quarta-feira, 8 de abril de 2020

Rosângela Bittar - Controle de danos

- O Estado de S.Paulo

Política entrou em ação para dissuadir Bolsonaro de demitir o ministro da Saúde

Jair Bolsonaro insiste em fazer da Presidência da República uma roleta-russa para os brasileiros. Sua família se acha dona do País e comanda o governo com baixos instintos: soberba, inveja, paranoia, ciúme, obsessão. Vieram para matar ou morrer. Sua última e tresloucada experiência de apertar o gatilho ao sabor do azar deu xabu, mas poderia ter resultado na dispensa do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em plena administração de uma pandemia letal.

Sabem todos o que se passou, passa e passará com a família governante. E do lado do bom senso, o que se passa? Não há ninguém parado. Pelo contrário, nunca a política e os políticos estiveram com tanto apetite e, ao mesmo tempo, tão prudentes. Não é hora de aparecer. No meio de uma guerra, sem conhecer a lista dos sobreviventes, movimentos radicais são exercícios perigosos.

O que se pode identificar é que há dois consensos atraindo a praça política, um deles consolidado e o segundo em construção discreta. Em pleno vigor, o primeiro tem sido denominado de “controle de danos”. Consiste em deixar Jair Bolsonaro falando sozinho, aplicando suas ideias como quiser, sem contestações, enquanto a Câmara, o Senado, o Supremo, a Economia, os ministérios, os órgãos de controle seguem governando. Tocam suas agendas ao mesmo tempo em que tentam consertar os absurdos que as instituições não conseguirem absorver.

Merval Pereira - Sobre o Poder

- O Globo

Não é bom um presidente tutelado por militares. Mas também não é bom um que coloca em risco a população

O livro “A cadeira da águia”, do escritor mexicano Carlos Fuentes, tem uma ótima citação de Stálin que serve como uma luva na disputa em curso entre o presidente Bolsonaro e seu ministro da Saúde Mandetta. Digo “em curso” porque não acredito que o presidente Bolsonaro se recolha diante da impossibilidade de impor sua vontade. Tentará novamente.

Na década de 30 do século passado, relata Carlos Fuentes, um assessor do líder soviético gritou ao ser elogiado por seu trabalho: “Por favor, não me elogiem! Não me mandem para a Sibéria”. A insegurança de líderes autoritários, sejam de esquerda ou de direita, é recorrente na história da civilização, e estamos vendo uma repetição dessa eterna disputa de poder, real ou imaginária.

Muitos ministros de Bolsonaro se incomodam com os elogios, pois sabem que podem ter problemas com o capitão. Para compensar, alguns começam a elogiar Bolsonaro e a concordar com ele pelas redes sociais, que é onde o registro vale de verdade para o presidente e seus acólitos.

Esse temperamento inseguro do presidente tem rendido comentários e memes nas mesmas redes sociais, tão valorizadas pelo próprio presidente, que revelam a percepção das angústias de Bolsonaro. O que mais esteve presente nas redes durante essa crise foram brincadeiras sobre os ministros mais criticados de seu governo, como o da Educação Abraham Weintraub, o chanceler Ernesto Araújo ou o do Meio Ambiente Ricardo Salles.

Vera Magalhães - A hora da escalada

- O Estado de S.Paulo

Semanas de pico da pandemia não permitirão mais os erros cometidos até aqui

Vai começar a subida da montanha, metáfora que vem sendo usada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para designar a fase, que há muito se sabe que chegaria, de escalada rumo ao pico de contaminação pela covid-19 no Brasil.

Até aqui, alguns fatores ajudaram e outros atrapalharam sobremaneira a preparação do País para essa escalada inexorável, pela qual todas as demais nações do globo passaram ou estão passando.

As nossas vantagens comparativas vêm sobretudo do timing. A contaminação começou na China e se espalhou pela Europa e pelos Estados Unidos antes de chegar aqui de maneira sustentada, o que nos deu tempo para aprender com acertos e erros de outros povos e outros governos.

Foi positivo, por exemplo, para que os governos estaduais e mesmo o governo federal decretassem situações de emergência, calamidade ou quarentena, a depender da designação, e com isso pudessem restringir a atividade econômica e a circulação de pessoas e preparar a retaguarda do sistema de saúde, que já está sendo pressionado e deve enfrentar uma situação próxima ao colapso, quando não de colapso efetivo, nos próximos dias.

Paulo Delgado* - Emergência e democracia

- O Estado de S.Paulo

Berrar instruções para a morte é querer companhia para plano de extinção pessoal

Um mal-assombrado uso do poder nos dilacera: isolamento voluntário de todos ou solução final para a velhice. A esse delírio absurdo e não cristão soma-se a perda de contexto da missão fiscal na economia, deixando a cartilha liberal sem norte para fazer o que precisa.

Uma parada global sincronizada, um governo incapaz de estabilizar suas ações. A confusão alucinatória do presidente, fustigando sem pudor seu ministro da Saúde, estressa mais ainda o cenário e pode levar o Brasil a ser o maior perdedor entre os emergentes. Enquanto o palácio boicota a Nação, o povo ainda encontra temperança, seguro de que nenhum princípio humano ou ético é violado pelo Ministério da Saúde ou pelos governadores.

