a elas, e elas fiéis às suas finalidades. Nessa eleição nada foi teórico, nada foi conceitual. Foi tudo na base do xingamento, da resposta, tanto que o índice de rejeição foi muito alto dos dois lados, nunca vi um índice de rejeição tão alto. Um chamamento lógico, racional que se faz ao país é um retorno à conceitualidade", declarou.

"Chegaremos em breve à conclusão de que esse pugilato leva à agudização da crise", concluiu.

Questionado por jornalistas ao final do evento, Ayres Britto disse que vê a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) "sob o prisma da Constituição". "Está eleito, é o presidente, vai tomar posse, para representar a coletividade toda. Claro que haverá oposição, democracia vive de oposição. Democracia é o governo das maiorias, respeitados os direitos das minorias”, afirmou.

Recomposição do sistema partidário é entrave para reformas de Bolsonaro

Por Cristian Klein | Valor Econômico

RIO - Nem tanto por Jair Bolsonaro — mas também por causa do perfil do presidente eleito — as perspectivas de um governo federal eficiente, com capacidade de aprovar reformas e retomar o crescimento, nos próximos quatro anos, são baixas. É o que prevê o cientista político Octavio Amorim Neto, professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV-Rio). Autor de trabalhos com repercussão e influência internacional, Amorim é um especialista na elaboração de cenários políticos. Afirma que o mais provável é que Bolsonaro enfrente muitas dificuldades, sobretudo porque terá que encontrar saídas para a crise econômica — fazer ajuste fiscal, reduzir a dívida pública, gerar empregos e manter a popularidade — ao mesmo tempo em que uma nova lógica partidária precisa ser reconstruída, depois da ‘tsunami’ que erodiu o poder dos centristas PSDB e MDB nas urnas. “Se fazer reformas e ajuste é dificílimo num sistema partidário estável — como foi em Portugal e Espanha — imagina num sistema partidário em decomposição ou em reconfiguração”, diz.

Amorim vê como urgente a necessidade de se retomar o que chama de “dinâmica centrípeta” da política nacional, que vigorou entre 1994 e 2013, dando maiorias estáveis seja a governos tucanos ou petistas. Não apenas faltará ao presidente eleito esse ambiente, afirma, como a ascensão do PSL e do bolsonarismo traz à tona representantes mais radicais, que reforçam as tendências centrífugas, polarizadas.

O cientista político ressalva que sua análise se baseia em informações preliminares, mas que dão ordem ao caos de uma conjuntura em que militantes do PSDB aplaudem o nome do ex-ator pornô Alexandre Frota, eleito deputado federal pelo PSL, mas não o fazem para um estadista como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “É absolutamente deprimente. Essa é a nova política brasileira”.

É nesse contexto que Amorim afirma que, por um lado, a indicação do juiz federal Sérgio Moro para o Ministério da Justiça é uma “manobra de deflexão muito bem feita” por Bolsonaro, que o terá como para-raio para se proteger do desgaste com escândalos de corrupção. Por outro lado, a nomeação do magistrado acusado pelo PT de perseguir o ex-presidente Lula, preso em Curitiba, eleva a temperatura em vez de reduzi-la e atrapalha a retomada da dinâmica centrípeta. Pode ainda ter efeito negativo sobre o apoio de parlamentares, suspeitos de corrupção, às reformas, como a da Previdência. “O deputado ou senador acuado não quer fazer marola”, diz.

Amorim acha menos provável tanto o cenário otimista — em que Bolsonaro seria “domesticado” por uma centro-direita majoritária que interaja com a oposição de centro-esquerda — quanto o horizonte mais temido. Neste, Bolsonaro teria um governo minoritário, com paralisia decisória e abriria margem para um processo de queda presidencial ou de ruptura institucional, com apoio das Forças Armadas, ainda que sem se configurar num novo regime militar. “Dizer que há risco zero para a democracia é um erro analítico. A quebra de regime aconteceria caso Bolsonaro não aceite cair como os outros presidentes e aí, como ele tem apoiadores muito radicais no seu movimento bolsonarista, ninguém sabe o que pode acontecer”, diz.

