sábado, 10 de janeiro de 2009

Ponto e contraponto

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. O assessor especial da Presidência da República Marco Aurélio Garcia não apenas lê jornal como comenta o que lê. A respeito de minha coluna de ontem sobre a posição do governo brasileiro no conflito entre Israel e o Hamas, Marco Aurélio me mandou um e-mail - não é a primeira vez que o faz - que contém algumas revelações importantes, embora tenha também insanáveis contradições. Começa afirmando que minha tentativa "de estabelecer dicotomias na política externa brasileira, conduzida de forma qualificada pelo Itamaraty, não é original", para reafirmar sua polêmica posição: "Por que a morte de civis pelo Hamas é terrorismo e a morte de crianças pelas tropas de Israel não o é?".

O assessor especial da Presidência espanta-se que um comentário seu tenha sido apresentado como "posição do governo brasileiro", e apela: "Que fique claro: condeno todos os terrorismos".

Segundo ele, o Brasil tem uma só posição, "aquela definida pelo presidente Lula no Recife, em função da qual o ministro Amorim está desenvolvendo intensa atividade no Oriente Médio: lograr um cessar-fogo imediato e instaurar um subsequente processo de negociação com ampliada participação de países".

Para Marco Aurélio Garcia, "a condenação das ações do governo israelense é uma coisa, outra é a defesa intransigente do Estado de Israel, posição tradicional da diplomacia brasileira e minha em particular".

Para ele, "a nota do PT, cuja adjetivação não me parece adequada, deveria ter reiterado a orientação histórica do partido de defesa da existência do Estado de Israel".

O êxito da missão do chanceler Celso Amorim na busca de um acordo entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza não parece provável para Celso Lafer, chanceler no governo Fernando Henrique, que não vê a diplomacia brasileira em condições de exercer o papel tradicional de "terceiro" na solução pacífica de controvérsia, aquele que consegue lidar com aquelas coisas que as partes não conseguem resolver.

Na definição clássica, o Egito e a França estão prestando "bons ofícios" na negociação da crise, oferecendo um canal de comunicação para a retomada de negociações, "já que Israel tem dificuldade de conversar com o Hamas, que denega a sua existência, e o Hamas também não quer conversar com Israel, e o Egito, que tem interesse em encaminhar o assunto, oferece seus "bons ofícios"".

A mediação, indo além dos "bons ofícios", lembra Lafer, procura reconciliar pontos de vista e pode dar soluções de compromisso.

O "terceiro" pode ser tanto um Estado quanto uma organização internacional, que precisa de certas qualificações para atuar: "a imparcialidade, a objetividade, a autoridade e também recursos de poder"

Relembrando o historiador alemão Theodor Mommsen, o ex-chanceler acentua que "a autoridade é mais que um conselho e menos que um comando". Um bom exemplo seria a mediação do Papa João Paulo II, nos anos 1970 do século passado, no capítulo do Canal de Beagle entre o Chile e a Argentina: "O Papa não tinha poder mas tinha autoridade", comenta Lafer.

O Brasil teve um papel importante no encaminhamento da solução da disputa territorial entre o Peru e o Equador no governo Fernando Henrique, quando atuou como mediador.

E há o caso recente entre o Equador, a Colômbia e as Farc, no qual, na análise de Lafer, houve uma atuação construtiva da OEA e do Grupo do Rio, "mas também os que atrapalharam, como Hugo Chávez, seja pelo apoio dado ao Equador, seja pela simpatia pelas Farc".

Na nossa região, há um contencioso importante que é o das papeleiras do Uruguai, que provoca uma crise entre Argentina e Uruguai que está na Corte de Haia. O Uruguai garante que não provoca danos ambientais, que a Argentina acusa de estarem acontecendo.

Lafer lembra que o assunto está gerando "uma enorme dificuldade no âmbito do Mercosul, e é parte da oposição do Uruguai a Kirchner ser presidente da Unasul". Para Celso Lafer, "neste caso que diz respeito ao Mercosul, a dois vizinhos nossos em relação aos quais o Brasil deveria ter preocupações, há uma omissão nítida do governo".

Sendo assim, raciocina Lafer, "por que o chanceler Amorim está se animando com a possibilidade de ter um papel na negociação de Gaza? Não estamos vendo nem a Rússia, nem a China, nem a Índia fazendo alguma coisa, para dar exemplo de possíveis interlocutores nessa área".

