domingo, 8 de agosto de 2010

O nascimento da ética do político:: Renato Janine Ribeiro

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / SABÁTICO

Há cerca de 5 séculos, O Príncipe marca o imaginário social

Em milênios de filosofia, só dois filósofos quebraram as fronteiras da academia para que seus nomes gerassem adjetivos conhecidos de todos, até de quem não sabe quem eles foram: Platão e Maquiavel. Todos ouvimos falar em amor platônico ou em pessoas maquiavélicas. Não interessa que os especialistas se irritem porque Maquiavel não foi maquiavélico; o fato é que ele, como Platão, deixou uma marca no imaginário social.

O Príncipe, que em breve completará 500 anos, tem características notáveis. Primeira: é livro facílimo de ler. Segunda: apesar disso, não há acordo sobre o que quer dizer. Lemos com facilidade e não temos certeza do que ele pretende. Talvez porque, terceira característica, parece contradizer o resto da vida e obra do autor. Maquiavel foi um dos chefes da República de Florença, passou anos escrevendo uma grande obra republicana - os Discursos - mas somente se tornou um dos maiores pensadores da história devido a um livro curto que redigiu em poucas semanas, banido da cidade, com o fim de agradar aos novos senhores de uma Florença monárquica. Por isso nos perguntamos o que é O Príncipe: é um livro de apologia à monarquia ou uma sátira cáustica? Sustenta que os fins justificam os meios ou mostra a essência da política? Contradiz o político e pensador republicano ou nutre, com ele, uma secreta harmonia?

Vamos às questões principais do Príncipe. Concentro-me em duas. A primeira é a convicção de Maquiavel, segundo a qual metade - por assim dizer - do que nos sucede depende da fortuna. "Fortuna" inclui aqui o infortúnio - a sorte, o acaso, em suma, o que não está em nossas mãos. O máximo que conseguiremos, com muito empenho, será controlar a outra metade. Para isso, teremos de mostrar valor, que ele chama virtù. Usamos a palavra italiana, que significa "virtude", justamente porque é o contrário do que costumamos chamar de virtude. Sua virtù nada tem de moral. Aqui começa o problema. Enquanto estávamos só na estatística, no fifty-fifty fortuna vs. ação planejada e deliberada, tudo bem. Mas quando Maquiavel diz que, para reduzir o quinhão da fortuna, o homem tem de ser um autêntico "vir" (a palavra latina para varão, macho), ele conclui que não poderá seguir a moral cristã.

Passemos à segunda questão. Muitos, diz o autor, trataram de Estados ideais e reis justos, mas tais entes não existem ou não subsistem. Para tratar de "coisas que prestem", falará dos Estados reais e de como funcionam. Seu capítulo 15 é citado como a certidão de nascimento da ciência política: em vez de discutir como as coisas deveriam ser, pensar como realmente são. Não é fortuito que seja Fernando Henrique Cardoso - cientista político, que por coincidência já foi chamado de príncipe da nossa sociologia - quem redija o prefácio, ao qual se segue uma introdução de Antony Grafton, que tem por única falha, a meu ver, ignorar a ótima bibliografia que não foi escrita em inglês: Max Weber, Merleau-Ponty, Claude Lefort e, dos brasileiros, Newton Bignotto. De toda forma, essa tradução fluente há de concorrer com a edição, muito bem cuidada, que temos do Príncipe pela editora Martins Fontes.

Para o leitor, não haveria problema em Maquiavel afirmar que muito de nossa vida escapa a nosso controle, nem que pretenda fazer ciência e não moral. O começo de cada uma de suas duas teses é tranquilo. O que choca são as consequências. Primeira: como controlar o máximo possível de nossa vida política? Será que "os fins justificam os meios"? Consultei o Google: só em português, essa expressão aparece 16.500 vezes junto a seu nome. O curioso é que Maquiavel nunca disse isso.

Daí a segunda consequência: ele teria aconselhado os príncipes a mentir, fazer o mal, faltar à palavra, sistematicamente. Contudo, diz ele, o príncipe deve fazer o bem sempre que possível, e usar do mal só quando necessário. O que dá a Maquiavel a fama de amoral é essa dupla ressalva: não fazer o bem sempre, mas quando possível. Sua análise do poder, que é uma festa para a ciência, é uma preocupação para a moral - a tal ponto que em inglês um dos nomes do diabo, Old Nick, derivaria de seu prenome Nicolau.

Como controlar nosso destino, como reduzir o quinhão da fortuna? Não há questão mais atual. No penúltimo e vital capítulo do livro, o autor explica. Há dois tipos de homem, o cauteloso e o impetuoso. Certas épocas requerem cautela (rispetto), outras, impetuosidade. O ideal seria o homem adaptar-se à conjuntura. Este seria o homem prudente: na época se dizia que "o homem sábio (vir sapiens) dominará os astros", isto é, a fortuna. Isso se lê na medalha de Afonso V de Aragão. O "vir sapiens" é o homem prudente com virtù. Maquiavel exorta o príncipe: deve ser plástico, mutável, bom quando possível, mau se necessário, mas, sobretudo, cauteloso ou açodado conforme a ocasião. Se Cesar Borgia perdeu, foi porque não soube mudar quando os tempos assim o exigiram. O problema é que essa plasticidade do príncipe é quase impossível. Daí, um horizonte trágico: por mais que tentemos governar as circunstâncias, podemos perder.

Maquiavel está na origem da "ética do político", diferente da ética do cidadão privado, que FHC citava tanto na presidência da República e que foi teorizada por Weber. Mas o notável no pensador florentino é que, sabe ele, essa ética não é a dos resultados, a do sucesso. Pode resultar em fracasso - como no caso de Cesar Borgia. Nem por isso a política é menos nobre. Ser político não é só vencer. É saber fazê-lo com virtù - capacidade, ação deliberada e, também, uma certa honra. Talvez O Príncipe seja o mais belo elogio da política.



Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política da USP


Definindo a largada:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Esta será uma semana decisiva para os candidatos à Presidência da República, de definição de posições para a largada da fase final de propaganda eleitoral pelo rádio e televisão, que é a que decide realmente a corrida. O candidato tucano José Serra terá a última chance para começar a campanha pela televisão empatado ou à frente da candidata oficial Dilma Rousseff, como planejado inicialmente.

Com a repercussão do primeiro debate, e as entrevistas dos três principais contendores na bancada do Jornal Nacional a começar de amanhã, a pesquisa do Ibope da próxima sexta-feira definirá a posição de largada dos contendores.

O fato de que os dois ficaram nos mesmos patamares da semana anterior nesta segunda pesquisa semanal divulgada sexta-feira indica uma estabilidade que é boa para Serra, embora ele continue atrás cinco pontos.

A sinalização de que a tendência no momento é a candidata petista ser considerada a favorita da disputa é o fato de que se esperava que ampliasse a diferença.

Ou até mesmo que se confirmassem os números de pesquisas do Vox Populi, dando Dilma oito pontos à frente, ou do Sensus, que mostrou a candidata petista com dez pontos de vantagem.

Eram expectativas de quem esperava que o crescimento de Dilma fosse irreversível.

Não ter acontecido isso já pode ser contabilizado como um ponto positivo para Serra, que tem a seu favor a percepção generalizada de que foi melhor no debate da Bandeirantes, embora não tão melhor que neutralizasse o favoritismo de Dilma.

Ganhou por pontos, já escrevi aqui. Mas, numa disputa acirrada como a que está se desenhando, com outros quatro debates anunciados RedeTV, SBT, Record e TV Globo e as entrevistas nos telejornais da Globo, especialmente o Nacional, Serra espera difundir a imagem de mais preparado para o cargo e reduzir a diferença até superá-la, acumulando pontos nos embates diretos sem par tir para um confronto agressivo que pode assustar.

O mesmo raciocínio pode ser feito para a estreia de Dilma Rousseff na arena de debates.

Não se confirmando a hipótese de um desastre completo que exibisse em cadeia nacional, mesmo de baixa audiência, sua incapacidade de dirigir o país, apregoada pelos adversários, ela pode se considerar vitoriosa.

E com todo o treinamento que vem recebendo, deve continuar evoluindo, acostumando-se com o estresse do debate político.

Esse estresse, aliás, deve ter sido grande para ela, que foi a primeira a deixar o auditório da Bandeirantes logo depois do debate, alegando cansaço.

Os demais candidatos permaneceram no palco, dando entrevistas, sendo gostosamente assediados por todo tipo de pessoas, desde os cômicos do CQC até jornalistas de verdade mesmo.

A alegria exibida por Dilma no dia seguinte ao debate dá a dimensão do peso que ela tirou dos ombros.

O problema é que Dilma é daquelas que vão sendo treinadas on job, e no decorrer da campanha ela tem que se arriscar cada vez mais, se expor ao eleitorado, sujeita a escorregões que podem ser fatais.

Numa empresa, geralmente os que recebem esse tipo de treinamento não trabalham nos setores sensíveis, onde um erro pode ser fatal.

Dilma está tentando aprender as artes da política em plena campanha para o cargo mais importante do país, e tem uma dose maior de risco nessa tarefa.

Não tem se saído tão mal quanto torcia a oposição, mas certamente demonstra a cada dia que ainda não estava madura para disputar o cargo.

Falta-lhe o jogo de cintura que uma vida parlamentar, ou mesmo o exercício da política sindical, dá aos que nelas atuam.

Mas sobra-lhe o apoio do presidente Lula, com sua popularida de intocada pesquisa após pesquisa, e uma conjuntura econômica favorável.

O PSDB vive hoje o drama do PT em 1994 com o Plano Real, e Lula parece ser o Plano Real do PT.

Nesse sentido, se se confirmar que a capacidade de transferência de votos de Lula ainda não se esgotou, a escolha de Dilma como candidata não terá influência na decisão do eleitorado.

Assim como se dizia no tempo do Plano Real que o candidato poderia ser qualquer ministro do governo Itamar, e não necessariamente o ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, também agora o que importaria é a figura de Lula, e não o personagem que disputa a eleição em seu nome.

Na época do Plano Real, o presidente Itamar Franco chegou a escolher o então ministro da Previdência Social Antonio Britto, do PMDB, para ser o candidato oficial, mas Britto acabou não querendo disputar.

A questão é tão delicada que Serra tenta se equilibrar entre ser contra o governo, mas não contra Lula, ser contra Dilma, mas não contra seu criador.

Se, no entanto, a campanha tucana conseguir descolar Dilma de seu ambiente artificial sustentado exclusivamente pela energia lulista, e deixá-la exposta ao eleitorado com seus erros e seus acertos, sem se colocar como o antiLula, Serra poderá ser beneficiado.

Ao contrário do que escrevi na sexta-feira, pesquisas de opinião mostram que os senadores José Agripino Maia, do DEM, e Garibaldi Alves, do PMDB, são os favoritos para ocupar as duas vagas em disputa para o Senado, ficando a ex-governadora Wilma Faria, do PT, como a terceira opção.

No macio azul do mar:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Campanha de Dilma não quer fortes emoções, prefere um clima ‘morninho’ até o fim

O alto comando da campanha de Dilma Rous­seff, aquele residente um andar abaixo do ocupado pelo presidente Luiz Inácio da Silva, gostou do debate realizado pela TV Ban­dei­rantes não só porque a candidata sobreviveu sem ferimentos graves.

