domingo, 31 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

60 anos do golpe; 39 anos de democracia

Folha de S. Paulo                             

Conquistas atestam o compromisso da sociedade com o regime democrático, o melhor para 71%, segundo o Datafolha

Há 60 anos, os militares fulminaram pelo golpe o regime constitucional iniciado em 1946. Há 39 anos, o país enterrou a ditadura e instalou o seu mais longevo período democrático. É preciso relembrar, por motivos distintos e complementares, esses dois marcos.

A ruptura de 1964 ilumina alguns aspectos da atualidade, em meio às investigações da Polícia Federal sobre movimentações golpistas para impedir a sucessão presidencial decretada nas urnas em 2022.

O Exército de Humberto Castello Branco não é o mesmo Exército de Marco Antônio Freire Gomes. O primeiro aderiu em bloco e sem hesitar ao intervencionismo em voga na Força desde 1889. O segundo repeliu o assédio de um presidente da República autoritário.

O organismo político desenvolveu imunidade ao vírus do retrocesso. Segundo o Datafolha, 71% da população entende que a democracia é sempre melhor que qualquer outra forma de governo.

Míriam Leitão - O país que não sabe lembrar

O Globo

Dois golpes rondam o Brasil. Um precisa ser esclarecido, o outro tem que ser lembrado. E há um fio que liga os dois eventos

No dia 24 de maio de 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos se reuniu em San José, na Costa Rica, para ouvir as partes no caso Vladimir Herzog. De um lado estava Clarice, uma mulher que insistia em lembrar. Do outro, o Estado brasileiro representado por servidores da Advocacia Geral da União (AGU) e um criminalista contratado, Alberto Toron, para defender a tese de que era preciso esquecer. Clarice estava ali para pedir punição ao Estado brasileiro pelo assassinato do seu marido, Vladimir Herzog, no II Exército. Advogadas da AGU interrogaram Clarice tentando fazê-la cair em contradição. Um pouco antes, Toron havia sustentado que “a coisa julgada não pode ser ofendida”, como se fosse caso encerrado. Clarice do plenário gritou: “não é nada disso, está tudo errado”.

O Brasil jamais condenou alguém pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nem qualquer responsável pelos outros mortos sob tortura, executados ou desaparecidos, portanto, nunca houve um caso encerrado.

Bernardo Mello Franco - Jango e Brizola

O Globo

Dois documentários jogam luz sobre cunhados que disputaram herança política de Getúlio

Nos 60 anos do golpe de 1964, novos documentários jogam luz sobre os principais alvos dos militares: João Goulart e Leonel Brizola.

Herdeiros políticos de Getúlio Vargas, os dois gaúchos derrotaram o golpismo em 1961, quando Jânio Quadros renunciou e os generais tentaram impedir a posse do vice-presidente. Brizola peitou os conspiradores, montou a Cadeia da Legalidade e conclamou o povo a resistir. A mobilização dividiu o Exército e garantiu a volta de Jango, seu cunhado.

Três anos depois, os generais foram à forra. Arrancaram Jango da Presidência e cassaram o mandato de Brizola, deputado mais votado do país e virtual candidato ao Planalto em 1965.

Além de interromper o projeto trabalhista, o golpe separou os dois aliados. Brizola quis resistir, e Jango preferiu partir direto para o exílio. Vencidos, ambos escolheram se refugiar no Uruguai. Apesar da proximidade física, passariam mais de uma década sem se falar.

Elio Gaspari - Walters, o americano esteve em todas

O Globo

Na manhã de hoje, há 60 anos, o embaixador americano Lincoln Gordon chegou à sua sala por volta das 9h15m. Ele sabia que o golpe estava por dias, mas não sabia que o general Olímpio Mourão Filho, comandante da Região Militar com sede em Juiz de Fora (MG), havia resolvido se rebelar. Quem o avisou que a coisa havia começado foi seu adido militar, o coronel Vernon Walters, um homem corpulento, amigo de militares brasileiros desde a Segunda Guerra Mundial.

