quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Bolívar Lamounier


"Mais claro, infelizmente, foi o que a presidente indicou sobre seu modo de ver a corrupção. Tudo indica que ela vai se manter na linha lulista de firmar jurisprudência mediante afagos. Lula, como se recorda, chegou até a se declarar "traído" por certos companheiros, mas nunca os nominou, e tampouco declarou formalmente o que eles teriam feito. Longe de censurá-los ou encaminhá-los à justiça, optou sempre pela anistia simbólica, reintegrando-os a seu convívio. Manteve estrita fidelidade à jurisprudência pelo afago.

Dilma seguiu o mesmo ritual ao anistiar simbolicamente a companheira Erenice. Nada declarou formalmente, mas indicou, para bom entendedor, que foi só de mentirinha a raiva que sentiu durante a campanha.

Mal comparando, o método até lembrou o velho estilo soviético: não se pune nem absolve ninguém; quando têm as boas graças dos poderosos, as pessoas simplesmente reaparecem."

Bolívar Lamounier, 4 jan. 2011.

Politicagem :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Tanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quanto o líder do PMDB, Henrique Alves, estão certos quando afirmam, de maneira direta ou indireta, que é irresponsável querer dar um aumento maior para o salário mínimo, ou então vincular a discussão do aumento à distribuição dos cargos no governo.

Mas tanto um quanto o outro esbarram em atitudes políticas de seus respectivos partidos, o petista de quando ainda era oposição, longo tempo atrás, e o peemedebista no presente, embora seu partido esteja no governo.

O salário mínimo foi fixado em R$540 de acordo com uma política acertada com os sindicatos em 2007, com validade até 2023, baseada em critério que combina a reposição da inflação com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois anos anteriores.

Como o crescimento do PIB em 2009 foi negativo por causa da crise econômica mundial, o reajuste do mínimo será menor este ano. Mas com a economia tendo se recuperado em 2010, com crescimento próximo a 7%, em 2012 o mínimo terá um reajuste maior.

Não há, portanto, razão para mudanças de critérios, e o PMDB não deveria estar testando a capacidade do governo de aumentar sua proposta.

Esse papel deveria ser da oposição, que, aliás, tem uma bandeira para apresentar nesse sentido. Afinal, seu candidato à Presidência, José Serra, a certa altura da campanha, tentou sensibilizar o eleitorado lulista garantindo que levaria o salário mínimo para R$600 se fosse eleito.

Essa proposta, por sinal, fez com que Serra apresentasse um crescimento no Nordeste, por exemplo, onde o governo domina eleitoralmente.

Tanto o aumento do salário mínimo para R$600 quanto o 13º para a Bolsa Família foram promessas demagógicas buscando efeitos eleitorais nas camadas mais pobres da população.

Não foram suficientes, no entanto, para mudar a tendência do eleitorado, e nem mesmo para alterar o teor da oposição ao governo federal.

Uma famosa foto de maio de 2000 mostrando várias figuras importantes do PT rindo debochadamente, fazendo gestos com os dedos mostrando que o aumento do salário mínimo dado naquele ano pelo governo Fernando Henrique fora pequenino, é emblemática.

Estão nela três futuros ministros de Estado, então deputados federais: José Dirceu, Antonio Palocci, e Ricardo Berzoini.

Era o PT oposicionista, que não dava bola para o bom senso e pressionava o governo tucano para dar um aumento maior ao salário mínimo.

Já no governo Lula, os que queriam ampliar a generosidade do aumento do salário mínimo foram chamados por Lula de "irresponsáveis".

Da mesma maneira, hoje, o PMDB, que quer um salário mínimo maior que R$540 não por defesa do trabalhador, mas por interesses próprios, vai sendo apontado à execração pública quando ameaça misturar a distribuição de cargos com a votação no Congresso.

A ponto de ser obrigado a dar uma nota oficial dizendo que seria uma atitude irresponsável misturar os assuntos.

De certo é, mas o interessante dessa disputa é que o PT sempre fez isso enquanto era oposição, e agora o PSDB não consegue fazer o mesmo com o governo do PT, e o PMDB tentava pegar essa brecha para pressionar o governo.

Culpado, no entanto, com sua fama de fisiológico, o PMDB não consegue manter uma posição de consenso para pressionar o governo, ao mesmo tempo em que o PSDB não consegue se unir em torno de uma proposta mais ousada com relação ao mínimo, sabendo que um aumento maior seria realmente irresponsável.

O candidato tucano Serra, que tem fama de fiscalista e rigoroso nas contas públicas, tinha argumentos técnicos para justificar o aumento proposto, e acusava o governo de desperdiçar dinheiro público.

Mas essa não é uma bandeira que agrade ao PSDB de maneira geral, assim como foi difícil para os tucanos serem a favor do fim da CPMF, batalha ganha, sobretudo, pelo DEM no Congresso.

O novo governo petista, aliás, viu-se tentado a ir além logo depois da vitória, aceitando dar uma espécie de antecipação do aumento do mínimo de 2012, mas teve que recuar diante da precariedade das contas públicas.

Como alguns países, o Brasil repassa para os aposentados o chamado "ganho de produtividade" para o salário mínimo, mas antecipar esse ganho seria uma exceção que acabaria virando a regra, numa distorção do espírito da legislação em vigor.

Num sinal de que será mesmo preciso mexer na legislação previdenciária para conter o déficit crescente, o governo vem adotando a prática de aumentar a remuneração de dois de cada três aposentados (os que ganham o salário mínimo) em algo em torno de 5% ao ano todos os anos, o que aumenta o tamanho do débito.

Ao mesmo tempo, essa prática, iniciada no governo de Fernando Henrique, mas em ritmo menos intenso, é um dos pilares da melhoria do poder de compra da nova classe média brasileira, o que dificulta uma mudança de política isoladamente.

A desvinculação da Previdência do salário mínimo poderia permitir que a política de aumentos reais não colaborasse com o aumento do déficit, mas o governo petista nunca teve coragem de assumir essa tese, que é aceita internamente, mas não se transforma em proposta de governo por questões políticas.

Todas essas distorções e incongruências, fruto da baixa politicagem, têm que ser superadas se a presidente Dilma Rousseff quiser mesmo retomar a discussão das reformas estruturantes, entre as quais a da Previdência é das mais urgentes e precisa ser feita com objetivo de longo prazo.

Aliança contra o crime:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na semana que vem o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, começa a percorrer o País em busca do apoio de todos os governadores para a construção de uma política conjunta de segurança pública.

O ministro inicia o périplo com um gesto simbólico, procurando primeiro os governadores de São Paulo e de Minas Gerais, não apenas porque governam os maiores Estados do Brasil, mas principalmente porque Geraldo Alckmin e Antonio Anastasia são filiados ao PSDB, principal partido de oposição ao governo federal.

Convencido de que as divergências político-eleitorais têm sido o principal obstáculo ao entendimento e que sem ele o Estado não tem chance de vencer a luta contra o crime organizado, José Eduardo Cardozo irá desarmado aos governadores: sem planos prontos, disposto a ouvir, a construir projetos integrados e a compartilhar dividendos políticos.

"Não haverá heróis nem autores privilegiados porque a crise é séria, requer união de todos e a compreensão de que quando o crime entra no Estado é o Estado de Direito que fica comprometido", diz ele, anunciando que o pressuposto dessa aliança não é a adesão política.

"Se houver esse tipo de exigência ou qualquer forma de imposição, será uma tentativa fracassada." Como tantas outras. A despeito de reivindicar para o governo Luiz Inácio da Silva algumas realizações no setor, como a instituição do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) concentrado na área da prevenção, Cardozo reconhece que o Estado fez pouco ou quase nada nos últimos anos.

Tende a concordar com a tese de que presidentes oriundos da esquerda, Fernando Henrique Cardoso e Lula, de alguma maneira têm constrangimento em tratar de políticas de repressão por receio de se identificar com políticos ditos conservadores. "É uma hipótese real, mas chegamos a um ponto em que não temos saída: ou enfrentamos o problema ou somos derrotados por ele."

O ministro não vê chance de êxito fora da unidade de ação. E, para isso, acha essencial que a iniciativa de despolitizar a questão seja federal.