O que agradou mesmo foi o clima “morninho”, como definiu menos de 24 horas depois um mandachuva da equipe.

“Para nós está bom assim, o rio correndo para o mar. Se continuar no mesmo ritmo a eleição está ganha.”

Quer dizer, sem sobressaltos, sem lances espetaculares, sem arroubos emocionantes, sem movimentos bruscos. Um arroz com feijão bem feito parece ser a receita predileta da campanha petista, cujo coordenador em tela acha que já esgotou sua cota de tiros no pé.

“Demos todos os que tínhamos direito.” Por exemplo, o registro na Justiça Eleitoral do documento “A grande transformação” aprovado em congresso do PT, como programa de governo, com restrições à liberdade de imprensa e violações ao direito de propriedade entre outros pontos eivados daquele modo todo especial que o PT tem de espantar eleitor em seus momentos xiitas.

Justo com Dilma, que não pode, segundo avaliação interna, dar margem a interpretações de que se eleita fará um governo marcadamente de esquerda. “Se Lula não pôde, ela muito menos. Não terá espaço para concessões à esquerda.”

Pelo mesmo raciocínio do quanto mais frio melhor, boa parte do estoque de tiros no pé foi gasta nos primeiros 15 dias depois que Dilma deixou o ministério.

Ela vestiu o figurino de combate, “acreditou” no papel e saiu de pau e pedra para cima do então pré-candidato do PSDB, José Serra. Respondia a tudo, polemizava, fazia frases (“lobo em pele de cordeiro”), brigava sozinha, perdia o em­­bate para si e o tucano só fazendo pose de bom moço.

Não falava mal de Lula e chegou a espalhar pânico nas hostes inimigas. “Ele estava assustadoramente perfeito.”

O que foi assim tão perfeito? A atitude amena, que deixava os petistas na difícil situação de precisar criticar um adversário que elogiava o presidente. Foi na época em que Dilma repetia que Serra era ambíguo sobre ser ou não oposição. “Era um rebate fraco, nada convincente.”

De acordo com a análise do comando petista, as coisas melhoraram depois que a candidata parou de responder a José Serra e ao mesmo tempo o tucano endureceu o discurso.

Na campanha governista o que se diz é que quanto mais oposicionista Serra se mostrar, melhor para Dilma.

Isso tanto pode ser a mais pura verdade como pode ser também um truque para levar o oponente para o lado que mais interessa.

Como distinguir? Im­­pos­sí­­vel, melhor mudar de assunto.

Falar, por exemplo, sobre a expectativa em relação ao programa do horário eleitoral que estreia daqui a dez dias.

O centro dessa questão obviamente é o presidente Lu­­la. A campanha quer dosar sua participação. Nem tanto que faça a candidata desaparecer nem tão pouco que não seja suficiente para dar uma deslanchada nas pesquisas.

Mas Lula em qualquer dose não é bom?

Depende.

O QG petista cita o exemplo recente da campanha para a prefeitura de Belo Horizonte. Tanto o então governador Aécio Neves e o então prefeito Fernando Pimentel apareceram na propaganda que o candidato Márcio Lacerda sumiu. Por pouco não perdeu a eleição.

Portanto, overdose de Lula nem pensar. São 45 dias de programas. Será feito um teste: dependendo do resultado nas primeiras duas semanas, a participação do presidente aumenta ou diminui.

Retomando aquela ideia do início de que a “eleição está ganha” se tudo transcorrer em ambiente morno – o que contraria o argumento de que a agressividade da oposição favorece Dilma –, vamos conferir as contas em relação à possibilidade de vitória no primeiro turno.

Há dois tipos de avaliação. A da maioria, mais otimista, aposta em 50% de chance. A do nosso interlocutor, porta-voz dos prudentes, cai para 5%.

Cálculo de gato escaldado, lembrando que em 2002 e 2006 as pesquisas indicavam vitória de Lula no primeiro turno e nas duas vezes a eleição foi decidida no segundo.

Temente a água fria, não se ilude facilmente: “Eleição en­­gana muito a gente.”

Eleitores e eleitos em tempo de eleições:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Entre impostos invisíveis, que lhe são cobrados de todos os lados, mas sem saber onde são aplicados, e eleições que não correspondem às expectativas, o brasileiro continua à espera de compromissos assumidos pelos candidatos e logo esquecidos pelos que se elegem. Do ponto de vista do cidadão, os eleitos e, em particular, os governantes premiados com o voto direto, depois dos 25 anos da volta à democracia básica, só se lembram do eleitorado ao se aproximar a hora de renovação do mandato. Os três partidos com maior peso representativo captaram a confiança tão indispensável quanto o exercício da crítica pelos eleitores e ficaram bem situados nas primeiras eleições, mas não foram capazes de definir o perfil democrático para o Brasil no século 21. Não basta ser a caricatura do que era o quadro político antes do ciclo militar. PMDB, PT e PSDB redesenharam o homem público tradicional mas esqueceram-se de excluir do mandato o enriquecimento pessoal e seus conexos . E recusar, por coleguismo recíproco, que o teor de democracia seja avaliado pelo número de partidos políticos.

Perduram na vida republicana o descrédito acumulado pela representação política e a indiferença parlamentar pelo juízo de baixo valor que a opinião pública lhe dispensa. As três assembleias nacionais constituintes no século 20 foram atropeladas pela distância virtual entre ideias novas e práticas políticas que passam pela ética e fingem não vê-la. A Nova República logo se desfez do adjetivo e autorizou o cidadão a não confiar no que ouve quando se aproxima a hora de ir às urnas. A representação voltou as costas à cidadania, ficou petulante e depreciou a ética. Despojou-se do adjetivo e se empavonou com o substantivo carregado de história desde Roma.

Por ironia da História, nos 18 anos sob a Constituição de 1946, o exercício do direito de greve só veio a ser regulamentado (com restrições autoritárias inevitáveis) em lei do Congresso, por iniciativa do governo Castello Branco, quando já não havia democracia suficiente para tanto.

A Nova República envelheceu rapidamente pela reincidência crescente de traços genéticos e, já sem o adjetivo, se habilita a utilizar o efeito contrário com que Oscar Wilde transferiu para o retrato do personagem do seu romance os efeitos exteriores do envelhecimento, e, em compensação, assegurou a Dorian Gray a juventude que se prolongou no tempo. É, aliás, o que em latim (mutatis mutandis) fica melhor em português (mudando o que se puder mudar) e tem sucedido a todas as constituições brasileiras nascidas de assembleias nacionais constituintes. Havia direito de greve, antes de ser regulamentada, mas as greves continuaram proibidas ou, no mínimo, dificultadas. Ainda hoje não são fáceis.

Bolsa Milionários:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O manifesto das doze entidades empresariais em defesa dos empréstimos subsidiados do BNDES omitiu uma importante informação: quanto eles devem ao banco. Se dissessem, se saberia que defendem seu próprio bolso. Mas é revelador de como a elite adora o governo Lula e sua incrível volta à terra das políticas mortas do governo militar.

Lula, em cada palanque que sobe, critica as elites como sendo um grupo que tentou tirá-lo do poder. Ninguém tentou tirá-lo do poder, e a elite empresarial o adora como se vê nesse manifesto.

Quando tenta criar um inimigo incorpóreo, o presidente está conscientemente fazendo mais uma tentativa de manipular a opinião pública em época eleitoral. Nenhuma novidade.

Ele é assim mesmo. O que espanta é a maneira transparente com que as entidades empresariais disseram desta vez que querem continuar recebendo dinheiro público. Sem dúvida, reconhecemos que o desembolso feito pelo Tesouro é um custo para a sociedade, disseram os empresários em um raro momento de sinceridade.

Qual é o custo? Esse é um dos problemas. A sociedade que paga precisa saber quanto é o subsídio, a quem se destina o dinheiro, com que critérios os beneficiários são escolhidos. E são essas as perguntas feitas. Perguntas legítimas em uma sociedade democrática, em que o contribuinte exige respeito e informação sobre o que é feito com o dinheiro dele.

É ridícula a acusação de que há um ataque ao BNDES. O banco existe há 56 anos, sempre concedeu empréstimos com juros facilitados, cometeu muitos erros no passado, concentrou renda e comprou participações em empresas que faliram.

Ao longo dos anos foi tornando sua atuação mais transparente, mais auditável, corrigindo excessos e se firmou como um importante instrumento de todos os governos.

Só uma visão de Luiz XIV, do tipo o banco sou eu, faz com que o atual presidente Luciano Coutinho reaja às críticas à sua condução como sendo um atentado ao banco em si.

Um dos argumentos apresentados pela atual direção do banco, pelo governo e pelos empresários é que a instituição expandiu seus empréstimos com dinheiro do Tesouro apenas para enfrentar a crise econômica.

Mas a crise passou e aparentemente o que valia em 2009 não vale mais em 2010, lamenta o documento dos empresários.

De fato. Medidas emergenciais são para emergências.

Depois, os excessos têm que ser corrigidos.

Uma lição importante é que a bondade dos bancos públicos com dinheiro do contribuinte vira rombos que aumentam a dívida pública, que excessos e absurdos dessa transferência de renda para os ricos são inflacionários.

Mesmo na ação contra a crise, as decisões que o banco tomou são controversas.

O que há de anticrise nos empréstimos concedidos ao frigorífico JBS Friboi para comprar outro frigorífico no exterior? Ou a montanha de dinheiro transferida para a Telemar comprar a Brasil Telecom? Só para citar algumas das maiores operações que não criaram emprego, não ampliaram investimentos. Nestas duas operações os ganhos foram apenas dos seus acionistas.

Ao contrário do que vem sendo dito, o BNDES não subsidia a compra de empresas, nem escolhe vencedores, diz o manifesto dos super-ricos. Engraçada essa parte. Ela contraria os atos e palavras do banco. O próprio Luciano Coutinho justifica a neoescolha de campeões. Disse que sentia vergonha de que o Brasil não tivesse grandes empresas em algumas áreas.

Os jornalistas Mauro Zanatta e Alda do Amaral Rocha, do Valor Econômico, mostraram em reportagem na semana passada que o banco negou empréstimo a vários frigoríficos médios e deu empréstimos gigantes ao JBS Friboi e Marfrig numa escolha deliberada de alguns grupos para receber o dinheiro barato. O JBS comprou vários outros com esse dinheiro, aqui e no exterior.

Alguns frigoríficos estão falindo; outros nadando em dinheiro do banco. E que não se fale que a escolha do BNDES é por empresas mais sólidas. Como se sabe, o banco torrou R$ 400 milhões em empréstimo e compras de ação do frigorífico Independência, que quebrou em seguida.

O Brasil lutou muito pela estabilização da moeda. Foram anos dedicados ao esforço de corrigir distorções em inúmeras áreas. Uma das frentes da luta foi no saneamento dos bancos públicos.

A bagunça nas suas contas, a falta de transparência, a bondade excessiva aos grandes grupos empresariais, os perdões de dívida estavam na raiz do processo inflacionário. Aquelas políticas de apropriação do dinheiro público pelos muito ricos deixaram uma herança maldita e foram sendo eliminadas uma a uma. Não foi fácil. Só quem viu o dia a dia pode contar.

