domingo, 19 de agosto de 2018

Luiz Sérgio Henriques: A refundação necessária

- O Estado de S. Paulo

Reconectar partidos e ideias requer a decisão de nos pormos nos marcos definidos em 88

Há formas e formas de encarar situações críticas, e lá diz o poeta que mesmo um copo vazio, bem observado, está cheio de ar. Em meio às agruras presentes, pressentimos, às vezes sem plena e cabal consciência, que a Carta de 1988 é o que impede sobressaltos, como a convocação de constituintes exclusivas para tal ou qual finalidade, especialmente a reforma política - que há de vir, mas por outros meios. Entre candidatos presidenciais bem posicionados, existem os afeitos à ideia de aumentar perigosamente a eletricidade ambiente, tornando-a mais “intensa”, seja qual for o significado disso.

Afinal, vivemos tempos de crise das democracias e os remédios que se aviam em laboratórios de fundo de quintal nem sempre trazem a cura, quando não são, como no caso dos populismos, piores do que o próprio mal.

Paradoxos não faltam. As instituições de controle se ativaram como nunca. Excessos à parte, puseram a nu mecanismos de financiamento político-partidário de cuja existência suspeitávamos, sem ter a exata noção de seu amplo poder corrosivo. Grupos dirigentes inteiros foram chamados às barras da lei, o que desarticulou alguns dos mais importantes partidos da redemocratização e os respectivos projetos de poder. Ao mesmo tempo, o ambiente de terra arrasada daí nascido é o mais propício a aventureiros de todos os matizes, que se alimentam da antipolítica que eles mesmos semeiam, ao se colocarem “contra tudo o que está aí”. Esta é a hora clássica dos demagogos.

Se as instituições de fiscalização vieram para ficar, com suas exigências de controle e transparência, o sistema político reage e se reagrupa como pode. Tem a seu favor o fato óbvio de que não existe democracia sem partidos e sem Parlamento digno do nome.

Velhos comunistas costumavam dizer que a mais medíocre das “democracias operárias” era preferível à mais pujante das “democracias burguesas”. Devemos parafraseá-los em outro sentido: do ponto de vista de uma vida civil moderna, como a que precisa existir no Brasil, não haver democracia parlamentar, verdadeiramente livre e plural, é o pior dos mundos.

Como dissemos, o establishment reage, vale-se das regras de financiamento exclusivamente público, aposta na maior visibilidade dos detentores de mandato, de modo que se vislumbra um nível baixo de renovação do Congresso e das assembleias estaduais. Eppur si muove, e algo como um processo constituinte, nada espalhafatoso, mas quem sabe promissor, pode estar ocorrendo sob nossos olhos. Este processo, distante de qualquer subversivismo rupturista, atinge um dos pilares da vida institucional: exatamente, o sistema de partidos, às vésperas de ser - em parte - racionalizado com a cláusula de barreira já prevista para este outubro.

Regras, quando pertinentes, costumam ser bem mais do que meros artifícios técnicos. Já que o voto é livre e as urnas são imprevisíveis, impossível dizer quantos e quais partidos terão plena existência parlamentar e assim poderão condicionar, positiva ou negativamente, o futuro programa de reformas.

Sabe-se apenas que serão em número bem menor do que as atuais três dezenas. Deixando de lado qualquer previsão minuciosa, aqui propomos um mapa provisório do sistema de forças em surgimento, apontando alguns dos prováveis rumos à frente.

Já temos de nos haver com uma extrema direita competitiva - e agressiva - pela primeira vez desde a redemocratização. O partido ou grupo de partidos que nesta área se firmarem estarão em linha com tendências globais. Não por acaso seu líder se derrama em elogios à figura tutelar de Trump e tenta capitanear uma versão nativa da Christian Right, com “Deus acima de tudo”. Será capaz de dirigir toda a sociedade com base em valores que dificilmente seriam os de uma apregoada “sociedade aberta”?