Não obstante a evidência de que a recente ação das Forças Armadas no Complexo do Alemão, no Rio, tenha sido possível por causa da aliança política entre Lula e o governador Sérgio Cabral, Cardozo considera que o pressuposto não pode ser esse.

Daí a ideia de iniciar essas conversas agora, bem longe na próxima eleição, em 2012. "Quando a eleição municipal se aproximar já deveremos ter avançado tanto nas ações e estabelecido uma integração administrativa tal que a disputa partidária ficará em segundo plano. Pelo menos é o que eu espero que aconteça."

As visitas aos governadores serão individuais, seguidas de encontros com os respectivos secretários de segurança.

Al mare. O ministro da Justiça pretende manter a estrutura do Arquivo Nacional no Rio. E despachar algumas vezes por mês na cidade.

Arrumação. A presidente Dilma Rousseff vai retomar com a imprensa um hábito comum no governo Fernando Henrique e que foi abandonado na gestão Lula: os contatos periódicos com jornalistas para conversas informais e encontros com diretores de veículos de comunicação.

Dilma começa na semana que vem com um café da manhã cuja lista de convidados está sendo elaborada.

Querubins. PT e PMDB não têm razão para reclamações recíprocas. Nessa aliança ninguém pode dizer que a cigana enganou alguém.
Vão ser quatro anos de embate entre dois partidos que sabem o que é poder e não têm constrangimento na luta.

Diferente do pensionato para moças de fino trato e nenhum tato chamado PSDB, onde tampouco há serafins. A diferença essencial é que, enquanto defendem suas respectivas fileiras, os tucanos concentram energias no exercício da autofagia.

No momento, com especial destaque ao governador Geraldo Alckmin.

Vergonha é não ter vergonha:: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Começa muito mal a gestão Dilma Rousseff: deveria ter demitido no ato o general José Elito Carvalho, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, para quem não há motivo para vergonha no fato de o país ter desaparecidos políticos.

No mínimo, no mínimo, a presidente deveria ter exigido de seu subordinado que emitisse nota oficial explicando as declarações que deu e que, segundo ele, foram mal interpretadas. Não cabia interpretação nenhuma. O general produziu a mais indecente declaração que ouvi até hoje em 40 anos de acompanhamento de questões vinculadas aos direitos humanos nas muitas ditaduras sul-americanas.

Achar que se trata de "fato histórico" é zombar do público. Quer dizer então que os desaparecidos foram tragados por um tsunami, por um terremoto, um vendaval, "fatos" naturais contra os quais não há mesmo remédios nem culpados?

Não, meu Deus do céu, não. Foram produzidos por mãos humanas, se é que são de fato humanas pessoas capazes de tal barbaridade. Mãos que, até agora, não tiveram as digitais colhidas nem as responsabilidades devidamente apuradas, é bom lembrar.

Por extensão, há, sim, todas as razões do mundo para ter vergonha do que aconteceu. Como é possível a um ser humano não sentir vergonha de o Estado brasileiro, em uma determinada etapa, ter feito desaparecer adversários políticos?

É indecente, é obsceno.

Um funcionário público, graduado ou não, fardado ou não, que não sinta vergonha não é digno de continuar a serviço da sociedade, muito menos ainda na posição de responsável pela segurança institucional da República. É, visivelmente, um promotor da insegurança, jurídica e pessoal, ao tomar como "fato histórico" o que é crime.

Ou o general explica, limpidamente, o que pensa sobre o assunto ou se demite.

O jogo conhecido do partido de Michel Temer:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Em abril de 1995, no começo do segundo mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, o PMDB na Câmara, que era da base governista, impôs uma derrota ao governo na votação do projeto de reajuste do salário mínimo. O então líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), esclareceu as razões do mau humor: "A bancada está nervosa por causa do imobilismo e da inoperância do governo e os cargos [nomeação de pemedebistas para o governo] entram nisso. O governo só responde "não" a qualquer pleito".

Em 2007, já aliado a Lula, o PMDB, desta vez no Senado, encenou uma nova "rebelião": 12 senadores do PMDB, que Wellington Salgado (MG) designou de "franciscanos", votaram contra a MP que criava a Secretaria Especial de Projetos de Longo Prazo, cujo ministro seria Mangabeira Unger. "Os franciscanos não querem um sapato de couro alemão, querem só um chinelinho novo", disse Salgado, ao reclamar que o governo só dava atenção aos "cardeais" do partido. O baixo clero do Senado ganhou a atenção pedida. Mais tarde, ajudou a derrubar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), contra os interesses do governo.

Ter o PMDB na base de apoio não é garantia de nada para nenhum governo, desde José Sarney (1985-1989). Mas a estratégia do partido para ganhar espaço de poder é tão previsível que mesmo os menos atentos à política conhecem os sinais. O uso do aumento do salário mínimo como chantagem é da tradição pemedebista. A vinculação dos benefícios de aposentadoria e pensões ao salário mínimo torna qualquer aumento não previsto no Orçamento uma bomba de efeito retardado para a política fiscal de qualquer governo. Mas, da mesma forma, um partido como o PMDB, que tem 1.175 prefeitos em todo o Brasil, também coloca em risco seu patrimônio político, já que as prefeituras sofrem um forte impacto nas suas folhas de pagamento com o aumento do piso salarial. A outra ação previsível é a de retaliar os governos dos quais faz parte com o apoio a candidatos não oficiais à mesa da Câmara.

Se o PMDB é altamente previsível em suas ações de chantagem, existe também uma dose de imprevisibilidade no futuro do partido, que parece não fazer parte dos cálculos de seus líderes. Nem o PMDB é imutável. Alguns dados novos tendem a relativizar as manobras tradicionais de chantagem pemedebista sobre o governo Dilma Rousseff.

Oferta de apoio pode ser maior do que a demanda do governo

O primeiro dado, visível, é que, embora o grande líder da bancada de deputados, Michel Temer, tenha se tornado o vice, o novo governo claramente preferiu privilegiar o grupo de José Sarney, o maior líder no Senado. Sarney é tido como um aliado mais fácil. E na Câmara, o grupo que dominou o partido desde os governos de FHC sofreu baixas importantes nessa legislatura.

A mais importante delas é a do próprio Michel Temer, que nos últimos quatro governos foi parte da estrutura de poder da Câmara e do partido. Foi na posição de presidente da Câmara e de presidente do PMDB que conseguiu manter o grupo de deputados a ele ligados como os principais beneficiários das alianças pemedebistas com os governos do momento. Michel Temer (SP), Wellington Moreira Franco (RJ), Carlos Eduardo Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Eliseu Padilha (RS) dominaram a bancada na Câmara nos governos de FHC. Também teve grande poder o deputado Eduardo Cunha (RJ), embora atue em faixa própria. No último governo Lula, a aliança com o PMDB na Câmara para compor a base governista levou Wellington Moreira Franco, então sem mandato parlamentar, a uma das diretorias da Caixa Econômica Federal. Geddel tornou-se o ministro da Integração Regional. Eliseu Padilha manteve uma postura quase que dissidente em relação ao governo, embora isso não tenha abalado a lealdade interna do grupo.

Internamente, a coesão do grupo se dava pela oposição ao grupo de Orestes Quércia, oposicionista nos governos de FHC, governista no primeiro mandato de Lula e oposicionista novamente no segundo mandato do presidente petista. No jogo de poder partidário, o grupo de Temer, estrategicamente colocado na Câmara, polarizava com o seu rival regional. Na disputa local, o PMDB paulista perdeu substância. Hoje, não é quase nada e as negociações para a adesão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) já são feitas sobre o reduzido espólio político deixado por Quércia, morto no fim do ano passado.

Na disputa nacional, a arte de lidar com o baixo clero deu ao grupo de Temer a hegemonia na Câmara, que acabou se estendendo à máquina partidária. Temer é considerado, hoje, como o dirigente pemedebista que mais obteve coesão partidária depois de Ulysses Guimarães, que dirigiu o partido durante a ditadura e no governo Sarney. Não foi à toa que se fez o vice.