Grandes grupos empresariais conspiraram contra o processo de modernização.

São os mesmos que agora escrevem manifestos. Defendem essa estranha volta dos mortos-vivos; lutam com sucesso no cemitério das políticas extintas.

O Brasil tem muito a discutir para garantir o futuro depois da estabilização e do aumento da inclusão de brasileiros que a estabilização permitiu. É espantoso e triste que esteja às voltas com a discussão sobre se as políticas de concentração de renda e de benesses com o dinheiro público adotadas nos anos 70 eram boas ou não. Foram péssimas. Elas fizeram um enorme mal ao país. Isso está medido e contabilizado.

A quem interessa repetir os erros de um passado condenável e perigoso? Agora é mais fácil saber.

Os grandes empresários defendem a velha ordem. Eles são a elite amiga de Lula.

Eles não querem o fim do Bolsa Milionários.

Debate sem debate:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva deveriam acender uma vela à TV Globo, que transmitiu a emocionante semifinal da Copa Libertadores no mesmo horário do insosso primeiro debate dos presidenciáveis na Band. O jogo teve 32 pontos no Ibope, enquanto o debate ficou em míseros 2,9. Sorte dos debatedores.

Entre mortos e feridos, ninguém se salvou -a exceção foi Plínio de Arruda Sampaio, porque investiu bem e tudo o que viesse seria lucro. Ele estava visivelmente se divertindo, enquanto os outros mal conseguiam se mover dentro do gesso imposto por pesquisas, marqueteiros, conveniências.

Serra ficou divagando sobre programinhas e não provocou o confronto. Dilma estreou a arriscada estratégia de se livrar da sombra de Lula e ganhar contornos próprios. Marina foi Marina, comovente ao falar da própria biografia, mas não convincente para governar o país. Naquele trio, ninguém tinha a ganhar com ibope alto, a não ser constrangimento.O fiasco de público escamoteou o fiasco de desempenho.

Mas, se ninguém ganhou, alguém ganhou. Explica-se: o empate técnico cristaliza a eleição como está. É ruim para Serra e Marina, mas é bom para Dilma. Eles precisam fazer gol. Ela só precisa não levar. O time e o tempo a mais de propaganda gratuita fazem o resto.

A comparação mais gritante foi com o charme intelectual de Fernando Henrique, o carisma e empatia de Lula e o talento de Mário Covas -que, numa pernada, desestabilizou a ascensão de Guilherme Afif Domingos em 1989. Nenhum dos dois nem chegou ao segundo turno, é verdade, mas Covas entrou para a história dos debates.

Sem FHC, sem Lula, sem tipos como Covas e sem confronto de ideias e de qualificação, para quê debate? Mais valem os 50 segundos diários no "Jornal Nacional" do que mil debates sem debate.

Normalidade e anestesia:: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Eu me senti, no debate de quinta-feira, exatamente como o menino da "charge" de Jean, no dia seguinte nesta Folha. Aquela em que um garotinho pergunta, sentado no sofá diante de uma televisão que mostra três dos quatro debatedores: "Mãe, posso sair do castigo?".

Suspeito que muita gente se sentiu do mesmo modo, a julgar por e-mail do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ): "Sem a serena contundência de Plínio, o debate seria entediante. Quem assistia iria para São Paulo x Internacional rapidinho", escreveu.

Confesso, Chico, que eu tive que usar toda a minha consciência cívica e profissional para não trocar a Band do debate pela Globo da Libertadores. Pelos números do Ibope, nem a "serena contundência" de Plínio evitou que todas as torcidas de todos os times brasileiros migrassem para o futebol ou qualquer outro programa.

Mas o tédio do debate é o típico caso de copo meio cheio, meio vazio. Meio cheio pelo seguinte: o Brasil entrou definitivamente na normalidade institucional, em que eleição a cada quatro anos é uma característica do calendário tão segura e tão inevitável quanto a Semana Santa ou o 7 de Setembro.

Não é mais o momento de refundar a República. Normalidade leva quase sempre ao tédio, tanto que há certo consenso de que ele só foi quebrado por quem, como Plínio, quer sim refundar a República.

O lado vazio do copo aparece no fato de que se está confundindo normalidade institucional com a solução de todos os problemas, o que é absolutamente falso.

A desigualdade continua obscena, a educação continua uma vergonha, a saúde é um drama cotidiano, a segurança pública não dá segurança e por aí vai.

Um país que é a sétima ou oitava economia do mundo e apenas o 75º em desenvolvimento humano não pode ser considerado normal.

Fafá de Belém - Vermelho (Ao Vivo)

Em vídeo Cabral, ao lado de Lula, chama rapaz de otário e sacana

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governador do Rio teria prometido um notebook ao rapaz por ofensas

SÃO PAULO - Em um vídeo postado no site Youtube, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, aparece, ao lado do presidente Lula, discutindo e xingando um rapaz identificado na gravação como Leandro. Segundo o site do blogueiro Ricardo Gama, que diz ter publicado o vídeo, o fato ocorreu no Complexo do Manguinho, zona norte do Rio, no ano passado.

Na gravação Leandro conversa com Lula sobre a utilização de uma piscina que o complexo de prédios que estava sendo inaugurado teria. O rapaz diz ao presidente "A gente não pode entrar na piscina", Cabral intervém e indaga "Por quê?", ao que o menino retruca "Porque não abre para a população". Depois de um corte na gravação, Lula conversa com Cabral e se diz preocupado com o prejuízo político causado se a imprensa descubra a impossibilidade de uso da piscina.

Depois de outra edição na filmagem, o rapaz reclama do barulho que o Caveirão (veículo usado pela polícia do Rio) faz em sua rua. Cabral então pergunta, "E o tráfico?", Leandro responde, "na minha rua não" e Cabral retruca, "Não tem nego de metralhadora não? Então deixa de ser otário, discurso de otário". Em trecho adiante o governador diz ao menino, "bota essa inteligência toda para estudar, o sacana!".

Segundo o Blog de Ricardo Gama, Cabral teria prometido um notebook ao rapaz, por isso Leandro vai a eventos em que está presente o governador, para cobrar o computador. Em outro vídeo postado, a ex-governadora do Rio, Benedita da Silva, confirma que estava presente quando Cabral prometeu o notebook ao menino.


Presidenciáveis divergem sobre iraniana

DEU EM O GLOBO

Serra diz que oferta de asilo é tardia diante da "relação carinhosa" de Lula com regime ditatorial de Ahmadinejad

Desirée Miranda
Especial para O GLOBO

BELO HORIZONTE. O candidato do PSDB à presidência da República, José Serra, criticou ontem o relacionamento do governo brasileiro com o Irã e a posição no caso da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por ter se relacionado com dois homens depois que o marido morreu.

Serra disse que a decisão do presidente Lula de oferecer asilo a Sakineh foi tardia. E que a aproximação de Lula com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, não combina com a política de direitos humanos praticada no Brasil: O Brasil tem uma Secretaria da Mulher, uma espécie de Ministério da Mulher. Não combina com o fato de considerarmos de maneira carinhosa, com amizade, um governo, uma ditadura como a do Irã, que condena uma mulher a morrer por apedrejamento. Enterram a mulher até a cintura e apedrejam até morrer, sob a acusação de que depois de viúva ela teve dois namorados.

Para Serra, o Brasil deveria ter uma posição internacional de condenação ao governo que faz isso. No mês passado, Lula ofereceu asilo a Sakineh, mas o governo do Irã recusou.

Serra participou de encontro com a militância feminina do PSDB, em Belo Horizonte. Prometeu que, se eleito, vai disponibilizar mamografias para todas as mulheres acima de 40 anos de idade. Ele também disse que vai estender o programa Mãe Paulistana a todo o país.

Na saúde, eu agora tenho uma proposta, que é fazer o Mãe Brasileira. Se a mulher fica grávida, ela tem um médico do lado. Este médico orienta seis exames pré-natais, que são os necessários para saber se tem problema na hora do parto. Tem atenção no parto, tem o pós-natal e até o enxovalzinho para a criança se as mulheres forem de família modesta.

Ontem foram comemorados os quatro anos da implementação da Lei Maria da Penha, que tornou mais rigorosa as penas para os crimes de violência contra a mulher.

Marina Silva, do PV, também participou ontem à noite, no Rio, de um encontro com mulheres na Zona Norte da cidade.

Serra critica aproximação do governo brasileiro com Irã

Agência Estado

Marcelo Portela

A aproximação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o regime do Irã, comandado por Mahmud Ahmadinejad, que condenou à morte por apedrejamento uma mulher acusada de adultério, foi o principal alvo do candidato do PSDB à Presidência, José Serra. Em encontro com lideranças femininas de seu partido e de legendas aliadas hoje na capital mineira, o tucano classificou como "irônica" a posição do Brasil em relação à política de Teerã e acusou o governo brasileiro de ter "carinho" por um ditador que não respeita os direitos humanos, principalmente das mulheres.

No fim do mês passado, Lula ofereceu asilo a Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada a morrer apedrejada pela acusação de ter mantido relações com dois homens, incluindo o assassino de seu marido. O governo iraniano recusou a proposta e disse que o presidente brasileiro é "emotivo" mas está "mal informado" sobre a questão.

Em discurso em um comitê do PSDB em Belo Horizonte, Serra aproveitou o tema para criticar a política externa brasileira. "No Brasil se criou uma secretaria especial da mulher com status de ministro. Eu acho uma ironia o governo ter isso e considerar como amigo, ter carinho por um regime que enterra a mulher até a cintura e apedreja até a morte", disparou, referindo-se à Secretaria Especial de Políticas para Mulheres do governo federal.

Antes da polêmica em torno de Sakineh, Lula já havia se aproximado do regime de Ahmadinejad ao tentar, junto com a Turquia, intermediar negociações sobre enriquecimento de urânio pelo governo do Irã, que levanta suspeitas entre vários países de que Teerã desenvolve pesquisas para criação de armas nucleares.

Omissão

Sem citar diretamente o nome de Lula, Serra avaliou que o governo brasileiro é omisso em relação a notórias violações de direitos humanos no país do Oriente Médio. "Uma coisa é interesse econômico, outra é tratar carinhosamente, como se fosse um camarada, um regime que mata mulheres, que tortura porque, depois da viuvez, teve relação com dois homens. É a sentença de morte mais cruel que eu conheço. Não tem nada a ver trocar mercadoria, não se meter em conspirações em outros países, com deixar de defender e até justificar de maneira clara regime que viola os direitos humanos da maneira mais brutal. No meu governo nós vamos rejeitar isso. Vamos nos manifestar de todas as formas contra esse tipo de regime", observou.

Na opinião do presidenciável, só o fato de Lula oferecer asilo a Sakineh já significa que o governo brasileiro legitima a posição iraniana. "Essa oferta de asilo para ela aqui é como se ela fosse uma criminosa política. E não é. Não fez nada nesse sentido", ressaltou.

Pesquisa

Serra se recusou a comentar a pesquisa feita do Ibope que mostra Dilma à sua frente na corrida presidencial e afirmou que apenas a "crescente consciência" do eleitorado a respeito dos candidatos é decisiva na hora da definição do voto. "O Lula não será mais presidente a partir de 1º de janeiro. E nenhum presidente, em qualquer país do mundo, governa na garupa. Só se governa comandando. Portanto a população vai escolher aquele que vai dirigir o Brasil a partir de 1º de janeiro", ressaltou.