Partidos tradicionais, como PP, DEM e em certa medida MDB, vivem uma versão peculiar do dilema dos velhos partidos operários, quando se dizia que as ideias deviam vir “de fora” do aparelho partidário.

Marco Aurélio Nogueira: Como se não houvesse amanhã

- O Estado de S. Paulo

Candidatos à Presidência precisam ensaiar mais, ser mais sérios e cuidadosos em todos os fundamentos

Um novo debate eleitoral sempre cria expectativas e esperanças. Fica-se na torcida para que haja um avanço, para que cada candidato mostre finalmente a que veio.

Não foi bem o que ocorreu ontem na RedeTv.

O tom foi um só, basicamente: eles falam como se não houvesse amanhã. Limitam-se a brandir promessas, frases genéricas, pegadinhas e compromissos, como se tudo dependesse deles e nada mais precisasse ser feito a não conseguir que um novo personagem ocupe a cadeira presidencial. São ilusionistas. Atores de uma pantomima típica da vida de exposição que levamos, feita de insights, caras e bocas, frases curtas, minutos controlados, pressa.

Dá para apontar o dedo, seletivamente, para os momentos em que alguém foi além disso, embasando de modo mais “técnico”, político-administrativo, seus planos de governo.

Somente três candidatos se destacaram. Ciro e Alckmin mostraram firmeza, serenidade e conhecimento prático. Marina cresceu ao enquadrar Bolsonaro e ser mais propositiva. Os demais perderam uma boa oportunidade para esclarecer o que estão a fazer ali, que papel estão se propondo a representar.

Bolsonaro tropeçou nas próprias palavras e teve de ver Daciolo pressioná-lo pelos flancos. Álvaro e Meireles, muito pouco à vontade, limitaram-se a repetir slogans e chavões. Boulos, uma caricatura forçada do Lula de bem antes, mostrou ter língua afiada, mas continuou a se perder nas propostas maximalistas e de “ataque frontal”.

Eliane Cantanhêde: Marina atinge Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Todo o resto chuta o PT e Alckmin, e ninguém chuta cachorro morto

Só uma mulher, e uma mulher com a força moral de Marina Silva, poderia botar o dedo na ferida, citando uma das cenas mais lamentáveis da campanha eleitoral para condenar Jair Bolsonaro por “pegar a mãozinha de uma criança e ensinar como é que se faz para atirar”. E concluir: “É esse o ensinamento que você quer dar ao povo brasileiro?”.

Ela também o acusou, no debate da Rede TV!, de fazer “vista grossa” para um problema real: “Só uma pessoa que não sabe o que significa uma mulher ganhar um salário menor que os homens, tendo a mesma capacidade, a mesma competência, e ser a primeira a ser demitida e a última a ser promovida e, quando vai na fila de emprego, só por ser mulher, não ser aceita”.

Um balbuciante Bolsonaro replicou que Marina “é uma evangélica que defende a legalização do aborto e da maconha” e insistiu na ideia lamentável de “militarização das escolas, para ter disciplina”. Logo ele, que saiu prematuramente do Exército por ser indisciplinado e preferir concorrer a vereador.

Se fosse um outro candidato, Marina seria acusada de oportunismo, de estar de olho nos mais de 52% de votos femininos. Mas não ela, que é mulher e já tem um porcentual maior de votos de mulheres do que de homens. Ficou evidente que ela falou uma verdade e ganhou pontos, porque já é a segunda nas pesquisas sem o ex-presidente Lula e conseguiu polarizar com o candidato que está na frente.

Isso, aliás, é uma incógnita. Com Bolsonaro consolidado, liderando em todas as regiões, os demais deveriam estar disputando a vaga de opositor a ele. Se muita gente vota em Bolsonaro, muito mais gente não vota nele. Mas Marina chegou na frente, enquanto os outros focam uns aos outros e ele corre sozinho.

