sábado, 15 de dezembro de 2018

José Eduardo Faria*: Debate raso

- O Estado de S.Paulo

Que passa ao largo dos problemas gerados pelo fosso entre as leis e as tensões políticas

A transferência para o âmago do Poder Executivo do juiz criminal de primeira instância responsável pelos casos da Lava Jato em Curitiba foi muito além de repor na ordem do dia os temas da judicialização da política e da politização da Justiça. Também deu mais visibilidade ao antagonismo entre magistrados garantistas, que valorizam o habeas corpus como símbolo da liberdade individual, e magistrados consequencialistas, para os quais esse recurso não pode ser desfigurado por seu uso eleitoral, sob o risco de corroer a legitimidade das instituições de Direito.

Os magistrados garantistas alegam que, ao relevar o texto da lei para dar prioridade aos efeitos punitivistas das decisões judiciais, os consequencialistas recorrem a interpretações extensivas, desprezando com isso as garantias individuais. Já os magistrados consequencialistas justificam interpretações abrangentes em nome de métodos realistas para articular investigação, celeridade e eficiência, o que propiciaria uma espécie de legitimação pelo resultado – no caso, a moralização da vida pública.

Essa distinção suscita duas questões. Por um lado, a questão da influência da opinião pública sobre a Justiça. Por outro, a questão da interpretação de uma ordem jurídica composta por 180 mil leis e uma Constituição com grande número de normas programáticas que, por exprimirem valores morais, não são autoaplicáveis. No primeiro caso, até que ponto um juiz, independentemente de seu grau, deve decidir conforme o clamor público, valendo-se de interpretações criativas do Direito? Até que ponto também pode atuar de modo contramajoritário, interpretando regras com o objetivo de proteger minorias? No segundo caso, o problema do controle sobre a produção dos efeitos das decisões judiciais envolve um risco: quando uma Constituição contém muitos princípios, ela tende a tornar inviável o Direito como técnica, ameaçando a identidade do sistema legal.

Almir Pazzianotto Pinto*: Contagem regressiva

- O Estado de S.Paulo

A crise é grave. Ao presidente Jair Bolsonaro desassiste o direito de errar

Desconheço algo mais fugaz do que mandato eletivo. Começa a se encerrar no dia da posse, em inexorável contagem regressiva. Para quem está do lado de fora, quatro anos poderão parecer muito. Bem contados, são oito semestres, 16 trimestres, ou 48 meses. Em dias úteis, descontados períodos de recesso, domingos e feriados, viagens ao exterior, festas e recepções, o tempo reservado à administração é escasso. No máximo, três anos e alguns meses. Não haverá tempo a perder. Cada minuto será contabilizado.

O regime democrático tem virtudes e defeitos. Quando mal orientado, pode resultar em ineficiência. Após 20 anos de autoritarismo o Brasil comemora 30 de liberdade, sob a égide da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988. A eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República tem sido interpretada, porém, como manifestação de saudosismo. Exausta de corrupção e violência, a maioria do eleitorado optou pelo endurecimento do regime, em candente manifestação de protesto contra tudo o que lhe parecia ser uma espécie de hiperdemocracia sem ordem e sem leis, como teria dito Ortega Y Gasset, o profeta da rebelião das massas.

O vertiginoso aumento da população, que em poucas décadas saltou de 100 milhões para 220 milhões de habitantes, não encontrou o País equipado para atender à rápida multiplicação de demandas por emprego, comida, casa, segurança, assistência à saúde, educação, amparo à infância, à juventude, a idosos. Às promessas feitas pela Assembleia Nacional Constituinte, corporificadas no texto da Lei Fundamental de 88, a realidade responde com agudas reivindicações sempre adiadas e nunca atendidas.