O mais provável seria o cenário intermediário: “Um governo dividido, fraco, caótico e com a presença de militares, mesmo da reserva, em vários ministérios”, afirma Amorim, para quem a militarização de postos-chaves no primeiro escalão é preocupante, pois retrocede o longo processo de controle dos militares pelos civis. “É uma condição fundamental, um dos pilares da democracia. Algo que vinha nos aproximando do padrão das democracias mais maduras. O risco é de termos uma progressiva perda de qualidade democrática”, alerta.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Valor:

A Lava Jato e a política: Editorial | O Estado de S. Paulo

Entre os vários riscos envolvidos na anunciada ida do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça do futuro governo Bolsonaro está uma possível confusão entre o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba e a Operação Lava Jato. Quem vai para o Ministério da Justiça é o juiz Sergio Moro, não a Lava Jato.

A Lava Jato é uma operação investigativa e judicial - e foi dentro do respeito a esse âmbito que ela conseguiu produzir seus melhores resultados. Ao longo dos últimos anos, o juiz Sergio Moro foi um árduo defensor do caráter judicial, e não político, da Lava Jato. Reconhecendo as limitações do trabalho da Justiça - “toda justiça humana é imperfeita”, disse no ano passado -, Sergio Moro frisava que a eficácia da função judicial está justamente em respeitar os limites legais. Admitindo a possibilidade de divergências, a resposta do juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba a eventuais críticas era sempre relembrar o fundamento legal de suas decisões.

Não poucas vezes, as manifestações públicas de Moro foram em sentido contrário às pretensões de membros do Ministério Público, que queriam converter a Lava Jato num movimento político. No ano passado, por exemplo, o procurador Deltan Dallagnol, ao comentar a proposta das Dez Medidas Anticorrupção, disse que “a estratégia agora não é mais coletar assinaturas, mas escolher senadores e deputados que tenham passado limpo, espírito democrático, e apoiem o combate à corrupção”. Sergio Moro manteve-se noutra esfera de atuação.

Escola sem sentido: Editorial | Folha de S. Paulo

Movimento que busca vedar doutrinação em sala de aula parte de uma preocupação justificável

Reforçada pela vitória de Jair Bolsonaro (PSL) na eleição presidencial, a pauta conservadora do Congresso ainda carece de um debate menos contaminado por revanchismo ideológico. Um exemplo imediato é o do projeto conhecido como Escola Sem Partido.

A iniciativa visa aprovar no Congresso legislação vedando a professores fazer doutrinação político-partidária em sala de aula, induzir alunos a participar de manifestações políticas e promover a mal denominada ideologia de gênero.

O texto parece fadado a terminar na Justiça. Antes disso, pode deixar cicatrizes nas relações de confiança que devem reunir docentes, pais e alunos na tarefa comum: prover crianças e jovens com conteúdos e habilidades para navegar no mundo do conhecimento, do trabalho e do debate democrático, sempre por meio de negociação racional.

Introduzir a censura é a pior maneira de perseguir tal objetivo.

Um roteiro para começar a melhorar a economia: Editorial | Valor Econômico

O governo de Jair Bolsonaro pode encontrar no "Doing Business" de 2019, que acaba de ser divulgado, um valioso roteiro de problemas a atacar para tornar a economia brasileira mais competitiva e produtiva, como vem prometendo. O estudo feito pelo Banco Mundial compara as condições para se iniciar um negócio em 190 países, a partir de dez indicadores que refletem desde o trabalho para se colocar uma empresa em pé, as condições comerciais, a carga tributária, a disponibilidade de crédito até o eventual fechamento da operação.