Itamar, maduro e experiente, custou-lhe tanto a acreditar no Real que o ministro da Fazenda virou o autor do plano, salvando o País da inflação. Jair, o verde, despreza tanto a doença que o ministro da Saúde é que vai salvar o País da infecção. Mandetta, a URV do coronavírus, é mais do que governo. Virou ministro da República.

Lançando sombras sobre o País, parte do governo parece mais agarrada à bolsa do que à vida, convicto de que saúde pública atrapalha a economia. Viúvas do mundo velho, não conseguem realizar o luto pela morte que o vírus impôs ao estilo de vida moderno. Stop. A vida parou, ou foi o presidente? Antifuturista, martirizado pela desinformação, finge governar.

A democracia é forte, mas não é um regime de força. Confunde quem trabalha com expectativa falsa e não consegue agir certo diante de dificuldades. Que governante se mantém à tona sugerindo que o bombeiro salve os móveis e deixe a família se queimar? Acreditar nele é como segurar água na mão. Com atrevimento diz sem pensar o que pensa. Está virando o nome do desastre. Schettino, Schettino, não abandone o navio na hora do naufrágio!

Luiz Carlos Azedo - Eleições na berlinda

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A epidemia não impediu a montagem de chapas de vereadores nem as pré-candidaturas a prefeito, mas muita gente torce pelo adiamento do pleito”

Se antecipando ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Cível da Justiça Federal em Brasília, detonou, ontem, as eleições municipais deste ano, para escolha de prefeitos e de vereadores, ao determinar o bloqueio dos recursos do fundo partidário (dinheiro destinado aos partidos políticos) e do fundo eleitoral (para custear campanhas eleitorais). 

Decidiu que os recursos ficarão à disposição do governo federal para serem usados em medidas de combate ao coronavírus ou em ações contra os seus reflexos econômicos, inviabilizando o funcionamento dos partidos e suas campanhas eleitorais. Ontem, o Brasil atingiu 14.018 casos confirmados do novo coronavírus, com 686 mortes.

“Os valores podem, contudo, a critério do Chefe do Poder Executivo, ser usados em favor de campanhas para o combate à Pandemia de Coronavírus — Covid-19, ou para amenizar suas consequências econômicas”, determinou o magistrado, que acolheu ação popular impetrada por um advogado paulista. Com R$ 959 milhões, o fundo partidário é usado para permitir o funcionamento das legendas. O fundo de financiamento de campanhas acumula R$ 2,034 bilhões, dinheiro que estava destinado às campanhas das eleições municipais de outubro.

A sentença, em tom de manifesto, soa como música para aquela parcela da opinião pública que odeia os políticos: “Dos sacrifícios que se exigem de toda a Nação, não podem ser poupados apenas alguns, justamente os mais poderosos, que controlam, inclusive, o orçamento da União”, argumentou o juiz federal. Segundo ele, a manutenção dos fundos “se afigura contrária à moralidade pública”, “aos princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” e, ainda, “ao propósito de construção de uma sociedade solidária”.

Nos bastidores do Congresso, que vota medidas de emergência para evitar que os trabalhadores informais fiquem sem nenhuma fonte de renda e para garantir a sobrevivência das empresas, também se discute o adiamento das eleições, em razão da epidemia. Até agora, o calendário eleitoral foi mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A epidemia não impediu a montagem de chapas de vereadores nem as pré-candidaturas a prefeito, com intensa troca de partidos e novas filiações, até o último domingo, mas muita gente torce pelo adiamento.

Bernardo Mello Franco - Sinais de afrouxamento

- O Globo

Enquanto Mandetta balançava, o Ministério da Saúde afrouxou regras de isolamento. “Isso fará com que a curva de contágio se acelere”, alerta o professor Roberto Medronho

Três semanas depois de registrar a primeira morte pelo coronavírus, o Brasil ultrapassou a marca das cem em um único dia. O recorde desta terça marca uma nova fase na epidemia. Daqui para a frente, o país deverá enfrentar uma forte escalada no número de vítimas da Covid-19.

“Ainda estamos no início da ascensão da curva epidêmica. Nos próximos dias, ela vai se acelerar de forma contundente”, prevê o epidemiologista Roberto Medronho, da UFRJ. “Agora entramos numa subida contínua até o pico da epidemia. E depois a descida ainda será lenta”, adverte.

Para o professor, o pico dos casos ocorrerá entre a última semana de abril e a primeira semana de maio. “Na velocidade atual, essa escalada levará ao colapso do sistema de saúde”, avisa.

Ontem Medronho estava mais pessimista. O motivo era o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, que indicou um afrouxamento nas medidas de isolamento social. O documento saiu na segunda-feira, quando o ministro Luiz Henrique Mandetta chegou a arrumar as gavetas para deixar o cargo.

