quarta-feira, 4 de março de 2020

Opinião do dia – Cármen Lúcia*

A Constituição brasileira estabelece expressamente que os poderes são independentes e harmônicos entre si. Os agentes públicos que ocupam cargo nos órgãos de cúpula de todos os poderes têm o dever constitucional de não contribuir para a desarmonia. Se a Constituição determina harmonia, a desarmonia é inconstitucional. Simples assim.


*Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF). Entrevista, Globonews, 2/3/2020.

Vera Magalhães - Rua total flex

- O Estado de S. Paulo

O episódio do acordo depois desfeito e refeito em torno das emendas deveria ensinar o governo que ele precisa acertar sua negociação política, que ainda não disse a que veio

Afinal, para que são as manifestações convocadas para o dia 15? Elas começaram a ser gestadas como resposta ao chamamento do general Augusto Heleno, que chamou os congressistas de “chantagistas” por terem se assenhorado da destinação de cerca de R$ 30 bilhões do Orçamento.

Nunca um número de veto presidencial ficou tão famoso. Pessoas que nunca leram um projeto de lei passaram a fazer tuítes pela manutenção do veto 52.

Agora: se o governo tinha a força da rua e do argumento, por que negociou o envio de um Projeto de Lei (PL) do Congresso Nacional renegociando a divisão de parte dos R$ 30 bilhões com o mesmo Legislativo que antes era chantagista?

Jair Bolsonaro, com seu desapego aos fatos, foi logo para o Twitter posar de vencedor e durão. “Não houve qualquer negociação em cima dos 30 bilhões. A proposta orçamentária original do governo foi 100% mantida.” Como ele explica o PLN então?

Agora que o acordo foi feito, setores do governo tentam manter as ruas mobilizadas. Depois de o próprio presidente mandar por WhatsApp vídeos convocando para os atos, foi a vez do ministro Paulo Guedes (Economia) usar encontro com movimentos como Nas Ruas e Vem pra Rua para pedir que as manifestações se transformem em atos pró-reformas.

Rosângela Bittar - A arrogância dos fortes

- O Estado de S. Paulo

Sérgio Moro vai lapidando seu perfil político apenas com o culto à personalidade

À falta de um presidente que respeite a sociedade e compreenda a natureza de sua função, o Brasil precisa muito de um ministro da Justiça. Autêntico, daqueles que cuidam dos assuntos do equilíbrio político, econômico e social do povo e das instituições que o governam. E, no caso de acumular a Segurança Pública, cuide do ambiente da criminalidade descontrolada e impune em todos os grupos, inclusive o policial, sob seu comando.

Porém, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, vai lapidando seu perfil político apenas com o culto à personalidade, como se tivesse vindo ao governo só para ser homenageado. A sua arma principal de ação no Executivo é a popularidade que brande ao menor sinal de crítica. Ela lhe dá direito a erros sucessivos e o último foi exemplar.

Na crise de segurança com o motim da Polícia Militar do Ceará, mostrou-se perdido e contraditório. Nunca Moro foi menos ministro da Justiça do que nesse labirinto em que se meteu. Foi ao local, mas disse não ter visto descontrole onde tinham sido assassinados 240 cidadãos, um recorde. A seguir, fez uma distinção que até agora carece de exegese: o motim é ilegal, mas os policiais não são criminosos. Quando juiz em Curitiba, era mais preciso nas tipificações.

Não providenciou a prorrogação da medida de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), era sua função convencer o presidente a despolitizar a questão e manter o apoio ao Estado governado pelo PT. Ao contrário, recrudesceu: quando governadores ameaçaram suprir a tarefa do governo federal, o ministro da Justiça acusou-os de politizar a movimentação. Já ultrapolitizada pelo governo federal.

Luiz Carlos Azedo - Que acordo é esse?