O ranking resultante do levantamento dá aos países uma base de comparação com seus vizinhos e concorrentes. Nos seus cinco primeiros anos de existência, de 2003 a 2008, registrou 113 reformas ao redor do mundo. Apenas no ano passado, 314 medidas foram tomadas para reduzir a burocracia que emperra os negócios - um número recorde.

O Brasil fez quatro dessas mudanças. O Banco Mundial destacou a criação de sistemas online para o registro, licenciamento e notificações trabalhistas; a melhoria do acesso ao crédito com a disponibilização de informações e cadastros; a modernização da rede inteligente de eletricidade que aumentou a confiabilidade do sistema e a administração e distribuição da energia; e a introdução dos certificados eletrônicos de origem que facilitaram o comércio internacional, inicialmente nas compras de autopeças da Argentina. Os analistas também mencionaram a reforma trabalhista, com a criação do trabalho intermitente, a demissão consensual e as mudanças na representação sindical.

Essas melhorias fizeram o Brasil progredir no ranking global, ganhando 16 posições. Mas, ainda assim, ficou no 109º lugar, na segunda metade dos 190 países analisados, e atrás de seus pares regionais. Pelo nível de renda do país, deveria estar entre os primeiros 70 colocados. O México lidera na América Latina, como o 54º melhor país para negócios no mundo, seguido pelo Chile, em 56º, e por Porto Rico, em 64º. O Brasil também está atrás da Colômbia (65º), da Costa Rica (67º), do Peru (68º, de El Salvador (85º), do Uruguai (95º) e da República Dominicana (102º). Mas passou à frente da Argentina, que ficou 10 postos atrás, no 119º lugar.

A eleição de hoje é um plebiscito sobre o modo Trump de governar: Editorial | O Globo

Pesquisas sugerem que republicanos podem perder o controle da Câmara

As eleições de hoje renovam a Câmara, um terço do Senado e dois terços dos governos estaduais americanos. São fundamentais ao governo Donald Trump e ao Partido Republicano. Ambos apostam na manutenção da maioria nos dois plenários do Congresso.

O trunfo de Trump é a retomada econômica. Ela começou no governo Barack Obama, mas a atual gestão conseguiu elevar a níveis recordes o crescimento da economia: o resultado é a menor taxa de desemprego (3,7%) dos últimos 49 anos. É cenário desejável para qualquer chefe de Estado, mas insuficiente para dar tranquilidade a Trump no atual mandato e assegurar-lhe perspectivas favoráveis à reeleição.

A eleição se tornou um plebiscito sobre o governo Trump, cujo maior adversário é ele mesmo. Sua peculiar percepção do exercício do poder ajuda a dissimular fragilidades de um administrador que requer supervisão de uma equipe focada na preservação dos interesses estratégicos do país —como descreve em livro o jornalista Bob Woodward.

Ele escolheu governar com inflamada retórica sobre armas, repressão, direitos de minorias e de imigrantes. Acirrou o clima de paranoia e racismo na campanha fomentado pelos radicais do movimento conservador-nacionalista que o apoia.

Teresa Cristina - O Sol Nascerá (Cartola)

Carlos Drummond de Andrade: A música popular entra no paraíso

Deus - Quem é este baixinho que vem aí, ao som do violão, de copo cheio na mão?

São Pedro - Senhor, pelos indícios, só pode ser o vosso servo Vinicius, Menestrel da Gávea e dos amores inumeráveis.

Deus - Será que ele vem fazer alaúza no céu, perturbando o coro dos meus anjos-cantores, diplomados pela Schola Cantorum do mestre São Jorge, o Grande?

São Pedro (hesitante) - Bem... Eu acho, com a devida licença, que ele traz um som novo, mais terrestre, menos beatífico, é certo, mas com uma suavidade brasileira inspirada nos seresteiros seus avós, os quais já têm assentos cativos junto ao vosso trono, Senhor. Coisa mui digna de vossa especial atenção.

