segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Luiz Sérgio Henriques

Uma franja da esquerda busca pretexto no passado colonial para justificar o injustificável, da derrubada das torres de Nova York às chacinas de Paris. Mas a questão central são grupos dirigentes, como os que se afirmaram com George W. Bush, que não conseguem operar sem a presença real ou fantasmagórica do “inimigo total”. Em sua busca da “segurança absoluta”, própria, aliás, das tiranias do século 20, não só deflagram guerras preventivas de desfecho imprevisível, como a que, no Iraque, reacendeu tensões sectárias que ora deságuam em desconcertante califado, como também danificam a malha de direitos e liberdades que, só elas, dão sentido e força de atração às sociedades abertas.

Uma lição do século 20 é que os totalitarismos usaram como nunca a linguagem para incendiar a disputa política. Por essa trilha caminham agora os promotores da mercantilização da vida e os de uma reação fundamentalista de teor ideológico ou pseudorreligioso. Cabe aos democratas de todos os matizes afinar e definir as condições razoáveis do discurso público, em benefício geral.
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*Luiz Sérgio Henriques é tradutor, ensaísta e um dos organizadores das 'Obras' de Gramsci no Brasil. Site: www.gramsci.org. ‘Impasses hegemônicos’, O Estado de S. Paulo, 20.12.2015

Mandato de Dilma: PSDB aposta no TSE

Agora, PSDB aposta no TSE

• Tramitam no tribunal processos que podem cassar chapa formada por Dilma e Temer

Eduardo Bresciani, Maria Lima - O Globo

-BRASÍLIA- A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que dificulta o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a possibilidade de afastamento do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fizeram a oposição mirar agora nos julgamentos que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fará sobre a chapa da petista, que podem levar à cassação também do vice-presidente Michel Temer.

Isso levaria à convocação de novas eleições ou, conforme a jurisprudência da Corte, até mesmo à posse do segundo colocado, senador Aécio Neves (PSDB-MG). Essa possibilidade, porém, não agrada aos tucanos. O fundamento da tese que voltou a ganhar força no partido é que ninguém terá legitimidade para tirar o país da crise sem passar pelo voto popular — nem Temer, nem Aécio.

Os oposicionistas admitem que, com as decisões do STF sobre o rito do processo de impeachment, como a obrigação de eleição de uma comissão indicada pelos líderes e a palavra final sobre o afastamento cabendo ao Senado, ficou mais difícil tirar Dilma por esse caminho. E a possibilidade de o Supremo afastar Cunha, diante do pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), faz com que se reforce a expectativa pela decisão do TSE. Isso porque, caso se convoquem novas eleições, cabe ao presidente da Câmara assumir a Presidência da República até que se eleja o novo mandatário.

— Com essa nova realidade, o processo de impeachment fica indiscutivelmente mais difícil e o caminho do TSE será a salvação. Em março e abril, a crise será muito mais aprofundada, e o país vai precisar de uma saída via eleição e respaldada pela Constituição — diz o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB).

Credibilidade
A derrubada de Dilma pelo TSE é a posição preferida pelo PSDB, em especial pela ala de Aécio, que foi derrotado no segundo turno no ano passado, e aparece na liderança das pesquisas eleitorais realizadas ao longo deste ano. Parlamentares do partido argumentam que, devido ao comprometimento de integrantes do PMDB na Operação Lava-Jato, seria difícil uma retomada da credibilidade no país com Michel Temer na Presidência, o que ocorreria no caso de um impeachment.

— Seria incorreto o PSDB apoiar um governo Temer, principalmente porque ele teve participação ativa neste governo, neste modelo promíscuo de governar. O Temer no Planalto não significará mudança, será continuidade. Somos oposição e temos que continuar como oposição — defende o senador Alvaro Dias (PSDB-PR).

Essa opinião é compartilhada, neste momento, por outras lideranças do partido:

— Não é Temer que vai resolver. Ele e o PMDB são parceiros e cúmplices de toda esta situação. Afastar Dilma e Temer seria a melhor solução para o país — afirma outro cacique tucano.

Aécio evita descartar a defesa do impeachment de imediato, mas tem ressaltado em seus posicionamentos públicos o caminho da cassação da chapa como uma alternativa.

— Se a decisão do Supremo alegrou o governo, ela não altera o essencial. A presidente Dilma continua sem condições de tirar o Brasil desta enorme crise na qual o seu governo nos mergulhou. A pressão popular deve crescer sobre os parlamentares da mesma forma que o TSE avança nas investigações sobre dinheiro de propina na campanha de 2014 da presidente. Algum desfecho vai ter que haver. Manteremos a pressão — escreveu o senador em suas redes sociais na última sexta-feira.

Tramitam no TSE cinco processos que podem resultar na cassação da chapa formada por Dilma e Temer. A Ação de Impugnação de Mandato Eleitoral (Aime) é tida como a que tem condição de ir a julgamento primeiro. Esse processo reúne acusações de como a máquina pública teria sido usada por Dilma para conseguir a reeleição e recebeu ainda as delações premiadas da LavaJato, cujo compartilhamento foi deferido pelo STF. Na semana passada, o PSDB pediu que fossem ouvidos seis delatores, como o dono da UTC, Ricardo Pessoa, e o ex-consultor da Toyo Setal Júlio Camargo.

— Com isso, acho que teremos condições de formar uma prova mais consistente. Havendo também uma produção de prova própria — disse ao GLOBO o advogado José Eduardo Alckmin, que representa os tucanos na ação.

O advogado acredita que eventual arquivamento do impeachment não criaria constrangimentos ao TSE, desde que fiquem demonstrados abusos na campanha da presidente Dilma que são apontados na acusação, como uso de mensagens por celular dizendo que se Aécio ganhasse ia acabar com o Bolsa Família; uso da máquina pública; uso irregular de cadeia de rádio e TV; e recebimento de recursos de origem ilegal, como dinheiro desviado da Petrobras. Recentemente, os tucanos anexaram no tribunal o parecer do TCU sobre as “pedaladas fiscais” do governo, que poderiam constituir abuso de poder político na opinião dos tucanos.

Alckmin rejeita também a estratégia empreendida por Temer para tentar dissociar a sua defesa da de Dilma. O vice constituiu um advogado próprio, Gustavo Bonini Guedes, para acompanhar o processo no TSE em seu nome.

— Em princípio, não tem como dissociar. Nesse caso, a contaminação atinge a chapa inteira, do presidente da República e do vice. Temer foi beneficiado por eventuais fraudes ou abusos na campanha. É da jurisprudência pacífica que a cassação da chapa não é para punir o candidato, mas para restabelecer a verdade das urnas e proteger a eleição — disse o advogado.

Mudança de rota
Quando o presidente da Câmara aceitou o pedido de impeachment, no último dia 2, lideranças da oposição avaliaram que esse era um caminho sem volta para o fim da gestão da presidente Dilma. A previsão era que, a partir daquele momento, haveria uma mobilização das ruas.

Os oposicionistas chegaram a fazer uma comparação com o processo de impeachment do ex-presidente Collor, que, entre a manifestação do dia 7 de setembro em que os caras-pintadas foram para as ruas de preto, e a abertura do processo na Câmara, no dia 29, levou 22 dias.

No caso de Dilma, 11 dias após a abertura do processo de impeachment as manifestações pelo afastamento da presidente foram menores do que o esperado pela oposição. Organizadores minimizaram a baixa adesão, afirmando que foi um “esquenta” para o ano que vem.

Horas antes de Cunha anunciar a abertura do processo de impeachment, integrantes do PSDB almoçaram com Temer, no Palácio do Jaburu. Internamente, os tucanos discutiam a conveniência e a forma de participação em um eventual governo de transição comandado pelo vice-presidente, caso Dilma fosse afastada. Tucanos relataram terem entendido que Temer, em um eventual governo de transição com caráter de união nacional, descartaria um projeto político pessoal e não se candidataria em 2018.

Uma ala do PSDB defendia, naquele momento, apoio ao eventual governo de transição para tirar o país da crise. Outra, comandada por Aécio, mais cautelosa, dizia que era preciso avaliar bem o embarque, olhando para além da turbulência política. O temor era que o PSDB passasse a ser atacado pelo PT como sócio das dificuldades, em 2018.

Pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra que a reprovação do governo Dilma caiu nos últimos quatro meses. Após atingir 71% em agosto, o índice declinou por dois meses seguidos e chegou a 65% em dezembro. Já o percentual dos que consideram o governo Dilma ótimo ou bom passou de 8%, em agosto, para 12%.

Também caiu, segundo o Datafolha, o índice das pessoas que acham que a presidente da República deve renunciar ao mandato. Em novembro, 62% dos entrevistados achavam que ela deveria deixar o cargo. Um mês depois, o número caiu para 56%.

Questionados se os deputados devem votar pelo impeachment de Dilma, 60% das pessoas responderam que sim. Em novembro, 65% achavam que o Congresso deveria abrir processo para afastar a presidente.

