quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

É um erro excluir os delatores do indulto de Natal

O Globo

Medida de Lula desestimula um instrumento poderoso de investigação e dificulta a resolução de crimes

Definido de forma vaga na Constituição, o indulto natalino se transformou nos últimos anos numa forma de o presidente da República manifestar suas inclinações pessoais e, ao mesmo tempo, aliviar a carga que pesa sobre um sistema carcerário superlotado. Em 2017, ficou célebre o perdão abrangente do então presidente Michel Temer a todos os presos por crimes não violentos (contestado na Justiça, depois validado pelo Supremo). No indulto final de seu governo, Jair Bolsonaro fez questão de incluir policiais e militares. Agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva excluiu do indulto concedido na semana passada os condenados que tenham feito colaboração premiada com a Justiça.

Carlos Melo* - Um país melhor, mas estacionado

O Globo

Saldo do primeiro ano do governo Lula é positivo, mas o Brasil busca velhas soluções para problemas novos

O saldo do primeiro ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é positivo. Está abaixo do que dizem seus entusiastas, mas bem acima do que querem fazer supor seus detratores. O país vai se reajustando à normalidade de problemas de modo menos lancinante do que viveu em anos recentes.

Se a economia não deslanchou, tampouco degringolou. A inflação voltou a níveis civilizados, o desemprego diminuiu, e o crescimento, mesmo não sendo um “espetáculo”, ficará acima do esperado. Com a concordância do Legislativo, o país voltou a ter um regime fiscal, e a reforma tributária foi, enfim, promulgada. O Brasil reassumiu lugar no concerto das nações.

meio ambiente recebeu cuidados sinceros e profissionais. A democracia não correu riscos nem foi vítima de bravatas. A racionalidade voltou a se basear na política, na ciência, no respeito aos direitos civis. Nada disso estaria garantido fosse outro o resultado da eleição. Elevou-se o nível civilizatório.

Míriam Leitão - Presidente do Banco Central quer juros baixos

O Globo

Roberto Campos Neto tem previsões otimistas para 2024, seu último ano no cargo, elogia Haddad e fala em “aprendizado” com as críticas

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, acha que a “a taxa de juros no Brasil é alta”. Diz que no ano que vem, último como presidente do BC, quer juros o mais baixo possível e a inflação na meta. Reclama das agências de rating, avalia que “a nota do Brasil poderia ser melhor”. Elogia o ministro Fernando Haddad que fez “um esforço gigantesco para enquadrar o fiscal”, e admite “é super difícil cortar gastos no Brasil”. Nega incômodo com a pressão política que enfrentou: “Foi um momento de grande aprendizado.” Perguntado sobre as previsões para 2024, Campos Neto alerta que “as análises econômicas têm errado muito”, e prevê que o PIB de 2024 pode ser maior do que o projetado nos documentos do Banco Central.

Maria Hermínia Tavares* - Lula 3, ano 1

Folha de S. Paulo

Lula raramente acerta nos improvisos, mas seu governo neste ano é inequivocamente positivo

O presidente Lula raramente acerta nos improvisos. Foram muitos os despropósitos que perpetrou durante o ano, de microfone em punho e nenhum texto a guiá-lo. Governante algum, porém, deve ser avaliado pelo que diz sem pensar, mesmo que se dê à retórica a devida importância política. Melhor olhar para o que realizou, nas circunstâncias dadas.

Isso feito, o resultado do primeiro ano de Lula 3 é inequivocamente positivo. Começando pelo que é fundamental. O teto fiscal desabado foi substituído pelo chamado Novo Arcabouço Fiscal, um conjunto de regras que dão instrumentos para a gestão responsável dos recursos públicos, colocando no horizonte a diminuição do déficit fiscal. A esse avanço seguiu-se a aprovação pelo Congresso de medidas necessárias para assegurar sua viabilidade. E, já com o ano por terminar, deputados e senadores emplacaram a primeira fase da reforma do sistema tributário —na agenda do país há quatro décadas.

Vinicius Torres Freire - A nova anistia para golpistas

Folha de S. Paulo

Tiranetes estão soltos, aberração institucional continua: 2023 teve escassa 'normalização'

O Brasil vai voltando à "normalidade institucional" ou "democrática", lê-se em vários balanços deste 2023. No mais das vezes, esse juízo é moderado pelo gerúndio.

Ainda assim, trata-se de otimismo, ingenuidade, tentativa de tapar o sol com a peneira ou cumplicidade com o estágio atual do arranjo desta democracia mais pervertida do que de costume.