Embora o grupo de Temer continue jogando em conjunto o jogo "um apoia, outro ameaça" e mantenha a capacidade de cooptar o baixo clero do partido, está desfalcado na Câmara - Temer é o vice, Geddel disputou o governo da Bahia e ficou sem mandato, Moreira Franco foi para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, que não mobiliza grandes verbas e Cunha continua atuando em faixa própria. Outro inconveniente para o grupo hegemônico na Câmara é que o partido perdeu deputados, enquanto pequenos partidos de esquerda reforçaram suas bancadas. A lógica da traição tende a contar contra o PMDB, ao contrário do que acontecia no passado. Em assuntos corriqueiros, o governo Dilma pode prescindir da unidade pemedebista e das chantagens públicas e privadas do grupo. No Senado, a redução da oposição também confere menos poder de chantagem à bancada.

Não é o fim do PMDB. O partido prospera quando é governo, da mesma forma que o ex-PFL definhou na ausência dele. Mas a conjuntura tende a exigir nova visão do que é lealdade. Até porque a derrota, por três eleições presidenciais seguidas, torna políticos dos partidos oposicionistas mais importantes, PSDB e DEM, altamente sensíveis à cooptação. A oferta de apoio ao governo Dilma pode se tornar maior do que a demanda.


Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Dilma, interrompida::Demétrio Magnoli

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ah, o exagero - a sombra monstruosa do exagero. "Lula estará conosco." "Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade": "o maior líder que este país já teve." "Seu nome já está cravado no coração do povo." Não é o elogio incisivo, mesmo mais que protocolar, ao presidente que saiu, companheiro de partido, responsável por seu triunfo. É a louvação desmedida, o adjetivo incontido, o culto despropositado, a metáfora de ressonâncias religiosas. "Sob sua liderança, o povo brasileiro fez a travessia para uma outra margem da história." É Moisés, na travessia das águas e na jornada pelo deserto. Nos seus dois discursos de posse, Dilma Rousseff apalpou a linguagem das tiranias personificadas.

Condutor? Comandante? Eterno Presidente? Líder Genial dos Povos? Grande Timoneiro? A linguagem faz diferença, pois a política, em tempos de paz, é feita de palavras. Democracia é o regime das instituições, não dos líderes. Nas Repúblicas democráticas, nenhum líder sintetiza o povo - e exatamente por isso existem oposições legais. Delinquindo nos interstícios da lei, a Petrobrás batizou com o nome de Lula o campo petrolífero de Tupi. O culto a Lula é uma ferida na alma da democracia. Dilma subiu a rampa fazendo as orações desse culto bizarro.

Os discursos de posse de Dilma devem ser lidos como harmonias interrompidas. A presidente tenta desabrochar, insinua-se e esboça um aceno; ansiosa, tropeça e cai. Aqui e ali, por todos os lados, encontram-se os indícios da sua vontade de governar "para todos os brasileiros e brasileiras". Mas o propósito se estiola no caminho, sempre que colide com um dogma do lulismo.

Há o desejo discernível e, contudo, frustrado de construir uma narrativa realista do período pós-ditadura militar. "Um governo se alicerça no acúmulo de conquistas realizadas ao longo da história. Por isso, ao saudar os avanços extraordinários recentes, é justo lembrar que muitos, a seu tempo e seu modo, deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje." Ela poderia ter dito: José Sarney consolidou as liberdades políticas, Fernando Collor iniciou a abertura comercial, Itamar Franco fez o Plano Real, FHC ergueu o edifício da estabilidade econômica. Mas não disse, pois pronunciar o nome de um predecessor seria incorrer no pecado da apostasia: a negação da primazia de Lula.

Lula falou quase sempre como chefe de uma facção - e, no dia de passar a faixa, referiu-se ainda aos opositores como "inimigos". Dilma, ao contrário, almeja falar como a "presidente de todos". Ela estendeu a mão aos partidos de oposição, sem pedir a ninguém "que abdique de suas convicções". Com o olho posto nas lições da campanha eleitoral, enfatizou o imperativo do combate à corrupção e declarou um compromisso "inegociável" com as liberdades individuais, de religião, de imprensa e de opinião. "Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras", assegurou, reproduzindo a fórmula empregada no discurso de vitória. A declaração será posta à prova logo mais, quando a presidente abrir a gaveta onde repousa o projeto de controle estatal de conteúdos dos meios de comunicação, um presente de grego deixado por Franklin Martins, em nome de Lula.

Dilma prometeu uma política externa "baseada nos valores clássicos da diplomacia brasileira", oferecendo uma justificativa cifrada para o afastamento de Celso Amorim. Recitou, um a um, os princípios inscritos na Constituição: promoção da paz, não intervenção, defesa dos direitos humanos. "Direitos humanos", ela disse! É uma censura indireta a Lula, que elogiava ditaduras e traçava paralelos abomináveis entre presos políticos e criminosos comuns.

Entretanto, os interditos pontilham a estrada como campos minados. Logo depois dos direitos humanos, apartando-se do texto constitucional, Dilma mencionou o "multilateralismo". Em tese, o termo significa, apenas, o fortalecimento das instituições multilaterais, como a ONU, o FMI e o G-20. Na linguagem codificada do lulismo, condensa o impulso antiamericano que moldou a desastrada aproximação com o Irã. O "multilateralismo", nessa acepção pervertida, combina com a permanência de Marco Aurélio Garcia no posto de chanceler fantasma. "Lula estará conosco", lembrou a presidente que se sabe tutelada.

"Eu troquei meu nome e coloquei Dilma lá na cédula", avisou Lula na campanha eleitoral. O ex-presidente interpreta o novo governo como seu terceiro mandato e para exercer a tutela nomeou dois primeiros-ministros informais: Antônio Palocci, tutor externo, e Gilberto Carvalho, tutor interno. Ambos cometeram atos falhos antes do encerramento do primeiro dia de governo. Palocci dirigiu um pedido aos ministros: "Tenham-me como um de vocês, um da equipe, um do time." Ninguém que é "um de vocês" fala assim. Carvalho declarou em entrevista: "Lula não precisa de mim. Seria muita pretensão querer ser o espião do Lula no Planalto." O sarcasmo involuntário continua a ser sarcasmo.

Marta Suplicy nunca aprendeu a arte política da sublimação do desejo: a senadora proclama, gritando, o que deve ser sussurrado. Certa vez, nos bastidores de uma reunião da Direção Nacional do PT, incorporou a persona da rainha de Alice para exigir, aos berros, a expulsão imediata de uma corrente minoritária. Agora, na posse da presidente, alertou para a presença perene de Lula - "ele estará sempre disposto a ajudar Dilma no que ela precisar" - e enviou uma mensagem a interlocutores genéricos: "Há uma parceria entre Dilma e Lula que ninguém quebra."

Ninguém quebra? Se Marta tiver razão, Dilma não será, jamais, a "presidente de todos" - e não será nem mesmo a chefe de uma facção. Mas ela pode estar errada, pois a infalibilidade é um atributo exclusivo de Lula. Nessa hipótese, para o bem da democracia, o Brasil terá uma presidente, não um governo subterrâneo.


Sociólogo, é Doutor em Geografia Humana pela USP.

Dilma e o abjour


O bom do abacaxi::Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Como sabem apreciadores dessa fruta da América do Sul, o abacaxi é difícil de descascar. Vencida essa etapa, pode ser um grande prazer. O ministro Garibaldi Alves admitiu não ter currículo para cuidar da Previdência e ter sido avisado que lá só tem problemas, um "abacaxi". Louve-se sua sinceridade. Outros, sem currículo, fingem de sabidos. Saber que não sabe é um bom primeiro passo.

Jornalistas perguntam a quem sabe. O ministro poderia seguir essa receita inicial simples. Lá no Bom Dia Brasil convidamos ontem um dos especialistas em previdência, Paulo Tafner. Ele vem estudando o tema há anos, e escreveu recentemente, com Fábio Giambiagi, um livro sobre esse dilema que o Brasil se recusa a encarar. Deu alguns dados interessantes.