Para ser reeleito ou fazer o sucessor, e impedir o retorno do partido lulopetista ao poder, Jair Bolsonaro terá como premissa maior ser vitorioso nas eleições municipais de 2020. Até lá deverá construir, à força de realizações e do diálogo democrático e convincente, a base de sustentação política de que ainda não dispõe e que lhe será indispensável para governar. Fazer do Poder Legislativo seu parceiro consiste em trabalhar para que não se converta em antagonista, adversário ou rival. Será obrigatório aprender com Fernando Collor e Dilma Rousseff como não se deve fazer. A renovação do Senado e da Câmara dos Deputados revigora as possibilidades de modernização, mediante reformas que se fazem necessárias na Constituição e nos Códigos Tributário, Penal e de Processo Penal. Oportunamente, mas tão rápido quanto possível, deverá ratificar a Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), disciplinar o financiamento da estrutura sindical, mediante a regulamentação do inciso IV do artigo 9.º da Carta Magna, e atualizar as regras sobre acordos coletivos, adaptando-as aos princípios da Convenção n.º 154 da OIT, ratificada pelo presidente Itamar Franco.

João Domingos: A velha política

- O Estado de S.Paulo

Cadê a resposta ao relatório do Coaf? Enquanto ela não vier, haverá especulações

Os 75% que disseram acreditar que Jair Bolsonaro e sua equipe estão no caminho certo, segundo pesquisa CNI/Ibope divulgada anteontem, o fizeram por acreditar que as coisas vão mudar na economia e na política. Na economia é possível hoje dizer que muita coisa vai mesmo ser diferente. Haverá uma reforma da Previdência, estatais que já foram consideradas estratégicas, como a Infraero, serão vendidas ou extintas. Outras que não serviram para nada, como a EPL, criada para pôr nos trilhos antes da Copa da Fifa de 2014 um trem de alta velocidade entre o Rio de Janeiro e Campinas, passando por São Paulo, estão na lista das que vão acabar. (O Congresso, o ministro Sérgio Moro, a Procuradoria-Geral da República, alguém deveria ter a iniciativa de uma proposta que punisse governos que criassem empresas como a EPL).

Pois bem. Parece que a economia vai mesmo mudar. E a política? Sobre essa há dúvidas. Os 75% que disseram acreditar que Bolsonaro e sua equipe estão no caminho certo deram suas respostas antes do noticiário sobre relatório do Coaf que identificou movimentação bancária atípica de mais de R$ 1,2 milhão por parte de Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado fluminense e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O mesmo Coaf, hoje no Ministério da Fazenda, mas com mudança para a Justiça, revelou que o ex-assessor fez um depósito de R$ 24 mil para Michelle, esposa de Jair Bolsonaro. Rapidamente Bolsonaro disse que havia emprestado R$ 40 mil para Queiroz e que os R$ 24 mil que foram parar na conta de Michelle eram parte do pagamento da dívida. Uma explicação convincente, não há dúvidas. O próprio presidente eleito disse que se houver problemas com a Receita Federal, por não ter declarado o empréstimo, ele resolve tudo pelas instâncias administrativas. E, não se pode negar, nem todo mundo declara empréstimos informais. Se a Receita for correr atrás de quem está nessa situação, seja credor, seja devedor, vai encontrar uma multidão.

Adriana Fernandes: Fogo amigo

- O Estado de S.Paulo

Apesar do discurso reformista, presidente e auxiliares põem obstáculos à Previdência

Faltando menos de um mês para o fim da transição, é nítida a dificuldade que o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, enfrenta para colocar as reformas na agenda política do governo Jair Bolsonaro e dos seus aliados no Congresso Nacional.

Os obstáculos têm sido colocados até mesmo pelo próprio presidente eleito e seus auxiliares mais próximos, apesar do discurso público reformista. É o velho fogo amigo alimentado por falas desencontradas em torno da reforma desde o primeiro dia da transição, logo após a vitória nas eleições. Tudo ainda de forma muito discreta.

Guedes reconhece que precisa de apoio amplo à reforma e, nesse caminho, reforçou tecnicamente a sua equipe para a elaboração de uma nova proposta a ser encaminhada em março do ano que vem ao Congresso. Previdência, Previdência, Previdência é o seu discurso a todos que conseguem uma hora na sua atribulada agenda.

Não foi à toa que o novo ministro repensou a estrutura do seu superministério e criou mais uma secretaria para abrigar o deputado tucano Rogério Marinho (RN) para cuidar da proposta de mudanças nas regras de aposentadoria. A ideia inicial era que a Previdência ficasse no guarda-chuva da Secretaria Especial de Arrecadação sob o comando do economista Marcos Cintra.