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Se houvesse mais transparência nas emendas parlamentares, talvez existisse menos desconfiança da opinião pública em relação à destinação dos recursos do Orçamento”

Ninguém sabe ao certo qual foi o acordo celebrado entre o presidente do Congresso, Davi Alumbre (DEM-AP), e o presidente Jair Bolsonaro para a aprovação do Orçamento de 2020. Em tese, o que foi acertado foi a manutenção dos vetos presidenciais às emendas impositivas no valor de R$ 30 bilhões em troca de três PLNs (Projeto de Lei do Congresso Nacional) enviados pelo governo, que seguirão o rito normal, passando pela Comissão Mista de Orçamento, antes de serem deliberados pelo plenário do Congresso. Houve uma negociação confusa, que envolveu também o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes. E faltou clima para as votações, que foram adiadas para hoje.

No Twitter, o presidente Jair Bolsonaro comemorou: “Não houve qualquer negociação em cima dos 30 bilhões”. Segundo o presidente da República, “a proposta orçamentária original do governo foi 100% mantida” e “está garantida a autonomia orçamentária do Executivo”. O problema são os PLNs, que enfrentam resistências. Um deles, por exemplo, reduz de R$ 9 bilhões para zero o superavit de estados e municípios. Com isso, o deficit primário de R$ 118,9 bilhões da União sobe para R$ 124,1 bilhões. Era a meta no projeto original da lei, enviado ao Congresso em 15 de abril.

A reviravolta nas negociações foi patrocinada pelo MDB no Senado, cuja bancada anunciou ontem, pela manhã, que apoiaria integralmente os vetos de Bolsonaro. Com isso, mesmo que os deputados quisessem derrubá-los, não haveria votos suficientes no Senado. A manobra das raposas do MDB relativizou o papel de Alcolumbre e deixou vendido o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que negociava a derrubada ao menos de um dos vetos do presidente da República, relativo aos recursos destinados à pesquisa, ciência e tecnologia. O assunto passou a ser objeto de um dos PLNs. Os partidos do novo Centrão na Câmara (PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriota) seriam os grandes beneficiados pelo pacote de quase R$ 16 bilhões em emendas impositivas do relator, mas foram com muita sede ao pote. Houve forte reação no Senado, inclusive, nesses partidos.

Líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) ironizava a situação: “O novo líder do governo é o Randolfe Rodrigues (Rede-AP)”. O senador de oposição faz parte do grupo Muda Senado, que, desde o primeiro momento, defendeu a manutenção do veto, ao lado dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Álvaro Dias (Podemos-PR), Tasso Jereissati (PSDB) e Antônio Anastasia (PSD). “O veto vai ser mantido. Ponto. Agora, o ponto de discórdia é outro. Precisamos olhar com mais calma para esses três PLNs antes de votar, eles precisam seguir o rito normal, passar pelo CMO antes. Não vamos ser tratorados”, reclamava Randolfe. A discussão sobre as emendas impositivas uniu setores da base do governo no Senado, como o Major Olímpio (PSL-SP), e a oposição.

Fernando Exman - A nova realidade do Orçamento e o lobby

- Valor Econômico

Adesão à OCDE pode demandar regulação da atividade

O desfecho do impasse entre o Congresso e o governo em relação à manutenção do veto presidencial que trata da extensão do Orçamento Impositivo às emendas de relator não muda a realidade: o Legislativo passou a ter um poder enorme na definição do destino dos recursos públicos. Autoridades do Palácio do Planalto podem até ter demorado a notar que o Executivo estava deixando de ser o centro de gravidade da gestão orçamentária, dando cada vez mais espaço para o Parlamento ocupar essa posição. Os lobistas, contudo, há meses se adaptaram e transformaram o Congresso em habitat prioritário. É nesse contexto que cresce a importância da aprovação de um marco regulatório do lobby.

O Brasil chega tarde. Apesar de ter apoio de deputados e senadores de diversos partidos - tanto à esquerda, como ao centro e à direita -, as discussões sobre o tema ocorrem muito lentamente no Congresso. Não é de se surpreender que ele tenha se tornado um tabu, depois de o Brasil enfrentar sucessivos escândalos de corrupção. Nos autos da Operação Lava-Jato, por exemplo, não faltam histórias escabrosas sobre o relacionamento indevido entre empresas e homens públicos. Mas elas não deveriam servir de justificativa para travar ainda mais a tramitação dessa agenda no Congresso.

