Numa derrota para a presidente Dilma, a Câmara aprovou ontem, em primeiro turno, a PEC que obriga o governo a pagar emendas parlamentares. O palácio do Planalto queria vincular 50% do valor das emendas para a Saúde, mas não houve acordo nem com a base aliada.
Derrota do governo
Projeto não tem vinculação de recursos como queria o governo, que vai tentar no Senado obrigar que fatia das emendas vá para a saúde
Cristiane Jungblut, Isabel Braga
BRASÍLIA — De nada adiantaram os apelos dramáticos da presidente Dilma Rousseff e de seus articuladores nos últimos dias. Sem acordo com o Palácio do Planalto e impondo uma pesada derrota a presidente, partidos da base, como PMDB e o próprio PT, que liberou a bancada, decidiram ignorar as negociações e aprovaram, na noite desta terça-feira, na Câmara, o chamado orçamento impositivo, sem vinculação de 50% para a saúde, como queria Dilma. Foram 378 votos a favor e 48 contra, além de 13 abstençõe. Pelas novas regras, o governo será obrigando a pagar as emendas individuais parlamentares, no valor equivalente a 1% da receita corrente líquida, correspondente a R$ 6,8 bilhões a valores de 2013 ou R$ 6,2 bilhões a valores fechados de 2012.
A Câmara também aprovou um destaque apresentado pelo PMDB que retirou do texto a expressão "Anexo de Metas e Prioridades". Isso porque a previsão era de que só seriam pagas as emendas individuais que constassem do Anexo de Metas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas, como O GLOBO mostrou nesta terça-feira, havia o temor de que a presidente Dilma Rousseff vetasse o Anexo e, assim, inviabilizasse na prática o Orçamento Impositivo.
O texto foi retirado com o apoio de 360 votos e apenas 18 contra, além de seis abstenções.
Como se trata de uma PEC, a Câmara tem que votar o texto em segundo turno, provavelmente no dia 27 de agosto.
O impasse entre governo e Congresso durou até a noite, quando o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), decidiu colocar em votação o parecer original, aprovado pela comissão especial da Casa na semana passada. A decisão de enfrentamento foi tomada diante da posição do Planalto de não se comprometer com acordo que garantia parte dos recursos para a Saúde. Se não for derrubada no Senado, como aposta o Planalto, o governo perde um importante instrumento de barganha com sua base em votações importantes: a liberação a conta gotas das emendas contingenciadas.
O impasse aumentou quando o governo avisou que não descartava recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o orçamento impositivo, caso a Câmara não concordasse com a proposta final. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do orçamento impositivo terá que passar por duas votações na Câmara e duas no Senado para ser definitivamente aprovada.
O Planalto insistiu até à última hora na proposta de destinar 50% dos recursos para a área da Saúde. Os parlamentares chegaram a aceitar que 33% fossem destinados ao setor, mas o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, não concordou. O governo diz que vai brigar pelos 50% na votação no Senado.
Despesas engessadas
A proposta apreciada na Câmara — elaborada pelo deputado Édio Lopes (PMDB-RR) — não faz vinculações a nenhuma área, apenas prevê a obrigação do governo de pagar as emendas individuais parlamentares até o limite de 1% da receita líquida.
O orçamento impositivo garante, a valores de hoje, uma cota para cada parlamentar de R$ 10,4 milhões, levando em conta o percentual de 1% da receita realizada em 2012, de R$ 6,2 bilhões. Hoje, a receita líquida está em R$ 6,8 bilhões. Nas regras atuais, a cota de emenda individual é de R$ 15 milhões, mas nunca é cumprida.
Integrantes do Palácio do Planalto reclamaram que se trata de mais uma despesa obrigatória sendo criada, num Orçamento que já tem 84% das despesas engessadas.
Ao iniciar a votação, o presidente Henrique Alves disse que a Câmara optou pelo texto original para “não correr risco de judicialização” do processo.
— Para uma vitória deste tamanho, não poderíamos correr o risco de judicialização. O orçamento impositivo vai ao Senado com quase todo o texto negociado. Nossa intenção era que não houvesse derrota do governo ou da oposição — disse Henrique Alves, afirmando ser um dia histórico para o Congresso.
Na prática, a aprovação do Orçamento Impositivo significa uma vitória politica do próprio Henrique Alves, principal patrocinador da proposta que foi a bandeira de sua campanha ao comando da Casa, e do PMDB.
Ao longo do dia, o governo chegou a sinalizar que aceitava destinar 30%, depois exigiu 33%, e ao fim bateu pé nos 50%.
— Se o governo não questionasse (na Justiça), qualquer entidade o faria. Se vai ser um orçamento impositivo, que pelo menos 50% seja para a Saúde. Se a destinação majoritária for para a Saúde, não nos interessa judicializar — avisou a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, que esteve duas vezes na Câmara, ao longo o dia e à noite.
Ideli, que foi a Henrique Alves avisar da posição inflexível do Planalto, disse que os senadores, que estavam reunidos à noite com a presidente Dilma Rousseff, prometerem mudar o texto no Senado e incluir a vinculação de 50% para a Saúde.
— Queremos 50% para a Saúde. Se não for aqui, será no Senado — disse no o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que também esteve na Câmara.
O líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), afirmou que a Câmara vai cumprir todos os prazos regimentais para assegurar que não haja contestações na Justiça.
— Eles ameaçaram judicializar e não vamos correr riscos. O Senado que mude — disparou Eduardo Cunha.
Afinado com o governo, o PT defendeu os 50%, mas liberou a bancada na hora da votação.
— Defendi os 50% para a Saúde, mas o melhor caminho é liberar a bancada — disse o líder do PT na Câmara, deputado José Guimarães (CE).
A PEC do orçamento impositivo, em benefício do governo, cria uma regra de transição que alivia o impacto: nos dois primeiros anos, o governo poderá usar o pagamento dos chamados restos a pagar para fechar a cota de 1%. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) — que torna o orçamento impositivo um princípio constitucional — será votada no Plenário da Câmara e depois no Senado, ainda em 2013.
Royalties podem ser nova derrota
Na prática, o orçamento impositivo apenas com emendas novas valeria a partir do terceiro ano. Numa brecha para o Planalto, no primeiro ano, o governo poderia usar até 60% (ou 0,6% da receita de 1%) de restos a pagar para atingir a cota de 1% da receita líquida realizada no ano anterior. Isso significaria hoje gastar R$ 4,08 bilhões de restos a pagar e apenas R$ 2,7 bilhões de emendas impositivas do Orçamento do ano. No segundo ano, o governo poderia usar até 30% em restos a pagar.
Nesta quarta-feira, o governo pode ter outra derrota: a votação dos royalties.
Fonte: O Globo