Mas, diante das barreiras políticas e aconselhado por amigos, ele mudou de ideia para fortalecer a parte negociadora da proposta.

Demétrio Magnoli: Guerra de religião

- Folha de S. Paulo

Não há diferenças essenciais entre Damares e os fundamentalistas islâmicos

"A igreja deve governar", exclamou Damares Alves, nova ministra da Mulher, da Família e Direitos Humanos aos fiéis de sua seita evangélica. Há pouco, bastaria contraditá-la invocando a laicidade estatal. Hoje, face ao regresso político em curso, é preciso examinar as relações entre igreja, partido e governo para redescobrir o valor universal do princípio do Estado laico.

A fé não precisa de uma igreja para se manifestar. As igrejas, como os partidos, são sobre poder. No Ocidente medieval, a Igreja Católica exercia um poder absoluto sobre as sociedades: o papado legitimava os reis. Um paralelo apropriado é com os totalitarismos do século 20: os partidos de Stalin e Hitler identificavam-se com o Estado.

Nas democracias, contudo, partidos e igrejas ocupam lugares radicalmente diferentes. Os primeiros almejam governar; as segundas só podem almejar a liberdade de pregar uma fé.

O partido é a expressão política de uma parte da sociedade que pretende representar, provisoriamente, a sociedade inteira. A meta é atingida por meio do voto majoritário, veículo da soberania popular, que sagra a verdade do partido como verdade geral provisória.

Mas o partido que chega ao governo continua a ser a parte, não o todo, e, por isso, corre o risco de ser apeado na eleição seguinte. A igreja, porém, qualquer que seja ela, define a sua verdade como Verdade eterna —e, por isso, não tem o direito de querer governar.

Os partidos exibem seus programas como soluções melhores para administrar as coisas (a economia, os serviços públicos) nas circunstâncias do presente. As igrejas, por outro lado, pretendem universalizar uma fé, um modo de entender a vida e a morte, um catálogo de preceitos sobre o comportamento dos indivíduos nas esferas pública e privada.

O governo do partido pode ser mudado; o "governo da igreja" é, por definição, imutável. Do ponto de vista da democracia, não existem diferenças essenciais entre Damares e os fundamentalistas islâmicos que governam a Arábia Saudita, o Irã, o Sudão e a Faixa de Gaza.

Julianna Sofia: De joelhos

- Folha de S. Paulo

Congresso regozija-se com pautas-bombas, e Bolsonaro herdará conta de R$ 259 bilhões

Depois de sancionar o reajuste salarial de 16,38% para os ministros do Supremo Tribunal Federal, o presidente Michel Temer terá chance de provar que não capitulou —de todo— aos gracejos fiscais do Congressose vetar a prorrogação de incentivos fiscais para empresas do Norte e Nordeste e a ampliação do benefício para as do Centro-Oeste, conforme projeto aprovado pelo Legislativo. A medida poderá custar R$ 17,5 bilhões em cinco anos.

Deputados e senadores regozijaram-se nos últimos anos com o que se familiarizou chamar de pauta-bomba. Em governos impopulares e fracos, como os de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), o poderio parlamentar impôs-se, colocando de joelhos os mandatários que ousaram se insurgir contra a farra.

Faz pouco, em outubro, o Congresso derrubou veto do emedebista ao projeto de lei que autorizava reajuste de 53% para o piso remuneratório dos agentes comunitários de saúde. Pândega que sorverá quase R$ 5 bilhões do Tesouro Nacional até 2021.

Hélio Schwartsman: Saudades da Idade Média

- Folha de S. Paulo

Numa análise lógica, burlar o sistema de cotas raciais é um crime quase impossível

A Idade Média não foi o período mais efervescente nem o mais brilhante da história, mas o pessoal das universidades daquela época ao menos não se perdia no beabá da lógica. Acadêmicos medievais que seguiam o método escolástico jamais cometeriam alguns dos erros que seus congêneres contemporâneos parecem perseguir com afinco.

Falo da decisão da Unesp de expulsar 27 estudantes que, segundo a universidade, teriam burlado o sistema de cotas raciais para entrar na instituição. O problema é que, numa análise lógica, esse é um crime quase impossível de cometer.