Vera Magalhães: Marina rasga os manuais

- O Estado de S.Paulo

Marina encarnou aquele que Alckmin gosta de evocar como seu padrinho: Mário Covas

Sempre mencionada como alguém frágil física e politicamente, alvo de uma campanha de desconstrução inédita por parte do PT em 2014 e questionada constantemente por “sumir" em momentos cruciais da vida nacional, Marina Silva precisou dar dois passos à frente no centro de um tablado para se agigantar e vencer o debate da Rede TV! na última sexta-feira.

Ninguém mais esperava nada de um confronto até então marcado por uma estética de programa de auditório e candidatos na retranca evitando os grandes temas nacionais. Tinha tudo para acabar no zero a zero de performances e no 7 a 1 da falta de ideias, como havia sido no debate da Band.

Foi quando, chamada ao ringue por Jair Bolsonaro, Marina vislumbrou uma chance de fazer um embate direto, duro, sem volteios e nem meias palavras, com o líder nas pesquisas. Confrontou o adversário naquele que é seu principal calcanhar de aquiles: a desconfiança que as pesquisas mostram haver em relação a ele por parte do eleitorado feminino.

Conseguiu de forma clara, altiva e dura encaixar um golpe no capitão, que ficou visivelmente desconcertado e não soube como reagir pela primeira vez em confrontos televisivos recentes.

Fez o que os manuais do clichê marquetológico mandam não fazer. Agiu como os senhores ali presentes, Ciro Gomes (que tratou o adversário a quem já chamou de psicopata com uma reverência e um risinho entre cínico e reverente nos dois debates), Henrique Meirelles (que até ensaiou abordar o tema das mulheres, mas se atrapalhou por completo) e Geraldo Alckmin (que se acovardou completamente nos dois debates, fugindo de esgrimir com aquele de quem precisa tirar votos se quiser ir ao segundo turno) não tiveram coragem de agir.

Quem sabe se revirem o vídeo do debate os marqueteiros tenham uma lição de que é bobagem essa história de que debate não muda percepção de eleitor, de que não se deve confrontar os adversários nesse tipo de evento, de que isso e aquilo. Como se houvesse fórmula clara numa eleição em que a política foi virada do avesso pela Lava Jato e está com as tripas expostas diante de um eleitorado que está de saco na Lua.

José Casado: Problema de Bolsonaro é com as mulheres

- O Globo

Candidato errou ao subestimar Marina Silva e enfrenta resistência do voto feminino, maioria do eleitorado

Pelo lado avesso, Jair Bolsonaro (PSL) conseguiu cristalizar na campanha presidencial o debate sobre a desigualdade de gênero no país. Isso ficou claro no debate do fim da noite de sexta-feira, na Rede TV!, quando ele escolheu desafiar Marina Silva (Rede).

Não aconteceu por acaso. Ele lidera as pesquisas de intenção de voto, nos cenários sem Lula do Datafolha, e Ibope. Ela desponta em segundo lugar, a curta distância.

Depois de um quarto de século de insossa vida parlamentar, Bolsonaro percebeu a chance de assumir o papel de porta-voz da massa conservadora e evangélica que emerge no eleitorado.

Ele aposta na suposição de uma maioria nacional ávida por um governo forte, comandado por um homem de pele branca, um tipo de ex-militar que carregue embaixo do braço o plano de aquartelamento da sociedade no fundamentalismo bíblico, com a missão de semear armas nas ruas e interditar o debate civilizatório no Congresso sobre temas como drogas, casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto.

Escolheu Marina, sua antítese na disputa —segunda colocada nas pesquisas, mulher de aparência frágil e pele negra, evangélica como ele, notória defensora do desarmamento e, sobretudo, da imparcialidade do Estado em assuntos religiosos. Provocou-a, à espera da discordância sobre a “liberação” da venda de armas como elixir para a insegurança pública, seu projeto de governo mais evidente.

Cometeu dois erros primários. O primeiro foi subestimar a adversária. Marina respondeu-lhe comum óbvio, ululante ,“não” às armas.