Não é a ausência de regulação que faz com que a prática do lobby deixe de acontecer. Pelo contrário: ele acabará ocorrendo de qualquer forma, com ou sem regras.

Nos últimos meses, o assunto novamente entrou em evidência e a expectativa é que um projeto de lei já em estágio avançado de tramitação ganhe novo impulso. Apresentado em 2007 pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a relatoria foi da ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) e pode passar por algumas mudanças de redação feitas pelas mãos do líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

O deputado também é relator da reforma tributária e deve ser recebido na semana que vem pela Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig).

Cristiano Romero - Conselhos: onde estão as mulheres?

- Valor Econômico

Entidade criada por um grupo de mulheres busca corrigir a ‘discriminação’ de gênero no conselho de empresas no país

Num país onde a escravidão perdurou por quase 400 anos, a discriminação do outro é regra e não exceção. É o que mais nos distancia da possibilidade de sermos uma nação. Tanto tempo vivendo sob um regime escravagista nos condenou a jamais enxergar o outro como um de nós. Na Ilha de Vera Cruz, mas não só aqui, floresceram todas as formas de discriminação: étnica, social, de gênero, origem, opção sexual...

A escravidão, previu o abolicionista Joaquim Nabuco, “permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. A história ensina que decorria do domínio de um povo sobre outro. Na colonização das Américas, de um cálculo econômico: a acumulação de capital, uma vez que escravos eram mercadoria, não recebiam salário e isso dava às colônias do Novo Mundo, dominado pelos europeus, vantagem competitiva em relação à Asia.

O Brasil foi o derradeiro país do continente americano a abolir a escravidão, em maio de 1888. O contexto em que isso se deu evidencia a dificuldade que sempre teremos para superar o vergonhoso legado. Contrários ao fim da escravidão, barões do café ajudaram a derrubar a monarquia pouco mais de um ano após a abolição da escravatura. O regime monárquico esticou a desonra escravagista, mas a nossa República não nasceu para modernizar o país. Fruto de um golpe militar, esteve a serviço dos produtores rurais de São Paulo e Minas Gerais por mais de 30 anos, condenando os habitantes de 48% do continente sul-americano a um atraso extraordinário.

Bruno Boghossian – Duelo ao alvorecer

- Folha de S. Paulo

Acordo recauchutado revela fragilidades tanto do governo quanto do Congresso

Governo e Congresso sacaram suas armas, mas ninguém quis atirar agora. A proposta recauchutada de divisão do Orçamento mostrou as limitações da política exercida com base na bravata e revelou fragilidades dos dois lados.
Há cerca de 20 dias, o Planalto costurava os detalhes de um acordo com os parlamentares para rachar R$ 30 bilhões que estavam em disputa nas contas deste ano. No meio do caminho, o general Augusto Heleno implodiu as conversas e acusou o Legislativo de chantagem. Ou não havia extorsão nenhuma ou o governo decidiu negociar com os vigaristas.

A nova oferta feita por Jair Bolsonaro nesta terça (3) aos deputados e senadores para tentar encerrar a tensão entre os dois Poderes tem efeito semelhante à que havia sido feita antes do embate —R$ 15 bilhões para cada lado. O presidente deu aval, na prática, à mesma proposta que o levou a emparedar o Congresso.

Hélio Schwartsman - Êxito chinês

- Folha de S. Paulo

Surpreende o sucesso do país em conter o alastramento da covid-19

O que surpreende no ritmo de propagação da covid-19 não é a cada vez mais extensa lista de países atingidos, mas o sucesso da China em conter o alastramento da doença.

Se algumas semanas atrás os hospitais chineses estavam apinhados de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, agora sobram leitos. Cientistas que conduzem ensaios clínicos de drogas para tratar a doença já não conseguem recrutar pacientes para os testes, como mostrou recente relatório da OMS.

Entender o que está acontecendo pode trazer lições valiosas para autoridades sanitárias de todo o planeta.