Ricardo Noblat - Mandetta fraqueja e o inimigo avança

- Blog do Noblat | Veja

O pior ainda está por chegar
Cuide-se Luiz Henrique Mandetta para que ao deixar o Ministério da Saúde possa, de fato, levar intacta a reputação do bom administrador que resistiu a todas as pressões e preferiu salvar vidas a satisfazer as vontades do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, interessado em salvar a Economia.

Amigos de Mandetta estão preocupados com dois passos em falso que ele deu nas últimas 48 horas quando escapou por pouco da degola. O primeiro: abrandou sua posição quanto às medidas restritivas impostas pelos governadores de Estados e, de resto, adotadas em quase todos os países do mundo.

O segundo passo: se antes condenava com veemência a prescrição da droga Cloroquina para casos de coronavírus, Mandetta passou a admitir o seu uso a critério de cada médico. Não há fundamentos científicos que sustentem os efeitos reparadores do remédio para infectados pelo vírus. Mas Bolsonaro quer a sua liberação.

Tem a ver com Donald Trump. Um dos donos do laboratório que fabrica a Cloroquina foi um dos maiores doadores de dinheiro para sua campanha. O Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos removeu de seu website orientações altamente incomuns que sugeriam o uso da droga contra o vírus.

Bolsonaro caiu na lábia do representante do laboratório no Brasil e, para agradar Trump, virou um lobista do remédio. Tentou obter o consentimento de Mandetta para o uso em massa da Cloroquina. O ministro negou. Mas em troca, para não parecer tão intransigente, Mandetta baixou o tom do que vinha dizendo.

Baixou também o tom a respeito do confinamento social. Disse que técnicos do Ministério da Saúde estudam a “transição para o distanciamento social seletivo”. Logo agora que o distanciamento social obrigatório vai sendo relaxado em várias partes do país à revelia ou não de governadores e de prefeitos.

E pensar que o pior ainda nem passou. Que o pior ainda nem chegou. O pico da pandemia deverá acontecer na última semana deste mês e na primeira de maio. E só depois de um período cuja extensão ninguém se arrisca a calcular, o número de casos de mortes por coronavírus começará a diminuir lentamente.

Zuenir Ventura - O vírus da inveja

- O Globo

O capitão cismou que tem como acabar com o vírus

Foi o anticlímax. Esperou-se o dia todo pelo desfecho. Não se falava em outra coisa. No domingo, o presidente anunciara que integrantes de seu governo “viraram estrelas” e que “a hora deles ia chegar”. 

E avisava: “Não tenho medo de usar a caneta”. Não citou Luiz Henrique Mandetta — até porque não precisava.

Dizia-se que ele estava atrás de um técnico capaz de defender a hidroxicloroquina contra o coronavírus. O capitão cismou que tem como acabar com o vírus, mesmo que sua receita não seja aprovada pela OMS. Apela até para jejum e orações. O próprio ministro da Saúde acreditava que sua vez chegara. Suas gavetas foram esvaziadas.

Elio Gaspari - Hamburgo, 1892


- Folha de S. Paulo / O Globo


O andar de cima sabia mais, e assim a cólera matou dez mil pessoas na última epidemia do bacilo na Europa

Há os conservadores e há os atrasados, mas os comerciantes e banqueiros de Hamburgo achavam que eram conservadores iluminados, mas eram também atrasados. Em agosto de 1892, a cidade era administrada pela plutocracia local. Tinha o maior porto da Alemanha e macaqueava os ingleses. Morreu gente nos bairros pobres, mas não podia ser cólera, pois essa peste já teria sido controlada na Europa. A cidade tinha lindos prédios, mas não havia começado a obra para tratar sua água. Em 1871 seus notáveis haviam recusado a obrigatoriedade da vacina contra a varíola, porque ofenderia o direito das pessoas. (33 anos depois, Rui Barbosa usou o mesmo argumento, estimulando a rebelião de alguns militares e a maior revolta popular do Rio de Janeiro.) Tudo em nome dos princípios do liberalismo político e econômico que administrava a cidade.

Os plutocratas de Hamburgo acreditavam que a cólera disseminava-se por miasmas do ambiente, mais perigosos nos bairros de gente pobre e suja. Nove anos antes, o médico Robert Koch havia demonstrado que a cólera era transmitida por um bacilo e circulava com a água. Como eles acreditavam nos vapores, recusaram-se até a endossar a obrigatoriedade de fervê-la. (Em 1904, quando Oswaldo Cruz fumegava as casas do Rio para matar o mosquito da febre amarela, vários médicos ilustres insistiam na teoria do miasma.)

Até o verão de 1892 os plutocratas de Hamburgo entendiam que tudo dependia da higiene individual. O negacionismo dos notáveis durou pouco, até que começou a morrer gente no andar de cima. A imprensa havia evitado o assunto e a imediata instituição de uma quarentena foi descartada, pois prejudicaria os negócios. Quando as ruas estavam tomadas por cadáveres, o governo de Berlim mandou Robert Koch a Hamburgo e ele contou: “Senhores, eu esqueci que estava na Europa”. Oito anos antes, Nápoles, velha cidade insalubre com seu porto, havia derrubado a cólera com uma quarentena.

