A presidente Dilma disse ontem em Paris ter ficado “extremamente perplexa” com a prisão do senador Delcídio Amaral (PT), líder de seu governo no Senado. Na cadeia, Delcídio afirmou a um auxiliar que o seu partido o tratou com “covardia atroz”, revela
A perplexidade de Dilma
• Presidente se diz surpresa com prisão de Delcídio Amaral, ex-líder de seu governo no Senado
Fernanda Krakovics - O Globo
-LE BOURGET, FRANÇA -Em meio ao forte esquema de segurança montado para a maior conferência do clima de todos os tempos, com o vaivém de 150 líderes mundiais e suas dezenas de assessores, no centro de convenções de Le Bourget, na periferia de Paris, a presidente Dilma Rousseff, parte de sua comitiva, incluindo dois ministros, e seis jornalistas brasileiros acabaram esquecidos na área externa da estrutura montada para receber os mais de 40 mil participantes do encontro. Sob vento frio e forte, Dilma tentava proteger o pescoço, porque ainda não estava curada de uma gripe, enquanto esperava que a segurança se entendesse sobre o ônibus em que todos subiriam.
O imprevisto não tirou o bom humor da presidente. Ela aproveitou a espera para conversar com os jornalistas. Minutos depois, ela e sua comitiva se espremeram num micro-ônibus que ela fez questão de dividir com a imprensa. A presidente disse ter ficado perplexa com a prisão do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), em mais uma fase da Operação Lava-Jato, semana passada.
— Fiquei com dois sentimentos. Fiquei muito perplexa, extremamente perplexa. Não esperava que isso acontecesse, ninguém esperava — afirmou a presidente.
Em entrevista coletiva, tratou de outros assuntos como a ameaça de “shutdown” (corte de todas as despesas não obrigatórias, que pode resultar na paralisia de serviços e gastos públicos), a partir de hoje, devido à não votação da meta fiscal pelo Congresso. Ela afirmou que o governo tomará as medidas necessárias para não prejudicar a vida população.
Ontem talvez não tenha sido um bom dia para a presidente, que, depois de todos os atrasos da cúpula, ainda tomou um chá de cadeira, com outros 19 líderes, do americano Barack Obama. Ele demorou quase 40 minutos para se apresentar no evento Mission Innovation. Quando achou que tinha chegado ao local correto, foi barrada pela segurança, porque havia uma conferência em andamento no salão, e obrigada a fazer meia volta.
A seguir os principais trechos da conversa de Dilma com jornalistas e da entrevista coletiva:
Prisão de Delcídio
— Fiquei com dois sentimentos. Fiquei muito perplexa, extremamente perplexa. Não esperava que isso acontecesse, ninguém esperava — afirmou Dilma, sobre a prisão do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS).
Em relação a uma eventual delação premiada do senador, temida entre petistas, a presidente afirmou que se sente tranquila:
— Não tenho nenhum temor com relação a delação.
A presidente reconheceu a importância do ex-líder do partido no Senado, mas afirmou que ninguém é “insubstituível”. Segundo ela, os senadores vão desempenhar as suas funções com normalidade.
— O senador Delcídio, de fato, era uma pessoa bastante bem relacionada dentro do Senado. Aliás, nós o escolhemos porque ele tinha relações com todos os partidos, inclusive da oposição. Mas, infelizmente, nenhum de nós é insubstituível. Ele foi substituído e as relações com o Congresso vão se dar normalmente.
Para Dilma, o Senado vai desempenhar as suas funções em relação à economia do país.
— O Senado é uma instituição de alta qualidade — completou.
Indicação de Cerveró
A presidente Dilma negou que tenha indicado para o cargo o ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, também preso na Operação Lava-Jato. Em depoimento à Polícia Federal na última quinta-feira, após ser preso, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) disse que, em 2003, Dilma, então ministra de Minas e Energia, o consultou sobre a indicação de Cerveró para a diretoria da estatal. O senador contou que foi favorável e frisou que Dilma já conhecia Cerveró da época em que ela foi secretária de Minas e Energia no Rio Grande do Sul (1999-2002).