Pergunta sobre apedrejamento irrita Dilma

DEU EM O GLOBO

Candidata do PT diz que Lula condena execução no Irã

Chico Otavio


A candidata do PT à sucessão presidencial, Dilma Rousseff, reagiu irritada a uma pergunta que relacionou as boas relações do governo Lula com o Irã à condenação à morte, por apedrejamento, da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, por suposto adultério. Depois de dizer que o repórter não tinha todas as informações sobre o episódio, ela garantiu que a Lula já havia condenado a execução.

O presidente repudiou o fato e ofereceu o Brasil como asilo declarou.

Dilma participou, ontem à tarde, de duas atividades políticas na Cidade de Deus, no Rio, mas não compareceu mais cedo a um ato no Canecão pelos quatro anos da Lei Maria da Penha, transformado em evento partidário com a presença do governador Sérgio Cabral (PMDB) e os dois candidatos da coligação ao Senado, Jorge Picciani (PMDB) e Lindberg Farias (PT).

Em debate da Central Única das Favelas (Cufa) e, mais tarde, em ato público ao lado da sede da entidade, Dilma atacou os partidos da coligação de José Serra, especialmente o DEM, responsável, há seis anos, por uma ação direta de inconstitucionalidade contra o Programa Universidade para todos (Prouni), que oferece vagas universitárias para estudantes carentes.

A alegação é de que o programa estaria nivelando a educação por baixo ao abrir vagas para a população de baixa renda. Aconteceu o oposto.

Os jovens beneficiados se formaram com as melhores notas afirmou.

Gasto secreto sobe e chega R$ 3,2 milhões

DEU EM O GLOBO

Em ano eleitoral, a Presidência da República aumentou o sigilo sobre gastos com cartão corporativo. O gasto secreto subiu e soma R$ 3,2 milhões. Menos de 2% das despesas estão detalhadas no Siafi.

Os gastos ocultos do Planalto

Mais de 98% das despesas com cartão corporativo para atender Lula e família não são detalhadas

Regina Alvarez

BRASÍLIA - No ano eleitoral, a Presidência da República reforçou a caixa preta que mantém em sigilo os gastos do gabinete presidencial com cartão corporativo.

A regra de contabilização desses gastos foi alterada, e apenas 1,8% das despesas realizadas para atender às demandas do presidente Lula, de sua família e assessores próximos está detalhado no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), com nome e CPF do funcionário que a executou, e a forma de pagamento: saque em dinheiro ou fatura. De um total de R$ 3,259 milhões gastos este ano pelo gabinete até julho, apenas R$ 5,7 mil estão detalhados.

Sobre os outros R$ 3,254 milhões (98,2% do total), o registro no Siafi se limita à forma de pagamento (saque ou fatura), sem informar qualquer outro dado do gasto. No Portal da Transparência do governo, aparece a justificativa: informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado.

A lei, de fato, permite que gastos relativos à segurança do presidente da República e de sua família sejam mantidos sob sigilo, mas o fato é que, com a mudança na forma de contabilização dessas despesas em 2010, o percentual de gastos considerados sigilosos aumentou substancialmente em relação aos anos anteriores.

De janeiro a julho de 2009, os gastos do gabinete presidencial com cartão corporativo chegaram a R$ 4,684 milhões, mas R$ 2,042 milhões (43,6%) estão detalhados no Siafi com o autor da despesa e a forma de pagamento.

No mesmo período de 2007 e de 2008, praticamente todos os gastos do gabinete de Lula foram registrados no Siafi com as informações do funcionário que executou a despesa, chamado de ecônomo, e a indicação de como foi usado o cartão corporativo para o pagamento das despesas.

Diretor de ONG: sigilo injustificável

De janeiro a julho de 2008, o gabinete presidencial realizou gastos no valor de R$ 2,225 milhões e apenas R$ 18,4 mil (0,8% do total) não estão com esse nível de detalhamento.

No mesmo período de 2007, foram realizadas despesas no valor de R$ 2,5 milhões, 100% detalhadas no Siafi.

Com a mudança nas regras de contabilização, em 2010 sumiram do Siafi e do Portal da Transparência informações sobre despesas realizadas por ecônomos que ficaram conhecidos no passado recente por terem efetuado saques de grandes quantias em dinheiro para pagar despesas do presidente Lula e da primeira-dama, Marisa Letícia.

Em 2008, quando descobriu-se que ministros do governo Lula usavam o cartão corporativo para pagar despesas pessoais escândalo que resultou na queda da então ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas da Igualdade Racial também ganharam evidência alguns ecônomos responsáveis pelas despesas do casal presidencial.

É o caso de Maria Emília Matheus Evora, que atendia à primeira-dama; e Clever Pereira Fialho, responsável pelas despesas do presidente Lula, especialmente em viagens.

No ano passado, Maria Emília continuava recordista entre os ecônomos lotados no gabinete presidencial, com despesas de R$ 866 mil de janeiro a julho. Fialho aparecia em segundo lugar, com despesas de R$ 332 mil até julho.

Na opinião do diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, é injustificável catalogar todas as despesas do gabinete presidencial como sigilosas.

Ele não vê motivo para considerar secretas, por exemplo, despesas com alimentação: Para que a despesa seja secreta é preciso justificativa fortíssima.

Os critérios para definir quais despesas podem afetar a segurança do presidente e de sua família são muito vagos, na visão de Abramo, abrindo espaço para ocultação de gastos de outra natureza.

Uma portaria do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, de 2008, define o que seriam gastos do gabinete que precisam ser mantidos em sigilo: são os relativos à segurança das autoridades presidenciais e respectivos familiares, dos titulares dos órgãos essenciais da Presidência e, quando determinado pelo presidente da República, de outras autoridades ou personalidades.

A portaria inclui nessa lista despesas relativas à manutenção das instalações, bens e serviços das residências oficiais do presidente e do vice-presidente da República, bem como dos escritórios regionais em apoio aos respectivos familiares, sempre que possa afetar a segurança e segurança de saúde e alimentar das autoridades presidenciais.

Em fevereiro de 2008, no auge da crise provocada pelo uso indevido dos cartões corporativos por autoridades, o presidente Lula saiu em defesa desse instrumento. Na ocasião, Lula definiu o cartão corporativo como a forma mais séria e transparente de cuidar dos gastos públicos: O que precisamos é, a partir da deficiência, fazer as correções necessárias e continuar colocando na internet para que a população tenha acesso. Acho que todo mundo tem de mostrar corretamente aquilo que gastou todo santo dia.

Casa Civil: sigilo maior decorre de mudança de regra

DEU EM O GLOBO

Ministério informa que gastos são auditados pelo Tribunal de Contas

BRASÍLIA. A retirada do Siafi do detalhamento das despesas com cartão corporativo realizadas pelo gabinete da Presidência da República decorre de uma mudança na rotina de contabilização desses gastos, segundo a Casa Civil. Desde a implantação do cartão corporativo na Secretaria de Administração da Presidência (responsável pelos gastos do gabinete presidencial ) em 2002, as rotinas de contabilização da despesa no Siafi sofreram alterações, incluindo a criação de contas contábeis específicas, informou a Casa Civil.

A última alteração mudou a forma do detalhamento da despesa, que passou a ser concentrada em nome da Unidade Gestora 110001 (Secretaria de Administração) e não mais no CPF e no nome do agente suprido, explicou o ministério.

Ainda segundo a Casa Civil, gastos da Presidência cujo sigilo seja imprescindível à segurança do Estado e da sociedade gozam de confidencialidade (...) E a classificação dos gastos como sigilosos é feita pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

O ministério destaca que, apesar de sigilosos, esses gastos são auditados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

A Secretaria de Administração, segundo a explicação da Casa Civil, concede suprimento de fundos para atender despesas consideradas de pequeno vulto e para o atendimento das peculiaridades da Presidência da República. O segundo grupo de despesas, catalogadas como sigilosas, representa, e sempre representou, mesmo antes da adoção do Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPGF), a maior parte das despesas.

Na justificativa, a Casa Civil destaca ainda que as despesas com cartão corporativo do gabinete presidencial no período de janeiro a julho de 2010 foram de R$ 3,259 milhões, ante R$ 4,684 milhões em 2009 (mesmo período). Portanto, houve, no período, redução do valor desta despesa. (Regina Alvarez)

Uso de cartão já derrubou ministra

DEU EM O GLOBO

Em 2008, o uso indevido dos cartões corporativos por autoridades do primeiro escalão do governo Lula foi objeto de investigação do Ministério Público Federal no Distrito Federal e resultou na instalação de uma CPI no Congresso, mas a base governista conseguiu dominar a comissão, frustrando a expectativa da oposição de uma investigação mais profunda.

Em janeiro de 2008, após a denúncia do MPF-DF, a Comissão de Ética Pública decidiu encaminhar para análise da Controladoria Geral da União o caso da então ministra especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Matilde Ribeiro, que havia usado o cartão corporativo para pagar despesas pessoais no free-shop.

Ainda em janeiro daquele ano, numa reação do governo ao escândalo, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, anunciou que o governo decidira proibir o uso do cartão corporativo para saques, resguardadas algumas exceções.

O governo também proibiu a compra de passagens aéreas e pagamento de diárias com os cartões.

Em fevereiro, sem condições de se manter no governo, Matilde Ribeiro pediu demissão. Naquele mês, o presidente Lula desdenhou da CPI, ainda não instalada: Confesso a vocês que não tenho tempo a perder com CPI.

Em 21 de fevereiro, a CPI foi criada, com o cargo mais importante, o de relator, ocupado pelo deputado Luiz Sérgio, do PT do Rio.

A CPI não conseguiu avançar na investigação dos gastos carimbados como sigilosos.

Prevaleceram os depoimentos técnicos, pois a base governista freou as tentativas de convocação de ministros.

Em março de 2008, reportagem da revista Veja revelou a existência de um suposto dossiê com despesas do ex-presidente Fernando Henrique, consideradas impróprias. A CPI tentou aprovar a convocação da então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas a base governista impediu.

Reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que a atual ministra chefe da Casa Civil, Erenice Alves Guerra, na época secretária executiva, teria ordenado a produção do dossiê com as despesas do governo FH. Dilma negou a existência do dossiê, alegando que os dados eram parte de um banco com informações sobre gastos do governo Lula e de governos anteriores.

Cabral faz campanha milionária

DEU EM O GLOBO

Um helicóptero alugado, dois mil cabos eleitorais contratados a R$ 1. 200 por mês, 30 carros e 20 vans são alguns números da campanha milionária do governador Sérgio Cabral (PMDB), que já arrecadou R$ 4,7 milhões.

A confortável rotina do candidato Cabral

Com estrutura milionária, governador gastou R$ 4 milhões apenas no primeiro mês da campanha à reeleição

Cássio Bruno, Natanael Damasceno e Maiá Menezes

Quinta-feira, dia 5, meio-dia e meia. O helicóptero alugado pelo governador Sérgio Cabral pousa no pátio de uma grande rede de supermercados em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.

De lá, o candidato à reeleição pelo PMDB segue em comboio numa van, escoltado por seguranças em dois carros de luxo e por batedores da PM.