Deus - Hum, hum...

São Pedro - Posso continuar, Senhor?

Deus - Vá dizendo, Pedro. É sabido que você tem um fraco por essa gente que canta de noite, esteja ou não pescando, principalmente não estando.

São Pedro - Pois eu digo, Senhor, que esse baixinho aí, todo simpatia e delicadeza, é um de vossos bons servidores na Terra, pois combateu a maldade pela ternura, a injustiça pela fraternidade, e compôs os cânticos profanos que, elevando o coração dos ouvintes, fazem o mesmo que os cânticos sagrados.

Deus (surpreso) - O mesmo?

São Pedro - O mesmo, Senhor, porque vós permitistes ao homem trilhar a vida direta ou a vida indireta, conforme o gosto dele. Este poetinha escolheu a segunda, por inclinação natural, e manifestou à sua maneira própria o amor à humanidade, distribuindo-o de preferência, na medida do possível, a umas quantas eleitas.

Deus - Não terá sido antes dispersão do que concentração?

São Pedro - As duas coisas, mas unidas tão sutilmente! E essa unidade paradoxal, mas espontânea, produziu os hinos do amor carnal, nos quais foi glorificado o corpo que concedestes às criaturas, e por essa forma glorificou-se a vossa divina Criação.

Deus - Menos mal, se assim foi. Então Psse... como lhe chamas?

São Pedro - Vinicius, não o patrício romano, que o amor conduziu do paganismo à fé cristã, mas o de Melo Moraes, filho de pais que curtiam o Quo Vadis. Este nasceu diretamente para o amor, e não precisou meter-se nas embrulhadas do paganismo de Nero para achar o rumo de sua alma. Ele já estava traçado pelas estrelas de outubro, vossas mensageiras. Vinicius nasceu com a célula poética, e esta desabrochou em cânticos variados, na voz de seus lábios e na dos instrumentos. Com estes cânticos ele encantou o seu povo. E era um povo necessitado de canto, um canto tão necessitado mesmo!

Deus - Ele deu alegria ao meu povo?

São Pedro (exultante) - Se deu, Senhor! E para isso não precisava sempre compor canções alegres. Ia até o fundo das canções tristes, mas dava-lhes uma tal doçura e meiguice que as pessoas, ouvindo-as, não sabiam se choravam ou se viam consoladas velhas mágoas. Era um coração se desfazendo em música, Senhor. Deu tanta alegria ao povo, que até a última hora de sua vida (esta não chegou a ser longa, mas se alongou em canção) trabalhou com seu fiel parceiro Toquinho para levar às crianças um tipo musical de felicidade. Morreu pois a vosso serviço, Senhor.

Deus (disfarçando a emoção) - Mande entrar, mande entrar logo esse rapaz. Vinicius entra rodeado de anjos, crianças, virgens e matronas que entoam mansamente:

Se todos fossem iguais a você,
que maravilha viver!
Uma canção pelo ar,
uma mulher a cantar,
uma cidade a cantar,
a sorrir, a cantar, a pedir
a beleza de amar,
como o sol, como a flor, como a luz,
amar sem mentir nem sofrer.
Existiria a verdade,
verdade que ninguém vê,
se todos fossem no mundo
iguais a você!

De vários pontos, vêm-se aproximando Sinhô, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Ciro Monteiro, Noel Rosa, Dolores Duran, Orfeu, Eurídice, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Portinari, Murilo Mendes, Mayza, Lúcio Rangel, Tia Ciata, Santa Cecília, Antônio Maria, Bach, Ernesto Nazaré, Jaime Ovalle, Chiquinha Gonzaga e outros e outros e outros que não caberiam neste relato mas cabem na imensidão do céu e som, e unem-se ao coral:

Teu caminho é de paz e de amor.
Abre os teus braços e canta
a última esperança,
a esperança divina
de amar em paz!