O Datafolha pesquisou também a percepção dos eleitores sobre um possível governo Temer. Dos eleitores entrevistados, 58% disseram que Temer faria um governo igual ou pior que o de Dilma.

Com crise, judicialização da política vira rotina

• Disputas na Câmara e entre Executivo e Legislativo só foram resolvidas após decisões da Justiça

Eduardo Bresciani - O Globo

-BRASÍLIA- A crise política envolvendo a presidente Dilma Rousseff e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), fez crescer ao longo do ano de 2015 a tão criticada “judicialização da política”. Provocada pela atuação dos próprios parlamentares, a interferência do Judiciário no Legislativo permeou o debate de quase todos os temas importantes do Congresso ao longo do ano, com recursos frequentes ao Supremo Tribunal Federal (STF), culminando com a Corte determinando, na semana passada, como será o rito do processo de impeachment.

Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, o deputado Wadih Damous (PT) afirma que os recursos frequentes ao Judiciário contribuem para o apequenamento do Legislativo. Ele próprio, porém, foi dos que mais utilizaram do expediente ao longo de 2015, em seu ano de estreia na Câmara. Atribui as buscas que fez pelo STF como tentativa de evitar arbítrios de Cunha.

— Com o momento que estamos vivendo, com um presidente da Casa que é um homem reconhecidamente autoritário, truculento e que violenta a lei, a Constituição e o regimento, muitas vezes somos forçados a fazer o que não gostamos, procurar o Judiciário para arbitrar questões geradas na política. Você é forçado a fazer, porque não resta outra alternativa, tamanhas são as violações que o deputado Eduardo Cunha comete na arbitragem política que deveria fazer — justifica o petista, que complementa: — Esse protagonismo indevido do Judiciário, que tem até um fundo autoritário, mostra uma imaturidade do Parlamento em resolver seus próprios conflitos, seus próprios problemas. Essa fraqueza acaba gerando essa judicialização constante.

O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) é outro que culpa Cunha pelo aumento da busca pelo Judiciário.

— Este ano, a busca maior pelo Supremo se deveu às constantes e graves violações perpetradas pelo presidente da Câmara, que usou vários instrumentos para desrespeitar as regras para impor seu posicionamento político — afirma Molon.

Ministros do STF criticam
Além do impeachment, todos os grandes temas debatidos pela Câmara tiveram capítulos no Judiciário. Foi assim nos debates sobre a redução da maioridade penal, a reforma política, a regulamentação da terceirização e até a criação de uma CPI para investigar a Fundação Nacional do Índio (Funai). Na maioria das vezes, os ministros do STF optaram por não se intrometer nas questões, por entender que os assuntos deveriam ser resolvidos dentro do próprio Congresso.

A constante busca pelo Judiciário já provocou críticas, inclusive, de ministros do Supremo. Gilmar Mendes afirmou em entrevista antes do julgamento do processo de impeachment que não cabe ao Judiciário determinar como o Congresso deve funcionar.
— Devemos ter muito cuidado na intervenção nesse tipo de matéria, para não virarmos uma casa de suplicação geral. Os temas têm que ser encaminhados no âmbito do Congresso — afirmou o ministro.

Crítico da busca pelo Judiciário por seus adversários, o presidente da Câmara afirma que os recursos judiciais se transformaram em mais uma etapa da disputa política.

— Temas polêmicos acabam gerando discussões em que quem perde no voto quer às vezes reverter no tapetão. Tem muita coisa que acaba fazendo com que tentem transferir o poder do Legislativo para o Judiciário. Vejo isso como mais uma etapa da disputa política — afirmou Cunha ao GLOBO, por mensagem de WhatsApp.

Cunha recorreu ao Supremo
O próprio Cunha, porém, foi ao STF questionar decisão interna da Câmara. Ele recorreu à Corte pedindo que Fausto Pinato (PRB-SP) fosse retirado da relatoria do processo a que responde no Conselho de Ética. O ministro Luís Roberto Barroso negou a troca, mas apontou como caminho para a substituição uma decisão da Mesa Diretora da Câmara. Posteriormente, o vice-presidente da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), deu a decisão determinando a saída de Pinato. Cunha nega que seu recurso tenha representado uma incoerência ao discurso que faz.

— Isso é outra coisa. É meu direito ao devido processo legal, cumprir o regimento — afirma o presidente da Câmara.

O líder do PPS, Rubens Bueno (PR), avalia que a maior judicialização é um sinal da “degradação da política” e um retrato de que o país não vive uma total normalidade.

Debate sobre o impeachment deve voltar ao Supremo

Governo e oposição ameaçam levar embate sobre impeachment de volta ao Supremo

• Governistas prometem recorrer à Corte para barrar tentativa de alterar regimento da Câmara para viabilizar candidaturas avulsas na Comissão Especial que trata do processo; Eduardo Cunha adianta que deverá pedir pronunciamento do STF sobre a definição do rito

Ricardo Brito, Carla Araújo - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo e o PT decidiram que vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal para barrar uma eventual manobra articulada pela oposição para tentar, a partir de uma alteração no regimento interno da Câmara, viabilizar as candidaturas avulsas na Comissão Especial que analisará o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), adiantou que provavelmente entrará com embargos de declaração no Supremo a fim de ter clareza sobre o alcance da decisão da Corte da semana passada que definiu o rito do processo que envolve a petista.

Os dois possíveis movimentos são mais um lance no embate que pode levar, de novo, as regras para o processo do impeachment para o STF. O governo saiu vitorioso ao ter a maioria das suas teses aceita pelo Supremo. A oposição, por outro lado, aposta em regras mais favoráveis para a votação do impedimento da presidente ou, numa estratégia alternativa, adiar a apreciação do caso ao máximo a fim de garantir maior apoio popular para afastar Dilma.

No julgamento sobre o rito, a maioria do STF entendeu não ser possível a formação da Comissão Especial a partir de candidaturas avulsas. Foram elas que permitiram a eleição de uma chapa de deputados mais favorável ao impedimento da presidente. Segundo o Supremo, caberia somente aos líderes partidários a decisão de fazer essas indicações.

Cunha pretende discutir hoje, na reunião de lideranças partidárias, o projeto do líder do DEM na Casa, Mendonça Filho (PE), que altera o regimento interno para prever que serão admitidas tanto as indicações dos líderes partidários “como candidaturas avulsas oriundas do mesmo bloco ou partido” para eleger membros da comissão.

Para Mendonça Filho, embora o atual regimento não preveja as candidaturas avulsas, ele pode ser alterado para garanti-las. Ele avaliou que as indicações para a comissão feita pelos líderes – conforme decisão do Supremo – podem ser rejeitadas na votação em plenário. Essa recusa pode levar a um impasse, uma vez que não teria como fechar todos os nomes da comissão. A proposta de Mendonça seria um caminho para solucionar uma situação dessa. “Decisão do Supremo tem que ser respeitada, mas elas não são eternas”, disse.

Para os defensores de Dilma, uma mudança no regimento interno estaria em desacordo com a posição do STF. “Se estão querendo forçar a mão para atropelar a decisão do Supremo e afastar a presidente Dilma sem provas, vai cair no Supremo de novo”, afirmou o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. “A escolha por chapa avulsa não é possível porque fere a autonomia e a fidelidade partidárias previstas na Constituição”, disse o advogado que representa o PT, Flávio Caetano.

‘Sobrepujar’. Dois ministros da Corte ouvidos pelo Estado disseram que, ao menos para o rito do impeachment, não é possível alterar para prever a eleição de candidaturas avulsas. “É tentar sobrepujar um pronunciamento do Supremo”, disse Marco Aurélio Mello. “Para casos futuros pode até haver mudanças, mas não acho que o tribunal aceitaria para o impeachment”, afirmou outro ministro reservadamente.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), descartou a possibilidade de o projeto de Mendonça entrar em discussão hoje. “O Congresso já está em recesso. Está parado, não vai ter nada”. O último dia de trabalho parlamentar antes do recesso é amanhã.

Eduardo Cunha disse ainda não ter conversado com os advogados da Câmara nem analisou a decisão do Supremo para tomar uma posição. “Não debati ainda, não vi a ata, só amanhã (hoje) estudarei uma posição”, disse. Ele não quis comentar a possibilidade de o governo preparar para um “contra-ataque” antecipado.

STF ocupou espaço vazio deixado pelo Congresso

Oscar Vilhena – Folha de S. Paulo

Como avaliar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o ritmo do impeachment na última quinta-feira?

Avançou sobre as competências do Congresso, interferindo indevidamente num processo de natureza eminentemente política? Ou simplesmente limitou-se a assegurar as bases do devido processo legal, neutralizando os abusos perpetrados por Eduardo Cunha?

Para responder a essas perguntas é importante ter em mente que o Supremo só foi tragado para essa disputa porque o Congresso não se deu ao trabalho, mesmo depois do impeachment de Collor, de compatibilizar a lei 1.079 de 1950, que estabelece os crimes de responsabilidade, assim como seus ritos processuais, com os termos da Constituição de 1988.