Para ele, "quando o PT emite uma nota oficial falando sobre a causa palestina, o terrorismo de Estado, a contestação ao Estado de Israel, e vem o assessor do presidente da República Marco Aurélio Garcia, que está ligado ao PT, também qualificar a atitude de Israel de terrorismo de Estado, você elimina a possibilidade de o país ter um papel mais atuante".

O ex-chanceler brasileiro classifica essa tentativa do governo atual de "conversa mole para boi dormir do ponto de vista internacional, e, do ponto de vista interno, uma movimentação para as bases do PT, para mostrar que se trata de uma diplomacia ativa".

Na definição de Lafer, "uma diplomacia que buscou assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e não conseguiu, buscou levar a bom termo a Rodada de Doha e não conseguiu, que buscou exercer uma influência construtiva e pacificadora na América do Sul e enfrenta uma América do Sul conturbada, tem poucos ativos para se dispor ao papel nesse momento".

Um choque de vida real

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente da Câmara durante o período crítico dos escândalos de corrupção (2005/2006) - eleito por causa de um deles, para completar o mandato de Severino Cavalcanti -, o deputado Aldo Rebelo (PC do B) é candidato ao posto outra vez.

Tirando a construção do acordo para a aprovação da lei das pequenas e microempresas, confessa que fez pouco, embora diga ter feito o que pôde em meio a um cipoal de CPIs, processos de cassação de mandatos e denúncias as mais escabrosas sobre as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo.

“Eu não presidi a Câmara, eu presidi uma crise. Era impossível prestar atenção em qualquer outra coisa que não fosse mensalão, sanguessugas e vampiros.” Mesmo assim, quando as lideranças se dispuseram a sentar, conversar, negociar e tocar a lei das microempresas, trabalharam em consonância com a agenda da vida real.

Daí a certeza de Aldo Rebelo de que é perfeitamente possível o Parlamento sacudir a poeira e dar a volta por cima. Está por baixo, na opinião dele, porque se tornou refém das corporações, ficou mais submisso aos ditames do Executivo e atuou a reboque do Judiciário.

O deputado destoa de seus pares na avaliação sobre os danos causados pelo excesso de medidas provisórias. “Este é um fato que deriva da posição do Congresso, não a sua causa.”

O desafio “de fundo”, diz ele, é o Legislativo retomar o papel de protagonista como Poder e trabalhar de acordo com as demandas da sociedade. Hoje age, na visão dele, referido na pressão das corporações. “Públicas e privadas.”

“Se você perguntar a um cidadão da Paraíba ou do Rio Grande do Sul quais são as suas grandes preocupações, ele certamente não dirá que são as medidas provisórias, a necessidade de mais vagas para vereadores, cotas raciais ou a urgência de correção salarial para esta ou aquela categoria profissional.”

Dirá, aponta o deputado, que é a saúde pública, a falta de segurança, a educação deficiente, os impostos excessivos e, se preocupação com a política houver, será de crítica à conduta autorreferida e distanciada dos partidos.

“Portanto, o que a Câmara tem de fazer é atuar sobre esses grandes temas, dar atenção ao que representa realmente um clamor social. Hoje a instituição não se pronuncia sobre saúde, educação e segurança nem faz as reformas necessárias. Na política, fala para dentro e, na tributária, tenta resolver em um mês problemas que levaram 200 anos para ficar do tamanho de hoje.”

Da mesma forma como não assume a responsabilidade pela situação tendo sido presidente da Casa, Aldo Rebelo não atribui culpas a ninguém individualmente. Antecessores nem sucessores.

A questão está na perda gradativa do eixo de decisão - independentemente até das lideranças formais - e no desvio de foco. “Hoje a Câmara desperdiça suas melhores energias e seus quadros mais qualificados em dois atos improdutivos: os governistas para votar as medidas provisórias e os oposicionistas apresentando requerimentos para obstruir votações.”

Muito bem, e isso tem jeito? Há percepção e disposição suficientes para alterar cenário tão desolador?

Em campanha, Aldo Rebelo pisa devagar. Não entra em detalhes de avaliação, dá apenas a receita genérica: “Quem faz a pauta do Legislativo é a presidência com o colégio de líderes. Dali sai a orientação, dali é preciso que saia o rumo da reaproximação do Congresso com a sociedade.”

Além disso, o deputado defende a reorganização de um núcleo de atuação e elaboração, integrado por parlamentares cuja identificação decorre da qualificação, não do partido ou interesse político de cada um.

Durante a Constituinte e até uma ou duas legislaturas depois, esses grupos suprapartidários existiam no Congresso justamente com a função de impedir a perda de rumo observada de forma acentuada de lá para cá, na materialização da profecia de Ulysses Guimarães, segundo a qual o próximo Congresso seria sempre pior que o anterior.