A primeira conclusão a tirar é que as brutais medidas de quarentena e isolamento impostas pelo governo funcionaram. Daí não decorre que as técnicas chinesas possam ou devam ser replicadas em países democráticos, mas não dá para fingir que não surtiram efeito ao menos nessa primeira fase da epidemia.

Vinicius Torres Freire – Juro menor não vacina contra vírus

- Folha de S. Paulo

Apenas para amainar crise, BC teria de jogar taxa real de juros para zero

O Banco Central do Brasil indicou que também vai cortar os juros: a crise mundial deve causar mais danos do que uma alta daninha do dólar.

Entenda-se: taxa de juros menor em tese favorece mais desvalorização da moeda brasileira; um real rapidamente desvalorizado pode provocar alta de preços. Porém, o risco de a economia brasileira travar é maior do que o de termos alguma inflação por causa do câmbio.

Foi o que o BC disse em nota publicada no fim da tarde desta terça-feira (3). Disse daquele "jeito BC", de contador diplomata fazendo neurocirurgia. Mas disse.

Se o BC vai mexer mesmo na taxa básica de juros, são outros quinhentos. A próxima decisão agendada sobre a Selic ocorrerá em duas semanas. Até lá, o mundo pode ter entrado em colapso financeiro ou ressuscitado para a primavera do hemisfério Norte.

Como se sabe, o BC dos EUA, o Fed, deu um talho grande na taxa básica de juros deles, em reunião extraordinária, o que não acontecia desde a epidemia provocada pela grande finança global, a crise de 2008.

Igor Gielow - Motins estimulados pelo governo apontam politização dos quartéis

- Folha de S. Paulo

Confraternização do chefe da Força Nacional com PMs no Ceará acende alerta nos estados

Desde que as Forças Armadas cristalizaram a aliança com Jair Bolsonaro, já com o segundo turno da eleição de 2018 em curso, o risco da militarização da política foi cantado em prosa e verso.

Se tal movimento é praticamente impossível de negar, apesar do esforço da cúpula do serviço ativo para tentar distanciar-se de seus inúmeros membros no primeiro escalão do governo, seu corolário ainda era visto mais como uma hipótese assustadora do que como realidade.

Até aqui. A mão inversa da politização dos quartéis parece ter virado uma avenida, e o ponto de inflexão é o empenho do governo no estímulo velado aos motins policiais.

O tema estava na boca de governadores de estado ouvidos pela Folha nas duas últimas semanas, devido aos rumos da mobilização policial no Ceará —cujo saldo de 241 homicídios é um monumento à irresponsabilidade da gestão pública do país.

O malabarismo do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), que admitiu o óbvio (greve de policial é ilegal) para sapecar uma esperteza retórica (os policiais parados não seriam criminosos), acendeu luzes de alerta.

Elas se transformaram numa piscante árvore de Natal com o complemento feito pelo coronel Aginaldo Oliveira, da Polícia Militar do Ceará por origem, na chefia da Força Nacional por oportunidade.

Ele se esqueceu da distinção e chamou os amotinados de “gigantes” quando deveria estar enquadrando seus pares.

Oficiais da ativa e pelo menos dois governadores lembraram, nesta terça (3), que o último homem em missão semelhante que resolveu confraternizar com rebeldes acabou em desgraça —ninguém menos que o “general do Lula”.

Conhecido como G. Dias, o general Marco Edson Gonçalves Dias foi figura carimbada durante os oito anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Chefe da segurança presidencial, era boa-praça e chamava a atenção com sua lustrosa calva.

Merval Pereira – Queda de braço

- O Globo

Houve um acordo, mas nem o Planalto nem o Legislativo querem admitir que cederam para que se chegasse a ele

Há apenas um vencedor visível até o momento nessa disputa entre o Executivo e o Legislativo em torno do Orçamento da União, os senadores que queriam manter os vetos do presidente Jair Bolsonaro.

Uns, por considerarem que a manobra da Câmara se prestava a interesses escusos em torno dos R$ 30 bilhões. Outros, com interesses puramente regionais, não querendo que seus adversários políticos na Câmara tenham mais recursos para a campanha municipal.

