sexta-feira, 26 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Regulamentação da reforma tributária é urgente para o país

O Globo

Projeto apresentado pelo governo, com todos os senões, deve ser encarado como prioridade no Congresso

Com a aprovação da reforma tributária no ano passado, criou-se enfim consenso no Parlamento para pôr fim ao manicômio tributário brasileiro. Ficou acertado que três impostos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) serão unificados em dois novos: CBS (federal) e IBS (estadual e municipal). A mudança reduzirá o tempo inacreditável gasto pelas empresas para administrar o pagamento de tributos, acabará com a cumulatividade que mina a competitividade brasileira e contribuirá para diminuir o altíssimo nível de judicialização, a infinidade de regras, exceções e guerras fiscais, com a consequente má alocação de investimentos na economia. Embora a emenda constitucional promulgada em dezembro tenha defeitos — entre eles um sem-número de exceções e regimes especiais ainda mantidos —, ela coloca o Brasil numa nova realidade tributária.

O Executivo apresentou nesta semana o primeiro de três projetos de regulamentação, com propostas de regras para o novo sistema. Em mais de 300 páginas e 500 artigos, o texto demandará atenção redobrada dos congressistas. Ideias ruins anunciadas anteriormente, como exceções e isenções raramente justificáveis, foram mantidas. Há também indícios de voracidade arrecadatória, apesar de o governo insistir que a intenção é apenas regulatória.

Fernando Gabeira - Liberdade ilusória, liberdade real

O Estado de S. Paulo

É difícil aceitar a ideia de uma liberdade de expressão absoluta, sobretudo no tempo das redes sociais. Um debate transparente e um acordo nacional sobre o tema são mais que necessários

Amais recente manifestação promovida por Bolsonaro, no Rio de Janeiro, reuniu menos gente e marcou também uma inflexão tática. Em São Paulo, em fevereiro, a ênfase era evitar a prisão de Bolsonaro e lembrar os presos do 8 de Janeiro, por meio do pedido de anistia. No Rio, o tema central era liberdade de expressão e apoio internacional.

A experiência acabou mostrando que esse caminho era mais promissor por duas razões. As denúncias de censura são potencialmente capazes de impressionar estrangeiros, especialmente norte-americanos. Culturalmente abertos para a liberdade de expressão, alguns são ingênuos o bastante para achar que suas leis devem valer para todo mundo.

Um outro fator importante é a abertura das grandes plataformas para a ideia de liberdade de expressão absoluta, fator essencial para a garantia dos lucros. No momento, Elon Musk e seu X estão em choque com o governo da Austrália, em torno da divulgação das imagens de um ataque a faca numa igreja. O governo acha que a divulgação estimula o crime.

José de Souza Martins - Éramos felizes e não sabíamos

Valor Econômico

Antes das redes sociais, nossa consciência das necessidades da vida tinha outros valores de referência, que eram valores sociais próprios da condição humana

Na entrega do anteprojeto do novo Código Civil ao Congresso Nacional, o ministro Alexandre de Moraes referiu-se a variadas transformações ocorridas na sociedade brasileira, novos tipos de contratualidade social, que o tornam necessário. Ressaltou “a questão de costumes, novas relações familiares, novas modalidades de se tratar das questões do direito de família e sucessões, a tecnologia, a inteligência artificial, novas formas de responsabilidade civil”.

Ele poderia ter arrolado muitas outras modalidades de relacionamento que expressam a realidade atualizada do país e sofreram câmbios significativos. Aos olhos dos mais antigos, bloqueados no meio do caminho das mudanças, a sociedade está tomada por crescentes anomalias, até mesmo inaceitáveis para muitos.

César Felício - Violência deve entrar nas eleições pela pior forma

Valor Econômico

Milicianização da política está longe de ser um fenômeno observado apenas no Rio de Janeiro e as facções criminosas que atuam em escala inicial estão no mercado eleitoral

São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Manaus, Belém, Porto Alegre, tiveram em 2024 o verão com menos assassinatos dos últimos cinco anos, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, repassados pelas secretarias estaduais.

As linhas não foram em direção única, mas o sentido quase sempre é de declínio. No Rio, houve um repique no primeiro trimestre de 2023 (312 homicídios), mas queda forte entre janeiro e março deste ano (160). Em 2020, foram 327 os mortos no início do ano. Em Fortaleza a contagem das mortes violentas subiu em 2024 (214, ante 164 no mesmo período no ano passado), mas segue bem abaixo da observada em 2020 e 2021 (323 e 244).

O termômetro das estatísticas na área da violência urbana passa muito longe de medir com exatidão a febre que acomete a grande maioria da população nessas metrópoles.

Bruno Boghossian – A paz dos populistas

Folha de S. Paulo

Paz dos populistas não vem do respeito às regras do jogo, mas de negociações feitas a partir do medo

O juiz Samuel Alito foi buscar um raciocínio exótico para defender a imunidade de ex-presidentes nos EUA. Integrante da ala conservadora da Suprema Corte, ele sugeriu que, se um governante souber que estará sujeito a processos criminais após deixar o cargo, ele terá um incentivo a mais para tentar melar a eleição e permanecer no poder.