— Eu não indiquei o Nestor Cerveró para a diretoria da Petrobras. Eu acredito que o senador Delcídio se equivoca. Não é da minha indicação, não é da minha relação. E isso é público e notório. Ele não foi “antes, durante e depois” da minha relação.
Compra de Pasadena
Dilma negou que tivesse conhecimento de todos os detalhes da operação para a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, como sugere áudio gravado por Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró. Na gravação, Delcídio diz que, em delação, Cerveró afirmou que Dilma sabia de todos os movimentos para a compra da refinaria de Pasadena, que causou prejuízo milionário à Petrobras. A compra da refinaria é investigada na Operação Lava-Jato e também foi um dos alvos da CPI da Petrobras. Delatores afirmaram que houve pagamento de propina nessa aquisição. Dilma, que presidia o Conselho de Administração da Petrobras, sempre disse que foi favorável à compra porque recebeu de Cerveró um relatório “tecnicamente falho”.
— Eles vêm falando isso durante a CPI, se vocês se lembrarem. Eu acho que é uma forma de tentar confundir as coisas. Não só eu não sabia de tudo, como, quando foi detectado, e isso todos os conselheiros que estavam comigo no Conselho (de Administração) da Petrobras podem atestar, que quando foi detectado que ele (Cerveró) não tinha dado todos os elementos para nós, eu fui uma pessoa que insisti com ele que deveria saber. Acho que ele pode não gostar muito de mim.
André esteves e BTG Pactual
Perguntada se tinha alguma proximidade com o ex-presidente do banco BTG Pactual, André Esteves, que também foi preso na semana passada na Operação Lava-Jato, Dilma disse que conhece bem pouco o banqueiro.
— No que se refere ao preso, que é CEO do BTG, eu conheci muito pouco. Não tive relações sistemáticas com ele, conheci bem pouco — afirmou, confirmando que o conheceu em fóruns, em Davos, na Suíça, mas sem citar seu nome.
A presidente também foi perguntada se o BTG Pactual participava de projetos de infraestrutura do governo federal e disse desconhecer qualquer projeto com o banco.
— Que eu saiba o banco não estava envolvido em projeto de infraestrutura. Não conheço — afirmou a presidente.
Dilma reconheceu o impacto das prisões no mercado, mas disse que não pode mensurá-la:
— Acho que sempre terá impacto a prisão de um senhor tão importante quanto o CEO de um banco tão importante quanto o BTG.
Cunha e impeachment
Sobre a possibilidade de o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), finalmente decidir sobre a abertura de processo pelo seu impeachment na Casa, Dilma afirmou que não acredita que isso ocorrerá.
— Essa ameaça vem sendo sistematicamente feita, inclusive, até algum tempo atrás, com endosso da oposição, que usava o presidente da Câmara (Cunha) para fazer esse processo.
Segundo ela, nada disso impediu as negociações de projetos do governo no Congresso, nem a manutenção dos seus vetos. Perguntada se voltaria ao Brasil em meio ao risco de a decisão de Cunha ser apresentada, a presidente foi taxativa: — Vamos voltar para o Brasil como saímos. A presidente afirmou que, se isso acontecer, o governo poderá tomar as medidas necessárias e protestar. Mas garantiu que não trabalha com esta hipótese.
— Se ele decidir, o governo vai protestar, tomar as medidas. Não se trabalha com essa hipótese. Vamos ver. Por que não decidiu há seis meses?
Governo parado
Na véspera de o governo federal parar em função do chamado “shutdown”, mecanismo que corta todas as despesas não obrigatórias, a presidente Dilma Rousseff afirmou que o governo federal tomará todas as medidas para evitar transtornos e complicações à população:
— O governo fará uma avaliação e tomará as medidas necessárias também para não comprometer a vida da população brasileira .
Perguntada pelo GLOBO qual é o plano B, ou que ações o Executivo pretende tomar para reduzir os impactos dos novos cortes de gastos sobre o funcionamento da máquina do governo, ela não deu detalhes:
— Não vou dizer para você o que nós fazemos fazer, porque nós estamos em processo permanente de avaliação — afirmou a presidente Dilma.