Ora, o que os editais da Unesp, a exemplo de toda a legislação que regula cotas, exigem do candidato que concorre pelo sistema de reserva de vagas é uma autodeclaração de que ele é preto, pardo ou indígena —e não que ele efetivamente seja preto, pardo ou indígena.

Merval Pereira: A batalha previsível

- O Globo

Na fundamental reforma da Previdência haverá disputa sobre diversos aspectos, pois todos os temas são polêmicos

É previsível que o futuro governo Bolsonaro tenha dificuldades políticas e jurídicas para a aprovação das reformas estruturais de que o país necessita, na maioria impopulares pelo menos para setores da sociedade. O sucesso da manifesta vontade do presidente eleito de tratar diretamente desses temas espinhosos com o cidadão, através dos novos meios de comunicação em rede, dependerá da capacidade de convencimento de que privilégios estarão sendo cortados, e não “direitos adquiridos” subtraídos.

Com recente pesquisa confirmando que o futuro governo tem aprovação inicial mais avantajada que a votação obtida por Bolsonaro no segundo turno, é provável que tenha tempo para trabalhar, com a oposição sem espaço para grandes mobilizações.

Os problemas do clã Bolsonaro com as verbas de representação de seus mandatos legislativos ainda não deram gás suficiente para uma oposição mais aguerrida, mas já tivemos recentes exemplos dos problemas que a equipe econômica subordinada a Paulo Guedes encontrará pela frente para aprovar as reformas, inclusive o necessário programa de privatizações para reduzir parte da nossa dívida interna.

Bom exemplo foi a tentativa de barrar a associação da Embraer com a Boeing, que encontrou um juiz para conceder liminar, logo depois revogada, impedindo o negócio.

Também na fundamental reforma da Previdência haverá disputa sobre diversos aspectos, pois todos os temas são polêmicos.

A reorganização dos servidores públicos, com planos de carreira que privilegiem o mérito sobre a antiguidade, será outro ponto a ser disputado no Congresso e também no Judiciário, especialmente se tocar em mudanças de mentalidade, como a proposta de acabar com a estabilidade do funcionário público, que muitos consideram cláusula pétrea da Constituição, mas que, segundo alguns juristas, pode ser alterada até mesmo por projeto de lei.

Também o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, encontrará problemas tanto no Congresso quanto no Judiciário. Moro, por exemplo, quer que condenados por corrupção ou peculato cumpram prisão em regime fechado, não importando o tamanho da pena. Mas já existe resistência de alguns ministros do STF. Também há temores no Congresso com a ida para a Justiça do controle de transações financeiras (Coaf), que identificou a movimentação bancaria “atípica” do motorista de Flavio Bolsonaro e de diversos outros deputados.

Míriam Leitão: Tensão no mundo complica cenário

- O Globo

Guerra comercial, Brexit, desaceleração na China e crise fiscal na Itália são pontos de incerteza para a economia mundial em 2019

A aposta de que o real se valorizaria com a eleição de Bolsonaro não se concretizou. Desde as eleições, o dólar subiu 7%, com um salto de R$ 3,63 para R$ 3,90. Abriu o ano em R$ 3,26. O futuro governo tem sido contraditório sobre a Previdência. Se não houver a reforma em curto prazo, haverá alta do dólar e dos juros. Mas essa elevação que houve agora tem explicações que vêm de fora: o ano de 2019 deve ser um ponto de inflexão, com menos crescimento do PIB mundial, menos comércio entre os países e vários focos de incerteza.

Esse é o pano de fundo no qual o governo Bolsonaro definirá sua política econômica, quando o mundo já tem pontos de estresse. Três eventos têm causado preocupação entre investidores. A guerra comercial entre Estados Unidos e China, o Brexit, ou a saída da Inglaterra da União Europeia, e o risco de um calote do governo italiano, a terceira maior economia da zona do euro e megaendividada. Há sustos frequentes, sucedidos por momentos de otimismo. Esta semana, a premier britânica, Theresa May, conseguiu um voto de confiança do Parlamento, mas não tem ainda um plano claro para a saída do bloco.