Bruno Boghossian – Estragos com as mãos atadas

- Folha de S. Paulo

Ao ameaçar Mandetta, presidente reage ao isolamento com radicalismo e irracionalidade

Um consórcio formado por generais e líderes políticos conseguiu adiar a demissão do ministro da Saúde. A bomba foi temporariamente desarmada, mas Jair Bolsonaro continua de olho no botão. Ele já provou ser capaz de produzir estragos até com as mãos atadas.

A incompetência exibida pelo presidente na crise do coronavírus levou à criação de um cordão sanitário no perímetro de seu gabinete. A ação de governadores, de técnicos da área e dos militares do Planalto pode ter limitado seus poderes, mas Bolsonaro mostra estar disposto a ampliar conflitos e provocar explosões para reafirmar sua autoridade.

A ameaça pública de demissão de Mandetta nos primeiros dias da semana foi uma amostra desse espírito. Bolsonaro costuma reagir à condição de isolamento com radicalismo e irracionalidade. Foi assim nos 28 anos de sua carreira como um deputado do baixo clero que não era levado a sério pelos colegas.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro e a Covid-19

- Folha de S. Paulo

Acho que personalidades autoritárias são mais propensas ao pensamento mágico

Jair Bolsonaro é definitivamente um fã da hidroxicloroquina, como era da fosfoetanolamina (a pílula do câncer). Ele promove a droga, apesar dos alertas de especialistas de que ainda não há provas de que ela funcione contra a Covid-19. Bolsonaro também flerta com o negacionismo pandêmico. Há uma relação entre as duas coisas?

Obviamente, não podemos tirar nenhuma conclusão generalizável a partir de um caso isolado, mas acho que dá para formular uma conjectura que poderia ser testada mais amplamente: personalidades autoritárias, que não admitem ser contrariadas, são mais propensas ao pensamento mágico, especialmente diante de situações sobre as quais não têm controle.

Acreditar que a hidroxicloroquina seja a resposta para a crise e recomendar o uso indiscriminado sem estudos controlados que atestem que ela funciona é uma instância de pensamento mágico, a sobreposição do desejo sobre a realidade. Não estou afirmando que médicos não possam fazer uso "off label" da droga (ou humanitário, nos casos graves), mas que é loucura transformar sua administração maciça em política pública sem amparo em evidências. Isso é torcida, não gestão.

Ruy Castro* - Um governo de amadores

- Folha de S. Paulo

Um dia, seus poucos membros profissionais se envergonharão de ter participado dele

Jair Bolsonaro foi educado em quartéis. Como não se conhecem trabalhos de sua autoria sobre história do Brasil, matemática e balística, disciplinas de interesse dos militares, o mais perto que desempenhou de uma atividade científica pode ter sido esfregar cavalos. Isso não o impediu de, como presidente da República, dar palpite sobre o coronavírus, minimizando-o ("Uma gripezinha! Um resfriadinho!"), estimulando as pessoas a correr o risco de contraí-lo e jogando com a saúde da população.

A audácia de Bolsonaro ao desafiar a comunidade científica mundial, ofender os já milhares de mortos e tentar esvaziar o seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta —que ele só não demitiu na segunda-feira porque foi peitado por gente ainda sã no governo— não tem equivalente nos anais.

Fernando Exman - As ambiguidades do discurso presidencial

- Valor Econômico

Caso Mandetta cria insegurança em mais áreas do governo

Foi há apenas 30 dias, embora o intenso noticiário já tenha feito março parecer um mês distante no calendário. Era uma época em que a postura do presidente Jair Bolsonaro frente o avanço do coronavírus era considerada, no Ministério da Saúde, “genial” e equilibrada. Ele dava liberdade de ação à área técnica, enquanto cobrava do ministro Luiz Henrique Mandetta um discurso público transparente e capaz de tranquilizar a população. Na Pasta e em outras áreas do governo, acreditava-se que um instinto político aguçado faria com que o presidente conduzisse a nação com prudência durante a grave crise que se aproximava. A expectativa foi brutalmente atropelada pelos fatos.

A intempestiva mudança do comportamento presidencial não abalou apenas a relação de confiança entre o chefe do governo e seu subordinado direto responsável pela Saúde. Espalhou uma sensação de insegurança pela Esplanada dos Ministérios, num momento em que a máquina administrativa precisa se sentir respaldada na missão de tentar construir medidas para combater os efeitos da crise.

Jair Bolsonaro e Luiz Henrique Mandetta se conheceram no Congresso. Encontravam-se com frequência no corredor que dava acesso aos seus gabinetes, ambos localizados no terceiro anexo da Câmara.

A aproximação foi natural. Hoje ministro da Saúde, o deputado sul-mato-grossense se candidatara pelo DEM para fazer oposição ao PT. Lá encontrou um parlamentar já conhecido por seu antagonismo aos partidos de esquerda.