Logo não há que se falar em usurpação. O que o Supremo fez foi ocupar um espaço vazio deixado pelo legislador.

Em primeiro lugar, e talvez isso tenha sido o mais importante, o tribunal não caiu na armadilha de decidir sobre a existência ou não de uma justa causa para o prosseguimento do processo.

Deixou claro que a natureza dos crimes de responsabilidade não é penal, mas político-administrativa. Mais do que isso, não aceitou o argumento de que o processo somente seria válido se julgado por parlamentares imparciais. Assim, definiu que o processo também tem natureza prevalentemente política e que a última palavra caberá ao Parlamento.

Seu esforço, portanto, foi estabelecer, na omissão do legislador, um procedimento compatível com a Constituição. O que não é questão banal, pois é da integridade do procedimento que decorre a legitimidade da decisão.

Quatro foram as questões decididas. Em primeiro lugar ficou definido que o voto para a composição das comissões especiais, na Câmara e no Senado, deve ser aberto.

Isso não é apenas uma consequência do princípio republicano da transparência, mas decorre do fato de que a Constituição somente admite votações fechadas quando ela expressamente autorizar. O que não ocorre nesse caso.

Decidiu, então, que a indicação para compor essas comissões deveria ser feita pelos lideres. Não há na letra da Constituição algo que indique ser essa a única alternativa para resolver a questão.

Nesse sentido, o Supremo deveria ter sido mais deferente, rendendo ao Parlamento a solução do problema. Até porque, caso os plenários não aceitem as propostas dos lideres, o STF terá levado o processo a um beco sem saída.

Decidiu, ainda, que ao Senado cabe o juízo de admissibilidade, o que não chega a ser uma interferência, pois é uma decorrência direta do regime de impeachment adotado pela Constituição de 1988.

A crítica aqui não deve ser dirigida ao Supremo, mas à própria Constituição que diminuiu o papel da Câmara.

Ainda sobre essa etapa do rito, afastou a ideia estranha de que a instauração do processo no Senado, da qual decorre a suspensão temporária do presidente, exigiria 2/3 dos senadores. Prevaleceu o quorum de maioria simples.

O impeachment é um instrumento de controle do abuso presidencial.

Os termos do que pode ser enquadrado são amplos, mas a arquitetura do processo dificulta em muito a perda de um mandato presidencial.

O que não é ruim para a democracia.

Dilma depende de aliança pouco segura com Renan

Por Andrea Jubé – Valor Econômico

BRASÍLIA - A relação entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e a presidente Dilma Rousseff parece uma lua-de-mel, mas é também um cabo de guerra, que tem como pano de fundo o impeachment e a Operação Lava-Jato. Com o poder dado pela decisão do Supremo Tribunal Federal, que atribuiu ao Senado a palavra final no processo, Renan assume um dos papéis principais no destino político da presidente.

O Planalto nega, mas aliados de Renan acreditam que permanecer do lado do governo em tempos de Lava-Jato garante uma blindagem. Outro motivo para o apoio a Dilma é a disputa interna com o vice-presidente Michel Temer no PMDB.

Já o governo tem como certo o apoio dos senadores, liderados por Renan, Eunício Oliveira (CE) e pelo ex-presidente José Sarney. O Planalto confia em Renan, mas o olha de esguelha. Auxiliares de Dilma lembram que o pemedebista foi líder do governo na Câmara do então presidente Fernando Collor, e dois anos depois despontou como testemunha-chefe na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as denúncias de corrupção em seu governo e apoiou o impeachment. "Mas foi Collor quem traiu Renan", ressalva um aliado.

Fidelidade de Renan depende de rumos da Lava-Jato
A relação entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e a presidente Dilma Rousseff parece uma lua de mel, mas na verdade é um cabo de guerra, que tem como pano de fundo o impeachment e a Operação Lava-Jato. Empoderado pela decisão do Supremo Tribunal Federal que deu ao Senado a palavra final sobre a abertura do processo, Renan reassume, 23 anos depois, um dos papéis principais no impedimento de um presidente da República. No passado, migrou de aliado a acusador de Fernando Collor. No presente, veste o figurino de governista. Mas se Renan tornar-se réu na investigação, puxará a corda com mais força, e poderá derrubar Dilma.

A autorização da quebra dos sigilos bancário e fiscal de Renan, revelada na sexta-feira, traz novo ingrediente de tensão na relação com o Planalto. A Lava-Jato bateu à porta do pemedebista, com a busca e apreensão na sede do PMDB de Alagoas, do qual é presidente, bem como nas residências de aliados próximos, como o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Também vieram à tona trechos da delação premiada do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, afirmando que teria pago propina de US$ 6 milhões a Renan e ao senador Jader Barbalho (PMDB-PA), e outra de US$ 2 milhões para o senador Delcídio do Amaral (PT-MS).

"É informação falsa e velha, ele diz a mesma coisa que Fernando Baiano", rebate um interlocutor de Renan. Este interlocutor lembra que no áudio da conversa em que Delcídio planeja a fuga de Cerveró, ele comenta com o advogado Edson Ribeiro a "ausência de provas" contra Renan. "Tem mais coisas do Renan? Não tem...", diz Delcídio. "Acho que o Fernando [Baiano] fala nele", responde Ribeiro. "Fala, mas remetendo ao Nestor [Cerveró]", explica o petista.

O pemedebista e seus interlocutores são veementes ao afirmar que não existem provas concretas contra ele. "Não há materialidade nos fatos", disse o próprio Renan a um senador em diálogo recente relatado ao Valor. Aliados do pemedebista afirmam que o relator da investigação no STF, ministro Teori Zavascki, negou o pedido da Procuradoria Geral da República para realização de busca e apreensão na residência oficial porque não havia indícios suficientes para autorizá-la.

O Planalto nega, mas aliados de Renan acreditam que permanecer ao lado do governo em tempos de Lava-Jato garante alguma blindagem. Se não no mérito, ao menos no ritmo da investigação. O pemedebista responde a seis inquéritos no Supremo, cujas investigações são prorrogadas sucessivamente pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Entre pemedebistas, a interpretação da Operação Catilinárias é de que o alvo era o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas a ação da Polícia Federal no entorno de Renan também foi um recado ao presidente do Senado.

Renan intensificou os sinais de apoio a Dilma justamente na semana em que a Lava-Jato esbarrou nele. O aceno mais notório foi a provocação ao vice-presidente Michel Temer em meio à disputa interna no PMDB. Renan responsabilizou Temer pelo agravamento da crise política, com a centralização das regras de filiação no partido. O Planalto suspeita que Temer estimula, nos bastidores, a aliança entre dissidentes do PMDB e a oposição a favor do impeachment.

Os dois caciques nunca foram próximos. Em abril, a relação deteriorou-se depois que Temer, ao assumir a coordenação política do governo, retirou de um aliado de Renan, Vinícius Lages, o comando do Ministério do Turismo, para acomodar no cargo o ex-presidente da Câmara Henrique Alves, de seu núcleo próximo.

O Planalto aposta na divisão do PMDB e tem como certo o apoio dos senadores, liderados por Renan, Eunício Oliveira (CE) e pelo ex-presidente José Sarney. A afirmação de que "Temer não sabe onde fica o escaninho do Senado" para justificar a alegação de que ele não tem trânsito entre os senadores do PMDB é voz corrente entre aliados de Renan.

Dilma tem se reunido a sós com Renan, investindo no apoio do PMDB do Senado. No dia seguinte à abertura do impeachment, chamou Renan cedo no Planalto. Na quinta-feira, um dia após o entrevero entre Renan e Michel Temer, Dilma convidou o presidente do Senado para almoçar no Palácio da Alvorada, junto com o chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. A mudança na Casa Civil arejou a relação do Planalto com Renan, que não gostava de Aloizio Mercadante. Renan nunca digeriu o discurso de Mercadante em 2007, quando o então senador petista subiu à tribuna para cobrar a renúncia do pemedebista da presidência da Casa.

O Planalto confia em Renan, mas o olha de esguelha. Em abril, quando a relação desafinava, Renan ameaçou votar a autonomia do Banco Central, um tema que desagrada o Planalto. Auxiliares de Dilma temem um rompimento, como ele fez no passado. Lembram que o pemedebista foi líder na Câmara do então presidente da República, Fernando Collor, e dois anos depois denunciou um esquema de corrupção no governo e defendeu o impeachment.

"Mas foi Collor quem traiu Renan", rebate um aliado.

Ele relata que em 1990, então líder do governo, Renan contava com o presidente da República ao seu lado na disputa para o governo de Alagoas, mas Collor deu apoio discreto a outro aliado, o deputado federal Geraldo Bulhões, que venceu o pleito. Renan apontou fraude nas eleições, acusou Collor de traição e deixou o PRN. Em 1992, seria testemunha-chave contra Collor na comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investigou as denúncias de corrupção.