A Previdência custa ao Brasil R$300 bilhões por ano. Tudo com nossos impostos. Isso é 12% do PIB. E aí, a primeira contradição. Como o Brasil é um país ainda jovem, não faz sentido gastar o mesmo percentual do PIB, ou até mais, que países que têm uma população mais velha. Outra constatação: vamos envelhecer. Isso é bom, já que estamos aumentando a expectativa de vida. Mas temos sido imprevidentes - desculpe o trocadilho óbvio - ao não fazer as reformas incontornáveis que temos pela frente. São todas espinhentas e por isso os políticos vão deixando para depois, sabotando as propostas que o governo envia, ouvindo mais os lobbies.

O ministro deveria olhar o longo prazo. Ministros da Previdência que não descascaram esse abacaxi há muitos na História. O que conseguir levar o país a provar o melhor do abacaxi pode enfeitar seu currículo: a fruta é meio flor, da família das bromélias.

Previdência não é apenas custo. Pode ser poupança, renda, garantia de um futuro de maior estabilidade, gás para investimento. Isso se ficar bem equacionada a questão fiscal e houver incentivo para que as pessoas se preparem para a maturidade.

Hoje, o Brasil é um dos poucos países do mundo sem idade mínima de aposentadoria. Uma insensatez. Países ricos estão elevando a idade mínima, e nós nos damos ao luxo de sequer estabelecer esse limite. Resultado: os brasileiros ainda se aposentam cedo demais. O pior é que o pobre demora mais a se aposentar porque não consegue provar tempo de contribuição. É um direito inversamente proporcional à renda.

O partido do ministro, PMDB, está rebelado e ameaça elevar o salário mínimo. Esse amor súbito aos aposentados eclodiu na briga por cargos em várias áreas. Cada ponto percentual a mais do salário mínimo significa meio ponto a mais no custo da Previdência. É por isso que o assunto não deveria ser forma de barganhar cargos. E por falar nisso: os cargos da Previdência não deveriam ser moeda de troca. Técnicos sem ambições políticas podem ter mais destreza - e objetividade - na tarefa de descascar o abacaxi.

Alguns supostos entendidos de previdência dirão que não existe déficit no sistema brasileiro. Isso é tão verdadeiro quanto dizer que a casca do abacaxi não espeta. Para chegar nesse resultado sem déficit, a proposta que fazem é que se retire da conta os que recebem aposentadoria rural, porque eles não recolheram. Ora, a aposentadoria dos trabalhadores do setor rural é obviamente parte do sistema previdenciário, tenham eles no passado contribuído ou não. Não há mágica: a Previdência tem déficit em torno de R$45 bilhões só no INSS.

O ministro também deveria conversar com o IBGE, nosso excelente instituto de estatística, para conferir os dados do novo censo. Eles surpreenderam porque a queda do número de filhos por mulher foi mais rápida do que o previsto. Menos de dois filhos, em média, o que nem repõe a população. Nisso, a nossa presidente é uma mulher à frente do seu tempo. Teve apenas a Paula. Pois bem, essa é uma tendência irreversível. Em breve, a população brasileira vai parar de crescer.

Haverá menos jovens entrando no mercado de trabalho dentro de vinte anos. Junte-se a isso o fato de que os brasileiros viverão mais e está feita a confusão: menos gente pagando, mais gente recebendo por mais tempo. A conta não fecha, ministro. Pode conversar também com demógrafos da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Ence, do IBGE. Vá também ao Ipea, mas cuidado para falar com as pessoas certas. O instituto já não é o que foi.

Tafner, que é do Ipea, apesar de estar agora trabalhando na secretaria de Fazenda do Rio, tem dados sempre impressionantes. Seu novo estudo com Giambiagi - outro brasileiro devotado à espinhosa causa de descascar esse abacaxi - mostra que para que a conta da previdência fique estável, como proporção do PIB, o país terá de crescer em média 4,7% ao ano por 30 anos. Difícil, ministro. Nos últimos 20, mesmo contando o PIBão do ano passado, foi metade disso.

Uma lasca da casca pode ser tirada com facilidade. O governo Lula aprovou a reforma da previdência do setor público. E não regulamentou. Com isso, o país perdeu oito anos. Quando a reforma for regulamentada, pode ajudar a construir mecanismos de poupança de longo prazo.

Os casamentos intergeracionais - ou seja, pessoa mais velha casando com outra bem mais nova - têm se tornado mais frequentes. Não, não falo de certo casal conhecido. Falo em geral. Esses casos estão elevando os custos previdenciários porque as pensões são pagas por mais tempo. Outros países já desenvolveram soluções para que a conta não acabe nos cofres públicos.

Como integrante de uma família longeva na política, o ministro da Previdência há de saber que só há uma forma de saborear o abacaxi: descascando-o. É isso, ou fingir que não há déficit, distribuir cargos e benefícios para amigos e aliados. Pode dar ganhos de curto prazo ao ministro. Para o país, será mais um passo na marcha da insensatez.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Demanda excitada e real valorizado são desafios para Dilma, diz Belluzzo

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Moderar demanda e câmbio são grandes desafios, diz Belluzzo

Entrevista:
Para professor, estratégia de longo prazo, centrada no investimento público, também é crucial

Sergio Lamucci e João Villaverde De São Paulo

O governo Dilma Rousseff precisa encontrar um arranjo de política econômica que permita ao mesmo tempo ajustar o ritmo de crescimento da demanda - hoje "um pouco excitada" - e enfrentar a questão do câmbio valorizado, que desarticula cadeias produtivas inteiras, diz o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp e da Facamp. Para ele, é necessário, de fato, controlar as despesas correntes e elevar o superávit primário, para que se consiga executar uma política fiscal anticíclica, "exatamente para não exigir depois do Banco Central uma ação mais enérgica".

Belluzzo não descarta uma alta de juros, mas tampouco a considera inevitável. Uma elevação da Selic pode agravar ainda mais a valorização do câmbio, num mundo em que há farta liquidez internacional. Aumentar ou não a taxa vai depender do "mix monetário e fiscal", afirma Belluzzo, que elogia medidas de contenção ao crédito adotadas recentemente pelo BC, que lançou mão de outro instrumento que não os juros.

O professor mostra grande preocupação com o câmbio valorizado e seu impacto sobre a indústria, que já sofre com o desmonte de algumas cadeias produtivas, num cenário de forte aumento das importações. "O calcanhar-de-aquiles do governo Lula foi a questão cambial, que pode nos custar caro no futuro. Esse é o enigma que Dilma vai ter de decifrar", afirma Belluzzo, que vê, contudo, um saldo bastante positivo no governo Lula, citando a aceleração do crescimento, a redução da pobreza e a incorporação de milhões de pessoas ao mercado consumidor.

Um dos conselheiros econômicos mais importantes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Belluzzo também é interlocutor frequente do ministro da Fazenda, Guido Mantega. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O Brasil fechou 2010 com um ritmo de crescimento de 7,5% a 8%, muito puxado pelo consumo das famílias, com a inflação perto de 6% e o câmbio valorizado, facilitando as importações. Qual é o primeiro desafio do novo governo?

Luiz Gonzaga Belluzzo: Há alguns desafios instigantes, tanto do ponto de vista do observador como do policy maker. Um deles é manter a economia numa trajetória, que eu não vou dizer de equilíbrio, porque tal coisa não existe numa economia capitalista, mas numa trajetória saudável. Nos últimos dois anos, sobretudo neste último, a recuperação da economia foi realmente puxada pelo consumo, ainda que o investimento tenha tido uma expansão bastante razoável nos últimos trimestres. No caso da inflação, há dois componentes. Ela tem a ver, sim, com a aceleração da demanda, porque isso está expresso na inflação de serviços. E há uma inflação que decorre do choque de commodities. É preciso que o governo tenha claro que tem que apaziguar um pouquinho esse ímpeto da demanda. Mas restringir a gestão macroeconômica pelo lado monetário e do crédito simplesmente à taxa de juros não é compatível até com a natureza e a força dos sistemas financeiros modernos. É óbvio que tem que usar os instrumentos adequados, como o governo está tentando fazer agora. As medidas ["macroprudenciais" de controle do crédito] estão na direção correta.

Valor: As medidas de contenção ao crédito substituem ou podem diminuir um aumento de juros?

Belluzzo: Acho que elas são complementares. Você não pode supor que ela vá substituir, assim como a questão fiscal.