Míriam Leitão - A necessidade de mudar o mundo

- O Globo

Carta aberta de líderes globais fortalece o multilateralismo e pede ação conjunta do G20 para lidar com o coronavírus em países pobres

O senso de urgência em relação à pandemia teve um avanço no mundo ontem. A carta assinada por 165 personalidades globais, que pede ação imediata e conjunta ao G20 e um apoio bilionário aos países mais frágeis, fortalece a ideia do multilateralismo que estava abandonada. Elas querem ajuda aos países em desenvolvimento e apoio à Organização Mundial de Saúde (OMC). O risco de não agir é a volta, em novas ondas, da mesma pandemia. Nesse cenário, a recessão econômica se transforma em depressão. A iniciativa é do ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown e tem entre os signatários 92 ex-presidentes ou ex-primeiros-ministros.

Entre eles estão Tony Blair, da Inglaterra, Gro Brundtland, da Noruega, Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, Óscar Arias, da Costa Rica, Felipe González, da Espanha, Ban Ki-moon, da ONU, José Manoel de Barros, de Portugal, entre inúmeros outros. Eles alertam para os riscos que recaem sobre todos os países, especialmente os mais vulneráveis.

Todos os sistemas de saúde, mesmo os mais sofisticados e mais bem financiados, estão se vergando sob a pressão do vírus, dizem os líderes. A carta aberta alerta que, se nada for feito em tempo, em cidades e comunidades frágeis da África, Ásia e América Latina que não têm acesso a estruturas de suprimentos e médicos adequados e onde o distanciamento social não é possível - até mesmo lavar as mãos é difícil - a Covid-19 persistirá e reemergirá para atingir o resto do mundo em novas rodadas da pandemia que prolongará a crise global.

Monica De Bolle* - Renda básica

- O Estado de S. Paulo

A renda básica nos apresenta oportunidade de alcançarmos maior justiça social e liberdade

"O dinheiro que se tem é o instrumento da liberdade; o dinheiro que se tenta obter é o instrumento da escravidão."
Jean-Jacques Rousseau, Confissões

Por liberdade, na frase de Rousseau, entenda-se cidadania, inclusão e libertação econômica. Por “dinheiro que se tem” entenda-se a renda básica, ou mínima: ideia debatida há décadas cujo momento parece finalmente ter chegado. Há muito o que se dizer sobre a epidemia e sobre a crise econômica. Grande parte do que se diz é trágico, amedrontador e profundamente triste. A renda básica se descola desse rol de sentimentos negativos. A renda básica é a luz que pode nos guiar.

O que é a renda básica? Trata-se de uma transferência incondicional de renda do governo para a população ou para uma parcela da população. Transferências incondicionais são aquelas que não estão atreladas a nenhum requisito, ao contrário do programa Bolsa Família. Quando a renda básica é oferecida a uma parcela da população, em vez de para todas as pessoas, são estabelecidos critérios para delimitar a elegibilidade.

A ideia da renda básica existe desde o fim século 18. Ela ganhou proeminência em épocas distintas, notavelmente no fim dos anos 60, quando o ex-professor do ministro Paulo Guedes e vencedor do Prêmio Nobel em Economia, Milton Friedman, escreveu sobre a criação de um imposto de renda negativo. O imposto de renda negativo levaria governos a pagarem, na forma de transferências de renda, um fluxo mensal mínimo de recursos para os mais pobres. Embora o conceito não seja exatamente o da renda básica para todos, ele tem íntima relação com a noção de uma renda básica para a parcela mais vulnerável da população.

Vinicius Torres Freire – Economia depende de testes de coronavírus

- Folha de S. Paulo

Ainda não há esforço nacional coordenado para fazer caçada ao vírus e, assim, reabrir negócios

O número de testes de Covid-19 é uma das estatísticas econômicas mais importantes da epidemia. Econômicas? Sim, também. Mas não temos esses dados e não sabemos bem o que está sendo feito para produzir testes e resultados.

Como todo leitor de jornal já deve saber, sem testes em massa não haverá dados precisos para planejar o combate ao espalhamento da doença e não saberemos como, quando, em que ritmo e onde reabrir a economia com segurança.

A fim de repetir a experiência bem-sucedida da Coreia do Sul, por exemplo, precisaríamos fazer pelo menos 1,6 milhões de testes. Do governo federal, saiu mais ou menos um terço disso, mas não se sabe o que foi feito com eles. Nos estados, laboratórios e hospitais particulares fazem os seus, a rede pública também. Quantos?

O caso da Coreia do Sul é mesmo apenas um meio de dar a ordem de grandeza do problema. Não sabemos se precisaremos de ainda mais testes, pois a epidemia parece se espalhar com mais rapidez no Brasil.

Cristiano Romero - Onde estão 20 milhões de brasileiros?

- Valor Econômico

O problema da pobreza não atendida por programas sociais está nos grandes centros e capitais

O governo federal demorou a reconhecer que, diante de uma crise sem precedentes como a provocada pela pandemia do novo coronavírus, é preciso deixar de lado a austeridade fiscal e agir rapidamente para evitar uma tragédia econômica maior e mais longa. O isolamento social, adotado pelo Brasil e a maioria dos países como estratégia para conter a velocidade de contágio do coronavírus, está fazendo estragos no setor de serviços, afinal, há quase um mês, praticamente todo o comércio está de portas fechadas.