Emendou: “Bolsonaro, você disse que a questão dos salários melhores para as mulheres é uma coisa que não precisa se preocupar porque já está na CLT. Só uma pessoa que não sabe o que significa uma mulher ganhar um salário menor que os homens e ter a mesma capacidade, a mesma competência e ser a primeira a ser demitida e a última a ser promovida. E, quando vai na fila de emprego, só por ser mulher, não ser aceita. É uma questão que tem que se preocupar, sim, porque quando se é presidente da República tem que fazer cumprir o artigo 5º da Constituição, que diz que nenhuma mulher deve ser discriminada. E não fazer vista grossa, dizendo que não precisa se preocupar.”

Titubeante, Bolsonaro negou ter dito algo parecido. Irritou-se, e cometeu o segundo erro. Rotulou Marina como “evangélica que defende plebiscito para a legalização do aborto e da maconha”.

Míriam Leitão: O que se sabe e não se sabe

- O Globo

Todas as eleições democráticas são incertas de alguma maneira, mas a brasileira, deste ano de 2018, é incerta de diversas maneiras

Uma lista do que não sabemos nesta eleição mostra a dimensão da incerteza. Maior do que qualquer outra que tivemos. Navegamos no escuro nos últimos dois meses, sem os dados de pesquisas dos institutos tradicionais de verificação de intenção de votos. Não sabemos se o primeiro das pesquisas é inelegível, nem se prevalecerá a polarização que houve nas últimas seis eleições. O que já sabemos não é encorajador: o mercado político dificilmente entregará a renovação que é pedida pelo eleitor.

A última pesquisa do Ibope foi no dia 28 de junho, a última Datafolha foi 11 de junho. Nesta semana os dois divulgarão suas consultas ao eleitor. Nunca tivemos eleição com tão poucas pesquisas dos dois institutos com metodologias mais conhecidas. O problema é que, de novo, as consultas terão que trazer cenários alternativos, com Lula ou sem Lula.

A cada dia um ingrediente novo entra no rol das dúvidas. Na semana que passou houve até a pergunta sobre se haveria dois relatores ou um, e qual deles, para decidir sobre a inelegiblidade ou não do ex-presidente Lula. A presidente do TSE ajudou a esclarecer. A estratégia do PT de manter o nome de Lula na chapa, contra o espírito da lei que o partido mesmo ajudou a aprovar, será sustentada até quando? Isso é um caminho ruim inclusive para o PT, que tem que tornar conhecida a chapa que concorrerá de fato. Não se sabe ainda se o nome do ex-prefeito Fernando Haddad une o partido. Uma ala ainda duvida e diverge.

Cientistas políticos acham que essa eleição será o maior experimento da força das redes. Os recursos eleitorais tradicionais — tempo no rádio e TV e dinheiro dos fundos públicos — estão distribuídos muito desigualmente entre os candidatos que mais pontuam nas pesquisas. As redes digitais nunca estiveram tão disseminadas. A plataforma para aplicativos de mensagens está nas mãos de todos. Mas que impacto isso terá só ficará claro após as eleições.

Merval Pereira: O individualismo do voto

- O Globo

Líder abolicionista, Nabuco não separava a emancipação dos escravos da democratização do solo

O debate sobre democracia e capitalismo ocorrido na mais recente reunião plenária da Academia Brasileira de Letras teve origem em palestra anterior do acadêmico Arno Wherling, presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, abordando a obra de Joaquim Nabuco – um dos fundadores da ABL – sobre a propriedade.

Líder abolicionista, Nabuco não separava a emancipação dos escravos da democratização do solo. O acadêmico Edmar Bacha, que preside a Casa das Garças no Rio, um dos principais thin-tank brasileiros, ampliou a discussão, trazendo uma tese polêmica de economistas dos Estados Unidos que propõem separar a propriedade privada do mercado, democratizando-a para reduzir a desigualdade de rendas, tese detalhada na coluna de ontem.