Participará de uma visita ao Hospital da Mulher Heloneida Studart. A rotina de Cabral é o retrato da milionária estrutura que vem sendo usada por ele em compromissos de campanha.

Mas não é apenas nas ruas que o forte aparato do governador chama a atenção. Em um mês, Cabral gastou pouco mais de R$ 4 milhões dos R$ 4,69 milhões arrecadados, segundo prestação de contas parcial ao Tribunal Superior Eleitoral.

O dinheiro foi usado principalmente na produção dos programas de rádio, TV e vídeo, e na contratação de profissionais de comunicação e da área administrativa, transporte e publicidade.

Segundo o relatório, a campanha gastou até agora, apenas com pessoal, R$ 983 mil.

Com a produção audiovisual, o valor foi de R$ 1,5 milhão. Já em material de publicidade como faixas e panfletos , o custo chegou a R$ 1 milhão. Até outubro, a estimativa de Cabral é que sejam gastos R$ 25 milhões.

Perguntas sobre a estrutura da campanha, que incluíram um pedido de detalhamento sobre os gastos e números de prestadores de serviço, não foram respondidas pela assessoria do governador. A única resposta a 20 questões detalhadas enviadas aos assessores foi que todas as informações foram fornecidas, como determina a lei, à Justiça Eleitoral.

Cabral conta com cerca de dois mil cabos eleitorais. Dependendo do evento, há grupos com até 45 pessoas. Cada um recebe cerca de R$ 1.200 por mês para carregar bandeiras e distribuir propaganda. Além disso, tem cerca de 30 carros de passeio e 20 vans.

O comitê funciona em uma antiga agência de automóveis na Avenida Ayrton Senna 5.250, na Barra da Tijuca. O imóvel foi alugado no período de julho a outubro por R$ 70 mil. No local, onde funciona a logística e o armazenamento do material de campanha, circulam até 140 pessoas diariamente. A entrada no comitê é restrita, sem o acesso da imprensa.

É uma estrutura parecida com a campanha de 2006 diz Régis Fitchner, coordenador do plano de governo de Cabral.

Os números não são oficiais, mas estima-se que 200 profissionais, entre jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas, são responsáveis pela divulgação da imagem de Cabral. No Polo de Cinema e Vídeo, também na Barra, onde são feitas as gravações, há cerca de 400 empregados.

Os cidadãos do Estado do Rio sabem que uma campanha eleitoral, ainda mais uma campanha para o governo, necessita de estrutura de comunicação.

Ninguém faz campanha sem meios de comunicação, seja TV, rádio ou visual disse Cabral na semana passada, ao justificar os gastos.

A bordo do helicóptero alugado da Plajap Táxi Aéreo, prefixo PP-LAS, Cabral transporta seguranças, assessores e aliados, como os candidatos ao Senado Lindberg Farias (PT) e Jorge Picciani (PMDB). Nessa empresa, o custo da aeronave, por cada hora, é de R$ 7 mil. Em terra, Cabral anda em carros luxuosos, como o Chevrolet Captiva, que custa R$ 87.425. Também está à disposição do governador, nas carreatas, a picape Mitsubishi L200 Triton 3.2 D, avaliada em R$ 112 mil. Além disso, batedores da PM, em motos, abrem caminho entre os carros e facilitam a vida do candidato.

Ele não deixou de ser governador.

Não pode dispensar a segurança. Mas tudo deverá ser apresentado na prestação de contas e ressarcido pelo partido na forma da lei eleitoral diz a procuradora Silvana Batini, do Ministério Público Eleitoral.

Cabral não revela a origem do dinheiro que mantém a estrutura da campanha. Afirma que a lei eleitoral só obriga este tipo de prestação no fim do pleito. Em 2006, quando Cabral foi eleito governador, foram gastos, em quatro meses de campanha, R$ 9,74 milhões arrecadados entre 55 doadores.

Entre eles, empresas que mantinham relação com a administração do estado. As duas empreiteiras que mais doaram ao governador eleito foram a OAS Construtora (R$ 800 mil) e a Carioca Engenharia (R$ 700 mil).

Das duas, pelo menos uma, a OAS, prestou serviços ao governo do estado no último ano, segundo dados do Siafen.

Claque recrutada com antecedência

DEU EM O GLOBO

Organização dos eventos obedece a coordenações regionais em todo o Rio

Marcelo Remígio

A estrutura robusta da campanha de Sérgio Cabral também se reflete na organização dos eventos.

Cada agenda tem um coordenador, de acordo com a região, com a função de recrutar e organizar o trabalho dos cabos eleitorais. Cabe a ele providenciar o material recomendado pelos marqueteiros de Cabral. As agendas são divulgadas, via email, com antecedência para os aliados e coordenadores. A estrutura de comunicação obedece à mesma lógica: por regiões.

Na planilha repassada por correio eletrônico aos aliados constam dados como descrição do evento e informações complementares, onde são indicados nome e telefone da coordenação local. Para a participação de Cabral no debate dos candidatos a governador no próximo dia 12, na TV Bandeirantes, a planilha repassada no dia 3 cobra do coordenador do evento um corredor de cabos eleitorais com bandeiras e um cri-cri animador de campanha que grita o nome do candidato. A equipe deve recepcionar o governador na Rua Álvaro Ramos.

Também são usados nos eventos de Cabral bandeirolas, carrinhos de som, cartazes, adesivos e jornais de campanha. O pagamento dos cabos eleitorais é feito sem atrasos e os salários superam R$ 1 mil mensais. O valor inflacionou o mercado eleitoral fluminense, rendendo críticas dos adversários. Eles esperavam pagar entre R$ 500 e R$ 600 por mês. Candidatos afirmam que apenas com mandato conseguem financiadores de campanha.

Sem a ligação com a máquina do estado, nada conseguem.

Para quem ocupa um lugar de destaque na lista de aliados, a campanha de Sérgio Cabral garante transporte e o combustível para carros de apoio. Além de santinhos, são distribuídas, em média, mil placas para quem tem bom poderio eleitoral.

Quem não possui grandes chances de vitória leva a metade.

Cabral tem cumprido acordos de infraestrutura de campanha com os aliados, sobretudo os de partidos pequenos. Cada legenda ganhou espaço no comitê central da campanha, na Barra da Tijuca, onde são disponibilizados telefones e internet. Mas a bondade é acompanhada de um forte monitoramento. Falar da campanha de Cabral, tecer elogios ou críticas, só fora do QG. A equipe de Cabral ainda arrecada recursos para as legendas, que devem prestar contas.

Faltou crescer institucionalmente, dizem acadêmicos

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Paulo Sérgio Scarpa

A grande mudança realizada pelo governo Lula ocorreu nos gastos públicos com as transferências sociais, como o Bolsa Família, afirmou o economista Carlos Eduardo Soares, da Universidade de São Paulo, na mesa-redonda Brazil on the Road to Good Governance (algo como Brasil no caminho da boa governança), no 7º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), no Recife. Mas melhorou pouco institucionalmente, advertiu. O atual governo não fez a reforma da Previdência, apesar da forte liderança de Lula, e o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, entre 2004 e 2005, olhou apenas para as reformas com baixo custo político, como a reforma do crédito.

Apesar disso, acentuou o professor para uma plateia de estudantes e professores, o Brasil melhorou muito em sua política macroeconômica em comparação com os anos 90, mas disse não esperar por reformas mais profundas: As elites políticas brasileiras não fazem reformas quando as coisas vão bem no País, vaticinou. Para ele, saúde e educação podem ser consideradas duas catástrofes no atual governo. O setor público não funciona neste País, que fez o Bolsa Família o melhor programa social, mas o governo não faz avaliação sobre o impacto que o programa provoca. Carlos Eduardo lembrou ainda que Lula fala em promover reformas, mas não fez a política, a principal delas. Na Câmara, apenas o deputado federal Arnaldo Madeira (PSDB-SP) defende de fato o voto distrital, que gasta menos com as transferências e diminui a corrupção, definiu.

Professor de Ciência Política na Universidade de Michigan (EUA), Carlos Pereira ponderou que o regime brasileiro não gera maioria eleitoral, mas sustenta ainda uma situação singular: A maioria dos legisladores tem mais recursos para permanecerem no poder por causa de suas bases eleitorais. E contou que, a seu ver, o País não tem qualquer possibilidade de risco democrático enquanto o governo não tiver condições de criar uma maioria no Congresso. Carlos Pereira provocou risos na plateia ao lembrar que Lula se reelegeu apesar do mensalão, e obteve ainda altos índices de popularidade e aprovação.

Para Paulo Tafner, pesquisador do Ipea, Instituto de Pesquisa Aplicada, órgão da Presidência da República, o papel das elites na história do Brasil varia muito pouco com o passar dos anos. As elites voluntariosas acham de bom tom acabar com a pobreza para acabar com a violência, mas é para proteger os seus filhos. Essa é uma das explicações, mas existem outras, disse. Ele considerou como avanço a ampliação dos direitos básicos dos cidadãos, mas lembrou que o País precisa lidar com a cristalização dos privilégios constitucionais. Tafner se referiu particularmente aos privilégios concedidos ao setor público pela Constituição de 1988. Um ascensorista do setor público ganha seis vezes mais que um da iniciativa privada, exemplificou.

O eleitorado brasileiro converge para o centro

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

ENTREVISTA » Paulo Tafner

Pesquisador do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), órgão da Presidência da República, Paulo Tafner prevê que o Brasil passará por mudança eleitoral nas próximas décadas em decorrência do envelhecimento e morte de uma geração de analfabetos, a qual será substituída por jovens alfabetizados, e muito mais críticos na hora de votar e avaliar o governo. O Brasil atingiu o ápice do seu eleitorado, previu durante o 7º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), no Recife. A seguir, leia trechos da entrevista concedida a Paulo Sérgio Scarpa.

JC. Qual será o futuro do eleitorado brasileiro?

PAULO TAFNER. O eleitorado vai aumentar em quantidade, mas as participações relativas vão se modificar bastante. Os jovens terão seu número reduzido drasticamente em aproximadamente em 50% nos próximos 30, 40 anos. Isso é, o principal grupo de eleitores será o mais maduro, mais vivido e nessa medida mais conservador. A médio prazo, o Brasil deve se encaminhar para políticas mais liberais, mais centradas, em valores conservadores e de reformas de estrutura no sentido de integrar o País ao resto do mundo, não ao contrário.

JC. Isso significaria um voto mais crítico em relação ao voto de hoje?

TAFNER. Acho que tende a mudar o perfil do eleitor. Daqui a uma década e meia, não teremos praticamente eleitores analfabetos, a quantidade de eleitores pobres será muito menor do que hoje, e o número de eleitores que dependam de transferências do governo, à exceção dos recursos da Previdência, tenderá também a ser menor. Então isso fará com que o eleitorado seja menos dependente de ações do Estado, e nessa medida talvez mais crítico ao próprio Estado tendo em vista que algumas das políticas públicas são especialmente ineficientes, como a saúde e a educação no Brasil.

JC. Essa mudança dependerá de qual fator?