Se a situação já é difícil para lojas comerciais e de serviços médias e grandes, estabelecidas, formais, imaginemos como deva estar o pequeno negócio. Deduzimos, portanto, que a vida de uma pequena empresa formal não esteja nada bem, afinal, um dia sem faturar já impacta fortemente sua atividade. As empresas precisam vender para continuar operando. Só assim vão honrar o salário dos funcionários.

Imaginemos o quadro de milhares de firmas que funcionam na informalidade - mesmo sem saber, lidamos com muitas delas no nosso cotidiano, inclusive, algumas farmácias, algo inesperado da maioria. Nesse grupo, há o trabalhador autônomo, um contingente enorme de brasileiros, os equilibristas, cidadãos que vivem à margem do Estado e que, neste momento, já podem estar passando fome porque a possibilidade de trabalhar está suspensa. Estima-se que 40% da força de trabalho do país esteja nessa categoria.

Martin Wolf* - Atenção para os próximos passos

- Valor Econômico

Quarentenas são necessárias para controlar o contágio, mas têm de ser breves

Uma jornada de milhares de quilômetros começa com um único passo. A jornada por esta pandemia será longa e difícil. Não temos como saber onde ela vai terminar, embora seja difícil não especular. Em vez disso, o que precisamos fazer é nos concentrar nos passos que temos logo à frente se quisermos evitar cair de nosso caminho estreito, num morticínio de um lado ou numa devastação econômica do outro.

Se não evitarmos essas calamidades num futuro próximo, corremos o risco de mergulhar no caos mais à frente. E mesmo que conseguirmos fazer isso, não retornaremos à normalidade que até recentemente tínhamos como certa. Para isso, precisamos pelo menos esperar por uma cura ou uma vacina. Os danos econômicos e sociais durarão ainda mais.

Análise da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) esclarece a ruptura econômica que vem por aí. Esta não é uma recessão comum ou mesmo uma depressão causada por um colapso na demanda. A atividade econômica está sendo desligada, em parte porque as pessoas temem entrar em contato umas com as outras e em parte porque os governos disseram que elas precisam ficar em casa. O impacto imediato dessas ações poderá ser uma redução no PIB do G-7, o grupo das sete nações mais industrializadas, em algo entre 20% e 30%. A cada mês que grandes partes de nossas economias permanecerem fechadas, o crescimento anual poderá cair 2 pontos porcentuais.

Além disso, os custos são repartidos de forma desigual. Os trabalhadores não capacitados sofrem mais com a perda de empregos. Pessoas e empresas capazes de trabalhar online continuam trabalhando. Aqueles que não conseguem fazer isso, não.

Thiago de Moraes Moreira* - A magnitude da recessão

- Valor Econômico

Se atuação anticíclica do governo fosse similar à da crise de 2009, queda no PIB ainda seria muito forte, de 4,6%

Além de umas piores tragédias humanitárias após a Segunda Guerra Mundial, a crise do coronavírus está produzindo impactos devastadores nas economias ao redor do mundo. No caso brasileiro, ainda há muita nebulosidade, com elevado grau de incerteza quanto à magnitude dos efeitos.

Um dos indicativos da atual dificuldade de mensuração dos impactos da pandemia está na dispersão das projeções de crescimento do PIB coletadas pela pesquisa Focus do Banco Central. Até o fim de fevereiro, a menor estimativa de crescimento para 2020 era de 0,5%, enquanto a maior era de 3,2%. A amplitude entre estes extremos aumentou de forma significativa no último mês. No início de abril, a máxima passou a ser de 2,45%, enquanto a mínima atingiu -5,07%.

Restam poucas dúvidas de que uma nova recessão está contratada. Entretanto, neste contexto de perplexidade e muitas dúvidas diante de algo inédito para a grande maioria da população, qualquer projeção se torna bastante perecível. De todo modo, é importante definirmos alguns balizadores ancorados em crises recentes (e vivas na memória de todos), os quais servem de guia para projetarmos o que pode estar por vir. A partir de um balizador externo e interno, a FGV divulgou um interessante trabalho no qual apresenta distintos cenários para a economia brasileira nos próximos anos1. Inspirei-me nas mesmas referências para simular novos impactos sobre o PIB brasileiro.

Diferentemente da FGV, apresento os efeitos estimados para cada um dos componentes do PIB, destacando em que medida a atuação do governo poderia amenizar os efeitos da crise em 2020.
No front externo, cujo efeitos recaem diretamente sobre os fluxos de comércio (exportações e importações), a referência está associada à última grande crise financeira internacional. Em 2009, o comércio internacional sofreu uma queda de 13,1%. Para termos uma ideia da magnitude desta contração, em 2019, ano em que houve um acirramento da guerra comercial entre China e EUA, a retração do comércio global foi de 0,4%.