O cientista político acadêmico Candido Mendes trouxe sua contribuição numa palestra sobre a atual situação eleitoral brasileira, ressaltando quetudo indica que o Congresso não será renovado, o que reforça o desânimo do cidadão com a representação política.

Cândido Mendes lamentou que as questões sociais tenham perdido a prioridade, e destacou o fenômeno que chamou de “individuação das candidaturas”, com os partidos, devido à proliferação das legendas, perdendo o sentimento coletivo do voto e se transformado em reflexo do pensamento individual.

Ele ressaltou o impacto sobre a mocidade, sobretudo entre os de 16 a 23 anos. As atuais pesquisas mostram que a grande maioria votará em branco ou anulará seu voto, fenômeno que, para Cândido Mendes, caracteriza a demissão pela mocidade de intervir na vida política. Desprestigiar a ação política significa uma individualização das candidaturas, disse ele.

A escritora e acadêmica Rosiska Darci de Oliveira avaliou que a individualização tem a ver com as novas tecnologias, que induzem a relações cada vez mais individualistas. Outro fator, segundo Rosiska, seria enfraquecimento das instituições de mediação. Os partidos políticos não refletem mais correntes ideológicas nítidas, e os sindicatos, por sua vez, sofreram mudanças na capacidade de coletivizar, em função também do novo mundo do trabalho.

Bernardo Mello Franco: Conversa para eleitor dormir

- O Globo

Nos primeiros dois encontros na TV, os presidenciáveis seguiram a cartilha dos marqueteiros. Houve pouco confronto de ideias e muita conversa fiada para tapear o eleitor

Numa eleição confusa, os debates deveriam ajudar o eleitor a distinguir os candidatos e ouvir o que eles tentam esconder na propaganda. Não tem sido assim em 2018. Nos primeiros dois encontros na TV, os presidenciáveis seguiram a cartilha dos marqueteiros. Houve pouco confronto de ideias e muita conversa fiada para tapear a plateia.

“Eu não sou político”, recitou Henrique Meirelles, na abertura do debate da RedeTV!. O discurso não poderia soar mais falso. Ele já se elegeu deputado, filiou-se a três partidos e foi ministro de dois governos. O emedebista também mostrou estar treinado para esquecer a palavra “banco”. Agora ele só diz que presidiu um “grande grupo financeiro”.

“É mentira que eu defendi, em qualquer época da minha vida, que mulher deve ganhar menos do que homem”, jurou Jair Bolsonaro. O deputado já sustentou a tese machista ao menos duas vezes. Numa delas, estava no mesmo estúdio usado no debate. “Eu não empregaria com o mesmo salário”, afirmou, diante da apresentadora Luciana Gimenez.

Marina Silva tropeçou nas próprias incoerências. Ela acusou Aécio Neves de cometer “graves crimes de corrupção”, mas omitiu sua aliança com o tucano em 2014. Depois afirmou que o governo Temer “não tem legitimidade”, mas se esqueceu de dizer que apoiou o impeachment.

Em outra passagem, Geraldo Alckmin reescreveu a história e afirmou que “foi o governo do presidente Fernando Henrique, o PSDB, que fez o Plano Real”. Quando a moeda foi idealizada, FH era ministro da Fazenda do governo Itamar Franco.

Bruno Boghossian: Tudo como dantes?

- Folha de S. Paulo

Fantasma da renovação não assusta siglas, que apostam em atuais e ex-governadores

Não foi desta vez que o fantasma da renovação assustou os políticos. Em 23 das 27 unidades da federação, governadores ou ex-governadores disputam mais um mandato. No Maranhão, a recordista Roseana Sarney (MDB) quer comandar o estado pela quinta vez.

O quadro deste ano mostra que os caciques locais põem suas fichas em nomes famosos e no poder das máquinas dos governos. Embora a política tradicional esteja em baixa, pode ser mais fácil conquistar votos com os rostos de velhos conhecidos.