Poderia ser só uma expressão ingênua da reverência exagerada dos americanos pela figura presidencial. Acontece que o tribunal estava julgando se deveria garantir imunidade a um presidente que tentou melar a eleição para permanecer no poder.

Maria Cristina Fernandes - A grama mais verde do vizinho

Valor Econômico

Greve nas universidades expõe as desigualdades no serviço público federal e divide professores entre a urgência das reivindicações e o risco de se esvaziar os campi num momento desfavorável da correlação de forças

Luiz-Eduardo Del-Bem tinha 28 anos quando terminou seu doutorado em genética pela Unicamp, em 2013. Seguiu para um pós-doutorado em Harvard no ano seguinte. Em 2018, dois anos depois de voltar ao Brasil, passou num concurso na UFMG. Como professor-adjunto e chefe de departamento, recebe R$ 9,8 mil líquidos. Chefia uma equipe com professores recém-contratados com salário de R$ 7,9 mil líquidos.

Recebe R$ 116 de assistência à saúde suplementar, o que é insuficiente para pagar um plano de saúde, mesmo com o desconto oferecido pelo sindicato. Numa enquete informal que fez por meio do X sobre o tema, colheu 992 respostas e descobriu que está na mesma situação de 30% dos professores universitários.

O custo de importação de um único kit para extração de DNA de solo que usa em suas pesquisas é de US$ 3,5 mil. A publicação de artigo numa revista estrangeira custa, em média, US$ 5 mil. Os financiamentos do CNPq - nunca conseguiu um - vão de R$ 165 mil a R$ 275 mil para projetos de grupos que tenham, no mínimo, de três a cinco doutores com duração de até 36 meses.

Vera Magalhães - Governo perde tempo com batalhas inúteis

O Globo

Recurso ao STF para arbitrar impasse com Congresso e briga sem conclusão na Petrobrás minam credibilidade de Lula

Enquanto o discurso de Lula diz que ele e os ministros devem buscar a concórdia com o Congresso e intensificar ações para impulsionar o crescimento da economia, a realização das promessas de campanha e, portanto, a popularidade do governo, a prática muitas vezes não condiz com essas diretrizes.

No mesmo dia de uma intensa negociação empreendida pelo Planalto para adiar novamente a sessão do Congresso que analisaria uma série de vetos presidenciais, e forçosamente imporia uma derrota de alguma monta ao governo, o Executivo ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação questionando a constitucionalidade da prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de pequenos e médios municípios.

Não é nova a alegação da Advocacia Geral da União (AGU), nem desprovida de argumentos dos pontos de vista jurídico e financeiro. A questão aqui é política: trata-se da questão que mais lances rendeu na queda de braço entre Executivo e Legislativo.

Luiz Carlos Azedo - Reforma tributária será novo eixo da disputa política

Correio Braziliense

Se a desigualdade é grande e a riqueza concentrada na elite, a maioria pobre e insatisfeita exigirá políticas distributivistas, com impostos mais altos

O Brasil levou 40 anos para aprovar a reforma tributária, que agora será regulamentada pelo Congresso. Quem quiser que se iluda, mas esse será o novo eixo da disputa política entre o governo e a oposição, mediada por um Congresso majoritariamente conservador. Tanto que, ao encaminhar a proposta de regulamentação da reforma, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recuperou a iniciativa política do governo, que estava sendo acuado por pautas diversionistas ligadas à segurança pública e aos costumes.

Não será fácil deglutir os 550 artigos da reforma. Ao contrário do que aconteceu durante a Constituinte, quando a atual estrutura tributária foi aprovada, não há muitas moedas de troca para atender aos deputados e formar maioria. A discussão será balizada pelo conflito distributivo: de um lado, União versus estados e municípios; de outro, a concentração de renda em contradição com a nossa iniquidade social.

Eliane Cantanhêde - Até julho? Será?

O Estado de S. Paulo

Reforma tributária: ‘cashback’ para pobres, descontos para produtos caros e profissionais ricos

O presidente Lula entrou em ação, o clima político melhorou e a regulamentação da reforma tributária foi, enfim, entregue ao Congresso com um sistema mais justo, mas com privilégios mal explicados. Se o governo demorou tantos meses até um consenso interno, imagine-se como vai ser a negociação com Câmara, Senado, governadores, prefeitos e os demais setores da economia. O senador Rodrigo Pacheco e o deputado Arthur Lira se comprometem a fechar a votação até 17 de julho, antes do recesso parlamentar. Dois meses? Será?

Vinicius Torres Freire - A guerra do imposto começa agora

Folha de S. Paulo

Na regulamentação das exceções, pode passar boi, boiada e muito favor para amigos do poder

O governo mandou ao Congresso o que é, até aqui, um projeto razoável de regulamentação da mudança dos impostos sobre consumo. Procurou manter a qualidade restante da reforma tributária, definida em termos gerais por meio de emenda à Constituição, de dezembro de 2023.

Para citar apenas um aspecto da reforma, o pessoal tentou limitar exceções ou privilégios.