Para concluir, há hipótese de desistência da candidatura?

“Nenhuma.” Nem se o PT pedir? “A modéstia constrange, mas não impede de constatar que, no tocante à viabilidade de votos, mais vantajoso para o PT hoje seria me apoiar.”

Prudente distância

Independente da indicação de seu partido, que concorre com o deputado Michel Temer, o deputado do PMDB Osmar Serraglio é candidato a presidente da Câmara e envia duas de suas propostas: recuperar a iniciativa do processo legislativo e afastar o Parlamento do embate eleitoral de 2010.

Na opinião de Serraglio, se o Legislativo não mantiver distância, vai deixar de lado suas atividades para se dedicar exclusivamente aos atritos eleitorais nos próximos dois anos.

Na produção, a proposta é passar um pente-fino nos 10.675 projetos em tramitação, promover discussões quinzenais por temas e, assim, buscar a retomada de “ótimas ideias adormecidas”.

Tráfico fecha projeto de vereador na Rocinha

Marcelo Auler
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A prática de manter currais eleitorais em áreas carentes do Rio persiste após as eleições. Na Rocinha, uma das maiores favelas do Rio e a principal da zona sul carioca, o vereador Paulo Messina (PV) foi forçado em dezembro a encerrar os cursos de informática que mantinha gratuitamente no local. As atividades ocorriam desde maio e já tinham atendido 1.080 alunos.

O fechamento do Instituto Paulo Messina teria sido determinado por traficantes, com o principal objetivo de não ameaçar a liderança política do também vereador Luiz Cláudio de Oliveira, o Claudinho da Academia (PSDC), presidente da Associação Pró-Melhoramentos da Rocinha e dono de uma academia de ginástica na comunidade.

Na campanha eleitoral, a polícia encontrou documentos indicando que o chefe do tráfico da favela, Antônio Bonfim Lopes, o Nem, teria promovido reuniões com líderes da comunidade determinando o apoio a Claudinho e impedindo o ingresso de outros políticos na Rocinha. A Polícia Federal instaurou inquérito, a pedido da Procuradora Regional Eleitoral, Silvana Batini. Ontem, ela comentou que as novas ameaças dos traficantes “apenas corroboram” aquilo de que já se tinha notícia.

Oficialmente, tanto a Polícia Civil como a Federal desconhecem o fechamento do instituto, pois o vereador não registrou queixa das ameaças de traficantes a um assessor. Disse que não levou o caso à polícia pois já era pública, desde a campanha, a proibição a outros candidatos ingressarem na Rocinha.

Ontem, o parlamentar foi procurado pela delegada Bárbara Lomba Bueno, da 15ª DP, da Gávea, e vai relatar o que aconteceu. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) proporá à direção do PV que represente à Câmara Municipal contra Claudinho. A Casa, porém, nem sequer possui comissão de ética.

Lula revela mágoas e diz que não lê notícias

DEU EM O GLOBO

Planalto divulga íntegra de entrevista em que presidente critica imprensa e afirma se informar conversando

BRASÍLIA. Conhecido por ter dado apenas duas entrevistas coletivas formais em seis anos - o presidente eleito Barack Obama já deu cerca de dez antes mesmo de tomar posse -, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela profunda mágoa com a imprensa, mas diz que não lê jornais, sites de notícias e revistas, além de também não assistir à televisão. Em entrevista à revista "Piauí" deste mês, ele diz que faz isso para não ter azia, afirma que prefere se informar por meio de assessores, que o abastecem com as principais notícias do dia, e das conversas com as pessoas que recebe em seu gabinete. Reitera que defende a liberdade de imprensa e que esta teve um papel importante na sua carreira política. A entrevista foi concedida dia 18 de dezembro. A íntegra foi divulgada ontem pela Presidência da República, que informa gravar todas as entrevistas do presidente Lula para divulgá-las posteriormente. Este procedimento, que não é usual, não existia em governos anteriores e nem mesmo na área de imprensa do Planalto no começo do governo. Lula disse ainda que empresários do setor de comunicação têm o direito de recorrer aos bancos oficiais, especialmente ao BNDES, e que "duvida" que tenha um governo capaz de querer emprestar dinheiro e pedir contrapartida. "Um governo não faria retaliações", disse.