Valor: O sr. vê a necessidade de fazer um ajuste fiscal ou pelo menos de mudar a orientação da política fiscal no começo do governo?

Belluzzo: Isso eu não preciso dizer, porque parece que o governo já sinalizou que vai fazer isso. Eu discuto com os meus amigos keynesianos que ficam nervosos quando eu digo que precisa fazer ajuste fiscal, porque eles acham que Keynes era um gerador de déficits, e Keynes não é isso. Quem lê a obra de Keynes sabe que ele é muito cauteloso. Nas recomendações de política do pós-guerra ele diz claramente que você precisa ter um orçamento corrente sempre equilibrado e usar os instrumentos do orçamento de capital, os gastos de investimentos, que geram ativos lá na frente. Há uma discussão sobre a confiabilidade do governo na execução dessa promessa, porque uma coisa é falar e outra é fazer, mas acho perfeitamente factível o governo avançar na meta de superávit primário e conseguir executar uma política anticíclica, exatamente para não exigir depois do Banco Central uma ação mais enérgica.

"Nós temos um problema de infraestrutura e um problema gravíssimo em matéria de educação"

Valor: O sr. acha que uma alta de juros não é inevitável?

Belluzzo: Vamos ver. Eu tenho falado com muita gente do mercado e até alguns economistas de banco têm me dito que está um pouco exagerada essa pressão do mercado sobre o BC. Mas é um jogo de coordenação de expectativas.

Valor: O BC fica muito pressionado por causa das expectativas?

Belluzzo: O problema é que, se você for pegar um retrospecto, há erros escandalosos do mercado na projeção de inflação. Essa questão da capacidade preditiva dos modelos é muito limitada. É melhor considerar a política monetária mais como uma arte do que como uma ciência. É mais parecido como o trabalho de um grande chefe de cozinha. É mais de sensibilidade. [O ex-ministro Antonio] Delfim Netto diz que há uma pretensão científica de uma precisão e uma certeza que você não tem. E isso não quer dizer que se deva ser condescendente com a inflação.

Valor: O sr. não está descartando uma alta de juros nem dizendo que ela é indispensável?

Belluzzo: Acho que depende do mix monetário e fiscal. Qual é o inconveniente de um aumento de juros? É o fato de que, num mundo em que há abundância de liquidez, pode aumentar a pressão sobre o câmbio. Isso pode se tornar um problema sério. Se você conversa com os industriais e as suas respectivas cadeias produtivas, vê que isso está se tornando uma questão muito grave. Você está desmontando cadeias inteiras.

Valor: A produção industrial está estagnada desde abril, com a demanda crescendo forte e as importações em alta intensa. O sr. acha que está havendo desindustrialização por aumento de importações.

Belluzzo: Há uma desarticulação muito importante das cadeias produtivas. O pessoal da siderurgia sabe disso muito bem, sabe o que está ocorrendo com a demanda deles. Em boa parte a demanda interna de aço não cresce muito porque o aço vem importado, chegando mais barato, além de já chegar nos próprios produtos importados.

Valor: Além do câmbio, os industriais têm apontado o custo elevado de mão de obra no Brasil. Como enfrentar essa questão?

Belluzzo: É necessário pensar numa alternativa para os encargos que incidem sobre a folha de salários. É importante desonerar os encargos, para que haja mais competitividade. Outra questão que o governo vai precisar enfrentar é a desoneração das exportações. Há notícias de que não se conseguem recuperar os créditos. Isso tem a ver também com a guerra fiscal. Há três problemas aí. O câmbio, o excesso de impostos que se exporta e a guerra fiscal, que faz com que os Estados às vezes facilitem a importação. Essas medidas de facilitar importações são um delírio. É um negócio que vai causar prejuízo para o país inteiro.

Valor: O IOF sobre fluxos de capitais é eficaz para evitar uma valorização cambial maior?

Belluzzo: Há formas de burlar, mas se for assim você não vai fazer nada. É preciso ir além do IOF, operando no mercado futuro, onde muitas negociações, que acabam por valorizar o câmbio, são feitas. Digamos que o governo impeça operações de 30 dias e de rolar por mais tempo, exigindo que as operações sejam feitas em 180 dias, além de dar volatilidade na taxa de câmbio. Isso seria ótimo, porque hoje o investidor deita e rola.

Valor: O câmbio é o principal desafio do governo Dilma?

Belluzzo: É o conjunto da obra. Como fazer um arranjo de política econômica que provoque um ajuste do crescimento, da demanda que está um pouco excitada e, ao mesmo tempo, possibilite uma desvalorização administrada do câmbio, para que também não haja um choque cambial. Há dois riscos aí. Um é o de ter uma desvalorização do câmbio abrupta por causa de uma parada súbita de capitais. Eu não acho que isso esteja no horizonte, mas de repente os juros no mundo desenvolvido podem subir e virar a engrenagem da arbitragem. Há esse risco, embora eu não ache que ele seja iminente, até porque a situação da Europa é muito ruim, é terminal. Já nos EUA, apesar de todas as omissões que o governo cometeu, a situação é melhor, do ponto de vista da recuperação. Mas pode haver uma reversão dos fluxos de capitais.

Valor: Mesmo com o nível de reservas que nós temos hoje pode haver uma desaceleração abrupta?

Belluzzo: Acho que nós estamos mais defendidos hoje. É verdade que em 1998 e 1999 a situação era diferente, porque nós não tínhamos o câmbio flutuante, mas quando começou a pressão sobre o real que levou à desvalorização, o Brasil tinha US$ 74 bilhões de reservas internacionais, e elas se esvaíram em três meses. O outro risco é o avesso desse. Imagine que de repente se acelera a exploração do pré-sal e o pessoal esquece completamente o câmbio, porque não vai haver problema de financiamento externo.

Valor: A previsão é de um déficit em conta corrente de 2,5% do PIB em 2010, passando de 3% a 3,5% em 2011. Nós podemos entrar num processo de déficits em conta corrente elevados e continuados?

Belluzzo: Se deixar, o déficit vai logo para 5% do PIB. Acho que isso pode ocorrer e a probabilidade não é baixa, se continuar esse arranjo macroeconômico. É possível que se chegue lá ainda com as penas da desindustrialização. Reduzir muito o peso da indústria no valor adicionado tem consequências ruins para o emprego. Não vamos nos esquecer que quando os EUA começaram o processo de globalização de suas empresas, a sair em busca de regiões em que a taxa produtividade/salários fosse maior, isso foi concomitante a uma queda importante do nível de vida da classe média americana. Temos de olhar isso com muito cuidado porque o Brasil pode ter esse fenômeno de modo precoce, já que não chegamos ao patamar de renda dos EUA.

Valor: Como se combate esse risco de déficit em conta corrente, com um risco de desindustrialização precoce?

Belluzzo: Nós temos que ter um arranjo macroeconômico que permita recuperar um câmbio competitivo. É importante nos darmos conta de que a dimensão de ativo do câmbio ganhou preeminência em relação ao de preço relativo, por conta do movimento de capitais. Já há um convencimento de que é preciso colocar um pouco de disciplina nisso, porque os movimentos de capitais são sempre pró-cíclicos. Alguém já viu um movimento anticíclico do mercado?

Valor: O arranjo macroeconômico tem que ter o câmbio competitivo e o que mais?

Belluzzo: É preciso ter estratégia de longo prazo, concentrada nessa ideia de ter um programa de investimento público muito bem definido e financiado, com objetivo muito claro.

"O calcanhar-de-aquiles do governo Lula foi a questão cambial, que pode nos custar caro no futuro"

Valor: O PAC é isso?

Belluzzo: De alguma maneira é, sim. Nós ficamos discutindo essas questões de curto prazo e esquecemos que no longo prazo temos um problema de infraestrutura, um problema gravíssimo em educação e agora, finalmente, parece que virou consenso que há um problema na área de desenvolvimento científico e tecnológico. O problema da educação básica é seríssimo, e não adianta mais dar desculpas. Temos que, de alguma maneira, enfrentar isso.

Valor: A partir do segundo governo Lula houve o PAC, o Minha Casa, Minha Vida, os bancos públicos ofereceram taxas mais baixas, o BNDES dobrou de tamanho. Qual é o papel do Estado que Dilma herda?