Está claro que deixamos de ter um presidente golpista. Mais do que isso, o governo procura aparar as barbaridades maiores dos anos de trevas (2019-2022) e tem um programa de garantir ou ampliar direitos constitucionais, modesto na ambição, na criatividade política e fraco na prática.

Difícil que vá além. O desastre social, econômico e político que herdou é enorme, há muito o que fazer. Além do mais, o bloco político do governo é o mais minoritário da redemocratização. Assim é no Congresso. Assim é por causa do tamanho do eleitorado no outro lado das trincheiras, do domínio regional do conservadorismo, do tamanho do sentimento antiesquerda etc.

Bruno Boghossian - A coalizão dos vampiros

Folha de S. Paulo

Com cargos no governo, União Brasil, PP e Republicanos estão mais próximos de candidatura adversária do que da reeleição

Às vésperas da campanha de 2014, Aécio Neves lançou uma cantada indecorosa para os partidos que ocupavam ministérios de Dilma Rousseff. O tucano sugeriu que as siglas deveriam extrair o que pudessem e, depois, apoiar sua candidatura. "Eu digo para eles: façam isso mesmo, suguem mais um pouquinho e, depois, venham para o nosso lado."

Lula tem alguns daqueles vampiros alojados na Esplanada dos Ministérios e em bancadas que, no papel, formam a base aliada de seu terceiro mandato. O Palácio do Planalto aceitou pagar um preço salgado pela ajuda do centrão em votações de interesse do governo, mas não comprou o apoio do grupo para 2026.

Dentro da coalizão de Lula, é considerada certa apenas a adesão das siglas de esquerda à reeleição, mas dirigentes do MDB e do PSD já manifestaram interesse numa aliança em torno do petista para mais um mandato. Já União BrasilPP e Republicanos, bem alimentados por acordos com o governo, têm simpatia inequívoca pelo campo adversário.

Luiz Carlos Bresser-Pereira* - Carta a Geraldo Alckmin

Folha de S. Paulo

Tarifas ainda são o principal instrumento de qualquer política industrial bem-sucedida

Meu caro vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, escrevo-lhe esta carta para lhe falar de política industrial e de tarifas aduaneiras. Sim, tarifas aduaneiras. Li hoje uma excelente reportagem na revista CartaCapital sobre o projeto de política industrial que você e sua equipe estão prestes a concluir. Como seus assessores observam, é realmente uma nova política industrial.

Nova porque ela não se estrutura por setores, mas por missões: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bioeconomia, desenvolver tecnologias estratégicas. Para cada missão haverá um grupo de trabalho a cuidar da implantação e da supervisão das políticas industriais. Parece-me tudo ótimo. Não tenho nada a acrescentar.

Quero, porém, discutir os instrumentos. Curiosamente, a expressão "política industrial" só passou a ser regularmente utilizada depois da "virada neoliberal" de 1980. Antes, os países em desenvolvimento praticavam a política industrial, mas não usavam esse nome, e, sim, política de substituição de importações.

O grande instrumento de política industrial que era então usado eram as tarifas aduaneiras. O neoliberalismo naturalmente criticou violentamente a política de substituição de importações, chamando as tarifas de "protecionistas". Tiveram êxito porque, a partir dos anos 1980, o neoliberalismo se tornou dominante em toda parte e porque o modelo de substituição de importações já estava dando sinais de relativo esgotamento.

Christopher Garman* - As duas lições de 2023, e o que elas sugerem para 2024

Valor Econômico

O Congresso não será um obstáculo intransponível a novas medidas para aumentar as receitas

2023 está terminando e, com ele, o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na economia, os resultados pegaram muitos analistas de surpresa: estimativas de crescimento surpreenderam para cima, e a inflação ficou abaixo do esperado. Mas, em termos políticos, o balanço traz algumas lições - e duas, principais, dão pistas sobre 2024.

A primeira diz respeito ao modus operandi do presidente Lula; a segunda, à atuação do Congresso. A combinação delas sugere que a equipe econômica estará mais na defensiva em 2024, mas, ao mesmo tempo, que o Congresso não será um empecilho intransponível para novas medidas de receita.