A seguir, principais trechos da entrevista:

IMPRENSA: "Eu não vejo melhora ou piora na imprensa. Acho que a imprensa brasileira tem um comportamento, que não é um comportamento de agora, é um comportamento histórico. Eu, por exemplo, sou um cidadão brasileiro que nunca tive a grande mídia brasileira com preocupação de fazer coisas favoráveis a mim, e nunca me preocupei muito com isso, porque antes de tudo eu acredito na inteligência de quem assina uma revista ou um jornal, de quem vê televisão e escuta rádio."

INFORMAÇÃO: "Possivelmente ainda tenha gente inocente, que acredita que tudo o que ele fala, tudo o que ele escreve é recebido pelo leitor como a verdade mais absoluta. Ou seja, ele não acredita na capacidade de análise do leitor, que pega uma matéria e percebe se há má fé, se não há má fé, se a matéria está informando corretamente ou se não está informando corretamente."

FONTE: "Não gosto de ser fonte, porque acho que você estabelece uma relação promíscua com o jornalista, com o jornal, a revista, com a televisão. Se você passa a ser uma espécie de informante privilegiado, no caso do mundo policial, isso seria informante. No mundo jornalístico é mais chique, você passa a ser fonte. Então, é o cara que planta laranja para colher manga, é o cara que planta manga para colher limão."

JORNAIS: "Eu leio menos do que deveria, e converso mais do que preciso. (...) Tenho não (hábito de ler jornal pela manhã). Faz tempo. Não é que não dá, eu não quero. (...) Tenho problema de azia. Eu me cuido profundamente, para não perder o humor logo cedo."

TV: "Raramente (assiste à TV), porque não tenho tempo. Eu chego em casa muito tarde."

CONFIANÇA: "Mas é muito melhor ficar na mão de um assessor em que eu confio do que na mão de um artigo que eu não conheço o jornalista. Então, prefiro conversar com alguém que eu recruto, da maior seriedade, e que me dá as informações."

CONVERSAS: "Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns 30 jornais na cabeça todo santo dia. (...) Não há hipótese de um presidente da República ser desinformado."

DISTORÇÃO: "Muitas vezes você tem coisas que deformam a notícia. Por exemplo, quando lançamos o programa para o povo comprar material de construção com desconto, um jornal importante no Brasil publicou "Lula faveliza o Brasil". Ou seja, é uma concepção distorcida de um cara que possivelmente não tem a menor noção do que significa as pessoas mais pobres terem acesso a comprar material de construção mais barato e poder fazer a sua casa, reformar, fazer a sua garagem, fazer seu puxadinho." (...) Quando fiz o programa Bolsa Família, as matérias que saíam deles, analistas, eram de que isso era assistencialismo. Ou seja, as pessoas muitas vezes têm a sua formação ideológica, têm a sua tese sobre as coisas. O que eu às vezes não concordo é que as pessoas, em vez de publicarem um fato como ele é, contra ou a favor, não importa, as pessoas colocam apenas aquilo que pensam sem se importar com o fato como ele é."

EMPRESAS: "Trato empresários do meio de comunicação como trato os empresários da construção civil, como trato os bancos, como trato o pessoal do setor siderúrgico, ou seja, é um cidadão que apresenta uma pauta de reivindicação." (...) Acho normal que um empresário de meio de comunicação, se precisar de dinheiro emprestado do BNDES, entre com o mesmo pedido como entra uma empresa de construção civil, como entra uma indústria automobilística. É um direito que ele tem de fazer investimento. O Brasil tem um banco que empresta; portanto, ele não deve favor nem ao banco e nem ao país."

RETALIAÇÃO: "Não, porque a análise é eminentemente técnica. Alguém, para pegar dinheiro no BNDES, tem que apresentar um projeto que tenha, eu diria, os fundamentos técnicos corretos, e por conta disso, o dinheiro é emprestado. Qualquer empresário de empresa de comunicação que entrar com um pedido de empréstimo, ele vai ser analisado - pode ficar certo - como qualquer outro."

PRECONCEITO: "O que há, na verdade, é um preconceito da própria imprensa contra a questão da relação dos meios de comunicação com o governo ou com os bancos públicos. Vem um agricultor de qualquer parte do Brasil, vai ao Banco do Brasil e pega dinheiro emprestado. Isso vale para o dono da Record, o dono da Globo, o dono do SBT, o dono da Bandeirantes, o dono da rádio "fulano de tal". Se ele tiver um projeto que seja convincente e aquele projeto seja exequível, o BNDES ou o Banco do Brasil deve tratar como se fosse um empréstimo comum."