Dilma e Renan ganham na preservação dessa aliança contra o impeachment. O problema é que se baseia, precipuamente, no imponderável: os rumos da Lava-Jato, que atemoriza o mundo político. (Colaborou Maíra Magro)

Ciro Gomes critica a oposição, mas diz que gestão Dilma é ‘indefensável’

• Ex-ministro afirma que Dilma se aliou à ‘turma do ramo da esculhambação’

- O Globo

Cotado para a disputa presidencial de 2018, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) afirmou que o vice-presidente Michel Temer se comporta como “ombudsman” do governo, tentando se eximir de responsabilidade, e criticou a aliança feita pela presidente Dilma Rousseff com a “turma do ramo da esculhambação” do PMDB. Apesar de considerar a gestão Dilma “praticamente indefensável”, ele afirmou que não há motivo para impeachment. As declarações foram dadas no programa “Preto no Branco”, do jornalista Jorge Bastos Moreno, no Canal Brasil:

— O PMDB faz o quê? Não se responsabiliza por nada, tem hoje sete ministros. E o Michel Temer mandando cartinha com mi-mi-mi, como se fosse um ombudsman do governo. Um homem que posa de jurista e vai dizer que as assinaturas dele nos decretos das pedaladas não são de responsabilidade dele.

No início do mês, Temer enviou uma carta a Dilma com queixas a respeito do tratamento dispensado a ele. O documento era repleto de reclamações sobre cargos e questões pessoais.

— Como é que um vice-presidente da República manda uma carta para a presidente da República: “A senhora demitiu meu amiguinho”, “A senhora chamou a Beyoncé para jantar e não me chamou também”? — disse o ex-ministro.

Ciro também criticou a postura adotada pelo presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), depois de ser derrotado nas eleições presidenciais do ano passado. E disse que o comportamento do tucano contrasta com o que ele teve no escândalo do mensalão, quando “ajudou num bastidor digno, correto e decente”:

— Política não é MMA, UFC. Ele agora está no UFC.

Para Ciro, tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto Fernando Henrique Cardoso estão prestando um “desserviço” ao país. Questionado se acha Lula honesto, Ciro disse que não:

— Na vida pública não basta não roubar. Eu acho que ele não rouba, mas é preciso cumprir a outra tarefa de não deixar roubar. Eu acho que ele não está nem aí — afirmou Ciro, que foi ministro de Lula.

Segundo Ciro, FH também não mantém uma postura adequada para um ex-presidente e estaria “comprometendo, pelo menos para a atual geração, uma biografia brilhante”:

— O Fernando Henrique sabe como é que fazem os ex-presidentes americanos e franceses que ele cultiva com tanto carinho. Aqui está vulgarizado, costeando, como dizia o Brizola, o alambrado do golpe.

Já quanto ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ex-ministro aposta que sua prisão é questão de tempo:

— Esse o brasileiro vai assistir indo para a cadeia. É só termos um pouco de paciência com os tempos. As instituições brasileiras estão funcionando, eu acredito que assistiremos (à prisão de Cunha) e que não demora.

Fundações de PMDB e oposição se articulam

• Entidade peemedebista e similares do PSDB, DEM e PPS discutem ‘agenda programática’

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

A Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, se uniu às fundações Teotônio Vilela, do PSDB, Liberdade e Cidadania, do DEM e Astrogildo Pereira, do PPS, para elaborar uma “agenda programática” que sirva de lastro para a construção de uma coalizão entre as siglas em um eventual governo Michel Temer.

A aproximação, que conta com o aval do vice-presidente, representa o primeiro movimento institucional do PMDB no campo da oposição. O partido está dividido sobre o impeachment, mas comanda seis ministérios no governo Dilma Rousseff. A articulação começou antes de o Supremo Tribunal Federal definir, na quinta-feira passada, o rito do processo de afastamento da presidente – o que foi considerado uma vitória do governo. A primeira reunião conjunta, que ocorreria na última semana, foi remarcada para janeiro.

“O impeachment, que antes era uma queda de braço entre o presidente da Câmara e a presidente da República, agora é uma realidade”, disse o ex-ministro da Secretaria de Aviação Civil (SAC) Moreira Franco, que atualmente preside a Fundação Ulysses Guimarães. “Duas agências rebaixaram o grau de investimento do Brasil, que está com nome sujo no mercado. Quando se trata de economia, temos que trabalhar com coisas objetivas”, afirmou.

A fundação foi a responsável pela elaboração do documento “Ponte para Futuro”, que diverge de propostas do PT e do governo para a economia. Entre as medidas sugeridas estão o fim das vinculações constitucionais para os gastos com saúde e educação e não ao aumento de impostos.

“Precisamos conversar com as forças políticas sobre o que podemos fazer em uma eventual saída dela (Dilma)”, disse o ex-deputado José Aníbal, presidente do ITV. O tucano fala em “preservar direitos dos trabalhadores e programas sociais”, mas ressalta que a iniciativa tem por objetivo “passar confiança ao mercado, já que os investimentos que estão paralisados”.

Um dos consensos do grupo é a oposição à recriação da CPMF, medida que está entre as prioridades do Palácio do Planalto no Congresso em janeiro. “Há consenso entre nós de não aprová-la. Todos os economistas com quem conversamos dizem que essa não é a solução”, afirmou o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), que representa o DEM no colegiado.

Ele diz que a ideia é unificar o discurso entre as legendas “para que o Brasil tenha algum horizonte no futuro”. O deputado do DEM também exalta o documento da Fundação Ulysses Guimarães como referência e diz que o texto do PMDB tem muitos consensos que não estão sendo seguidos pelo atual governo. “Vamos lançar um documento das fundações que depois serão discutidos pelos partidos”, afirma

Aleluia. O coletivo de fundações pretendia formalizar publicamente a aliança ainda este mês, mas postergou para janeiro devido ao acirramento da crise na Câmara.
“A ideia é juntar as fundações para pensar em um programa unificado concreto para o caso de haver impeachment”, disse o deputado Roberto Freire (SP), presidente nacional do PPS.

Para os tucanos, a articulação entre os braços teóricos partidários é visto também como uma forma de buscar um consenso no caso de a chapa Dilma/Temer ser cassada pelo TSE. “Um (eventual) próximo governo, com ou sem o Michel Temer, vai ter que ser de transição. É preciso buscar um pacto amplo, do qual não excluo nem mesmo remanescentes do PT”, afirmou o ex-governador Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB.

Para Aécio, Temer foi parceiro da gestão que fez o Brasil voltar 20 anos

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB, acredita que os tucanos não devem "nem sequer pensar em cargos" em um eventual governo capitaneado pelo hoje vice-presidente Michel Temer (PMDB). A fala coloca um freio aos acenos de integrantes de sua sigla na direção do peemedebista.

Em entrevista à Folha, Aécio critica o partido do vice e diz que o PSDB não pode se aliar a uma gestão que não sabe "de que forma se colocará". "O método será o que vigorou na última década, do qual o PMDB foi parceiro?", indaga o tucano.

Para o senador, a ação que questiona a eleição de Dilma no TSE e o processo de impeachment devem correr paralelamente. Ele diz que o governo da petista "já não existe". "O que resta agora é definir qual é o instrumento para que ela saia."

Após a realização dessa entrevista, na quinta-feira (17), Aécio enviou um comentário sobre a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa na Fazenda: "A saída de Levy e a nomeação do 'arquiteto da nova matriz econômica' sinalizam perigosamente na direção oposta ao necessário equilíbrio das contas públicas. Foi, sem dúvida, uma vitória do PT, e como sempre acontece quando o PT vence, quem perde é o Brasil."

Folha - Que balanço o sr. faz desse ano?

Aécio Neves - O governo da presidente Dilma acabou. Esta é a constatação. E acabou de forma trágica, fez o Brasil retroceder 20 anos nas conquistas econômicas, na credibilidade e também nas conquistas sociais, na vida das pessoas. Vamos ter um desemprego de mais de 10% e a inflação também acima de 10%. O conjunto da obra é algo que talvez nem o mais pessimista dos brasileiros imaginaria. O que resta agora é definir qual é o instrumento para que ela saia. O governo já não existe.

Muita gente vê nesse discurso o sinal de que a eleição de 2014 não acabou.

Ao contrário. Telefonei para a presidente e reconheci a derrota. Hoje temos a tempestade perfeita, mas ela foi construída com a irresponsabilidade do governo aliada à sensação de impunidade que permitiu o maior saque aos cofres públicos de que se tem notícia. O descumprimento das leis de Responsabilidade Fiscal e Orçamentária foi feito de forma deliberada para ganhar a eleição.

Mas os atos que embasam o pedido de impeachment são suficientes para afastar uma presidente que foi eleita?