TAFNER. Há uma mudança demográfica em curso no País que não há nada que um presidente da República possa fazer para mudar isso. Por outro lado, há uma dinâmica econômica que é pouca influenciada pelo governo. O setor privado vem andando bem, vem investindo, aplicando na capacitação de sua mão de obra, a economia mundial vem crescendo. E os efeitos de uma ação pública são mais reduzidos. Então, essas mudanças ocorrerão independentemente da vontade de um governo. Isso fará com que o eleitor daqui a 20 anos tenha uma outra perspectiva ao escolher o seu governante.

JC. Isso implicaria em uma mudança partidária, para que os partidos acompanhem a sociedade?

TAFNER. A política partidária responde ao eleitor mediano, se ele caminha mais para o centro, tenderá a ser conformar uma composição partidária no centro, os extremos serão expelidos. O mesmo acontecerá se mais a direita ou à esquerda. Mas há bastante tempo o eleitorado brasileiro está se convergindo para um posicionamento de centro, queremos governantes que tenham empenho e atitude, mas que tenham sobretudo uma visão de mundo e uma implementação de políticas numa ótica de centro. Ou seja, eficiência, gasto público para os mais pobres e infraestrutura para que a economia possa crescer.

Série retrata a trajetória de José Serra

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Dirigidos pelo aliado Guilherme Coelho, os 12 filmetes contam a trajetória do tucano, buscam humanizar o candidato e enaltecem o administrador

SÃO PAULO. Na esteira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da adversária Dilma Rousseff (PT), o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, ganhou uma produção audiovisual sobre a sua vida e a sua carreira política. Dividida em 12 filmetes de até cinco minutos, a série chamada Retratos do Serra busca humanizar o candidato apresenta-o como Zezinho do bairro da Mooca e o enaltecendo como administrador público.

O documentário, já lançado na internet (www.retratosdoserra.com.br), é dirigido por Guilherme Coelho, filho de Ronaldo Cezar Coelho (DEM), aliado e colaborador das campanhas de Serra. Durante o processo de filmagem, o diretor teve acesso aos bastidores do Palácio dos Bandeirantes, acompanhou Serra em reuniões com secretários e em agendas externas.

Nos bastidores, a informação é de que a proposta inicial era que o material virasse um filme nos moldes de Entreatos, documentário sobre a campanha de Lula à Presidência em 2002, dirigido por João Moreira Salles. Mas o diretor afirma que o objetivo inicial era mostrar em 12 filmes a trajetória de vida de Serra.

Selecionamos entrevistas, depoimentos e imagens que conseguissem traduzir esse objetivo. Os filmetes não se propõem a apontar contradições ou a fazer críticas ao tucano. Pelo contrário. Narram a vida de Serra de maneira elogiosa. De acordo com a produção, o documentário não é um projeto oficial de campanha, mas sim uma contribuição voluntária e pessoal dos diretores.

Foram entrevistados familiares de Serra, amigos e ex-alunos da época em que ele era professor universitário. No primeiro capítulo, sobre a infância, o filme apresenta Zezinho como um cidadão humilde, nascido na Mooca, onde os vizinhos eram pintores de parede, cobradores de bonde, garçons, operários, quitandeiros e sapateiros.

Uma das principais estratégias da campanha de Serra é aproximá-lo do eleitor de renda mais baixa, apresentando-o como candidato com origem pobre. Uma amiga da época de juventude é entrevistada e conta que Serra era lindo e tinha muito cabelo. Colegas também falam do gosto por poesia e dos jograis de que ele participava.

O filme fala sobre a presidência de Serra na UNE e o período em que esteve no exílio, no Chile e nos Estados Unidos. Ele estava na linha de frente dos acontecimentos, afirma a narração.

O diretor declarou voto em Serra e criticou o PT. Questionado sobre o que o motivou a fazer o filme, disse: É ativismo político. Todos nós precisamos participar no que acreditamos, com informação e diálogo. Uma maneira que tenho de contribuir é contar a trajetória do cara em quem eu vou votar. Segundo o diretor, depois de um presidente festivo, precisamos de um presidente que seja diligente, que faça o dever de casa.

Jarbas, um estranho na própria campanha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Acostumado a vencer, senador tem como adversário governador com maior taxa de aprovação do País, está em desvantagem nas pesquisas e enfrenta boicote do PSDB

Lourival Sant’Anna / ENVIADO ESPECIAL / RECIFE

Depois de duas horas de gravação, Jarbas Vasconcelos finalmente sai do estúdio, numa produtora de TV num bairro central do Recife. Tira a gravata e a camisa branca, que troca por uma xadrez, e mantém a calça jeans e o sapatênis com que já estava. Caminha para a bancada com panelas no refeitório dos fundos: "Tem a quantia certa?", pergunta antes de se servir de cuscuz com carne, preocupado com os cabos eleitorais, que já estão jantando. São 18h30, e Jarbas ainda não almoçou. Nesse ritmo, e fumando uma carteira e meia de cigarro por dia (seu normal é uma), ele já perdeu 4 kg desde que se lançou ao governo de Pernambuco, no dia 6 de maio.

"Já gostei mais de campanha", confessa o senador, conhecido pela sua franqueza. "Hoje isso tem se prostituído muito. Não tem mais coisas espontâneas, ir para a rua. Agora, o camarada pede emprego, dinheiro", diz ele, referindo-se aos cabos eleitorais. "Antes tinha gente que ia na base do amor febril." Retraído, Jarbas não gosta de gravar: "Você não fica à vontade. O texto não é seu. Grava, regrava, tem de olhar assim, está ruim, tem de sorrir". Mas sabe que nessas gravações está a sua chance de reverter uma situação extremamente desfavorável.

Jarbas terá 6 minutos e 35 segundos no programa eleitoral, apenas 10 segundos a menos do que seu adversário, o governador Eduardo Campos (PSB); e 198 inserções na TV, ante 203. "Este é o momento crucial", avalia. "Quem está em grande desvantagem numérica, como eu, tem de fazer programas de excelente qualidade e conteúdo."

Ao longo de 40 anos de carreira, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) se acostumou com o gosto da vitória. Já começou a carreira como deputado estadual mais bem votado, em 1970, e elegeu-se deputado federal, duas vezes prefeito, duas governador e senador - seu mandato atual, até 2014.

A pedidos. Prestes a completar 68 anos, no dia 23, Jarbas vive uma situação inusitada. A última pesquisa do Ibope atribui 60% das intenções de voto a Eduardo Campos, candidato à reeleição, e 24% ao senador. Pelo Datafolha, a vantagem é de 59% a 28%. Jarbas não pretendia entrar na disputa com Eduardo Campos, que completa 45 anos na terça-feira, o governador com a maior taxa de aprovação do País - 62% dos pernambucanos consideram seu governo ótimo ou bom, segundo o Datafolha. Mas cedeu aos pedidos insistentes do candidato José Serra, que queria seu apoio em Pernambuco. Entretanto, dos 17 prefeitos do PSDB, 14 debandaram para o governador.

Isso, apesar de o presidente nacional do PSDB e coordenador da campanha de Serra ser de Pernambuco, o senador Sérgio Guerra, que em 2006 queria ser candidato à sucessão de Jarbas, mas o então governador escolheu seu vice, Mendonça Filho, do DEM. "Não sou coronel para obrigar os prefeitos a apoiar Jarbas", defende-se Guerra. "Não tenho tempo nem para cuidar da minha candidatura. Por isso saí a deputado federal. Não teria a mínima chance a senador." À pergunta sobre se assegurar o apoio dos prefeitos tucanos não é sua função como coordenador de Serra, ele responde: "Todos os prefeitos do PSDB apoiam Serra. Eles estão com Eduardo e com Serra".

Jarbas não pode contar nem com o partido que o levou a candidatar-se nem com o próprio partido, no qual é um dissidente, remanescente do PMDB "autêntico". O presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), é candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff, e praticamente todo o partido aderiu ao governo.

Estrutura. A diferença de estrutura das duas campanhas é impressionante. Eduardo é acompanhado em suas caminhadas por dezenas de carros da campanha dele e dos candidatos a senadores, deputados federais e estaduais que o apoiam, além de vários ônibus lotados de cabos eleitorais remunerados. Jarbas conta com alguns poucos carros de candidatos a deputados.

"Já ingressei nessa disputa sabendo que ia enfrentar uma luta muito dura, muito desigual", diz ele. "Isso não mexe com a minha cabeça. Vivo bem com o mundo. Não procuro estar na contramão." Jarbas diz que o futebol é sua "válvula de escape". Ele costuma ir ao estádio prestigiar o seu Sport Club do Recife, mas não está lhe servindo de consolo. Campeão da Copa do Brasil de 2008, o Sport está na série B nacional, beirando a zona de rebaixamento. Sua namorada, a ex-miss e modelo Meirielle Abrantes, completa 28 anos na sexta-feira, 13. Jarbas brinca com ela: "Se eu soubesse, não teria ficado contigo".

"Em toda eleição, entramos para ganhar ou para perder", continua. Mas reconhece que as outras foram diferentes: "Sempre entrava em eleições em condição mais tranquila, bem avaliado, com mais apoios". Eduardo Campos "abusa da máquina", acusa ele. "O governador faz cooptação de prefeitos e até de candidatos." Eduardo nega. "A gente colhe o que planta", diz, insinuando que Jarbas também cooptou quando foi candidato à reeleição, em 2002. "Estão nos apoiando pelas ações do meu governo. Recebo apoio dos que apoiavam meu avô", acrescenta Eduardo, neto do ex-líder socialista Miguel Arraes, morto em 2005.

Jarbas faz uma pausa. "Não adianta eu estar me lamuriando para você, como se eu fosse um despreparado. Eu sabia que as dificuldades se avolumariam. Não posso estar exteriorizando isso, como desculpa ou pretexto", repete ele, como que para si mesmo. "Eu sabia que o estilo do governo era esse, agora é lutar, mostrar determinação, fazer isso (os filmes para a TV)."

Jarbas explica que os empresários locais preferem ajudar o governador. "Acho profundamente constrangedor pedir dinheiro, principalmente para gente com quem não tenho intimidade." Ele nega que tenha ido a São Paulo reclamar mais ajuda a Serra, como saiu publicado na imprensa. "Serra ficou de me ajudar e (a ajuda) tem chegado aqui. Eu sou daqueles que fazem campanha com o que têm. Só contratei o que estava previsto arrecadar."

Embora a campanha de Serra seja em grande medida a razão de ser e o cordão umbilical da sua, Jarbas às vezes passa vários dias sem falar com o tucano. "Serra liga muito para saber como está." Mas não todos os dias. Às vezes passa quatro, cinco dias sem ligar. Jarbas não toma a iniciativa. "Sempre imagino que uma pessoa como Serra, no papel que está exercendo..., fico constrangido de ligar, a não ser que seja uma coisa premente", diz com simplicidade. "Sou tímido. Estranho, para um político, não?"

'Lula Não sabe o dano que causou ao país'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O senador Jarbas Vasconcelos costumava ter um bom relacionamento com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também pernambucano. Como deputado federal atuante na área dos direitos humanos, foi o primeiro parlamentar a visitar Lula quando o então líder sindical saiu da prisão, em 1978. Lembra-se do sobrado modesto em São Bernardo, de Lula tapando um buraco no sofá com uma almofada, e da barata que matou na parede.O afastamento - "ruptura não houve" - aconteceu quando assumiu sua cadeira no Senado, em 2007.