EMPRÉSTIMO: "O empresário não precisa ficar receoso, porque duvido que tenha um governo capaz de querer emprestar dinheiro e pedir contrapartida. Ele seria execrado por todos os outros que não pediram empréstimo. Então, a forma mais segura para os donos dos meios de comunicação é agir com naturalidade, e acho que é assim que agimos, é assim que age o BNDES."

FIM DE SEMANA: "Dia de sábado e domingo não quero conversar política, quero conversar sobre futebol, cinema, sobre qualquer outra coisa. Então esse cara que só sabe conversar sobre um assunto termina virando um cara que você não pode chamar para qualquer coisa. Você vai fazer um churrasco, você não vai chamar o cara. Mas eu sempre me dei bem com a imprensa."

TERAPIA: "Ficar o final de semana sem discutir problema e sem discutir economia, sem discutir política, é uma terapia que acho que todo político precisaria aprender a fazer. O exercício da Presidência é tão importante, é um cargo tão nobre em uma República, que precisamos aprender o momento de fazer as coisas, de falar, de ficar quieto. Estou no aprendizado. Lamentavelmente, faltam só dois anos para terminar o mandato."

RELAÇÕES: "Eu sei de presidentes que levavam editores para sua casa para jantar, almoçar, que às vezes convocavam os principais articulistas para almoçar, para jantar, eu não gosto de fazer isso."

As três fases da sucessão

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

O REVIGORADO PRESIDENTE LULA E SUA FAMÍLIA encerraram a curta e merecida temporada de férias e, com a volta à rotina, aperta a campainha para dar início à primeira etapa da sua sucessão, com a campanha dissimulada pelas viagens para visitas às obras do Projeto de Aceleração do Crescimento, o PAC, com a presença da ministra-candidata Dilma Rousseff , plenamente justificada pela sua responsabilidade de fiscalizar o trabalho em cada novo quilômetro de estrada e de cada palmo do desafio de levar as sobras de águas do Rio São Francisco para irrigar as áreas secas de cinco estados do Nordeste. Creio, portanto, que é oportuno refrescar a memória com o repasse dos dispositivos constitucionais que disciplinam a sucessão presidencial, de governadores e parlamentares, como um ponto de partida para análises e até a torcida do distinto eleitor. Não é difícil encontrar na Constituição de 1988 o capítulo II, que trata do Poder Executivo, seção I, do presidente e vice-presidente da República.

Daqui por diante desfilam os dispositivos que disciplinam as eleições. O artigo fixa as estacas fundamentais: "A eleição do presidente e do vice-presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente".

O parágrafo 1° esclarece que "a eleição do presidente da República importará a do vice-presidente com ele registrado". Nem sempre foi assim. Haja vista as mais calamitosas conseqüências, quando o embirutado Jânio Quadros se elegeu presidente com João Goulart na Vice-Presidência, em jogada de transparente dupla traição do Jan-Jan ao candidato udenista, o impecável senador Milton Campos.

Da renúncia golpista ao governo de Jango, e daí para a Redentora e 21 anos de ditadura militar, foi um pulo. Voltemos ao tema da nossa conversa. No parágrafo seguinte, o que o leitor certamente está cansado de saber: "Será considerado eleito presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e nulos". E a menos cuidada e mais importante das normas constitucionais no parágrafo 3°: "Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição em até 20 dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos".

Agora, é só encaixar cada personagem nos seus espaços do tabuleiro, e o jogo ganha vivacidade e interesse. Comecemos pela ministra-candidata Dilma Rousseff e seu patrocinador, o presidente Lula. É o parágrafo 3° que ilumina a pista para a candidata do presidente vencer os obstáculos dos baixos índices de popularidade e chegar ao primeiro turno de 3 de outubro de 2010 com a consagradora eleição por maioria absoluta de votos (metade mais um) ou, em segundo lugar, para disputar o mano-a-mano do segundo turno.

A distância espicaça a especulação e dá asas aos palpites. Mas este é um exercício que ajuda a armar hipóteses. Com a bagunça partidária que se instalou com o pior Congresso de todos os tempos, só duas chapas parecem certas: a candidatura oficial da ministra Dilma ­ desde que ela comprove sua viabilidade nas pesquisas, ou do tapa-buraco improvisado ­ e a da oposição, com fartura de candidatos ­ os governadores José Serra, de São Paulo, e o mineiro Aécio Neves, mas sem o líder que defina a chapa sem quebrar a louça da unidade da oposição.