A questão é: o voto legitima o mandato? Legitima, desde que alcançado de forma lícita. A LRF foi descumprida. Bancos públicos não podem financiar os seus controladores. A presidente pode criar decretos sem o aval do Congresso? Não. Pela legislação atual, é suficiente. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) investiga se houve propina na campanha e abuso de poder político. Não se pode dizer qual será o caminho, se impeachment, cassação da chapa eleitoral ou renúncia, mas acho que a presidente não governará o país por muito mais tempo.

Os presidentes da Câmara e do Senado estão sob investigação. Esse Congresso tem autoridade para afastar Dilma?

Esse Congresso foi eleito. E enquanto não houver o afastamento de algumas dessas pessoas é ele que deve cumprir sua missão constitucional e julgar o impeachment. É óbvio que hoje o Congresso está maculado mas, ao meu ver, isso não retira da Câmara no seu conjunto, e tampouco do Senado, as suas prerrogativas constitucionais.

O PSDB se aliou à agenda de Eduardo Cunha. O partido demorou a perceber a quem estava se alinhando?

Ouço a crítica com humildade, mas tenho o dever de relembrar, até para registro histórico, o comportamento do PSDB. O PSDB não apoiou a candidatura do Eduardo Cunha à presidência da Câmara. Apoiou a do Júlio Delgado (PSB-MG).

Quando Cunha vence, se coloca como oposição e oferece, à luz do dia, espaços de atuação política ao PSDB —relatorias, vagas em CPIs... Tudo à luz do dia. No momento em que vieram as denúncias, fui o primeiro a dizer que eram graves. Quando vieram as respostas, também disse que elas eram insuficientes e que, não havendo justificativa aceitável, a nossa posição era pelo afastamento do presidente da Câmara.

Hoje ele atrapalha o andamento do impeachment?

Acho que a situação dele chegou a um ponto insustentável. As denúncias se avolumam, as respostas são muito pouco consistentes e o processo do Eduardo Cunha, de alguma forma, se coloca como diria o poeta da minha terra: 'No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho'. Tem o Eduardo Cunha no meio do caminho e essa questão terá que ser resolvida.

O presidente do Senado também é investigado.

Tem que ser apurado. O que houve é que o episódio do Eduardo Cunha contaminou excessivamente outros processos na Câmara. Existe mais luz, digamos, colocada sobre ele. Mas todos têm que responder.

O sr. fala do impeachment, mas ressalta a possibilidade de cassação no TSE. Essa instabilidade não é sacrificante?

Sacrificante é não se cumprir a lei. Esse é o pior dos desfechos. O julgamento do Supremo que estabeleceu o rito do impeachment jogou por terra o discurso do golpismo. Não há golpismo com a participação do STF. E as coisas correrão paralelamente. Por isso a preocupação do vice-presidente Michel Temer em tentar descolar sua prestação de contas eleitoral da presidente, o que, ao meu ver, não tem sentido.

A decisão do STF foi vista como uma vitória do governo...

Vitória de Pirro. O essencial não mudou e a presidente continua incapaz de inspirar a confiança mínima que seria necessária para que a roda da economia voltasse a girar e a sangria dos empregos fosse estancada. Além disso, o efeito colateral pode não ser agradável, com as atenções se voltando para o TSE.

O sr. será candidato ao Planalto numa eleição tampão?

O PSDB terá candidato quando as eleições ocorrerem. O que não falta são nomes. O partido vai saber definir na hora certa. É obvio que tanto eu, como o governador [de São Paulo] Geraldo Alckmin, o senador José Serra e outros governadores temos que estar prontos para isso.

Alguns tucanos defendem que, se houver impeachment, o PSDB deve integrar a gestão Temer. O sr. concorda?

Apoiamos o impeachment porque estamos convencidos de que a presidente cometeu crimes que o justificam, mas, acontecendo o afastamento e assumindo o vice, passa a ser dele a responsabilidade de propor um novo projeto. A posição da maioria do partido e a minha é de que não devemos nem sequer pensar em cargos. Não nos negaremos a ajudar o Brasil naquilo que for essencial, mas será muito mais confortável fazermos isso por meio de uma agenda, sem pensar em participar de um governo que não sabemos de que forma se colocará.

Como assim?

O método será o que vigorou na última década, do qual o PMDB foi parceiro? Da distribuição de nacos do poder sem qualquer critério? Não falo de um passado remoto, falo de meses atrás. Com a participação do PMDB, a máquina pública vem sendo degradada, ocupada, assaltada por membros de várias forças partidárias. O PSDB não pode perder a referência que tem hoje e não colocará a sua determinação de construir um novo modelo de país para ocupar cargos. Isso não significa que vamos virar as costas para um eventual governo do vice.

Qual a impressão pessoal que tem de Temer?

O presidente Michel é um homem de bem, cordato, afeito ao entendimento. Mas, até aqui, ele foi um instrumento desse governo que acabou com o Brasil. Ele foi um parceiro permanente e ativo da gestão que fez o Brasil retroceder 20 anos.

Julga que ele terá condições de governar o país?

Se for para manter esse 'modus operandi' no qual o PMDB se especializou ao lado do PT nesses últimos anos, terá muitas dificuldades. Tenho respeito pessoal pelo presidente Michel, mas ele terá que demonstrar um rompimento claro com tudo isso para ter o nosso apoio. E tenho uma convicção pessoal: só enxergo o Brasil resgatando sua credibilidade e esperança no momento em que um novo governo for eleito. E, obviamente, essa legitimidade do voto faltará ao presidente Michel.

Em 2005, quando houve o mensalão do PT, o PSDB optou por não pedir o impeachment de Lula. Agiu certo?

Me incluo entre essas pessoas e hoje somos muito cobrados por isso. Naquele momento, não tínhamos o sentimento de que havia essa operação sistêmica montada no Estado brasileiro. O Lula representava mais do que uma candidatura do PT: ele era a ascensão de classes, tinha uma carga simbólica. Certo ou errado, foi o que fizemos. Não desejo mal ao ex-presidente. Ele próprio se encarregou de jogar fora grande parte da sua biografia.

Espanha: Partido Popular ganha eleição

Com 28,7% dos votos, o Partido Popular, do presidente Mariano Rajoy, venceu, mas terá que formar uma coalizão.

Eleição ganha, maioria perdida

• PP consegue manter liderança no Parlamento, mas terá de lidar com fragmentação inédita

- O Globo

-MADRI- O Partido Popular (PP) espanhol garantiu a continuidade da liderança no Parlamento por mais quatro anos nas eleições de ontem. O grande vencedor do pleito, porém, foi a ruptura. Insatisfeitos com uma série de casos de corrupção e com uma elevada taxa de desemprego, eleitores deram fim ao histórico bipartidarismo do país, exigindo do vencedor — não mais detentor da maioria absoluta das 350 cadeiras da Câmara dos Deputados — a habilidade de conseguir formar pactos com adversários diante de uma inédita fragmentação. PP e Partido Socialista (PSOE), que alternavam o poder desde a década de 1980, agora dividem significativamente os assentos com o Podemos e o Cidadãos.

O PP, do atual presidente do Governo, Mariano Rajoy, obteve 123 assentos, 54 menos do que as 176 cadeiras necessárias para uma maioria absoluta. Em 2011, o partido conquistou 186 vagas. Até agora, nunca uma legenda espanhola havia governado com menos de 156 vagas. O PSOE ficou em segundo lugar, com 90 deputados, o pior resultado de sua história. Já o Podemos, criado no ano passado, apareceu em terceiro. O partido antiausteridade obteve 42 cadeiras, mas seus aliados alcançaram mais 27 assentos, totalizando 69. Já o Cidadãos, em quarto lugar, elegeu 40 deputados. O nome do novo presidente do Governo será negociado entre os partidos nos próximos dias.

— Seguimos sendo a primeira força política da Espanha — afirmou Rajoy, depois da divulgação da vitória de seu partido. — Há uma base sólida para o futuro, com mais de 1,6 milhão de votos e 30 assentos de diferença sobre a segunda força.

Pedro Sánchez, do PSOE, deixou claro ontem que cabe ao PP formar um governo, enquanto Albert Rivera, do Cidadãos, deu por aberta um nova era política no país. O resultado dará lugar a conversas para a construção de uma coalizão que pode se estender por semanas, já que aparentemente não há nenhum pacto fácil ao alcance. A Constituição espanhola não fixa um prazo específico para a formação de um governo após as eleições. Muitos potenciais resultados são possíveis, incluindo um pacto de centro-direita entre o PP e Cidadãos, uma aliança de centro-esquerda entre os Socialistas e Podemos ou uma administração minoritária. De acordo com analistas, o resultado do pleito aponta também para um impasse que pode interromper o programa de reformas econômicas que ajudou a tirar a Espanha — a quinta maior economia entre os 28 membros da União Europeia — da recessão e a reduzir a ainda alta taxa de desemprego, que chegou a 27% no início de 2013 e está em cerca de 21%.