A saudade do ex será posta à prova em sete estados, onde haverá embates entre atuais e antigos governadores. No Maranhão, Roseana tenta desbancar Flávio Dino (PC do B). Antonio Anastasia (PSDB) se empenha para voltar a governar Minas contra Fernando Pimentel (PT). Quase 30 anos após deixar o poder em Alagoas, Fernando Collor (PTC) enfrenta Renan Filho (MDB).

Em três estados, ex-governadores disputam o cargo sem a sombra dos atuais mandatários: Anthony Garotinho (PRP), no Rio; Renato Casagrande (PSB), no Espírito Santo; e José Maranhão (MDB), na Paraíba.

Em uma eleição curta, com só 35 dias de propaganda na TV para apresentar ilustres desconhecidos ao público, o recall beneficia os veteranos. Anchieta Júnior (PSDB), por exemplo, lidera em Roraima quatro anos depois de sair do cargo.

Além dele, antigos ou atuais governadores lideram pesquisas em Alagoas, Amazonas, Amapá, Ceará e Tocantins. Até José Ivo Sartori(MDB), cuja popularidade não é das maiores, aparece em primeiro lugar no Rio Grande do Sul.

Pode ser que todos sejam cavalos paraguaios e fiquem pelo caminho quando a campanha engrenar. Mas boa parte dos novos e velhos mandachuvas sai empurrada por grandes siglas, fatias gordas do fundo eleitoral e a força de governos.

Embora a linha de chegada ainda esteja distante, a composição dos páreos não ajuda os azarões. Em muitos estados, a renovação só se dará entre os nomes de sempre.

Samuel Pessôa: Ciro Gomes e a Alemanha

- Folha de S. Paulo

Não ocorre a Ciro que o salário na Alemanha é alto porque a produtividade é alta

Ciro Gomes tem criticado muito a reforma trabalhista do governo Temer. Também tem citado a Alemanha como a economia com boas práticas no mercado de trabalho.

Todo o argumento surpreende. A reforma não foi feita pelo governo Temer, mas resulta de esforço do Congresso Nacional. A partir de um projeto tímido enviado pelo presidente Temer, o Congresso desenhou uma lei muito mais abrangente.

Adicionalmente, Ciro confunde totalmente a causalidade. Parece que considera que foi a legislação trabalhista da Alemanha que produziu os elevados salários do país. Não lhe ocorre que a produtividade no país é alta —bom ambiente institucional e escolaridade de excelente qualidade, entre tantos outros motivos— e que essa é a causa dos elevados salários.

De fato, o produto por hora trabalhada na Alemanha em 2017, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), foi de US$ 60 (R$ 236), US$ 3 (R$ 11,8) a menos do que o mesmo indicador para os EUA.

Ou seja, salários altos ou baixos resultam do fato de a produtividade do trabalho ser alta ou baixa. A legislação trabalhista ajuda (ou atrapalha) à medida que estimula (ou desestimula) a elevação da produtividade.

Surpreende também Ciro utilizar a Alemanha para criticar a reforma brasileira de 2016. Entre 2003 e 2005, a Alemanha implementou a reforma Hartz —Peter Hartz, diretor de recursos humanos da Volkswagen, foi chefe da comissão que desenhou as medidas— com inúmeras medidas que liberalizaram o mercado de trabalho alemão.

Vinicius Torres Freire: O barqueiro, o taxista, Lula e eleição

- Folha de S. Paulo

Conversas no Brasil profundo mostram eleitor mais sabido e curioso do que supõem campanhas

O barqueiro que nos leva pelo rio Caraíva acima conta com orgulho o progresso da sua família e de seu vilarejo, à beira de praias lindas e quase desertas, no sul da Bahia.

Para o barco ao lado de improváveis nenúfares, aquelas vitórias-regiazinhas de pinturas de Monet. Fala de microcrédito, da área de preservação ambiental, da reserva extrativista, de eletricidade, de negros e índios na universidade. Fala bem de Lula, algo menos do PT.