Walters ralou durante esse dia. No fim da tarde achava-se que o general Castello Branco, seu colega de barraca na Itália e chefe do Estado-Maior do Exército, estava encurralado no Ministério da Guerra. (Falso, ele estava num aparelho na Zona Sul.) Um marechal avisou-o de que uma tropa legalista da Vila Militar marchava para Minas Gerais. Às 19h05m seu prognóstico era sombrio: “A rebelião parece estar perdendo ímpeto.”

Naqueles dias o Rio de Janeiro penava um racionamento de energia e bairros inteiros ficavam sem luz à noite. Perto das 23h, o marechal Lima Brayner, chefe do Estado-Maior da Força Expedicionária Brasileira durante a guerra, ouviu pancadas na entrada de serviço do seu apartamento de Copacabana, abriu a portinhola e viu, iluminado por uma vela, o coronel Walters. Brayner disse-lhe: “O Kruel acaba de lançar um manifesto.” “Graças a Deus”, respondeu Walters, um católico devoto.

Luiz Carlos Azedo - Por quem os sinos dobram neste 31 de março

Correio Braziliense

Há um pacto de silêncio entre Lula e os comandantes militares, que proibiram as comemorações nos quartéis do golpe de 1964, enquanto golpistas prestam contas à Justiça

É preciso fugir ao senso comum e ao passado imaginário para ter um novo olhar sobre o dia 31 de março de 1964. O regime militar que ali se instalou somente se encerrou com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, e a bem-sucedida transição à democracia presidida por José Sarney, cujo coroamento foi a promulgação da Constituição de 1988. Desde então, temos uma democracia representativa de massas, de caráter social-liberal. Não é pouca coisa a preservar.

Um velho amigo, o sociólogo Caetano Araújo, consultor do Senado, a propósito da polêmica sobre se o governo Lula deveria comemorar ou não o golpe de 1964, fez uma sensata separação entre a verdade e a Justiça, que não são mesma coisa, embora devam caminhar juntas. É verdade que os órgãos de segurança cometeram crimes hediondos, sobretudo no caso dos desaparecidos, mas a aprovacão da anistia em 1979, que não foi exatamente como os militares queriam, foi o grande pacto entre o governo e a oposição que deu início efetivo à ultrapassagem pacífica do regime autoritário.

Merval Pereira - Mudanças perigosas

O Globo

A revisão dos critérios para o foro privilegiado faz parte das contradições internas do Supremo

Mais cedo do que pensava, o Supremo Tribunal Federal (STF) se depara com sua própria contradição ao ter que julgar os acusados de mandantes do assassinato de Marielle Franco com base muito mais em uma delação premiada do que em provas que a confirmem.

Até hoje o ex-juiz Sérgio Moro é criticado por ter declarado que tinha “convicção” de que o então ex-presidente Lula era culpado, como se admitisse não ter provas contra ele. Esse parece ser o caso das acusações aos irmãos Brazão e ao delegado Rivaldo Barbosa, pois a investigação da Polícia Federal não traz provas que corroborem a delação do matador de aluguel Ronnie Lessa, embora quem leia o relatório tenha todas as informações para se convencer de que são mesmo os autores intelectuais do crime.

A questão é que as conclusões da investigação estão sendo contestadas, e a escolha da jurisdição do julgamento também, pela oposição e por advogados independentes. Pelas regras atuais, nenhum dos três acusados deveriam estar sendo julgados no STF. Já temos exemplos do que pode acontecer se e quando os ventos políticos mudarem.

Sergio Fausto* - A infame nota do PT sobre a reeleição de Putin

O Estado de S. Paulo

Fosse o partido irrelevante, a esquizofrenia entre o que prega e pratica no Brasil e as posições que defende no âmbito internacional seria assunto interno da sigla. Não sendo, o tema é de interesse nacional

A nota em que o PT felicita Vladimir Putin pela sua vitoriosa reeleição à presidência da Rússia é uma das mais infames da história do partido. O texto é efusivo. Mostra contentamento com o “feito histórico”, ressalta o “expressivo resultado” e termina com “calorosas saudações”. Desconheceriam os dirigentes do PT as condições de coerção em que se realizaram as eleições russas, a brutalidade repressiva sobre a oposição, os assassinatos e prisões de opositores e jornalistas independentes? Esqueceram-se de que o partido nasceu na luta contra a ditadura militar no Brasil, quando muitos dos que viriam a criá-lo sofreram arbitrariedades semelhantes?