"Eu me decepcionei muito no Senado", recorda. "Achei que funcionava melhor. No primeiro ano peguei o rolo do (senador) Renan (Calheiros, acusado de aceitar propina de uma empreiteira). Bati de frente. Não há constrangimento maior do que assistir às sessões do Senado olhando para (José) Sarney (presidente da Casa), como se nada tivesse acontecido", acrescenta, referindo-se às acusações de envolvimento em irregularidades. Renan e Sarney pertencem à fatia do PMDB que apoia o presidente Lula.

"Lula e o PT não inventaram a corrupção, mas ele foi conivente", afirma Jarbas. "Não sabe o dano que causou ao Brasil. As pessoas aqui no terceiro, quarto escalão, dizem: "Se lá em Brasília o PT está roubando, não vou fazer o mesmo aqui?"".

Em contraste, Eduardo Campos, ex-ministro de Ciência e Tecnologia de Lula, gaba-se da gratidão que o presidente tem por ele pelo apoio que lhe deu durante o escândalo do mensalão, quando era líder do PSB na Câmara.

A amizade traz dividendos. Numa pesquisa realizada pelo Datafolha no fim do mês, 52% dos entrevistados disseram que votariam num candidato a governador de Pernambuco indicado por Lula; outros 26% responderam "talvez" e apenas 15%, "não". Dos cerca de 3 milhões de famílias de Pernambuco, 1,1 milhão recebe o benefício do Bolsa-Família.

Ironia. Ironicamente, o primeiro cargo de Eduardo Campos foi o de chefe de gabinete do secretário de governo de Jarbas, Fernando Correa, no seu primeiro mandato de prefeito do Recife, em 1985 (embora isso não conste de seu currículo no seu site de campanha).

Jarbas era aliado de Arraes, o avô de Eduardo, que governou o Estado três vezes. O pivô da ruptura foi justamente Eduardo, conta Jarbas, por causa de uma discordância em torno da formação de uma chapa para a prefeitura do Recife, em 1988.

Arraes lançou Eduardo a prefeito, que ficou em quinto lugar. Jarbas se reelegeu no primeiro turno.

Em 1998, Jarbas desafiou Arraes, então candidato à reeleição, na disputa pelo governo de Pernambuco.

Ganhou por mais de 1 milhão de votos de diferença. A derrota humilhante praticamente selou o fim da carreira de Arraes, que depois teria só mais um mandato de deputado federal.

Agora, o senador Jarbas Vasconcelos teme que Eduardo pretenda vingar seu avô nas urnas.

Colaborou Angela Lacerda

Em artigo, Dilma deu aval à tese acadêmica de Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para economistas, os presidenciáveis - com formação na desenvolvimentista Unicamp - não têm diferença significativa na forma que veem o papel do Estado

Julia Duailibi

Hoje eles divergem, ou dizem divergir, em praticamente todas as áreas. Mas apesar dos embates e das críticas, os candidatos à Presidência Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) já viram o mundo com cores parecidas. Tanto que a petista citou trechos da produção acadêmica do tucano em artigo sobre a crise econômica em 1993.

Em texto chamado Crise no Estado e Liberalismo, publicado pela revista Executivo, da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos, do Rio Grande do Sul, Dilma cita Serra duas vezes e reproduz trechos da obra do maior adversário político.

No artigo, a petista analisa a "proposta neoliberal" e a crise social e econômica do Brasil à época. Numa primeira parte, relaciona o fortalecimento do neoliberalismo ao "fracasso" das políticas keynesianas e ao questionamento do estado de bem-estar social. Na segunda, na qual fala do tucano, trata do papel do Estado no processo de industrialização e da "falência do momento desenvolvimentista".

Dilma cita Serra pela primeira vez ao analisar o papel do Estado. "Como mostra José Serra, afora suas funções de gestor das políticas monetária e fiscal, de tutor da política salarial e de provedor dos serviços públicos, o papel do Estado será decisivo pela "(...) definição, articulação e sustentação financeira dos grandes blocos (...) e criação da infraestrutura e produção direta de insumos intermediários"", disse Dilma, na época no PDT.

Na conclusão do texto, de três páginas, critica as "elites brasileiras" por apoiarem um Estado mínimo e volta a citar o adversário. "Nesse quadro, como registra José Serra, caímos num estruturalismo às avessas "onde o estruturalismo identificava falhas de mercado e propunha intervenções do Estado, passa-se a identificar falhas do Estado e propõe-se mais liberdade de mercado"."

Citações. Dilma publicou o artigo quando era presidente da Fundação de Economia e Estatística (FEE) em Porto Alegre. O texto fala duas vezes de José Serra e uma vez do polonês Adam Przeworsky, cientista político da Universidade de Chicago.

Economistas dizem que Serra e Dilma não apresentam diferenças significativas na forma como veem o papel do Estado. Ambos têm formação acadêmica na Unicamp, universidade tida como desenvolvimentista, que defende um Estado atuante.

Em 1993, quando o texto foi publicado, Serra era deputado pelo PSDB. Dilma assumiu naquele ano a Secretaria de Minas e Energia, no governo gaúcho de Alceu Collares (PDT). O texto de Serra que Dilma usou foi produzido em 1982 e chama-se Ciclos e mudanças estruturais na economia do pós-guerra. Consta do livro Desenvolvimento Capitalista no Brasil, organizado por Luiz Gonzaga Belluzzo e Renata Coutinho.

Lula deixará para sucessor conta de até R$ 90 bilhões

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Lula deixará a seu sucessor pagamentos pendentes de R$ 90 bilhões, segundo a área técnica. Será um novo recorde, batendo os R$ 72 bilhões que passaram de 2009 para 2010. O dado de 2010, até junho, é de R$ 53,7 bilhões, informa a repórter Lu Aiko Otta.

Governo Lula vai deixar uma conta de R$ 90 bilhões para próximo presidente

Valor de ""restos a pagar"" de 2010 para 2011 será recorde, por causa das obras do PAC; acumulado fica próximo do total de investimentos


Lu Aiko Otta

Após oito anos de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixará a seu sucessor um bolo de pagamentos pendentes de R$ 90 bilhões, segundo estimativa da área técnica. Será um novo recorde, superando os R$ 72 bilhões de contas penduradas que passaram de 2009 para 2010.

Essas despesas que passam de um ano para outro são os chamados "restos a pagar" e ocorrem porque os ministérios muitas vezes contratam uma obra que não é concluída até dezembro. Como o governo se comprometeu (empenhou) a pagar a despesa, a conta acaba sendo jogada para o ano seguinte.

Os restos a pagar são uma ocorrência rotineira na administração pública, mas a conta se transformou numa bola de neve por causa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). À medida que as obras vão saindo do papel, o volume de despesas que ultrapassa o prazo de um ano vai aumentando, chegando ao ponto em que os restos a pagar são quase iguais ao total de investimentos previsto no ano.

Escolha de Sofia. Dados levantados pelo site Contas Abertas, a pedido do Estado, mostram que em 2009, por exemplo, o governo tinha R$ 57,068 bilhões para investir, mas a conta de restos a pagar das obras contratadas nos anos anteriores era de R$ 50,850 bilhões.

Ou seja, se tivessem sido quitadas todas as obrigações pendentes, sobrariam R$ 6,218 bilhões para investimentos novos. "A cada ano, o gestor público fica nessa escolha de Sofia: ou paga os restos do ano anterior ou executa o orçamento do ano", disse Gil Castello Branco, secretário-geral do Contas Abertas. "Não tem dinheiro para os dois."

O dado parcial de 2010, até junho, mostra mesmo perfil. O saldo de restos a pagar em investimentos está em R$ 53,7 bilhões, para uma dotação de R$ 63,9 bilhões. No caso do PAC. há restos a pagar de R$ 30 bilhões, para um orçamento de R$ 24 bilhões.

"É um retrato do momento", disse Castello Branco. Se o ano tivesse terminado em 30 de junho, o presidente Lula estaria legando a seu sucessor uma conta de R$ 53,7 bilhões. O governo não zera de imediato esse saldo porque, para isso, ele teria que deixar de fazer novos investimentos.

"A situação preocupa, porque se os restos a pagar ficam muito grandes, estreita-se o volume de recursos para novos projetos", disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão. "É preciso ficar atento para que os volumes sejam razoáveis, não escapem ao controle."

Herança. Ele acrescentou que não há temor de calote com a mudança de governo, pois há uma legislação sólida sobre a condução do orçamento.

Se a conta de R$ 90 bilhões for herdada pela candidata do PT, Dilma Rousseff, ela não terá muito do que reclamar. Afinal, as despesas pendentes são geradas em grande parte por seu "filho", o PAC, e seguem prioridades estabelecidas por uma administração da qual ela fez parte até 31 de março. O mesmo não se pode dizer dos demais candidatos.

"A margem de manobra estará bem estreita", disse o economista Felipe Salto, da consultoria Tendências. "Mas isso é verdade até a página 2, porque é possível reduzir despesas de custeio de forma significativa e, assim, ampliar a margem." Ele acredita que essa será a trilha a ser seguida por José Serra (PSDB), caso seja eleito, pelo fato de o tucano ter um perfil "mais fiscalista".

Em muitos casos, a formação de restos a pagar é uma estratégia deliberada para evitar que as obras parem à espera da aprovação do orçamento.

Na divulgação de um dos balanços do PAC, Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, foi questionada sobre o crescimento dos restos a pagar e respondeu que não há como evitar esse problema quando se realizam obras de maior porte.

O governo trabalha numa proposta de orçamento plurianual, que ataca justamente esse ponto, ao prever prazos maiores do que um ano para os investimentos. "Os restos a pagar são um problema em busca de uma solução", disse Felipe Salto. Para Castello Branco, a situação é grave porque o Orçamento não é mais uma previsão de gastos para um só ano. "Acabaram com o princípio da anualidade."

PARA ENTENDER

A situação dos chamados "restos a pagar" pode ficar ainda mais complicada se o próximo governo colocar em prática o que está previsto na segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Anunciado no final de março, pela então ministra Dilma Rousseff, o PAC 2 prevê R$ 1,59 trilhão em investimentos, que deverão começar a ser feitos a partir de 2011.Classificado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como uma "prateleira de projetos" para o futuro governo, o valor estimado no pacote equivale à metade de todas as riquezas produzidas no País.

A primeira versão do PAC foi uma razões por trás do salto no volume de despesaspendentes que o governo rolou de 2009 para 2010, apesar da taxa de aplicação, em três anos, ter atingido apenas 63% dos R$ 638 bilhões programados para o período de 2007 a 2010.

Previ é fábrica de dossiê do PT, diz ex-diretor

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Fundo de pensão do BB também serviu para arrecadação de dinheiro às campanhas, afirma Gerardo Xavier

PT não comenta o caso; Previ diz que atual cúpula desconhece acusações feitas à "Veja" e à Folha


DE BRASÍLIA - Ex-diretor e ex-assessor da presidência da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), Gerardo Xavier Santiago diz que o fundo funciona como "fábrica de dossiês" contra a oposição do governo Lula e máquina de arrecadação para o PT.

Gerardo foi gerente-executivo da Previ entre 2003 e 2007, sendo ligado diretamente ao ex-presidente do fundo Sérgio Rosa, que deixou o cargo em junho de 2010. Gerardo saiu da Previ após brigar com Rosa em 2007, quando deixou o PT.