Na emenda constitucional, deputados e, em especial, senadores criaram um excesso de regimes diferenciados, favorecidos e específicos. Isto é, bens e serviços para os quais o imposto será menor.

Quanto mais exceções, pior a qualidade econômica da reforma. Além disso, mais regras serão necessárias para enquadrar com precisão produtos e atividades econômicas que merecerão tratamento diferente. É oportunidade para lobby ou mutreta.

Flávia Oliveira - Alívio para os mais pobres

O Globo

É muito provável que os brasileiros de baixa renda percebam a diferença (para menos) nos gastos com produtos e serviços essenciais

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao entregar no Congresso Nacional o calhamaço de 300 páginas e 500 artigos que compõem a regulamentação da reforma tributária, chamou a atenção para o potencial de crescimento econômico dela decorrente. A simplificação e a digitalização que virão com o novo sistema podem fazer o Produto Interno Bruto (PIB) crescer de 10% a 20% ao longo do tempo. Faltou mencionar os dividendos políticos que o governo pode colher com medidas que, tudo indica, promoverão mais justiça tributária e, consequentemente, aliviarão o bolso dos mais pobres.

Faz décadas que a tributação brasileira sobre consumo é criticada pela regressividade. Significa que, quanto menos se ganha, mais se paga. Injustiça define. A emenda constitucional promulgada em 2023 não é livre de assimetrias. Afinal, ainda há setores privilegiados com exceções, impedindo que a alíquota média fique abaixo dos 26,5% ora estimados. Mas é muito provável que os brasileiros de baixa renda percebam a diferença (para menos) nos gastos com produtos e serviços absolutamente essenciais. Nada trivial num país em que um em cada quatro lares enfrenta algum nível de insegurança alimentar; e onde mais da metade dos domicílios em situação severa — fome, portanto — tem renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo.

Rogério Furquim Werneck - Arcabouço da farra fiscal

O Globo

Como o governo tentou dissimular suas reais intenções na gestão das contas públicas

Já não há como disfarçar. O esgarçamento do quadro fiscal acabou tendo o desenlace que se temia. O relaxamento da meta fiscal para 2025 foi a pá de cal que faltava. Foi enterrada de vez a possibilidade de que o país ainda possa levar a sério o Novo Arcabouço Fiscal.

Com o benefício da visão retrospectiva, pode-se dizer que, por meses, o Arcabouço funcionou como um biombo com o qual o governo tentou dissimular suas reais intenções na gestão das contas públicas. O presidente jamais escondeu de ninguém que, uma vez eleito, faria o possível para se livrar do Teto de Gastos. Mas, como isso exigiria extrair do Congresso uma emenda constitucional, seria preciso, pelo menos de início, manter as aparências.

Marcos Augusto Gonçalves - Esquerda errou antes do golpe de 64

Folha de S. Paulo

Livro de Dênis de Moraes é esclarecedor; hoje PT é vitória institucional e direita quer se garantir 'na marra'

Como se desenhava o campo da esquerda e como partidos, organizações e lideranças atuaram no período que antecedeu o golpe de 1964?

Em nova edição, atualizada e ampliada, de seu livro "A Esquerda e o Golpe de 1964" (Civilização Brasileira), o jornalista e biógrafo Dênis de Moraes leva ao leitor respostas para essas e outras questões que ele levantou para si próprio antes de sentar para escrever: Por que a esquerda perdeu? Como explicar o fracasso na mobilização pelas reformas de base? Por que os setores progressistas se apresentavam tão divididos? Por que as lideranças populares foram sobrepujadas na arena ideológica em plena fase de ascensão do movimento de massas? Por que não resistiram?

As conclusões podem ser deduzidas de uma boa amarração interpretativa de pesquisas abrangentes e de depoimentos de personagens que participaram ativamente do momento histórico, entre os quais Celso Furtado, Francisco Julião, Gregório Bezerra, Darcy Ribeiro, Herbert de Souza, Frei Betto e Luiz Carlos Prestes.

Bernardo Mello Franco – Chibatada na História

O Globo

Depois de 114 anos, a Marinha continua a açoitar a memória de João Cândido. O comandante Marcos Sampaio Olsen pediu aos deputados que rejeitem a inclusão do navegante negro no Livro de Heróis da Pátria. Alegou que ele teria deixado um “reprovável exemplo de conduta para o povo brasileiro”.

No início da República, a Marinha ainda submetia os praças a castigos físicos. A Lei Áurea, que abolira a escravidão em terra firme, não havia chegado aos navios de guerra.

Em 1910, o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes foi amarrado ao mastro de um encouraçado e levou 250 chicotadas. A surra motivou a Revolta da Chibata, que obrigaria a Força Naval a suspender a rotina de maus-tratos.

Em carta enviada à Câmara, Olsen classificou o motim como “fato opróbrio” (vergonhoso) e “deplorável página da história nacional”. Descreveu seus participantes como “abjetos marinheiros”, que teriam ferido a hierarquia e a disciplina para “chantagear a nação”.

Música | Chico Buarque - João e Maria