De acordo com o Ministério do Interior, a participação nas eleições chegou a 73% de um total de 36,5 milhões de eleitores registrados, quatro pontos percentuais acima do pleito de 2011, quando a taxa de participação final foi uma das mais baixas desde o final da ditadura de Francisco Franco, em 1970. Longas filas foram vistas durante todo o dia. A votação ocorreu sem problemas, e as urnas foram fechadas às 20h no horário local (17h, em Brasília).

‘Espanha precisa de governo estável’
Líder do PP, o presidente do governo, Mariano Rajoy, de 60 anos, foi designado candidato do PP em 2003 pelo então presidente José María Aznar, mas só ganharia oito anos depois, em 2011. Prevendo a fragmentação confirmada ontem, na quarta-feira passada, ele afirmou que consideraria um pacto entre os partidos para assegurar uma administração estável ao longo dos próximos quatro anos.

— Quem ganha as eleições deve tentar formar um governo e eu vou tentar formar um governo, porque a Espanha precisa de um governo estável — assegurou Rajoy ontem.

O resultado de ontem torna ainda pior a situação do PSOE, que em 2011 amargou o seu então pior resultado, com 110 deputados. Na época, muitos espanhóis responsabilizavam o partido pela crise econômica incipiente. O novo cenário coloca também em xeque a situação de seu secretário-geral, Pedro Sánchez, de 43 anos, que ajudou a unir a legenda nos últimos quatro anos. O líder de esquerda perde poder frente ao Pablo Iglesias, de 37 anos, do Podemos. Professor de Ciências Políticas, Iglesias, que fundou o partido, vem afirmando que a Espanha é governada por “mordomos ricos”. Ele volta a surpreender, depois de obter cinco cadeiras no Parlamento Europeu em 2014, apenas quatro meses depois da sua formação. Em maio, foram eleitos prefeitos “indignados” em cidades como Madri e Barcelona.

—A partir desta noite, certamente, a História do nosso país vai mudar — afirmou Iglesias ao votar, na tarde de ontem, no bairro de Vallecas, em Madri.

— Estamos ante uma nova transição democrática, ante uma nova era — disse o advogado Albert Rivera, de 36 anos, líder do Cidadãos.

A corrida eleitoral foi marcada por incertezas. Sete pesquisas de intenção de voto divulgadas em dez dias coincidiam apenas em relação à vitória do PP, atribuindo ao partido de 25,2% a 29,9% dos votos. Muitas apresentavam o PSOE como o segundo mais votado, sem superar 21% (cerca de 94 deputados), seguido de Cidadãos e Podemos, que brigavam pelo terceiro lugar, com cerca de 20% cada. Cerca de um em cada três votantes afirmou que decidiria quem escolheria apoiar apenas no último minuto.

Ao longo de todo o dia, a expectativa de mudança era evocada por eleitores em colégios eleitorais. Os espanhóis mostravam a esperança de um fim do sistema reinante desde 1982, sete anos após a morte de Franco.

— Estamos há muitíssimos anos com o bipartidarismo, temos que renovar a política, PP e PSOE se acomodaram e se esqueceram de nós. Devemos dar uma oportunidade para os novos — disse à agência AFP Francisco Pérez, um trabalhador autônomo de 53 anos, que votou em Hospitalet de Llobregat, no nordeste do país.

— Gostaria que houvesse uma mudança, para que o novo governo olhe um pouco mais para o povo. Agora, vejo nossos dirigentes mais voltados para as políticas impostas por Bruxelas e Alemanha — avaliou Juan José Rodríguez, de 43 anos, no bairro popular Lavapiés, em Madri.

Mas nem todos apostam em uma mudança incerta e um governo instável.

— Não ficamos quatro anos sofrendo para que, agora, tudo vá para o lixo — disse, em um dos bairros mais aristocráticos de Madri, María José Pyñeiro, de 52 anos, diretora de uma revista de moda.

Aécio Neves: Entre o Brasil e o PT

- Folha de S. Paulo

Semana passada, antes de completar um ano de seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff trocou seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Não se pode dizer que houve surpresa na escolha.

O ministro Levy assumiu a pasta com a missão de fazer o ajuste fiscal necessário e aprovar uma agenda de reformas estruturais para a superação da crise econômica e a retomada do crescimento do país. O erro foi ter acreditado que a presidente Dilma -a mesma que na campanha eleitoral negava a necessidade de ajustes e afirmava que tudo estava bem- havia mudado.

Não mudou. A presidente Dilma é a mesma superministra do segundo governo Lula, a mesma presidente economista que nos legou uma grave recessão, com inflação alta, e quase quebrou duas das principais estatais brasileiras: a Petrobras e a Eletrobras.

O novo ministro da Fazenda não é alguém que chega agora ao governo do PT. Assumiu diversos cargos importantes na gestão do ex-ministro Mantega e foi um dos principais arquitetos da "Nova Matriz Econômica", a pior experiência de política econômica desde a década de 1970.

A questão em aberto é se o "novo" ministro, o mesmo que defendeu as "pedaladas fiscais" e que conta com a simpatia do PT, terá condições de encaminhar alguma agenda das reformas necessárias.

Das duas uma: ou agrada ao PT e agrava a crise econômica ou tenta implementar a agenda do antecessor que sai e que não teve apoio do partido, nem de Lula e da presidente Dilma.

Em princípio, a presença de Barbosa à frente da Fazenda é uma escolha também partidária e não apenas uma mudança na economia, porque atende a pressões de parte do petismo ao seu próprio governo.

Enquanto isso, o Brasil real fica em compasso de espera. Continuamos em uma situação de grave desequilíbrio fiscal, recessão profunda, inflação elevada, queda do investimento, aumento do desemprego e redução dos salários reais.

Analistas independentes mostram que a trajetória de crescimento da dívida pública do Brasil já é insustentável, mas muitos alimentam a esperança de que o governo Dilma se curve ao bom senso e adote as medidas necessárias para correção dos graves desequilíbrios.

A falta de rumo da economia decorre da má gestão do governo e das ideias arcaicas de quem ainda acredita que uma crise econômica se combate com aumento do gasto público, desequilíbrio fiscal e intervenções do Estado.

Por enquanto, com ou sem mudanças na equipe econômica, não existem razões para otimismo. Entre o Brasil e o PT, a presidente escolheu mais uma vez o PT. E como geralmente ocorre, quando o PT vence, quem perde é o Brasil.
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Aécio Neves, senador e presidente nacional do PSDB

José Roberto de Toledo: Férias brasilienses

- O Estado de S. Paulo

O governo perdia e o cronômetro corria. Aos 45’ do primeiro tempo, pênalti para o time presidencial. O juiz apitou, cobrou e marcou. Um bandeirinha se retirou, em protesto. Tarde demais, a partida está empatada. Governistas descem para o intervalo comemorando o gol no último minuto. Vira-casacas e oposição amargam um isotônico vencido enquanto ansiavam por Dom Pérignon. Na política e no futebol, não se ganha o jogo na véspera.

No vestiário, a técnica troca um zagueiro econômico por um atacante famoso pelas pedaladas. Foi menos por convicção do que falta de opção. O banco está tão vazio quanto sua popularidade.

Nas arquibancadas, o público é decepcionante. Só as torcidas organizadas estão animadas. Gritam e tuítam com crédito pré-pago. O resto majoritário lamenta a cera, a catimba, mas assiste aos jogadores comerem bola, grama e uns aos outros, passivo.

Segundo tempo, só depois do carnaval, Semana Santa ou Corpus Christi. Após suarem togas e ternos, ministros, deputados e senadores vão pegar uma praia, aproveitar o câmbio favorável na Argentina pós-Kirchner ou lavar a sorte em Las Vegas. Suíça? Nem de jatinho. Lugar indiscreto, deu de prender e dedurar quem lá sempre depositou fé e francos. Ingratidão impagável.

Enquanto isso, no Brasil, crescem recessão e desemprego. Quanto pior, melhor? Quem responde sim costuma ter mandato, renda fixa ou estabilidade funcional. Está preocupado com a opinião do público, não com o público em si. Desde que o adversário leve a culpa merecida, o problema não é dele. No desfile do poder, essa é, desde sempre, a fantasia de toda oposição. Troca esperança por raiva e, quando perde, culpa o eleitor ou a urna eletrônica.

O jogo está suspenso, e os jogadores estão se lixando para quem empobrece ao largo do campo. É difícil prever hoje o vencedor, mas o perdedor a maioria reconhece quando se olha no espelho.

Placar móvel. Até a semana passada, Dilma Rousseff necessitava de seis votos no Supremo Tribunal Federal e que a oposição não chegasse a 342 votos na Câmara. Ao conseguir oito no STF, ela passou a precisar também de 41 votos no Senado. O governo comemorou porque acha mais fácil conseguir maioria de senadores do que um terço de deputados. A contabilidade, porém, é uma só.

Se os deputados volúveis acharem que o governo vai ganhar no Senado, a oposição nem deverá chegar a 342 votos na Câmara. Seria muito arriscado virar casaca e passar três anos afastado dos cofres governamentais. Como a votação deve ser nominal, um deputado a cada vez, tende a se repetir o que ocorreu com Collor: à medida que a maioria se consolida, os volúveis vão em manada para o lado vitorioso. A margem fica esmagadora.