Belluzzo: O Estado brasileiro é indutor, por meio de seus bancos públicos, do BNDES, do PAC, da Petrobras. Não vejo nenhum estímulo nem nenhuma necessidade de mudar isso. O Brasil tem um sistema público de financiamento que funcionou de maneira muito eficaz na crise, comprando carteiras de bancos menos líquidos, atendendo inclusive um pedido do presidente Lula. A queda do PIB em 2009 [de 0,6%] teria sido muito maior sem a participação dos bancos públicos. Além disso, o BNDES cumpriu um papel fundamental, ao manter o investimento e permitir que as empresas se recuperassem rapidamente da queda abrupta. O problema naquele momento foi o BC, que demorou muito para cortar os juros e, quando começou, cortou pouco. Estaríamos numa situação menos aflitiva se o BC tivesse aproveitado a crise para ir mais longe, reduzindo mais a Selic.

Valor: O sr. se preocupa com o aumento da dívida bruta do governo causado pela capitalização do BNDES pelo Tesouro?

Belluzzo: Não. A capitalização do BNDES significa uma mudança de seu endividamento. Isso não vai se repetir. Serviu para a recuperação e aceleração da economia, em 2009 e 2010, e não deve mais ser feito.

Valor: E a engenharia contábil para engrossar o superávit primário do ano passado, aproveitando a capitalização da Petrobras?

Belluzzo: É uma coisa que se faz uma vez e não vai repetir. Agora é hora de ir atrás do superávit primário legítimo.

Valor: Uma das metas colocadas pela presidente Dilma é levar a dívida pública líquida a 30% do PIB em 2014, que hoje está em 41%. O sr. acha que será feito por meio de superávit primário mais elevado ou de PIB crescendo forte?

Belluzzo: O mais interessante seria fazer com crescimento acelerado e com primário alto, com o gasto público funcionando de maneira anticíclica. Agora é hora de apertar os gastos. Dessa forma é possível, sem dúvida.

Valor: O que precisa ser feito para reduzir mais fortemente a Selic?

Belluzzo: É preciso mexer no juro real da poupança, que precisa virar uma taxa de juros nominal, como ocorre em qualquer país civilizado. Isso é uma herança do período inflacionário, bem como as indexações das tarifas. Temos enorme concentração de recursos nas operações compromissadas, indicativo do "curto-prazismo" dos investidores. Isso deveria ser remunerado abaixo da Selic, essa indexação à Selic é péssimo.

Valor: Que balanço o sr. faz dos oito anos do governo Lula?

Belluzzo: Lula tomou posse num clima muito ruim, com o dólar a R$ 3,53, uma desconfiança enorme dos mercados. Havia um temor horrível nos mercados. Cheguei a receber 15 delegações estrangeiras me perguntando se repetiríamos a crise argentina. Mas Lula foi muito cauteloso e contou com a sorte, porque foi o momento em que a China começou a acelerar. Houve uma demanda impressionante de commodities, algo que nunca tínhamos visto. A política econômica mais cautelosa foi importante num momento, ainda que em 2004 o BC tenha errado a mão ao elevar muito os juros e abortar o crescimento de 2005. Tivemos problema de descoordenação, mas a partir do segundo mandato as coisas ficaram mais sob controle, até, em boa medida, graças ao papel da Dilma, na definição e gestão do PAC, ao mesmo tempo em que as condições externas continuaram muito favoráveis até o fim de 2008, quando estourou a crise.

Valor: Por que o Brasil se saiu bem na crise?

Belluzzo: Os bancos públicos tiveram um papel importante. Sem nada que parecesse maluquice, fizeram tudo direitinho. Segundo, a política anticíclica fiscal que o Guido [Mantega, ministro da Fazenda] tocou, ajudou o país a sair muito rápido da crise. Faço avaliação muito positiva do governo Lula e mais positiva ainda se compararmos com as expectativas. A redução da desigualdade é importante, mas não dá para ser exagerada, porque não podemos mapear com clareza o topo da pirâmide, apenas a da base. Mas a redução da pobreza é inequívoca. Os aumentos reais do salário mínimo foram uma política ainda mais importante que o Bolsa Família nesse sentido. Além disso, vimos a taxa de crescimento do Nordeste superar a média nacional. Antes o crescimento era muito concentrado. O crédito consignado, bem como o salário mínimo, trouxe muita gente para o mercado consumidor. Esse ganho precisa ser mantido. Por isso a inflação deve ser bem combatida, porque atinge mais os de baixo.

Valor: E os principais erros?

Belluzzo: O calcanhar-de-aquiles do governo Lula foi a questão cambial, que pode nos custar caro no futuro. Esse é o enigma que Dilma vai ter de decifrar. Foi tão ruim quanto a valorização do governo Fernando Henrique Cardoso. As pessoas criticam a política fiscal do Lula, mas esquecem que a política fiscal do primeiro governo FHC foi desastrosa. FHC, de quem eu gosto muito, fica nervoso quando se faz essa comparação, mas é preciso entender que aquele regime macroeconômico que prevaleceu até 1999 foi desastroso e teve consequências ruins para a economia, que cresceu pouco.

Férias de Lula em forte criam polêmica

DEU EM O GLOBO

O Ministério da Defesa disse que foi o ministro Nelson Jobim quem convidou o ex-presidente Lula a se hospedar no Forte dos Andradas, do Exército, no Guarujá (SP). Mas ninguém quis informar quem está pagando as despesas de Lula e sua família. A oposição criticou, mas juristas não viram ilegalidade.

Lula é hóspede oficial no Guarujá

Ministro da Defesa diz que convidou ex-presidente, mas não esclarece quem paga as despesas

Adauri Antunes Barbosa (*) e Flávio Freire

GUARUJÁ e SÃO PAULO. O Ministério da Defesa confirmou ontem que foi o ministro Nelson Jobim quem convidou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a se hospedar no Forte dos Andradas, no Guarujá, no litoral de São Paulo, uma propriedade do Exército brasileiro. Lá, o ex-presidente descansa com a família desde terça-feira. Nem o ministério nem a Casa Civil da Presidência da República informaram se as despesas de Lula e sua família estão sendo pagas também pelo Exército.

Lula, sua mulher, dona Marisa Letícia, filhos, noras e netos estão hospedados pela quinta vez no Forte dos Andradas. No local, foi construída uma suíte presidencial e toda uma infraestrutura para acomodar Lula, quando ele era presidente.

Ontem, segundo pescadores que se aproximaram da praia em frente ao Forte, onde é proibido atracar barcos, o ex-presidente pescou, brincou com os netos, correu e nadou. Não há informação sobre quando a família deve voltar a São Bernardo do Campo.

Um dos filhos de Lula, Luís Cláudio Lula da Silva, comemorou pela manhã o sol que havia aparecido em Guarujá, depois de um final de semana de muita chuva. "Bommmm Dia... Sol aqui no Guarujá. Uhuuuuu", escreveu no Twitter.

Segundo a Casa Civil, ex-presidentes não têm direito de tirar férias em instalações militares, o que não os impede de serem convidados. Qualquer pessoa, segundo a Seção o Comando Militar do Sudeste, pode ser convidada para se hospedar no Forte dos Andradas.

A única lei que diz respeito aos ex-presidentes é a 7.474/86, (regulamentada pelo decreto 6.381, de 27 de fevereiro de 2008), segundo a qual eles têm direito a quatro funcionários, dois automóveis e segurança pessoal pagos pelo governo. Não há legislação sobre o uso de instalações públicas para uso pessoal de ex-presidentes.

Alvo de críticas da oposição, a estada de Lula no Forte não é vista como um problema por juristas ouvidos ontem pelo GLOBO:

- Ele (Lula) acabou de deixar a Presidência. Não é possível esperar que ele vá para uma praia normal, cheia de gente. Se houver uma lei específica, deve ser interpretada de forma razoável - analisa o advogado especializado em Direito administrativo Márcio Cammarosano. - Ele não poderia, ainda que quisesse, se expor a riscos.