Luiz Carlos Azedo - Aliança Nunes-Bolsonaro empurra Marta de volta ao PT

Correio Braziliense

Lula trabalha intensamente para que a ex-prefeita e ex-senadora, que rompeu em 2014 com o PT, volte ao partido e componha a chapa do deputado federal Guilherme Boulos como vice

Alguns sustentam que o mitológico Doutor Fausto realmente existiu e reaparece na política. No fim da Idade Média, esse personagem do romantismo alemão teria feito um pacto com o demônio, Mefistófeles, a quem se submeteu, em troca de conhecimento, vida eterna e amor. Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) dedicou 60 anos à composição de Fausto, sua obra-prima, um poema dramático publicado em duas partes: a primeira em 1808 e a segunda, em 1832, já postumamente.

O resumo da tragédia é o seguinte: o insatisfeito e ambicioso Henrich Fausto conhece um demônio chamado Mefistófeles e com ele faz um acordo. Vende a própria alma, a troco de ver seus desejos realizados, entre eles o amor de Gretchen, por quem se apaixona. Para alguns, o personagem teria sido inspirado em Johann Georg Faust (1480-1540), alquimista, mago e astrólogo do Renascimento alemão.

William Waack - Coleira antilatido

O Estado de S. Paulo

Polarização já tem características mais complexas que a velha divisão de cidade e campo ou de classes

Não há muitas chances de o Brasil escapar no ano que vem da armadilha que se fechou em 2023, a da calcificação da polarização política. Até aqui ela funciona como uma espécie de coleira de choque antilatido – que o digam o governador Tarcísio de Freitas ou o ministro Fernando Haddad.

As duas bolhas cobram dos políticos que delas fazem parte (ou são vistos como fazendo parte) uma espécie de disciplina de comportamento centrada na pessoa dos respectivos chefes, Lula e Bolsonaro. Faz sentido: a coleira antichoque tem como objetivo impor uma lealdade do tipo canina.

Esse é o aspecto menos relevante no fenômeno da calcificação. Nem mesmo o razoavelmente bem organizado PT é capaz de impor condutas monolíticas. Bolsonaro, como é notório, nunca foi capaz de criar uma estrutura hierarquizada que transformasse comandos em ações.

Eugênio Bucci* - Um banco laranja

O Estado de S. Paulo

Campanha bancária recente é uma fórmula convidativa para celebrar o réveillon. Todo mundo tem, bem lá no fundo da alma endividada, a aspiração de ter lugar no futuro

Quando era discreto o charme da burguesia, as casas bancárias eram discretas também. Seus donos se compraziam no anonimato. No máximo, permitiam que gravassem, em letras de bronze, pequenas, o nome do estabelecimento na fachada lateral do edifício, sem espalhafato. Bastava um sobrenome, um topônimo, nada mais. O comércio do dinheiro se fazia em silêncio. Banqueiros fugiam dos holofotes e dos logotipos vistosos. Não queriam nada com a fama. A fortuna os satisfazia.

Agora, a paisagem fiduciária mudou. Olhando para os comerciais de banqueiros na TV, a gente até se espanta. Há peças verdadeiramente espetaculares – espetacular, aqui, no sentido que o filósofo Guy Debord emprestou à palavra (emprestou sem juros): “O espetáculo é o capital em tamanho grau de acumulação que se torna imagem”. Os efeitos especiais de vídeo valem mais do que mil letras de câmbio. A pecúnia perdeu a inibição. O vil metal virou marca desejante, e o que ele deseja é você.

José Serra* - Uma reforma que apenas engatinha

O Estado de S. Paulo

Foco parcial da recém aprovada Emenda Constitucional 132 pode agravar problemas que o atual sistema tributário brasileiro já apresentava

Em que pese todo o júbilo em torno da aprovação da Emenda Constitucional 132, que promove diversas modificações em tributos brasileiros, há sólidos motivos para preocupações em relação aos próximos anos. Primeiro, porque a reforma atinge apenas parte do sistema tributário nacional. Segundo, porque o texto que lhe deu origem apenas fixou elementos gerais, cuja operacionalização, por meio de legislação complementar e ordinária, gerará imensas discussões.

Não se trata de uma reforma tributária, e sim de uma reforma de uma parte do sistema de tributos brasileiro, enfocando os impostos indiretos. Esse foco parcial pode, inclusive, agravar problemas que o atual sistema já apresentava. O maior exemplo é a tributação da folha salarial e as contribuições que a têm como base de incidência. Como o valor adicionado, base do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), é principalmente salário, o novo tributo aumenta o estresse sobre essa linha de incidência, o que é contraproducente tanto para a arrecadação quanto para a geração de empregos.

Poesia | Ano Novo - Mário Quintana

 

Música | TUIUTI Carnaval 2024 - Samba Enredo