Do mesmo modo, se o governo se fragilizar no Senado e ficar claro que não atingirá 41 senadores, será muito mais fácil para a oposição chegar e ultrapassar os 342 votos na Câmara. Hoje, exatamente 41 senadores votam com Dilma 75% das vezes ou mais.

Em qualquer cenário, porém, o presidente do Senado, Renan Calheiros, tomou o protagonismo do deputado Eduardo Cunha. A ponto de mandar dizer a Dilma qual política econômica deve seguir. Não foi demonstração de força, só. Renan sabe que não dá para sustentar o governo por muito tempo sem reação da economia.

Segundo o Ibope, o medo do desemprego, a piora da situação financeira individual e a frustração do consumo explicam mais de 90% da perda de popularidade de Dilma. A reforçar isso, o instituto descobriu que metade é a favor que um político, mesmo que honesto, perca o mandato apenas por ser mau gestor.

Como dois terços são favoráveis ao impeachment da presidente, uma parte não confia na sua honestidade. Mas a maioria quer vê-la pelas costas por ela não conseguir acender uma luz no fim do túnel. Por isso Renan está dizendo: “É a economia, presidente”.

Vinicius Mota: A bordo do trem fantasma

- Folha S. Paulo

No Planalto está a presidente mais fraca e inapta à costura política desde Collor. Chefia a Câmara um cadáver adiado que procria discórdia e cavilações. No Senado, um macunaíma das Alagoas imagina que dá as cartas, enquanto seus litígios penais só fazem aumentar.

A maioria no Supremo continua a fazer enxertos no sistema político, baseada numa estética simplória do que seria a arquitetura ideal da representação popular.

Papai STF aplica corretivos nos políticos há mais de uma década, quando Nelson Jobim quis harmonizar numa canetada as coligações partidárias no país continental. Não foi diferente na semana passada, com a proibição pela corte de chapas avulsas na comissão do impeachment.

O vice-presidente, de estilo epistolar, não assegura hegemonia nem sequer em seu partido, que dirá num alargado consórcio de forças, necessário para rebocar a economia do atoleiro. Extensa e poderosa parcela de empresários beneficiou-se do capitalismo estatal nos últimos anos. Alguns foram presos. A maioria está calada.

A oposição cometeu estelionato eleitoral reverso. Prometeu na campanha de 2014 austeridade na lida com o dinheiro público. Meses depois, no Congresso, tornou-se sócia de uma investida cavalar do Legislativo contra a responsabilidade fiscal.

Assim caminha o trem fantasma da República, no meio de uma recessão inflacionária que vai piorar e alongar-se. Será tão severa e duradoura quanto a que solapou o regime ditatorial no início dos anos 1980. Será severa e duradoura porque tem sido alimentada pela inépcia, pela pequenez e pelo egoísmo de lideranças políticas, institucionais e empresariais.

A locomotiva desgovernada arrasta a composição para o desastre. No desfecho apocalíptico, o despedaçamento do statu quo dificilmente servirá de premissa para a reconstrução de um mundo melhor. Será garantia de mais sofrimento.

Ricardo Noblat: O que une Lula a Renan

- O Globo

“Os ratos adoram a cidade. Qual será a comida deles? Ah, já sei: comem carne humana” BRASÍLIA, POR CLARICE LISPECTOR

Renan Calheiros é tudo, menos bobo. Enquanto mereceu a confiança de Michel Temer, disse-lhe coisas impublicáveis sobre Dilma. Tão logo achou mais vantajoso trocar de lado, aliou-se a Dilma e contou-lhe o que ouviu de Temer. Estaria bem se não estivesse encrencado na Lava-Jato. Responde a seis inquéritos contra três de Eduardo. Mas os de Eduardo, nós conhecemos bem; os de Renan, pouco. Por que será?

LULA É TUDO, inclusive bobo quando lhe interessa. À Polícia Federal, em depoimento na semana passada, confessou que lhe passaram a perna mais uma vez, como já acontecera no caso do mensalão. Nomeou, sim, os diretores que roubaram a Petrobras, mas nada teve a ver com a sua indicação. Foram indicações políticas bancadas pelos chefes da Casa Civil dos seus dois governos, José Dirceu e Dilma Rousseff.

É AQUI QUE Renan e Lula se encontram, porém, não só. Se precisar, traem a pretexto de que a política real se faz também com traições. De outra forma ela não seria possível. E, em defesa de suas biografias, entregam sem remorsos os que lhes serviram com lealdade. A entrega é mais especialidade de Lula do que de Renan, e marca notável de sua trajetória política.

A SITUAÇÃO de Renan é pior do que a de Lula. Ele é investigado pela Lava-Jato. Lula, por ora, não passa de informante. Renan é acusado de ter recebido propina em negócios da Petrobras. Lula de nada é acusado. É suspeito de muita coisa. Mas ninguém diz que é. O juiz Sérgio Moro costuma dizer que não investiga pessoas, mas fatos. Por meio deles chega às pessoas. Cuide-se, Lula!

EMBORA NO olho do furacão, Renan imagina salvarse do pior, que seria a cassação do seu mandato seguida de prisão, buscando o apoio de Dilma. Um precisa do outro. Renan pode barrar no Senado o pedido de impeachment. Mas Dilma nada pode garantir a Renan, nem mesmo um telefonema para Moro. Talvez garanta que o governo o ajudará a preservar o mandato.

POR LULA, Dilma e o ministro da Justiça têm agido às sombras. Há pouco mais de 10 dias, o ministro voou de madrugada a Curitiba e, ao chegar, logo se reuniu com agentes da Polícia Federal. Estava preocupado com Lula e com um dos filhos dele que embolsou mais de R$ 2 milhões para copiar textos da internet a título de consultoria prestada a uma empresa. O que o ministro disse e ouviu não se sabe.

EM SEGUIDA, foi Lula que voou a Brasília para depor em segredo. O que ele disse e ouviu já se sabe. O que disse serviu para reforçar os traços mais perversos do seu caráter — ou da falta dele. José Dirceu perdeu o emprego, o mandato de deputado e a liberdade para que Lula continuasse no poder como o presidente enganado pela organização criminosa que se apoderou de parte do aparelho do Estado.

NEM POR ISSO Lula deixou de entregá-lo pela segunda vez — desta, no caso do assalto à Petrobras. Por tabela, entregou Dilma, que substituiu Dirceu na Casa Civil. Outro dia, ele já havia entregado Dilma no caso de três medidas provisórias suspeitas de terem sido compradas para beneficiar a indústria automobilística. Lula disse que não as assinou. Mentiu. Assinou uma delas, e Dilma, as outras.

SE DORAVANTE o impeachment for ladeira abaixo, Renan e Lula ajudarão a enterrá-lo. Do contrário, Renan o levantará como o capitão do time que celebra a conquista de um título. E Lula, fingindo-se de indignado, irá para a reserva à espera de ser convocado de novo.

Valdo Cruz: Governo varejão

- Folha de S. Paulo

Um dia antes de cair, Joaquim Levy dizia que o risco do governo Dilma é partir para o "varejão" na ânsia de fazer a economia voltar a crescer na marra, deixando de lado as reformas e retornando ao modelo que não deu certo.

No mesmo dia, assessores palacianos afirmavam que a dose do remédio do ainda ministro da Fazenda "estava matando, não salvando o doente" Brasil. E adiantavam que a presidente iria buscar um nome de peso para dar novo rumo à economia.

No dia seguinte, Dilma Rousseff optou pela solução caseira, trocando Joaquim Levy por Nelson Barbosa. Decisão que agradou a ala petista que detestava o economista de Chicago, mas desagradou quem sonhava com um nome de forte impacto no mercado, tipo Henrique Meirelles.

Esta última ala, que preferia um nome inquestionável -se é que ele existe-, enxergava a troca de Levy como a cartada decisiva da chefe para vencer a batalha contra a abertura do processo de impeachment.

Não deu. Dilma escolheu seu ministro de confiança, que deixa o Planejamento para sentar na sonhada cadeira da Fazenda. Como assumirá sob suspeita do mercado, terá de ser tão "realista" quanto Levy.

Não por outro motivo, Nelson Barbosa tem repetido, desde que foi oficializado na Fazenda, que o ajuste fiscal é seu principal desafio e não será abandonado. Mas deve, sim, dar uma suavizada na dose do remédio tão logo considere possível fazê-lo.

Enfim, ele toma posse como uma "solução caseira", o que também tem lá suas vantagens. O novo ministro não precisa partir do zero, conhece de perto todos os problemas e confusões do governo e entende como ninguém o humor dilmista.

Além disso, assume num momento de certo alívio para o governo. O Datafolha mostrou que a avaliação da presidente deu uma leve melhorada e o Supremo decidiu a favor dela sobre o rito do impeachment. Falta a economia melhorar. Aí entra a dura missão de Nelson Barbosa.