Do desempenho dos favoritos na temporada das pesquisas, que germinarão como praga na medida do interesse pelo bailarico dos índices dos candidatos, vai depender a tática dos satélites que giram na órbita do governo ou da oposição. Na banca sortida, as ofertas são as mais variadas. Das legendas respeitáveis pela sua firmeza ideológica, como o Partido Verde ou o PSOL, mas ainda pesos leves, aos dissidentes que jogam com as cartas das possibilidades, como o ex-ministro Ciro Gomes.

A liderança de Lula é pessoal e intransferível. Até aqui resistiu a todos os fluidos do azar. E vai testar seu sortilégio com a ministra-candidata da sua única e exclusiva escolha.

Assombração

Andrea Gouvêa Vieira
DEU EM O GLOBO


Nos últimos oito anos os moradores do Rio pagaram um preço alto pelas desavenças pessoais entre dois prefeitos: Cesar Maia e Luiz Paulo Conde. Ao retomar a prefeitura em 2001, Cesar Maia dedicou-se a desmantelar a obra de seu antecessor, sem avaliar o que havia de positivo na gestão do antigo aliado. Na verdade, destruindo sua própria obra, já que o sucessor era sua continuidade. Perseguiu funcionários públicos e fornecedores e implantou a política do "está comigo ou é meu inimigo". Instrumentos como as Apacs foram usados de forma revanchista. Onde o Favela-Bairro foi regido pela batuta da gestão Conde, o troco foram obras inacabadas.

As intervenções urbanísticas do Conde-secretário, que lapidaram a imagem do Cesar do Rio Cidade, do Favela-Bairro, do Rio Orla, da ordem e da eficiência administrativa, foram substituídas pela gestão político-eleitoral-familiar. Sem planejamento estratégico, apesar de ter elaborado dois, a cidade do "novo" Cesar assistiu à antropofagia executada pelo próprio autor.

É importante registrar esse ângulo da história política recente. Tal como fez com sua primeira ex-cria, o prefeito que sai já deu mostras de que não pretende deixar em paz o que entra. Como assombração.

Nada mais arriscado do que cair nessa armadilha. Os primeiros decretos de Eduardo Paes revelam a intenção de apagar alguns símbolos do governo de Cesar: trocar o laranja pelo brasão oficial do Rio e voltar a chamar secretaria de cultura e de habitação em vez de culturas e habitat pode parecer represália, mas de tão irrelevantes para a vida do cidadão sequer merecem atenção. Outras medidas, como o fim da aprovação automática nas escolas, são promessas de campanha e incluí-las no plano de governo é obrigação. Quem, em sã consciência, não suspenderia provisoriamente uma obra como a Cidade da Música, já sob investigação no Tribunal de Contas? Reiterar a proibição ao nepotismo e ao conflito de interesses públicos e privados demonstra o quanto foram traumáticas essas práticas na administração que se encerra. É um decreto salutar.

Mas no primeiro Diário Oficial do novo governo as mais importantes decisões passaram despercebidas. E é preciso cobrar a sua execução, porque é ali que o futuro se encontra. O prefeito acertou na mosca ao restabelecer através de decretos conceitos e práticas ausentes do dicionário municipal nos últimos oito anos: desburocratização, planejamento estratégico, indicadores, prioridades, metas e resultados, avaliação de desempenho com premiação aos bons gestores, pregões eletrônicos.

Soa como música aos ouvidos de quem acompanhou o faz-de-conta dos últimos orçamentos. A escolha de secretários vindos da área privada, como Eduarda La Roque, na Fazenda, e Hans Dohmann, na Saúde, e de outros estados, como Cláudia Costin, na Educação, revela a disposição de abrir a administração a novas idéias. Claro, há ainda um longo caminho entre as boas intenções e a sua execução. Ex-integrante do grupo político de Cesar, hoje seu desafeto, Paes deve entender que superar o mestre dos bons tempos é o melhor caminho para "desconstruir" o mestre do tempo das trevas. É, aliás, o único meio de não deixar a assombração voltar.

Andrea Gouvêa Vieira é vereadora no Rio (PSDB).

Prioridade social do emprego

Alfried Karl Plöger
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Reduzir a jornada de trabalho e os salários é uma boa saída para enfrentar a alta do desemprego?

OS CONCEITOS mais contemporâneos da governança corporativa, quase dogmáticos nas companhias de capital aberto, mas não menos importantes para empresas de todos os portes e setores, estabelecem compromissos da gestão com o bem-estar da sociedade. Isso significa consciência ambiental, responsabilidade com a qualidade de vida dos funcionários, seus familiares e comunidade, bem como adoção de práticas voltadas à sustentabilidade.No âmbito dessas metas, o mais significativo item é o emprego, pois os salários e benefícios intrínsecos às relações trabalhistas são os mais eficazes e dignos meios de inclusão social e garantia de acesso aos direitos básicos de alimentação, saúde, moradia, educação e lazer.