O barqueiro não é um tipo “Bolsa Família”, o estereótipo do lulista nordestino. Nativo de Caraíva, 41 anos, descendente de negros e pataxós, tem dois barcos a motor, que financiou no microcrédito.

Foi o governo Lula que vitaminou os programas de microcrédito, incentivou cotas, fez o Luz para Todos.

De 2003 a 2013, o rendimento aumentou 80% no Nordeste (ante 55% da média brasileira). Etc. Sabemos dos números, mas bem menos da mudança de mentalidade a respeito do que pode ser um governo, notável em Caraíva, no agreste de Pernambuco ou em um debate na violenta, pobre e niilista zona sul de São Paulo.

O barqueiro foi miserável. “Sabe o pobre? A gente estava para baixo do pobre. Comia peixe e fruta-pão, vivia meio nu. Quando o povo da roça vinha visitar, a gente fazia festa, cantava com eles. Minha irmã menor gritava ‘tem farinha!’. Mas não tinha dinheiro para a farinha. Quando dava, a gente trocava por peixe.” Lembrança dos anos 1980-1990.

Basta falar um pouco com o povo da região, de Pernambuco à Bahia, para ouvir ideias elaboradas sobre melhorias havidas ou necessárias. Há curiosidade genuína quanto ao que os candidatos têm a dizer da vida comum (até agora, nada).

O taxista de Porto Seguro comenta problemas sociopolíticos de modo circunstanciado. Cita dados de reportagem sobre desigualdade de riqueza, outra sobre um cientista político que prevê nova polarização entre PT e PSDB. Espera votar em Fernando Haddad (PT).

Luiz Carlos Azedo: Je suis la Loi

- Correio Braziliense

A tática eleitoral do PT ganhou uma nova dimensão: agora é uma estratégia para desmoralizar a Justiça brasileira internacionalmente e virar a mesa, impondo a candidatura de Lula

Luís XIV reinou durante 72 anos (1643-1715), ou seja, por três gerações, o que lhe permitiu consolidar o absolutismo francês como modelo de Estado-Nação fundado na teoria do “direito divino” (ele parecia imortal). A frase “Je suis la Loi, Je suis l’Etat; l’Etat c’est moi (Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!)”, graças à sua aliança com a emergente burguesia francesa e à redução do poder da nobreza, virou marca registrada do seu longo reinado e inspiração para os demais autocratas europeus, com exceção da Inglaterra, cuja monarquia parlamentarista existe desde a Declaração de Direitos de 1689 (Bill Of Rights).

Xará do rei Sol, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comporta como se estivesse acima das leis e o Estado brasileiro, à mercê de seus desejos, embora esteja preso em Curitiba, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos e um mês de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá (SP). A Lei da Ficha Limpa prevê que uma pessoa se torna inelegível após ser condenada por órgão colegiado da Justiça. Assim mesmo, Lula registrou sua candidatura e promove uma grande chicana jurídica, que agora ganhou foro internacional.

Graças às articulações do ex-chanceler Celso Amorim, o Comitê de Direitos Humanos da ONU pediu, na sexta-feira, que o Brasil garanta direitos políticos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão e não o impeça de concorrer na eleição de outubro, até que sejam completados todos os recursos de sua condenação. O comitê decidiu a galope, por solicitação da defesa de Lula, apresentada no fim do mês passado. Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota na qual afirma que a manifestação é uma “recomendação” e não tem efeito jurídico. E que a Delegação Permanente do Brasil, em Genebra, tomou conhecimento da decisão “sem qualquer aviso ou pedido de informação prévios”.

O Brasil é signatário do Pacto de Direitos Civis e Políticos. Os princípios de igualdade diante da lei, de respeito ao devido processo legal e de direito à ampla defesa e ao contraditório são também princípios constitucionais brasileiros, respeitados pelo Supremo Tribunal Federal. A defesa de Lula, porém, quer enquadrar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde já tramitam mais de uma dezena de impugnações da candidatura de Lula, e o próprio Supremo, com base numa decisão de especialistas, que nem magistrados são em seus países. O Judiciário brasileiro não deve obediência à comissão, ao contrário do que afirmam o advogado de Lula e o ex-chanceler.