A pedido da Câmara dos Comuns, o Bank of England produziu um estudo sobre os efeitos do Brexit e a mensagem é clara: a economia inglesa vai perder competitividade, haverá aumento de inflação, desvalorização da libra e retração do PIB. A intensidade do impacto vai depender de como o processo será conduzido e em que velocidade. No pior cenário, o PIB inglês, em 2023, pode estar 10% abaixo de ponto em que estaria se não tivesse votado o Brexit em 2016. O desemprego pode saltar rapidamente de 4% para 7,5%, e a inflação, de 2% para 6,5%.

“A saída da União Europeia já está tendo consequências para a economia. A produtividade desacelerou, a libra perdeu valor, e o aumento da inflação corroeu ganhos reais de salários”, afirmou o banco central inglês.

Por isso, a ameaça de uma saída não negociada coloca os mercados financeiros em modo de alerta, com aumento da aversão ao risco. O Brasil é afetado porque, quando tudo o mais é incerto, os investidores buscam refúgio em economias com menos problemas. A Europa também é fonte de outras causas de preocupação. A Itália, há poucos meses, encaminhou ao Parlamento um orçamento com previsão de déficit de 2,4% do PIB para o ano que vem. Esta semana, melhorou o número para 2%. A ameaça de crise fiscal na zona do euro voltou a assustar, porque os italianos tem dívidas que correspondem a 130% do seu PIB e sua economia é 10 vezes maior do que a da Grécia. O país é a terceira maior economia do bloco, atrás apenas de Alemanha e França, e o Banco Central Europeu teria muito mais dificuldades para conter uma crise com o epicentro na Itália.

Ruy Fabiano: O desafio dos direitos humanos

- Blog do Noblat | Veja

“Os direitos humanos são basicamente para os humanos direitos”

O tema dos direitos humanos, complexo a partir de sua conceituação, permeia há anos o debate público. A rigor, há séculos, desde que a Revolução Francesa os consignou – e os descumpriu.

Foi um dos carros-chefes da eleição de Jair Bolsonaro, que questiona os termos em que a esquerda o formula, e há de acompanhar, em ambiente controverso, o curso de sua gestão, que tem a segurança pública como um de seus eixos.

Há dias, numa entrevista a um canal de televisão, o general Augusto Heleno, futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, foi instado, mais uma vez, a falar sobre ele.

E reiterou seu ponto de vista de que “os direitos humanos são basicamente para os humanos direitos”. O dito se contrapõe à tendência, ainda dominante, de ver na polícia instituição violadora desses direitos, quando, a rigor, tem como missão garanti-los.

A frase do general, que está longe de ser mero jogo de palavras, pressupõe critério e hierarquia na aplicação desses direitos, a cuja plenitude só pode aspirar quem os respeita. Não é o caso dos bandidos, cujo ofício consiste exatamente em violá-los.

Qualquer direito pressupõe uma instância que os garanta – em regra, o Estado, via polícia. O direito humano fundamental é, por óbvio, o de garantir a vida, já que sem ele nenhum outro subsistirá: o da integridade física, o de ir e vir, o de propriedade etc. Quem os viola submete-se (ou pelo menos deveria) aos rigores da lei.

Arnaldo Jordy: Clima: pacto pela vida

Estive esta semana em Katowice, na Polônia, como representante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, participando da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 24, da qual participaram mais de 185 países do mundo, e fui testemunha da surpresa causada entre participantes pela decisão do governo brasileiro, influenciada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, de não mais sediar a COP 25, no próximo ano, na continuação desse importante debate sobre as mudanças climáticas, um perigo real atestado por cientistas sérios em todo o mundo.

Essa notícia vem junto com outras nada alentadoras: o aumento do desmatamento na Amazônia acaba de ser anunciado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, que constatou o aumento do desmatamento, que alcançou mais de 7.900 quilômetros quadrados de florestas derrubados em 2017. Isso representa 330 toneladas a mais de gás carbônico jogadas na atmosfera.

Diminuir o desmatamento e, com isso, as emissões de gás carbônico (CO2) é justamente o principal compromisso assumido pelo Brasil contra o aquecimento global, ainda que tenhamos também problemas graves causados pela poluição gerada pela queima de combustíveis e de gases gerados por grandes extensões de pasto na pecuária. Este é um problema de todas as nações que ameaça, sobretudo, as cidades costeiras, afetadas pelo aumento do nível dos oceanos, pelo derretimento das geleiras.