Cammarosano considera exagero qualquer censura sobre as passagens de Lula em áreas públicas. Sobre o fato de as despesas serem pagas pelo Tesouro, disse:

- Se ele foi convidado pelo Exército, a responsabilidade é de quem convida.

O jurista Dalmo Dallari também não vê impedimento na hospedagem de Lula em área do Exército:

- Qualquer cidadão pode ser convidado para ir ao forte, e muitas são. Por que o ex-presidente não poderia?

Ontem de manhã, dois repórteres da "Folha de S.Paulo" foram detidos por se aproximarem, de barco, da praia do Forte. O equipamento do repórter fotográfico Moacyr Lopes Júnior foi apreendido, assim como o telefone celular do repórter Fernando Gallo. Na abordagem dos seguranças, um deles se apresentou como agente Mizael. Sem apresentar documento, Mizael e dois homens, que foram identificados como sargento Frederico, do Exército, e agente Rodrigues, apreenderam os equipamentos dos jornalistas.

(*) Enviado especial

Verbas bilionárias da Saúde provocam guerra PT-PMDB

DEU EM O GLOBO

Com um orçamento de R$ 77,3 bilhões para este ano, o Ministério da Saúde é o principal campo de batalha onde petistas e peemedebistas travam uma guerra por cargos e espaço que ameaça estilhaçar a já delicada relação entre os dois maiores partidos da base do governo Dilma Rousseff. A disposição do PT de assumir o controle da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), antigo feudo do PMDB, já causou uma áspera discussão entre o líder peemedebista na Câmara, Henrique Alves, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Caso a troca ocorra, Dilma poderá ter sérios problemas no Congresso em situações extremas, como a do mensalão, ameaçou Alves. O PMDB também não se conforma com a perda para os petistas da Secretaria de Atenção à Saúde, com orçamento de R$ 47 bilhões.

PMDB de olho em R$ 77,3 bi

Valor é o total do orçamento da Saúde; partido teme perder o segundo escalão da pasta

Maria Lima e Gerson Camarotti

Oprincipal motivo da disputa política travada entre PT e PMDB por cargos do governo Dilma Rousseff é o cobiçado segundo escalão do Ministério da Saúde, pasta com o maior orçamento livre do governo - R$77,3 bilhões em 2011 -, e que tem também um dos maiores desafios, atender a população dependente do Sistema Único de Saúde (SUS). A disputa vem azedando a já delicada relação dos dois maiores partidos da base do governo Dilma Rousseff. Depois de perder a pasta para o ministro Alexandre Padilha, do PT, o estopim da mais recente crise com o PMDB é a substituição na presidência da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Outros cargos do Ministério da Saúde também estão em disputa pelos dois partidos.

Alvo de incontáveis escândalos de corrupção, a Funasa sempre foi feudo do PMDB, e o atual presidente Faustino Lins é indicação do líder do partido na Câmara, Henrique Alves (RN), mas o PT de Minas Gerais indicou para seu lugar o empreiteiro Gilson de Carvalho Queiroz Filho, presidente do CREA/MG.

Os peemedebistas, que ainda tentam impedir essa nomeação, dizem que a indicação de Gilson corre riscos, pois sua empreiteira já fez obras para a Funasa, e é alvo de uma tomada de contas especial no Tribunal de Contas da União (TCU). Se não conseguirem manter Faustino Lins no cargo, tem outras três indicações para a Fundação: Marcos Monfarreg, coordenador da Funasa no Rio; Flávio Gomes, diretor-executivo da Funasa, e Rui Gomide, técnico do órgão em Goiás.

PT de Minas cobiça cargos no governo

O PT de Minas está fazendo movimentos agressivos na composição do segundo escalão, para compensar a perda de cargos no primeiro escalão do governo Dilma. A troca na Funasa, ainda não efetivada, foi motivo de áspera discussão entre Henrique Alves e o ministro Alexandre Padilha. O líder do PMDB citou na ocasião dificuldades que Dilma teria sem um base confiável, em situações extremas como foi na época do mensalão.

Outra substituição que está deixando os peemedebistas em pé de guerra já aconteceu na cobiçada Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), responsável pelo orçamento de R$47 bilhões para convênios e repasses para estados e municípios. Padilha exonerou do cargo Alberto Beltrame, e colocou lá Helvécio Martins, ex-secretário de Saúde de Belo Horizonte, também por indicação do PT mineiro.

- Espero que não tirem o Faustino da Funasa. Não tem sentido o PT expulsar o PMDB da Saúde. Já tiraram o Beltrame, que é um grande técnico, da SAS. Agora querem tirar também o Faustino? O PMDB tinha duas indicações para a Embratur e para a Secretaria Executiva do Ministério do Turismo, mas aceitamos colocar lá dois quadros do PT - protestou o líder Henrique Eduardo Alves, referindo-se a nomeações para á área de Turismo, formalizadas ontem no Diário Oficial da União.

Outro peemedebista envolvido nas negociações, e que também está vendo seus indicados perderem espaço no Ministério de Dilma, afirma que o PMDB está sendo esquartejado pelo PT. Preferindo o anonimato, alegando que não quer atiçar ainda mais a crise, ele diz:

- O Lula respeitou o PMDB. A Dilma está fazendo o jogo do PT, mas é cristã nova, de que corrente ela é? Está outsider dentro do processo. Mas tudo está sendo feito com a aquiescência dela. Mandou parar as trocas de cargo depois do baita estrago já feito, agora não recupera mais o prejuízo.

Para esse peemedebista, o líder Henrique Alves foi até ingênuo, pois acreditou em acertos prévios com Lula e não foi adiante com a equipe da presidente Dilma:

- Hoje esses acertos não valem nada. O ministro Padilha é quadro do PT e também faz o jogo do partido.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que libera tudo que é produzido dentro e fora do Brasil na área de alimentação, remédios e cosméticos, é igualmente alvo de disputa. Hoje está nas mãos de Dirceu Raposo, indicação do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). Ele tem mandato e não pode mais ser reconduzido, mas o PT quer botar lá outro petista, e briga com o ex-ministro Saraiva Felipe (PMDB/MG), que indicou para o cargo Agenor Álvares.

Na Secretaria de Inovação Tecnológica está hoje um indicado do ex-ministro José Gomes Temporão (PMDB-RJ), José Reinaldo, mas o ministro Padilha já escolheu para o cargo o companheiro Odorico Monteiro, do PT do Ceará.

Há atrito ainda para a substituição de Gerson Pereira na Secretaria de Vigilância Sanitária pelo petista Jarbas Barbosa, que foi secretário de Atenção à Saúde na gestão José Serra no Ministério da Saúde. Estava na Organização Mundial da Saúde (OMS) e está voltando ao Brasil para dirigir a secretaria.

Além desses cargos, tem a cobiçada Fiocruz, cujo orçamento cresceu 1.400% na gestão Temporão - este ano chega a R$2,3 bilhões - e está tendo unidades implantadas em todo país, de Rondônia ao Ceará. É feudo da intelectualidade médica do Rio da qual faz parte o Temporão. O atual presidente é Paulo Gadelha, mas Padilha vai indicar o substituto.

Além de cargos, PMDB quer maior influência no Planalto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dirigentes do PMDB e os principais ministros do partido decidiram se unir para cobrar da presidente Dilma Rousseff o que, afirmam, lhes é devido na condição de "sócios da vitória". Querem assegurar uma divisão mais igualitária do poder com o PT, além de respeito aos espaços do partido e assento nos conselhos que definem os rumos e as medidas do governo. A cúpula peemedebista, que se reuniu na casa da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (MA), na noite de terça-feira, não aceita ser excluída dos encontros do núcleo do poder no Palácio do Planalto. Os líderes do partido avaliam que é hora de demonstrar unidade, não só para garantir presença em todos os conselhos políticos de assessoria à presidente como para evitar que petistas avancem sabre tradicionais posições do PMDB no segundo escalão federal. Orientados pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, os peemedebistas decidiram não mais se desgastar tratando de cargos no varejo. A opção seria definir de uma vez o status do partido no poder. O vice-presidente da República, Michel Temer, foi encarregado de levar as demandas do PMDB ao conhecimento de Dilma.