Coma disposição da maioria dos senadores, por razões diversas, de manter os vetos, Bolsonaro não precisaria fazer acordo para a divisão dos recursos, mas não quis se indispor coma Câmara.

Apenas uma coisa está certa nesse imbróglio do Orçamento: houve um acordo, mas nenhuma das partes, seja Palácio do Planalto ou Legislativo, quer admitir que cedeu para que se chegasse a ele.

O presidente Bolsonaro passou o dia em reuniões, recebeu o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ouviu seu ministro da Economia, Paulo Guedes, mando upara o Congresso três projetos de lei para regulamentar o Orçamento impositivo, mas avisou pelo Twiter que não fez nenhum acordo, e que a execução do Orçamento da União ficará integralmente mantida, preservada a autonomia do Executivo.

É a realidade paralela de quem vive no mundo digital, onde o que vale é o que está escrito no Twitter ou no WhatsApp. Depois de ter mobilizado seus seguidores para a manifestação do dia 15 contra os políticos e o Judiciário, Bolsonaro não poderia mesmo admitir que sucumbira à pressão do Congresso.

Bernardo Mello Franco - Cheiro de pólvora no ar

- O Globo

A Polícia Militar do Ceará voltou às ruas, mas deixou um cheiro de pólvora no ar. O motim expôs a cumplicidade do Planalto com a agitação nos quartéis. Isso pode servir de incentivo a novos levantes armados pelo país.

No sábado, o ministro Sergio Moro admitiu que a greve era proibida, mas afirmou que os policiais amotinados não eram criminosos. Isso equivale a dizer que nenhum brasileiro está autorizado a afrontar a Constituição, exceto aqueles que vestem farda da PM.

No domingo, o diretor da Força Nacional chamou os policiais que cruzaram os braços de “gigantes” e “corajosos”. “Só os fortes conseguem atingir seus objetivos”, elogiou o coronel Antônio Aginaldo de Oliveira. Ele é casado com a deputada bolsonarista Carla Zambelli, e Moro foi padrinho do enlace.

Não houve gigantismo nem coragem no motim da PM cearense. Os grevistas aterrorizaram a população desarmada, que permaneceu nove dias como refém. Em algumas cidades, policiais adotaram práticas do tráfico e saíram encapuzados para ordenar o fechamento do comércio.

Zuenir Ventura - Lavando as mãos

- O Globo

Estou disposto mesmo a usar máscara sanitária

Confesso que, só agora e graças à ameaça do coronavírus, aprendi a lavar as mãos corretamente, passando a esfregar água e sabão na palma e no dorso, entre os dedos, nas unhas e até no punho. Também passei a espirrar e a tossir protegendo o nariz e a boca não com o lenço, e sim com o braço dobrado, numa posição meio incômoda, mas que impede que as gotículas atinjam o interlocutor. Estou disposto mesmo a usar máscara sanitária protetora, se for preciso.

Pelo que sei, as pessoas estão fazendo o mesmo, até porque, coisa rara, em se tratando de ação governamental, o ministro da Saúde está conduzindo com competência e serenidade essa fase difícil que nós e o mundo estamos vivendo. Como disse o doutor Drauzio Varella, o trabalho de Luiz Henrique Mandetta orientando a população tem sido “impecável”. Já o presidente tem “lavado as mãos” no sentido figurado, ou seja, não tem tomado conhecimento do problema. Vai ver que é por isso que a campanha tem dado certo.

Elio Gaspari - Tereza e Mandetta, dois êxitos

- O Globo / Folha de S. Paulo

Eles são apenas normais. Cuidam do expediente e evitam brigas públicas

Tereza Cristina e Luiz Henrique Mandetta são dois ministros de Jair Bolsonaro que abrem a quitanda às seis da manhã com berinjelas para vender e troco para as freguesas. Ela, desde os seus primeiros dias no Ministério da Agricultura. Ele, na Saúde, administrando o problema do coronavírus. Pode-se discordar de algumas de suas ideias, ou mesmo de todas, mas deve-se reconhecer que fazem seus serviços. Ambos pertencem à escola do centroavante Dario (o preferido do general Emílio Médici para a seleção de 1970). Numa época em que se falava muito em problemática, ele informou: “Eu dou a solucionática”.