Entrevista | Alain Touraine: “Choque econômico do coronavírus pode produzir reações fascistas”

O sociólogo francês é um dos últimos sobreviventes de uma geração que marcou o pensamento ocidental. Ele diz que agora sente um grande vazio

Marc Bassets | El País

Alain Touraine (Hermanville-sur-Mer, 1925) é um dos últimos sobreviventes de uma geração brilhante que marcou as ciências sociais e o pensamento ocidental desde meados do século XX até o início do XXI. Como sociólogo, seu campo de estudos abrangeu desde as fábricas que no pós-guerra elevaram o país à sociedade pós-industrial até os movimentos sociais e a crise da modernidade. Com suas intervenções no debate público —na França, mas também em outros países europeus, como a Espanha, e na América Latina—, Touraine se tornou uma referência do que em seu país chamam de segunda esquerda —de caráter social-democrata e claramente antitotalitária. O sociólogo conversou com o Ideias por telefone de sua quarentena em Paris.

PERGUNTA. Estamos em guerra, dizem Donald Trump, Emmanuel Macron e Pedro Sánchez. É correto?

RESPOSTA. Tecnicamente, quem enfrenta a guerra é um exército. Que invade o território do país B. São necessários pelo menos dois agentes e ocorre entre humanos. Aqui, em vez disso, o que vemos é o humano contra o não humano. Não critico o uso da palavra guerra, mas seria uma guerra sem combatentes. Não há estrategista: o vírus não é um chefe de Governo. E, do lado humano, acho que vivemos em um mundo sem atores.

P. Sem atores?

R. Nunca tinha visto um presidente dos Estados Unidos tão estranho como Donald Trump, tão pouco presidencial, um personagem tão fora das normas e fora de seu papel. E não é por acaso: os Estados Unidos abandonaram o papel de líder mundial. Hoje não já há nada. E na Europa, se você olhar para os países mais poderosos, ninguém responde. Não há ninguém no topo.

P. E abaixo?

R. Não existe um movimento populista, o que há é um colapso do que, na sociedade industrial, criava um sentido: o movimento operário. Em outras palavras, hoje não há atores sociais nem políticos, nem mundiais nem nacionais nem de classe. Então o que acontece é o oposto de uma guerra, com uma máquina biológica de um lado e, do outro, pessoas e grupos sem ideias, sem direção, sem programa, sem estratégia, sem linguagem. É o silêncio.

Entrevista | “Os profetas do neoliberalismo viraram promotores da economia social. É preciso voltar aos imperativos sociais”

Um dos maiores especialistas em relações internacionais, Bertrand Badie afirma que a crise desatada pela Covid-19 está evidenciando de forma dolorosa a verdadeira face da globalização

Carla Mascia | El País

Que um vírus originado em um mercado de Wuhan tenha se espalhado pelos cinco continentes em apenas algumas semanas, causando uma das crises sanitárias mais graves da história da humanidade não surpreende Bertrand Badie, um dos maiores especialistas franceses da globalização. O cientista político de 69 anos, professor emérito no Science Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris) e pesquisador associado ao Centro de Estudos e Pesquisas Internacionais (CERI), há décadas defende que a ação individual de um dos 6 bilhões de habitantes do planeta pode ser mais importante do que a decisão de qualquer Governo. Em um “mundo único” em que as fronteiras já não impedem que o que acontece em um país tenha efeitos imediatos nos outros, onde a interdependência entre os diferentes setores de atividade humana jamais havia sido tão importante e a mobilidade, tanto humana como de mercadorias, tão veloz, “um aperto de mãos em Wuhan” pode colocar em xeque toda a humanidade, afirma. Por isso, o autor do recente ensaio L’Hégémonie Contestée acha que a crise atual precisa abrir nossos olhos para a importância da dimensão social da mundialização, abandonando o dogma neoliberal que se limita a conceber o ser humano como um simples ator econômico para abraçar um multilateralismo inclusivo.

Pergunta. Acha que a pandemia do coronavírus revelou o verdadeiro rosto da globalização?

Resposta. Penso que, até essa crise, a opinião pública e, o que é ainda mais surpreendente, os dirigentes dos diferentes países do mundo ignoravam e pretendiam ignorar o que esse fenômeno realmente significa. A mundialização muda profundamente o próprio significado da alteridade. O outro, em nosso antigo sistema westfaliano, era o inimigo potencial; depois, com o livre comércio e a aceleração das trocas comerciais, o outro se transformou em um competidor, um rival, e não vimos que, no plano social, estava sendo criada outra definição de alteridade, em que o outro era um parceiro cujo destino está profundamente ligado ao nosso. Isso significa que entramos em mundo que já não é o da hostilidade e da competição, e sim necessariamente o da solidariedade, porque agora se quero sobreviver e, ainda mais, ganhar, preciso me assegurar de que o outro sobreviva e que o outro ganhe, e temos muita dificuldade em admitir isso. Essa dificuldade nos levou nesse contexto de crise a escutar idiotices como “é um vírus chinês” e “o vírus é um inimigo do povo americano”, como afirmou o presidente dos Estados Unidos. Donald Trump não entendeu que o verdadeiro significado da mundialização está na criação de necessidades de integração social que devemos satisfazer urgentemente, do contrário nos encaminharemos ao desastre.