PMDB exige participação política e novas regras para distribuir cargos

Cúpula do partido decide que reivindicações a Dilma Rousseff serão apresentadas em conjunto

Christiane Samarco

Dirigentes do PMDB e seus principais ministros decidiram se unir para cobrar da presidente Dilma Rousseff o que, afirmam, lhes é devido na condição de "sócios da vitória": a montagem de um protocolo de divisão mais igualitária do poder com o PT, respeito aos espaços do partido e assento nos conselhos que definem os rumos políticos e as medidas do governo. A decisão foi tomada em jantar na noite da última terça-feira, 4, da cúpula do PMDB na casa da governadora Roseana Sarney (MA) em Brasília.

A cúpula peemedebista não aceita ficar de fora das reuniões do núcleo do poder no Palácio do Planalto, o que já estava avisado desde a campanha presidencial. Avalia que é hora de demonstrar unidade, não só para garantir presença em todos os conselhos políticos de Dilma, como para evitar que petistas ocupem ministérios do PMDB, avançando sobre posições da legenda no segundo escalão federal.

Orientado em boa parte pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que abriu o debate durante o jantar, sobre o tamanho da representação do partido, o PMDB decidiu que não deve se desgastar tratando de cargos no varejo. A opção, sugeriu o ministro, é definir com a presidente o real status do partido no poder. "E logo", aconselhou o ministro.

Estavam no jantar, além de Jobim e do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), todos os ministros peemedebistas e parlamentares da sigla,

Um dos convidados da governadora conta que Jobim abriu o debate lembrando os espaços que o partido ocupava no governo Lula. Tudo para observar, ao final, que o PMDB continuava "raquiticamente representado e alijado do núcleo de poder", contrariando as promessas feitas durante a campanha eleitoral.

O senador Sarney também deu um testemunho no mesmo sentido e o vice Michel concordou, embora ressaltando seu relacionamento pessoal com Dilma: "Ela me trata muito bem". O partido o encarregou de levar os problemas e as demandas a conhecimento da presidente.

A ordem é não lamentar postos já perdidos. "O que passou, passou", disse Roseana, quando um dos convidados citou as presidências da Eletrobrás e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Entre as posições que o PMDB não quer perder de forma alguma para o PT foram mencionadas a presidência da Transpetro e diretorias na Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. O ministro da Agricultura, Wagner Rossi, foi alertado de que o petista Aloizio Mercadante, na Ciência e Tecnologia, já fala que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) deveria estar no ministério dele.

Na saída, Temer disse que o jantar foi "apenas uma reunião social" e que o PMDB não está disputando cargos vai esperar a decisão de Dilma. "Haverá, naturalmente, uma divisão equitativa entre os partidos."

Em meio ao alerta geral para que todos peemedebistas tomassem cuidado com as investidas de petistas, a anfitriã Roseana e o ministro Jobim advertiram que não era bom que um ministro, sozinho, "peitasse o PT". A ideia é fugir das queixas pessoais para transformá-las em reivindicação do conjunto. Roseana pediu, ainda, mais articulação dos cinco governadores do partido.


Colaborou Eugênia Lopes

Cardozo defende libertação de Battisti

DEU EM O GLOBO

Ministro quer permanência de italiano no país; senador tucano critica decisão

Jailton de Carvalho e Carolina Brígido

BRASÍLIA. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu ontem a permanência e o relaxamento da prisão do ex-ativista da extrema esquerda italiana Cesare Battisti. Para o ministro, depois de o ex-presidente Lula anunciar que Battisti ficaria no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) não poderá rever a decisão. Battisti foi preso para fins de extradição. Ano passado, o STF aprovou a extradição, mas entendeu que a palavra final sobre o assunto caberia ao presidente da República. Agora, o presidente do STF, Cezar Peluso, entende que o Supremo deve, mais uma vez, deliberar sobre a prisão.

- Realmente (a decisão do presidente) é soberana e deve ser respeitada. Como tal, Battisti deve ser mantido no Brasil e, obviamente, solto. Não existem razões para que ele permaneça atrás das grades - disse Cardozo, após entrevista à TV Brasil.

O ministro sabe que o STF, mais uma vez, analisará se Battisti deixará a prisão, depois da recusa da extradição. Peluso já disse que submeterá o caso ao plenário. Mas, para Cardozo, dificilmente o STF mudaria o entendimento de que a palavra final é do presidente. O ministro argumenta ainda que a decisão de Lula está amparada legalmente pelos tratados internacionais.

- Não creio que vá acontecer isso (mudança de posição do STF). O Supremo não se contrariará. Ou seja, os ministros decidiram numa linha. Essa linha foi respeitada. Não vejo problema em relação a que hoje se entenda que a posição do ex-presidente Lula foi rigorosamente adequada - afirmou Cardozo.

Tucano divulga nota em solidariedade a italianos

Em nota, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, criticou a decisão de Lula e se solidarizou com o governo da Itália. Apesar da declaração do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, de que o caso não afetaria a relação bilateral, Azeredo acredita que a decisão do governo brasileiro prejudicará o país nas relações com a Itália e com a Europa. O texto classifica o tratamento que Lula concedeu a Battisti de "um dos mais graves equívocos cometidos em sua condução da política externa brasileira". E continua: "O asilo a Battisti, terrorista condenado à prisão perpétua por 36 crimes, incluindo quatro assassinatos, coloca em risco as relações excepcionais que o Brasil mantém com a Itália e a União Europeia".

O secretário-nacional do Partido Socialista Italiano (PSI), Riccardo Nencini, anunciou que pediu a ajuda da Internacional Socialista para mudar a decisão. Ele enviou correspondência ao presidente da instituição, o grego Georges Papandreu, e ao deputado Carlos Vieira da Cunha (PDT-RS), um dos vice-presidentes. Nencini pediu que o parlamentar seja o interlocutor junto à presidente Dilma Rousseff. O deputado disse ao GLOBO que ainda não recebeu o pedido, mas avisou que responderá que nada mais pode ser feito.

- Esse é um assunto que já está resolvido no governo. No meu entendimento, as gestões têm que ser em outra instância, o Judiciário.

Caso Battisti: PPS divulga nota de solidariedade ao povo italiano

DEU NO PORTAL DO PPS

Valéria de Oliveira

Para o partido, Cesare Battisti é criminoso comum
O PPS divulgou, nesta quarta-feira, nota em que se solidariza com o povo italiano e as forças democráticas e de esquerda da Itália. A nota trata da decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não extraditar Cesare Battisti, condenado pelo assassinato de quatro pessoas na década de 60.

O texto diz que a decisão do ex-presidente Lula foi tomada na undécima hora em que ele esteve no poder, e que existe agora a expectativa de que o STF (Supremo Tribunal Federal) evite que o Brasil protagonize “triste episódio que mancha nossas relações internacionais”.

Leia íntegra abaixo.

NOTA DE SOLIDARIEDADE

O PPS (Partido Popular Socialista) solidariza-se com o povo italiano, especialmente com as forças democráticas e de esquerda da Itália, neste momento político de inconformidade e indignação com a decisão - na undécima hora de Luis Inácio Lula da Silva na Presidência da República - de não extraditar o terrorista Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua em seu país por quatro assassinatos.

O PPS considera Battisti um criminoso comum e não figura digna de refúgio político, conforme entendeu o governo brasileiro ao conceder-lhe tal status. Sua permanência no Brasil deve-se apenas a uma decisão política do ex-presidente Lula; decisão esta que desrespeita flagrantemente o tratado de extradição firmado pelo Brasil com a Itália e o espírito democrático da Constituição brasileira de 1988.

A Itália vive em pleno regime democrático desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Não existem motivos para que o criminoso Cesare Battisti não seja para lá extraditado para pagar por seus crimes.

As expectativas de evitar que o Brasil protagonize mais um triste episódio que mancha as nossas relações internacionais agora voltam-se para o STF, que ainda pode fazer valer a Constituição da República e o primado da Justiça.

Roberto Freire
Presidente Nacional do PPS

Imperio da Tijuca 2011

Belo Belo::Manuel Bandeira

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.


Estes poemas belíssimos, de Manuel Bandeira — Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira —, foram inspiração (e homenagem a ele) para Soares Feitosa, "in" Do Belo-Belo.