A biografia e o comportamento de Tereza Cristina e Mandetta são uma aula de política e de administração.

Começando pela biografia. Ela vem da cepa oligárquica dos Corrêa da Costa. Desde a Regência, eles governaram Mato Grosso 11 vezes. Sabe-se lá quando a primeira Corrêa da Costa conseguiu um diploma universitário, mas Tereza Cristina formou-se em Engenharia Agronômica e tocou sua empresa. Mandetta vem de uma cepa neo-oligárquica, primo de senador, de deputado e do prefeito de Campo Grande. Um irmão meteu-se em negócios com o rei do jogo no estado. Ele formou-se em Medicina, é ortopedista, trabalhou em hospitais e dirigiu a Unimed de seu estado.

Míriam Leitão - Uma superterça na economia

- O Globo

O problema da epidemia do covid-19 na economia é saber quais os instrumentos apropriados para lidar com uma crise como esta

Na economia também foi uma superterça. O movimento de ontem no mercado americano mostrou o tamanho da crise provocada pelo novo coronavírus. O Fed fez uma reunião de emergência e cortou os juros. As bolsas subiram e depois despencaram. A ação foi entendida não como um estímulo, mas como alerta. Mais cedo, a Austrália também havia cortado os juros. E a Malásia. Houve casos na Argentina e no Chile. O FMI avisou que talvez não faça o encontro de abril. O Banco Central brasileiro soltou nota indicando futuros cortes. O Banco Mundial anunciou linha para auxiliar os países a enfrentaram os efeitos da crise, e o G7 fez uma reunião para discutir o que pode ser feito. Os BCs europeu e inglês defenderam medida para equilibrar a economia. No Japão, informou-se que os Jogos Olímpicos podem ser adiados.

O grande problema da epidemia do covid-19 é quais são os instrumentos econômicos apropriados para lidar com uma crise como esta. A produção está caindo não por uma desaceleração clássica, mas porque há falta de peças e componentes. O consumo está encolhendo porque as pessoas suspendem reuniões e evitam lugares públicos. Os instrumentos convencionais não funcionam.

A revista “Economist” usou um título recente que define o momento: “Globalização em quarentena.” A reportagem tratava de um assunto específico, mas o título reflete de forma ampla o momento de separação entre países, controle de fronteiras, redução da circulação de mercadorias. O fechamento de fábricas na China afetou países em série e isso terá impacto sobre a economia mundial.

Estão sendo revistas no mundo inteiro as previsões de crescimento. Do Brasil, só ontem, a consultoria Capital Economics cortou a projeção de crescimento em 2020 de 1,5% para 1,3% e o Goldman Sachs cortou de 2,2% para 1,5%. Outras instituições estão esperando o resultado do PIB de 2019, que sai hoje, para voltar a fazer contas.

A OCDE cortou a projeção do PIB mundial em meio ponto, para 2,4%, no melhor cenário, de impactos mais localizados na China. No pior, a desaceleração chegará a 1,5%, com a epidemia espalhando pela Ásia, Pacífico e hemisfério Norte. As estimativas da China sofreram o maior corte, de 5,7% para 4,9%. Para o Brasil, foram mantidas em 1,7% este ano e 1,8% no ano que vem.

Governo publica cartilha sobre proteção de direitos de jornalistas

Divulgação de material ocorre após ataques do presidente contra imprensa

João Paulo Saconi | O Globo

Autoridades devem reconhecer relevância do jornalismo, diz o documento

A reedição de uma cartilha com normas para a proteção dos direitos humanos dos jornalistas e de outros profissionais de comunicação foi divulgada ontem pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Elaborado inicialmente em 2018 pela gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), o material contém padrões internacionalmente estabelecidos para a condução das relações entre autoridades, a imprensa e a sociedade.