As declarações sobre a espionagem foram feitas à revista "Veja" desta semana. À revista ele afirma que o fundo é "um bunker de um grupo do PT" e que "a Previ está a serviço de um determinado grupo muito poderoso, comandado por Ricardo Berzoini, Sérgio Rosa, Luiz Gushiken e João Vaccari Neto".

Segundo revelou a Folha neste mês, um dossiê sobre a filha do ministro Guido Mantega foi feito por essa ala do PT, ligada ao sindicalismo bancário. O Planalto atribui o dossiê ao grupo de Rosa, que perdeu espaço na campanha de Dilma Rousseff.

"Estranharia se na minha época tivessem me pedido coisa semelhante contra o Mantega. Uma coisa é fazer com o adversário. É uma involução do PT por causa da disputa interna", afirmou Gerardo à Folha.

Ele também disse que concedeu a entrevista à "Veja" há dois anos e confirmou as acusações à revista nesta semana, antes da publicação.

O ex-diretor, que também já foi do Sindicato dos Bancários do Rio, disse à Folha que, além de montar dossiês, a Previ serviu a interesses do partido para aumentar a arrecadação. Segundo ele, a Previ montou uma rede de conselheiros ligados ao PT em empresas nas quais o fundo tem participação. A intenção era influenciar as doações das companhias para beneficiar o partido.

Santiago diz que o primeiro dossiê produzido por ele na Previ é de 2002, no governo FHC. O material deveria, diz ele, comprometer a gestão tucana e provar a ingerência do governo na Previ.

"Dossiês com conteúdo ofensivo, para atingir e desmoralizar adversários políticos, só no governo Lula mesmo, na gestão do Sérgio Rosa", diz o ex-diretor à "Veja".

Santiago lista os oposicionistas que teriam sido investigados com base em dados sigilosos, cujo acesso teria sido ordenado por Rosa: o senador Antônio Carlos Magalhães (DEM-BA), já morto, o governador José Serra (PSDB) e o então presidente do DEM Jorge Bornhausen.

O ex-diretor diz na entrevista que reuniu denúncias sobre eles em 2005, na CPI dos Correios, e que Rosa solicitou "informações sobre investimentos problemáticos da Previ que estivessem ligados a políticos da oposição".

O PT não se manifestou. A Previ disse que "a atual cúpula desconhece essa prática e está muito tranquila em relação a suas recentes práticas de governança". Rosa não comentou o assunto.

Desigualdade prejudica a democracia, diz estudioso

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Situação do Brasil é "intermediária", diz o professor Leonardo Morlino

Para presidente da Ipsa, alternância no poder é importante, mas há países democráticos com governos longos

Uirá Machado

Enviado a RECIFE (PE)

A desigualdade econômica e social no país e na América Latina afeta a qualidade da democracia na região, diz Leonardo Morlino, presidente da Associação Internacional de Ciência Política (Ipsa).

Para ele, ao se aproximar da Venezuela e do Irã, Lula não ajuda em nada a democracia. Manter relações com o Brasil dá a Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad, líderes de países não democráticos, um tipo de legitimidade no cenário mundial: "Lula deveria ter mais cuidado".

Professor da Universidade de Florença, Morlino, 63, abriu o 7º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, realizado de 4 a 7 de agosto em Recife (PE).

Folha - O sr. está elaborando um trabalho no qual sugere oito dimensões para analisar a qualidade das democracias. Como o Brasil se sai diante desses indicadores?

Leonardo Morlino
-
O resultado é muito óbvio, e é o mesmo para outros países da América Latina. Há na região enorme desigualdade econômica e social, e isso afeta a qualidade da democracia. A consequência política é que todo novo governo precisará olhar para essa desigualdade como uma questão central.
Mas o problema é que a desigualdade atinge de forma mais dramática a parcela da sociedade que vota menos.
Os políticos precisam ser eleitos e, para serem eleitos, precisam de votos. Mas, como a abstenção é muito alta nas camadas muito pobres, é natural que as campanhas -e governos- sejam voltadas às classes médias e altas.

O sr. diz que menos igualdade implica menos liberdade. Por esse raciocínio, o Brasil tem uma democracia ruim. Mas outros indicadores, como o pluripartidarismo e as eleições, sugerem uma democracia consolidada.

Você está certo. A análise que proponho objetiva olhar as qualidades ausentes na democracia. Embora exista uma ligação entre valores de conteúdo, como a liberdade e a igualdade, e as questões procedimentais, na verdade esses aspectos estão em tensão. Se há mais liberdade, é mais fácil aumentar a participação, de um ponto de vista procedimental, e isso permite a luta por mais igualdade.
Só que a igualdade está em muitos aspectos ligada à disponibilidade de recursos. É o caso dos direitos sociais, como Previdência, saúde. Essa rede de seguridade social tem um custo. Essa situação complexa, portanto, ao esbarrar na necessidade de recursos, se desenvolve de formas diferentes em cada país.

A democracia no Brasil tem mais ou menos qualidade que a de outros países?

Não se trata de saber como está o Brasil em relação à Alemanha, à França ou à Inglaterra, mas de perguntar o que o Brasil conquistou para sua democracia nos últimos anos. Para mim, tudo somado, houve um progresso imenso. A América Latina vivenciou dois tipos de democracia nos últimos anos.
De um lado, o Chile, uma democracia com estrutura interna, partidos e aspectos econômicos bem resolvidos. De outro, uma democracia como a da Venezuela de Chávez, onde as regras da economia podem ser violadas.
O Brasil, graças a Fernando Henrique, em primeiro lugar, foi capaz de ser uma democracia onde as regras básicas da economia são mantidas, ao mesmo tempo em que se tenta reduzir a desigualdade social. Nesse sentido, o país está numa espécie de situação intermediária.

A oposição brasileira insinuou que uma vitória de Dilma Rousseff seria prejudicial para a democracia, pois limitaria a alternância no poder.

Alternância é uma questão muito importante, mas o fato é que é possível manter governos com dez anos ou mais sem alternância e sem prejuízos democráticos. Aconteceu no Reino Unido, por exemplo. E é preciso ainda se lembrar de aspectos culturais.Na cultura brasileira, a ideia de alternância não é tão simples, porque ela implica aceitar a competição, o desafio. O brasileiro, porém, é mais voltado para a composição, para evitar o conflito. Dito de outra forma, a alternância exclui, e o brasileiro prefere incluir, acomodar.

Isso pesa contra a democratização no país?

É preciso olhar os aspectos procedimentais. Se há pluripartidarismo de fato, então há a possibilidade de alternância. Esse traço cultural implica apenas que um partido que tenta se reeleger tem uma vantagem grande e só vai perder se houver uma situação de crise muito crítica.

A oposição também critica o governo Lula por se aproximar da Venezuela e do Irã.

É preciso dizer que a Venezuela vive um regime híbrido, e o Irã, totalitário. Costuma-se dizer que a política externa independe dos valores internos. Numa posição clássica, Lula pode fazer acordos com o Diabo, desde que defenda os interesses de seu povo. Mas a política externa contemporânea tem se tornado diferente. Numa situação mais globalizada, se algo acontecer com Irã, isso atinge o Brasil. Então Lula deveria ser mais cauteloso.

Como avalia essas atitude?

Elas não trazem nada de bom para a democracia. Com essas atitudes Lula não persegue os interesses da democracia. É inegável que há um crescimento do Brasil no cenário internacional, e o país tem direito de pleitear um espaço entre as principais nações. O próprio Lula sabe que o Brasil já desempenha papel internacional importante. Com isso, dá, ainda que indiretamente, um tipo de legitimidade para líderes como Chávez ou Ahmadinejad.

BNDES repassa 57% dos recursos a 12 empresas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Levantamento da Folha com base nas operações divulgadas revela como o estatal BNDES foi seletivo de 2008 a junho deste ano.

Nesse período, as estatais Petrobras e Eletrobras, além de dez grupos privados que se associaram a projetos de interesse do governo federal, ficaram com 57% dos R$ 168 bilhões contratados.


Doze grupos ficam com 57% de repasses do BNDES

Maior financiador a longo prazo do país favorece Petrobras, Eletrobras e dez grupos privados, que concentram crédito de R$ 95 bilhões desde 2008

Juro do BNDES é inferior ao do mercado; banco argumenta que grandes empresas concentram maiores investimentos

Ricardo Balthazar

DE SÃO PAULO -As chaves do cofre bilionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estão nas mãos de dois gigantes estatais e um punhado de grupos privados que nos últimos anos se associaram a projetos de interesse do governo.Levantamento feito pela Folha com base nas operações divulgadas pelo banco revela que a Petrobras, a Eletrobras e dez grupos privados ficaram com 57% dos R$ 168 bilhões destinados a transações contratadas de 2008 até junho deste ano.

Entre os mais favorecidos pela instituição estão as três maiores construtoras do país, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht, que controlam investimentos em diversos outros setores da economia, a mineradora Vale, o grupo Votorantim e o frigorífico JBS.

Além dos repasses que receberam diretamente do banco, alguns grupos foram beneficiados também como sócios de empreendimentos na área de infraestrutura e de companhias de outros grupos que conseguiram empréstimos da instituição.

Na avaliação do BNDES, a elevada concentração de sua carteira reflete o que se vê fora do banco: a taxa de investimentos do país é relativamente baixa e grandes empresas como a Petrobras são responsáveis pelos principais projetos em andamento.

Mas os críticos que se incomodam com o favorecimento de grandes grupos acusam o BNDES de usar seu poderio para fortalecer empresas com amigos em Brasília em detrimento de concorrentes e dos consumidores.

Principal fonte de financiamento de longo prazo disponível no país, o BNDES virou objeto de controvérsia por causa da expansão acelerada que sua carteira sofreu com a crise financeira internacional, quando o governo decidiu reforçar os cofres dos bancos públicos para combater a recessão. O BNDES recebeu R$ 180 bilhões. Como o Tesouro pagou juros elevados para levantar esses recursos e o banco cobra de seus clientes taxas inferiores às praticadas no mercado, a operação tem custo alto para a sociedade, hoje difícil de calcular.

LIMITE

Ao turbinar o BNDES, o governo também permitiu que ele ampliasse sua exposição a grandes grupos. De acordo com as normas do sistema financeiro, o banco pode emprestar até R$ 13 bilhões para empresas de um mesmo conglomerado. Há um ano, o limite era de R$ 10 bilhões. Em 2008, o governo autorizou o banco a ignorar esse limite no caso da Petrobras, que desde então recebeu R$ 29 bilhões do BNDES. A operadora de telefonia Oi, controlada pela Andrade Gutierrez e pelo grupo La Fonte, conseguiu R$ 7,6 bilhões.

Empresas como a Petrobras e a Vale têm ações negociadas em Bolsa e acesso a outras fontes de financiamento. Os críticos do BNDES dizem que elas teriam condições de obter capital em condições razoáveis mesmo se o banco fechasse as portas.

"O BNDES trava o desenvolvimento do mercado de capitais no país", diz a economista Ana Novaes, da consultoria Galanto e conselheira de duas empresas com acesso ao cofre da instituição. "Ninguém pode competir com as taxas oferecidas pelo banco e por isso ele fica com os melhores clientes."