Lições do AI-5: Editorial| O Estado de S. Paulo

No dia 13 de dezembro, completaram-se 50 anos do Ato Institucional n.º 5 (AI-5), que representou o mais forte endurecimento da ditadura militar (1964-1985). Considerado “golpe dentro do golpe”, o AI-5 conduziu o País a um sinistro período de arbítrio, censura, repressão e cerceamento das liberdades civis e dos direitos individuais. Ao longo de seus 11 anos de vigência, o ato de profundo autoritarismo produziu muitos males que ainda são sentidos. A perenidade de seus efeitos constitui poderoso alerta sobre a necessidade de zelar sempre, sem descanso e sem cansaço, pelos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Com apenas 12 artigos, o AI-5 desmantelou completamente a ordem jurídica constitucional, revogando direitos e garantias fundamentais. Foi dado, por exemplo, poder ao presidente da República para “decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores”. Durante o “recesso”, o Poder Executivo correspondente ficava “autorizado a legislar sobre todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios”.

O presidente da República também passou a poder decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição. Além disso, também “sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais”. Era uma acintosa e prepotente saraivada de agressões a direitos e garantias fundamentais.

Como se não bastasse, o AI-5 suspendeu “a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”. Também excluiu da apreciação judicial “todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos”.

Medos ancestrais: Editorial | Folha de S. Paulo

Temores sem base real suscitam medidas populistas sobre imigração

O Pacto Global de Migração, recém-aprovado por 164 países membros das Nações Unidas em Marrakech, é, na prática, um acordo fraco.

Seu linguajar abusa de declarações genéricas, que pouco avançam em relação ao tratamento que qualquer Estado democrático e de Direito precisaria dispensar aos imigrantes, e não tem força vinculante, o que significa que nenhum signatário está obrigado a cumprir suas cláusulas.

Ainda assim, dezenas de países que haviam participado de sua elaboração desistiram de assiná-lo nos últimos meses, com a alegação de que não desejam estimular a vinda de estrangeiros. O Brasil, sob a gestão Michel Temer (MDB), aderiu ao pacto, mas o futuro chanceler, Ernesto Araújo, já disse que o país vai se retirar do tratado.

A imigração se tornou um grande tema da modernidade. Boa parte dos líderes populistas de direita que assumiram governos nos últimos anos se elegeu difundindo slogans contra imigrantes. Estão nessa categoria os dirigentes de Áustria, Hungria, Polônia e EUA. A xenofobia também foi um fator determinante para o “brexit”.

Mesmo onde essa corrente perdeu, como foi o caso de França, Alemanha e Holanda, partidos nacionalistas experimentaram notável crescimento, de modo a forçar líderes e legendas favoráveis à imigração a moderar —quando não reverter— seus discursos.

Farra de parlamentares é ameaça fiscal: Editorial | O Globo

Deputados e senadores agridem a sensatez e elevam gastos com as contas públicas no vermelho

Dependente ainda de um Congresso “velho”, a ser renovado apenas em fevereiro — quando também começará a ser aplicada a primeira etapa da importante, mas ainda leve, cláusula de desempenho —, o país padece de aprovações irresponsáveis no campo fiscal.

Isso costuma acontecer, infelizmente, em troca de legislatura, mas, desta vez, a situação das contas públicas é ruinosa. A União, mesmo com a austeridade praticada nos dois anos de gestão de Michel Temer, já acumula déficits primários (exceto juros da dívida) pelo quinto exercício consecutivo — de 2014 a este ano, acima dos R$ 100 bilhões, o que deverá se repetir ainda na gestão Bolsonaro.

Já nos estados, o quadro é mais dramático, mesmo que, felizmente, os chamados “entes subnacionais” não possam se endividar pela emissão de títulos. Este é outro fator que impõe urgência à reforma da Previdência da União, para que seja estendida a estados e municípios. Cujas despesas previdenciárias, principalmente de categorias com tratamento privilegiado (policiais e professores), já prejudicam o atendimento na saúde pública. Vide o Rio, cidade e estado.