P. O senhor defende que é a fraqueza, e não a força, que rege o mundo globalizado em que vivemos. A que se refere?

R. Em um mundo inclusivo, interdependente e móvel, é o fraco que decide enquanto o poderoso está perpetuamente em uma posição reativa e defensiva. Devemos levar muito a sério as novas necessidades de segurança humana já que dos segmentos de população mais inseguros, frágeis em termos de saúde, economia, alimentação e condições climáticas, vem necessariamente o risco mais agudo da crise. Não devemos nos esquecer que esse vírus nasceu em um mercado de Wuhan caracterizado por uma grande precariedade sanitária. A vulnerabilidade de nossas sociedades extraordinariamente sofisticadas é, em última instância, bem alta. Entramos em um mundo invertido em que a lógica da fraqueza é a lei. Isso se observa em outros conflitos que ameaçam o planeta como o Sahel, Oriente Médio, a bacia do Congo e o Chifre da África, que continuam sendo áreas de grande fraqueza e que, de certo modo, conformam a agenda internacional.

Dani Rodrik* - A covid-19 vai recriar o mundo?

- Valor Econômico (7/4/2020)

Em vez de colocar o mundo numa trajetória significativamente diferente, crise deverá intensificar e reforçar tendências já existentes

As crises acontecem em duas variações: aquelas para as quais não tínhamos como nos preparar e aquelas para as quais deveríamos estar preparados, porque na verdade já eram esperadas. A covid-19 se enquadra na segunda categoria, não importa o que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diga para fugir da responsabilidade pela catástrofe que se desenrola.

Embora o coronavírus por si seja novo e o momento da atual pandemia não pudesse ser previsto, especialistas já reconheciam que uma pandemia desse tipo era possível.

Sars, mers, H1N1, ebola e outras epidemias forneceram um alerta amplo. Quinze anos atrás, a Organização Mundial da Saúde revisou e aprimorou o modelo global de resposta a epidemias, tentando estabelecer falhas percebidas na epidemia de Sars em 2003.

Em 2016, o Banco Mundial lançou uma linha de financiamento emergencial para pandemias para ajudar países de baixa renda em situações de crises sanitárias. Poucos meses antes da covid-19 surgir em Wuhan, na China, um relatório do governo americano alertou Trump sobre a possibilidade de uma pandemia na escala da gripe espanhola, que matou estimados 50 milhões de pessoas no mundo.

Assim como a mudança climática, a covid-19 era uma crise anunciada. A resposta nos Estados Unidos foi particularmente desastrosa. Trump amenizou a gravidade da crise durante semanas. Quando os contágios e as hospitalizações começaram a disparar, o país se viu seriamente carente de kits de testes, máscaras, ventiladores e outros suprimentos médicos.

O que a mídia pensa - Editoriais

• É preciso criar as condições para o retorno ao trabalho – Editorial | Valor Econômico

Presidente nada sabe sobre o assunto e perdeu a noção da realidade

As respostas econômicas aos efeitos da pandemia do coronavírus foram rápidas e radicais, assim como o recurso às quarentenas, que quase paralisam nações que produzem mais de metade da riqueza mundial. Os desdobramentos das políticas fiscais e monetárias em curso são, em geral, previsíveis. Os do enfrentamento sanitário, não.

Há dificuldade em avaliar a extensão do contágio e capacidade de destruição do vírus, que são diferentes nos países. Diante do desconhecido, os governos buscaram a máxima proteção possível - os severos prejuízos na economia foram considerados colaterais na primeira fase. Se bem-sucedida, haverá a fase seguinte: a volta a alguma normalidade, com isolamento dos grupos de risco. Não se sabe ainda como isso ocorrerá, nem a ciência tem respostas claras sobre isso.

No tratamento de choque, há ao mesmo tempo aumento rápido do número de infectados e de mortes e um mergulho rápido e intenso das atividades econômicas. Sua magnitude pode ser aferida pelo exemplo da maior economia do mundo, os EUA. Há 386 mil infectados, mais de 11,9 mil mortos. Medidas de isolamento, tardiamente adotadas, produziram em duas semanas pedidos de auxílio-desemprego de 10 milhões de pessoas e previsões de queda anualizada de 20% no PIB no segundo trimestre, uma depressão.

Música | Chico Buarque - Vai Passar

Poesia | Murilo Mendes - O Filho do Século

Nunca mais andarei de bicicleta
Nem conversarei no portão
Com meninas de cabelos cacheados
Adeus valsa "Danúbio Azul"
Adeus tardes preguiçosas
Adeus cheiros do mundo sambas
Adeus puro amor
Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem
Não tenho forças para gritar um grande grito
Cairei no chão do século vinte
Aguardem-me lá fora
As multidões famintas justiceiras
Sujeitos com gases venenosos
É a hora das barricadas
É a hora da fuzilamento, da raiva maior
Os vivos pedem vingança
Os mortos minerais vegetais pedem vingança
É a hora do protesto geral
É a hora dos vôos destruidores
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,
Misérias de todos os países uni-vos
Fogem a galope os anjos-aviões
Carregando o cálice da esperança
Tempo espaço firmes porque me abandonastes.