Manter postos de trabalho, portanto, é tema prioritário na presente crise mundial, uma das mais graves da história do capitalismo.

Assim, é preocupante verificar o início de um movimento de demissões em alguns segmentos e o estado de alerta em tantos outros.

Na indústria gráfica, por exemplo, na qual tem-se verificado crescimento anual do volume de empregos, recente pesquisa mostra tendência de paralisação das contratações. Em todos os setores, a rigor, observa-se ansiedade quanto ao futuro próximo. Proporcionalmente à extensão ainda não claramente identificada do rombo dos derivativos e do tempo de retomada da normalidade, será mais difícil manter empregos.

Assim, não há nenhuma dúvida quanto à pertinência e legitimidade da proposta de redução em 20% da jornada de trabalho e dos salários feita pela Fiesp/Ciesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo). A medida tem absoluta retaguarda legal e sua adoção dependente apenas de acordos soberanos entre empresas e sindicatos.

O sucesso de algumas soluções pontuais semelhantes avaliza a sugestão: as empresas signatárias, em vez de demitir, mantiveram seus quadros ou grande parte deles. Os trabalhadores podem aproveitar a menor carga horária para cursos de reciclagem e aperfeiçoamento.

Obviamente, reduzir jornada e salários não é a ninguém confortável.

No entanto, embora amarga, é uma das alternativas eficientes para evitar demissões em escala, dando fôlego às empresas e maior segurança aos trabalhadores para atravessar a turbulência. Trata-se de sacrifício em nome da prioridade do emprego e da manutenção de um patamar razoável para a atividade econômica.

Há, porém, uma ressalva: de nada adianta essa atitude de empregadores e trabalhadores se todos, inclusive o governo, não fizerem sua parte. A medida deve inserir-se num conjunto de providências. É preciso, por exemplo, que os recursos injetados no sistema financeiro por meio da liberação dos depósitos compulsórios cheguem à economia real. Também é crucial reduzir juros, pois seria inútil disponibilizar crédito sem reduzir o custo do dinheiro.

Outro grave problema a ser atacado é o gasto público. Como se vê na peça orçamentária da União para 2009, o custeio é paradoxal ao perfil adequado para o Estado. É um conjunto de despesas resultante de várias décadas de equívocos na gestão dos organismos governamentais, que continuam inchados, onerosos para os contribuintes e ineficazes no atendimento em áreas essenciais, como saúde, educação, segurança e infraestrutura. Reduzir tais dispêndios é decisivo, tanto quanto concluir a reforma tributária e adequá-la à premissa de desoneração dos setores produtivos.

É nesse contexto amplo que se torna ainda mais válida a redução temporária da jornada de trabalho e dos salários. Governar e gerenciar empresas pressupõem a prevalência do bom senso ante as prioridades. Começando pela garantia do maior número possível de postos de trabalho, o Brasil precisa da mobilização sinérgica de toda a sociedade e do poder público para enfrentar a crise mundial.


Alfried Karl Plöger, 69, é presidente da Abigraf (Associação Brasileira da Indústria Gráfica ) e vice-presidente da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas).

Proposta inócua e inconsistente

José Francisco Siqueira Neto
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


OS DIREITOS trabalhistas não causam desemprego tampouco sua redução ou flexibilização evita o desemprego. Não há registro histórico de atividades empresariais frustradas em razão do direito do trabalho. A variação dos indicadores do desemprego depende fundamentalmente do crescimento e do desenvolvimento econômico.

O direito do trabalho funciona, de um lado, como via de inclusão social e de sustentação das condições mínimas para o relacionamento e a convivência social civilizada; de outro lado, pela negociação coletiva de trabalho, como instrumento de distribuição de renda e de ajuste específico e determinado das condições de trabalho.

As relações de trabalho, portanto, são reguladas mediante a combinação de políticas públicas para o trabalho e de ajustes privados de natureza coletiva. Eventuais desvios dos acertos privados, invariavelmente, implicam custos sociais mais altos para a preservação das políticas públicas.

A crise mundial, que apresenta reflexos no Brasil, além de propiciar farta distribuição de recursos públicos ao setor privado pelas mais variadas modalidades, possibilitou a formação de um ambiente propício à especulação prognóstica e a disseminação de análises referidas em dados imprecisos, que outra coisa não fazem senão aumentar a insegurança e, com isso, possibilitar, por meio da livre associação de ideias, a retomada do elo perdido da agenda política de um passado recente de triste memória.