Marcos Nobre: O PMDB e o futuro de Barbosa

• Táticas de autodefesa contra a Lava-Jato serão reformuladas

- Valor Econômico

Em tempo de retrospectivas, vale começar pelo começo. São duas crises agudas simultâneas, uma política, outra econômica. A descoberta de uma rede de corrupção em forma de praga de crescimento descontrolado colocou o sistema político em estado de pânico. Os acordos passaram a ser feitos exclusivamente no varejo, o atacado político tendo sido fechado por tempo indeterminado. A conjunção do fracasso do projeto desenvolvimentista implementado no primeiro mandato de Dilma Rousseff e de uma nova fase da crise econômica mundial colocou a economia local em queda livre, sem que se saiba quando chegará o chão. O quanto do desastre econômico se deve a cada um dos dois elementos depende da preferência de quem faz a análise.

Em uma situação de crise econômica aguda, o que se espera da política é que mostre um horizonte que pode ser alcançado se o caminho certo for tomado. Como o sistema político está em parafuso, não há organização mínima suficiente para emoldurar dessa maneira a crise econômica. A crise política reforça a crise econômica de maneira perversa. A política resolveu cuidar da política. Tudo o que não for autodefesa contra a Lava-Jato ficou para depois. E o impasse é ainda mais grave porque quem será alijado do jogo pela Lava-Jato ainda tem poder. Muito poder. Não espanta que, desde o início do ano, tenha havido muita confusão no sistema político quanto a qual seria a tática de autodefesa mais eficaz. Nessa situação, algo semelhante a uma mínima recuperação da economia está nas mãos da própria economia. Dado o tamanho do desastre atual, não é improvável que algum alívio seja sentido ainda em 2016. Mas o custo social está sendo cruel e brutal e o despioramento que vier será lento e pouco.

Um momento de quase trégua e organização pareceu surgir quando o vice-presidente Michel Temer assumiu a articulação política do governo, entre abril e agosto. Foi uma das muitas tentativas do governo Dilma Rousseff para evitar o colapso político. Foi uma tentativa de entregar o poder ao PMDB sem lhe entregar a Presidência. O resultado, entretanto, foi um agravamento da situação. Michel Temer e seu grupo tiveram pela primeira vez acesso ao quadro geral de postos ocupados no governo por cada grupo partidário. Em confronto aberto com o então ministro da Casa Civil Aloizio Mercadante, que tentava limitar ao máximo sua visão de conjunto e sua ingerência, Michel Temer usou a posição para provocar um desequilíbrio de forças a seu favor, tanto dentro de seu próprio partido quanto no restante de todos demais partidos aspirantes a PMDB.

A ação de Michel Temer abriu uma guerra sem precedentes dentro do PMDB e produziu um novo patamar de instabilidade.

A partir de meados de 2015, essa nova forma de desequilíbrio estrutural passou a se organizar em torno de dois grupos. Costuma-se reduzir essa divergência ao embate entre "o PMDB da Câmara" e "o PMDB do Senado", sendo que Michel Temer estaria ao lado do primeiro grupo. Mas essa é apenas a superfície do confronto. O fundo dele mostra duas táticas divergentes de autodefesa do sistema político como um todo.

A primeira tática é representada pelo ainda presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Após inúmeras escaramuças, Cunha declarou guerra aberta ao governo em meados de julho, anunciando com isso a própria saída de Michel Temer da articulação política um mês depois. Cunha convenceu progressivamente um grande grupo dentro do sistema de que apenas a ameaça do impeachment daria real capacidade de chantagear o governo contra a ação da Lava-Jato. Ameaçado de eliminação imediata do jogo, o presidente da Câmara lançou mão da carta do impeachment. Não tinha por objetivo apenas ganhar tempo. Convenceu o grupo que lidera de que apenas a tomada do poder poderia trazer alguma perspectiva real para o projeto de autodefesa. Michel Temer e o PSDB abraçaram com grande desenvoltura a nova fase da tática de Cunha.

A segunda tática é representada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. O desequilíbrio provocado pela ação de Michel Temer como articulador político do governo descalibrou a balança do PMDB, tradicionalmente viciada. O principal ameaçado foi justamente o grupo reunido em torno da tática de Renan. Habituado a sobreviver em condições políticas extremamente desfavoráveis, o presidente do Senado insistiu em que um processo de impeachment só traria mais turbulência ao processo e acabaria por prejudicar ainda mais qualquer tática eficaz de autodefesa. Liderou um movimento para defender Dilma e para fazer com que Temer fosse colocado de volta no lugar de presidente decorativo do PMDB e de vice-presidente decorativo da República.

As novidades da semana que passou comprometeram as duas táticas. O barco do impeachment foi profundamente avariado e deixou de ser, pelo menos por enquanto, uma alternativa. De outro lado, entretanto, o grupo liderado por Renan Calheiros foi profundamente atingido pelas ações mais recentes da Lava-Jato, colocando em questão sua tática de segurar Dilma na cadeira, manter a calma e ir ganhando tempo. Daí a decisão conjunta de Cunha e Renan de manter o recesso parlamentar até fevereiro do próximo ano, apesar da gravidade de um processo de impeachment em curso.

Será um período de trégua tensa para reavaliar a situação e entabular novas conversações entre todas as partes, fundamental para a reconfiguração das forças que virá. O próximo horizonte para um novo equilíbrio precário está posto em março do próximo ano, quando o PMDB realizará sua convenção. Até lá, o partido tentará encontrar uma tática de autodefesa capaz de se impor à maioria. Dado o estado de pânico reinante, quem der menos passos em falso deverá levar a melhor.

A nomeação de Nelson Barbosa para o Ministério da Fazenda não se deve apenas à falta de alternativas. Representa a necessidade de um ministro tampão. O nome definitivo para a Fazenda dependerá da reconfiguração de forças dentro do PMDB. É disso que depende o futuro de Barbosa.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

Marcus Pestana: Desafio, construção e um desejo

- O Tempo (MG)

O desafio. Não bastassem as crises política, econômica e moral, o Brasil terá pela frente um enorme desafio na saúde pública: o combate ao zika vírus, causa mais provável para o aumento dos casos de microcefalia, que saltaram, entre 2014 e 2015, de 40 para 399 até agora. As projeções são assustadoras. Fala-se até em 100 mil recém-nascidos com microcefalia em 2016.

E o drama se amplia ao verificarmos que não há conhecimento científico acumulado sobre o vínculo entre o vírus e a doença, dado ser a primeira vez que se coloca o problema em escala mundial. Outras hipóteses estão sendo investigadas. Mas tudo indica que o zika vírus e a microcefalia estão realmente associados.

E não há abordagem terapêutica possível. Não há vacina. E só resta o velho e bom combate à propagação do mosquito transmissor, que é o mesmo da dengue. E que as gestantes tentem por todas as formas possíveis evitar a picada do mosquito. Mas sabemos, com base nas experiências de combate à dengue, que as estratégias utilizadas nas últimas décadas são de eficácia relativa. É preciso, de um lado, alertar toda a sociedade para a gravidade do que está por vir. A consciência e a informação são os pressupostos para a mobilização comunitária.

Não podemos cruzar os braços diante da aterradora perspectiva de termos milhares de crianças com sequelas definitivas e irreversíveis. Serão dezenas de milhares de pessoas com deficiência cognitiva e com grau de autonomia perto de zero. Se as projeções mais pessimistas se confirmarem, estaremos diante de um quadro para o qual o Brasil não está preparado. Paralelamente à mobilização social no combate ao zika vírus e à microcefalia, gestores de saúde e o mundo científico têm que procurar alternativas ousadas e criativas para estancar a epidemia o mais rápido possível. Mais do mesmo não dará certo, a dengue já provou isso.

A construção. Em 2016, teremos a tarefa de construir boas candidaturas às prefeituras em Minas e no Brasil. O país está carente de bons exemplos e gestores. A base de tudo é o município. Em BH, o PSDB tem dois valorosos nomes em condições para a disputa. O talentoso e jovem deputado João Vítor Xavier, que vem crescendo cada vez mais no processo, e o experiente deputado João Leite. O PSDB deseja lançar candidato próprio. Gostaria muito que Alberto Pinto Coelho e Délio Malheiros se filiassem ao PSDB, para somar, e não para dividir. E que juntos, sob a liderança do senador Aécio Neves, construíssemos uma aliança sólida com o prefeito Marcio Lacerda, nosso parceiro de longa data, com o PSB participando da chapa majoritária, projetando uma união que carrega a semente do futuro de Minas.

O desejo. Que todos tenham um Natal feliz e que o exemplo de Cristo nos faça refletir sobre a essência da vida e seus fundamentos: os valores da honestidade, da simplicidade, da solidariedade humana, num Brasil corroído e ferido de morte pela corrupção, pela mentira e pela falta de espírito público.
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Marcus Pestana, deputado federal (PSDB-MG)