A cartilha afirma, por exemplo, que autoridades precisam realizar discursos públicos “que contribuam para prevenir a violência contra jornalistas” e têm “a obrigação de condenar veementemente agressões contra jornalistas”. O documento também orienta agentes do serviço público a não adotar “discursos públicos que exponham jornalistas a maior risco de violência ou aumentem sua vulnerabilidade”. Há ainda trecho do texto que destaca a necessidade de atualização de estatísticas sobre crimes contra a imprensa.

Publicada online no site da pasta comandada pela ministra Damares Alves, a cartilha expõe contradições entre as orientações que a compõem e o comportamento de membros do governo, incluindo o presidente Jair Bolsonaro.

De acordo com o levantamento “Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil”, lançado em janeiro pela Fundação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), os ataques contra comunicadores cresceram 54% no país durante o ano passado — e 58% deles foram feitos por Bolsonaro por meio de seu perfil no Twitter, transmissões ao vivo ou entrevistas.

Na contramão dos episódios registrados pelo estudo da Fenaj, a cartilha divulgada ontem propõe que o próprio governo siga preceitos estabelecidos por artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos

O que a mídia pensa - Editoriais

Irresponsável tolerância – Editorial | O Estado de S. Paulo

É simplesmente inadmissível a conduta do diretor da Força Nacional de Segurança Pública, coronel Aginaldo de Oliveira, apoiando os policiais militares (PMs) que se amotinaram no Ceará. Enviado pelo governo federal para garantir o policiamento e a ordem pública no Estado durante a ilegal greve de policiais militares, o coronel Oliveira dividiu palanque com as lideranças do movimento e elogiou a atuação dos amotinados. “Os senhores se agigantaram de uma forma que não tem tamanho. É o tamanho do Brasil que vocês representam”, disse o diretor da Força Nacional, não por acaso oficial superior da amotinada PM do Ceará.

Durante a assembleia dos amotinados no domingo passado, o coronel Oliveira discursou ao lado do principal líder do movimento, o ex-deputado federal Cabo Sabino, e do advogado dos policiais grevistas, o coronel Walmir Medeiros. “Só os fortes conseguem atingir os seus objetivos. E vocês estão resistindo, vocês estão atingindo objetivos”, disse Oliveira. “Acreditem: vocês são gigantes, vocês são monstros, vocês são corajosos. Demonstraram isso ao longo desses 10, 11, 12 dias em que estou aqui, dentro deste quartel, em busca de melhorias para a classe, que vão conseguir.” Como se fosse um líder sindical, o diretor da Força Nacional bradou: “Vamos conseguir. Sem palavras para dizer o tamanho da coragem que vocês têm e estão tendo ao longo desses dias”.

Música | Teresa Cristina - Senhora Tentação

Poesia | Vinícius de Moraes - O poeta

A vida do poeta tem um ritmo diferente
É um contínuo de dor angustiante.
O poeta é o destinado do sofrimento
Do sofrimento que lhe clareia a visão de beleza
E a sua alma é uma parcela do infinito distante
O infinito que ninguém sonda e ninguém compreende.

Ele é o etemo errante dos caminhos
Que vai, pisando a terra e olhando o céu
Preso pelos extremos intangíveis
Clareando como um raio de sol a paisagem da vida.
O poeta tem o coração claro das aves
E a sensibilidade das crianças.
O poeta chora.
Chora de manso, com lágrimas doces, com lágrimas tristes
Olhando o espaço imenso da sua alma.
O poeta sorri.
Sorri à vida e à beleza e à amizade
Sorri com a sua mocidade a todas as mulheres que passam.
O poeta é bom.
Ele ama as mulheres castas e as mulheres impuras
Sua alma as compreende na luz e na lama
Ele é cheio de amor para as coisas da vida
E é cheio de respeito para as coisas da morte.
O poeta não teme a morte.
Seu espírito penetra a sua visão silenciosa
E a sua alma de artista possui-a cheia de um novo mistério.
A sua poesia é a razão da sua existência
Ela o faz puro e grande e nobre
E o consola da dor e o consola da angústia.

A vida do poeta tem um ritmo diferente
Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o céu
Preso, eternamente preso pelos extremos intangíveis.