Eliane Cantanhêde - Golpe no passado e no presente


O Estado de S. Paulo

Lula acertou ao vetar atos e manifestações oficiais, civis ou militares, neste 31/3

Num ambiente de grave polarização na sociedade e de divisão mais grave ainda nas Forças Armadas, o presidente Lula acertou ao vetar atos e notas oficiais a favor ou contra o golpe militar, deixando a dinâmica da democracia agir e, fora do governo, cada lado se manifestar como bem entender. Há, porém, uma providência inadiável a ser tomada, por mais que haja resistência entre oficiais: rever o ensino militar sobre 1964, desde os colégios militares até a Academia Militar de Agulhas Negras, por exemplo.

Tratada com superficialidade e como retaliação pelo PT, essa providência se tornou uma espécie de dogma nas Forças Armadas, mas, a esta altura, seis décadas depois, é fundamental atualizar o ensino e o debate sobre o golpe e romper uma bolha em que militares de várias gerações e patentes veem aquilo tudo como um passeio no paraíso. Não foi. Nada que abrigue tortura, mortes e desaparecimentos de presos sob a guarda do Estado, inclusive de estudantes muito jovens, pode ser considerado paraíso.

Celso Rocha de Barros - 60 anos do golpe militar

Folha de S. Paulo

Derrubaram um presidente legítimo e prometeram eleição, que só aconteceria em 1989

Neste domingo, 31 de março de 2024, faz 60 anos que a UDN aderiu à luta armada.

Derrubaram um presidente legítimo e prometeram eleições presidenciais em 1965. A eleição só aconteceu em 1989. Quem tinha 46 anos votou para presidente pela primeira vez junto comigo, que tinha 16.

O regime militar durou 20 anos, que corresponderam aos últimos 20 anos da "Era Vargas". Foi uma época de crescimento econômico rápido, como haviam sido os 20 anos de democracia entre 1945 e 1964. Muitos países têm alto crescimento em fases como essas, marcadas por êxodo rural e outras transformações sociais típicas do início do processo de desenvolvimento.

Vinicius Torres Freire - Brasil, ditadura, sociedade desastrosa

Folha de S. Paulo

Desigualdade, violência e ineficiência se entrincheiraram com o golpe de 1964

ditadura de 1964-1985 foi de mortos, desaparecidostorturaestupro, exílio, censura, propaganda parafascista, imposição militar de brucutus-presidentes, eleições fictícias, fraudadas ou muito limitadas. A grande massa de analfabetos não votava nem ao menos no elenco de candidatos autorizado pelos brucutus, a casta militar ignorante, bruta e ignara até hoje.

Menos se recorda que foi um período de repressão de sindicatos, de movimentos sociais, em particular os populares; de repressão salarial, de seguros sociais limitados e que excluíam os mais pobres.

Quase pouco se nota, na conversa mais comum, que a ditadura produziu uma sociedade desastrosa, mais do que um desastre social. Por um tempo disfarçada por taxas de crescimento econômico altíssimas, a ruína perdurou.

O que é uma sociedade desastrosa? Um exemplo muito claro são as grandes cidades, embora cidades médias mimetizem o arranjo perverso das metrópoles.

Muniz Sodré* - Algo de podre

Folha de S. Paulo

Esse olfato crítico ancora numa paisagem política que relega os mais pobres a guetos desemparados

"Há algo de podre no reino da Dinamarca". A célebre frase de Marcellus (em "Hamlet", de Shakespeare) não conota nenhuma sensação física, mas moral, relativa a um mal oculto e manifestado em homicídios e traições. É o tempo de incubação da violência, de cuja regra maléfica se alimentam feras à espreita de vítimas. Há algo de podre no Estado brasileiro, agora perceptível de forma aguda no Rio de Janeiro, no episódio do assassinato de Marielle, em que os fios da meada criminosa, separados na aparência, se entrelaçam.