Pois é neste cenário que o Congresso procura aprovar a toque de caixa a prorrogação de bilhões de reais em incentivos e outras despesas embaladas em caixas-pretas. A Câmara carimbou sem maiores discussões a cessão de mais R$ 17,5 bilhões em incentivos fiscais até 2023, para empreendimentos nas áreas da Sudene (Nordeste/parte de Minas), Sudam (Amazônia) e Sudeco (Centro-Oeste).

Vladimir Carvalho: A visita de Bernardo Bertolucci a Brasília em 1994

- Correio Braziliense

O documentarista Vladimir Carvalho lembra da visita a Brasília que o cineasta italiano, Bernardo Bertolucci fez durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 1994

Os próceres da hora, Gustavo Dahl e Arnaldo Carrilho, andavam pelos cantos do hotel JK, sede do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (1994), em cochichos e articulações de bastidores, tramando não se sabia bem o quê. Só eles sabiam o caminho das suítes ocupadas pela turma que acompanhava Bernardo Bertolucci e este até ali não tinha dado as caras, mergulhado que estava no mistério que costuma envolver as vésperas da aparição das grandes vedetes internacionais.

Só Joel Barcelos, que nadava de braçadas na onda de protagonista do longa-metragem Trópicos, de Gianni Amico, escalado para encerrar o Festival, estava por dentro e montava guarda cerrada à porta, tornando inexpugnável o acesso dos coleguinhas da imprensa, completando o quadro de “segregação”.

Até onde me lembro, creio que o convite inicial da mostra brasiliense se destinava a Gianni Amico, juntamente com toda a sua filmografia, incluindo Trópicos, uma espécie de versão livre de Vidas Secas num lance entre Nelson Pereira dos Santos e Graciliano Ramos. A sugestão de acrescentar o grande Bertolucci foi trama de Gustavo Dahl, então na Embrafilme, íntimo dos italianos desde o tempo em que foram colegas nos cursos do Centro Experimentali de Cinema em Roma.

Luizinha Dornas, à frente da Fundação Cultural do DF (FCDF), com o ardor que lhe caracteriza, logo assinou embaixo da sugestão e o resultado foi a vinda da caravana Bertolucci a Brasília, composta de sua mulher, a também cineasta Clare People, dois assistentes do diretor, um produtor, cujo nome me escapa, mais a turma de Gianni Amico, com sua equipe e seus atores, sua mulher, a sempre presente Fiorela, com o filho Olmo, assim batizado para homenagear o amigo Bernardo, com o nome do personagem principal do seu célebre filme 1900, vivido por Gérard Depardieu. Bertolucci era seu padrinho e estavam todos em família ao melhor estilo italiano. Os simples mortais, cinéfilos ou não, espiavam de longe, ansiosos, enquanto os garçons circulavam levando bandejas para as refeições em privado. Era esse o clima...

Enquanto isso, não longe dali, numa mansão ocupada no Lago Sul, mal descansado da campanha para presidência, ganha no primeiro turno, Fernando Henrique Cardoso reunia-se com sua equipe de transição, transformando aquele endereço chique em caminho de formigas de políticos. Aproveitando-se competentemente da oportunidade, o embaixador Carrilho, velho e fraternal amigo do Cinema Novo, faz gestões credenciado pelo Itaramaty, recebe o aval de FHC e leva então, com Gustavo Dahl, um verdadeiro séquito de cineastas, técnicos e artistas que se encontravam no Festival.

Ana Costa - O que é, o que é

Antonio Machado: Tenho andado muitos caminhos

Tenho andado muitos caminhos
tenho aberto muitas veredas;
tenho navegado em cem mares
e atracado em cem ribeiras

Em todas partes tenho visto
caravanas de tristeza
orgulhosos e melancólicos
borrachos de sombra negra.

E pedantes ao pano
que olham, calam e pensam
que sabem, porque não bebem
o vinho das tabernas

Má gente que caminha
e vai empestando a terra...

E em todas partes tenho visto
pessoas que dançam ou jogam,
quando podem, e lavoram
seus quatro palmos de terra.

Nunca, se chegam a um lugar
perguntam a onde chegam.
Quando caminham, cavalgam
lombos de mula velha.

E não conhecem a pressa
nem mesmo nos dias de festa.
Onde há vinho, bebem vinho,
onde não há vinho, água fresca.