Agora, a pauta que tentam fixar é a do incentivo à utilização generalizada e descontextualizada da redução da jornada de trabalho com redução de salários.

Essa alternativa é assegurada pelo ordenamento jurídico nacional. É só comprovar a sua necessidade, convencer os sindicatos e não utilizá-la de forma dissimulada para perpetrar fraude trabalhista que a redução será considerada juridicamente perfeita.

O ponto é este. Onde termina a necessidade e começa a oportunidade?Mesmo para aqueles setores atingidos pela crise, a dimensão e o impacto dela não são uniformes.

Desse modo, tentar generalizar procedimentos essencialmente excepcionais e temporários é, para dizer o menos, a exaltação da improvisação como regra de conduta.A inconsistência da proposta é o seu caráter generalista e subsidiário.

Nenhum dos seus proponentes acredita que a medida, por si só, amenizará o desemprego. Trata-se de um movimento secundário. O principal é o conjunto de medidas a cargo do governo (redução de impostos, alongamento dos prazos para pagamento dos tributos, pagamento do crédito do ICMS para as empresas exportadoras, redução dos juros).

Não há o menor sentido em adotar medidas que não influem no centro dinâmico do processo, não resolvem os problemas de curto prazo e desorganizam as relações de trabalho no médio e longo prazo.

Não há uma saída mágica. É preciso paciência e criatividade para encontrar as medidas mais adequadas para cada situação. Nada que sindicalistas e empresários criativos e comprometidos com o país não consigam.

O governo pode e deve ajudar no sustento de políticas concertadas, com o compromisso futuro dos envolvidos. Há espaço para a articulação de financiamentos de empregos com a participação estatal, que, afinal, são mais baratos e produtivos do que o pagamento do seguro desemprego e dos programas de requalificação profissional.

De outra parte, não deixa de ser um tremendo paradoxo que, no mesmo processo em que o Estado aporta recursos fabulosos para garantir as empresas, seja tolerada a restrição de direitos elementares de cidadania. Do ponto de vista econômico, o movimento é inócuo e oneroso, e, do ponto de vista ético, deplorável.

É chegada a hora da participação dos atores sociais. Nesses momentos é que temos a dimensão da importância de sindicatos, sindicalistas e empresários representativos e competentes o suficiente para não caírem na tentação do discurso fácil, que sempre apresenta a mesma solução para todo e qualquer tipo de problema.

José Francisco Siqueira Neto, 49, advogado, mestre (PUC-SP) e doutor (USP) em direito, é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Soberania sem fundo

Vinicius Mota
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Esqueça a propaganda oficial. O Brasil não possui nada parecido com um fundo soberano. O que foi criado numa gambiarra legal, no dia 26 de dezembro, é um ser amorfo, que tenta escapar aos controles institucionais.

A armadilha contida no nome da criatura, denominada Fundo Soberano do Brasil, lembra o Fundo Social de Emergência, criado nos primórdios do Plano Real: não tinha nada de "fundo" nem de "social", muito pelo contrário. Ficava só na emergência mesmo; emergência para fechar as contas.

Fundos soberanos são constituídos com poupança. Poupança, com perdão da obviedade, é o dinheiro que sobra após a liquidação de todos os gastos. O setor público brasileiro fica no vermelho depois de saldadas todas as suas contas.

Não vale invocar o "superávit primário" do governo. Essa é uma poupança intermediária, que desconsidera as despesas financeiras. Quando os gastos com juros são computados, faltam recursos para tapar o buraco. Faltaram cerca de R$ 35 bilhões, nos 12 meses terminados em novembro, que foram tomados de empréstimo no mercado.

O governo brasileiro, portanto, endividou-se mais para dotar o novo fundo. Num contexto de crise, faz sentido relaxar o freio sobre a dívida pública e privilegiar investimentos em infraestrutura? Com uma série de condicionantes -a começar da necessidade de diminuir, também, a marcha das despesas de custeio da máquina estatal-, minha resposta seria afirmativa.

O que as pessoas pensam a respeito do tema é menos importante, contudo, do que a necessidade de uma decisão desse teor passar pelo crivo do Congresso. O Legislativo lavou as mãos e aprovou um fundo sem fundos. O governo fez pior e editou uma medida provisória que o autoriza a endividar-se sem limites para constituir o fundo e a aplicar os recursos onde bem entender. Tanta soberania precisa de freio.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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