Bruno Boghossian - A força da memória

Folha de S. Paulo

Receio de atrito com quartéis deveria ser justificativa para lembrar o passado e punir abusos

O processo de transição pós-ditadura foi um baita negócio para as Forças Armadas no longo prazo. Além de obter a proteção de líderes e agentes da repressão, os militares conseguiram erguer um escudo institucional que se conserva há décadas.

Sessenta anos após o golpe, a caserna reivindica influência sobre a maneira como a história da ditadura deve ser contada. Quando não há almoços festivos para celebrar o que se chama de revolução ou notas internas que omitem as atrocidades do regime, algumas vezes a memória oficial é deturpada pela imposição de um silêncio disfarçado de cautela.

Fábio Konder Comparato: Lula perde carisma, e a ditadura não pode ser esquecido

Referência em direitos humanos, advogado sugere Haddad como sucessor do presidente

Fabio Victor / Folha de S. Paulo

O advogado Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e um dos principais juristas do país, afirma que Luiz Inácio Lula da Silva já não tem o carisma de outrora e que o PT já deveria começar a preparar o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para sucedê-lo na Presidência.

Referência da esquerda sobretudo na área de direitos humanos, após um início de carreira voltado também ao direito comercial, Comparato atuou na defesa de presos políticos e por reparação aos perseguidos pela ditadura.

Esteve à frente de causas simbólicas dos familiares e mortos e desaparecidos, como as da família Almeida Teles e Luiz Eduardo Merlino contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e de Inês Etienne Romeu contra a União Federal. Assinou também a ação da OAB no Supremo Tribunal Federal sustentando que a Lei da Anistia não poderia impedir a punição de crimes contra a humanidade perpetrados na ditadura.

"Vivemos uma situação em que é importantíssimo que haja uma figura carismática no governo. E, infelizmente, o Lula está perdendo o seu carisma. E eu penso que talvez fosse o caso de se começar a atuar no sentido de fazer do Fernando Haddad uma espécie de bom sucessor do Lula", disse Comparato à Folha.

Antônio Nascimento* - 60 anos do golpe e ditadura militar

Presidente João Goulart (1961/1964), iniciou sua carreira política nacional, no segundo governo Vargas (1951/1954), como Ministro do Trabalho, afastado pelo Memorial dos Coronéis, em protesto pela correção do salário-mínimo, congelado durante todo o governo anterior. Eleito duas vezes, sucessivamente, Vice-presidente pelo voto direto da população, chegando à Presidência da República em virtude da renúncia do titular, ao desfecho de grave crise político-militar, que mobilizou a Nação em defesa da legalidade constitucional, pela posse do então substituto eleito

Poderes mitigados pela emenda parlamentarista, votada pelo Congresso Nacional, e restabelecidos pela vontade popular em plebiscito. Durante mandato presidencial, extensão dos direitos da CLT aos trabalhadores rurais, criação do décimo-terceiro salario e amplo programa de reformas estruturais, na dependência da maioria conservadora no Congresso. 

Memória | Os comunistas e o golpe de 1964*

A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura

O CC do Partido Comunista Brasileiro se reuniu no corrente mês de maio e, tomando por base o informe apresentado pela CE, fez uma análise da situação internacional, da situação nacional e da atividade do Partido, no período decorrido desde sua última reunião.

Assinala-se nesse período, com o acontecimento marcante, o golpe militar reacionário de 1 de abril do ano passado, com a consequente deposição do presidente João Goulart e a instauração, no País, de uma ditadura reacionária e entreguista.  Interrompeu-se assim, o processo democrático em desenvolvimento.  As forças patrióticas e democráticas e, em particular, o movimento operário e sua vanguarda – nosso Partido - sofreram sério revés.  Modificou-se profundamente a situação política nacional.

As conclusões a que chegou o CC, após os debates, estão contidas na seguinte resolução:

Poesia | Aos que vierem depois de nós, de Bertolt Brecht

 

Música | MPB4 - Pesadelo