Composto por 18 personalidades independentes ligadas aos movimentos de defesa dos direitos humanos, de diversos países, nenhuma das quais é brasileira, o comitê não ouviu nossas autoridades. A vice-presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), a norte-americana Sarah Cleveland, uma das signatárias de decisão, chegou a dizer à imprensa brasileira que o Brasil tem obrigação de cumprir a decisão. Parece até piada, professora da Universidade de Colúmbia, talvez devesse ter se manifestado antes sobre os direitos humanos dos brasileiros presos e separados dos filhos nos Estados Unidos, por conta da política de imigração de Trump.

Dora Kramer: O crepúsculo do macho

- Veja

Marina enquadrou Bolsonaro, no único embate digno do nome no debate da Rede TV

Marina Silva desmentiu o Barão de Itararé, mostrando que às vezes vale mesmo o velho ditado: de onde menos se espera é que saem as grandes surpresas. Deu dois diretos no queixo de Jair Bolsonaro, deixou o bruto desconcertado e produziu o único embate digno do nome no debate da Rede TV.

No primeiro movimento, passou-lhe uma descompostura em regra sobre a indiferença dele à desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho; no segundo, o chamou às falas no tocante à incitação à violência e a vocação para “resolver as coisas no grito”. Fez isso sem gritar, sustentada exclusivamente na assertividade de conteúdo.

Ficou péssimo para Bolsonaro, mas ficou também muito ruim para os outros seis candidatos. Notadamente para aqueles donos de índices mais significativos nas pesquisas como Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. Ciro no afã de se mostrar um fidalgo, repetiu as gentilezas do debate a Band e Alckmin recolheu-se à tática de ignorar o personagem.

Pois Marina saiu de sua “fadice” e fez como o perplexo da piada que cobra do público no restaurante que pare de fingir não ver o homem vestido de escafandro no meio do salão. Esse tipo de desdém estudado deixou Fernando Collor correr solto campanha adentro em 1989 e cimentou a construção do Lula intocável fosse quais fossem as barbaridades que dissesse ou fizesse o petista na Presidência e fora dela.

Bem melhor em termos de dinâmica de palco, à exceção daquele momento, o debate da Rede TV no entanto repetiu o ocorrido no encontro anterior: todos fugindo do embate, lançando as perguntas ao oponente e, na hora de replicar, treplicar ou comentar, usando o tempo para monologar a respeito de si. Com isso, comportaram-se como ilhas e, isolados na companhia dos respectivos umbigos produziram um farto elogio à monotonia.

Talvez Marina não tenha ganhado votos, ao menos não em quantidade suficiente para elevá-la ao patamar primeiro da competição; Bolsonaro quase certamente não perdeu nada junto ao seu eleitorado fiel. Mas ao menos o sacode da fadinha no brucutu serviu para balançar o coreto da bancada de homens mais preocupados em posar de moços bons do que em combater o fantasma do mal maior que ronda o Brasil.

Façamos votos de que a lição de Marina tenha feito escola.

Ricardo Noblat: O novo “poste” de Lula não terá vida fácil

- Blog do Noblat | Veja

O desafio de Haddad

Pesquisas telefônicas semanais funcionam como termômetro da receptividade dos candidatos pela fatia do eleitorado que começou a definir seu voto.

É o que registra a 12ª sondagem presidencial divulgada no final da semana pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) que ouviu mil pessoas em todo o país.

A seis semanas da eleição, confirma-se que de cada dez eleitores, seis continuam relutantes em sair de casa para votar ou dispostos a negar seu voto (anulando ou deixando-o em branco).

Por ora, eles dizem não se identificar com nenhum dos candidatos que estão por aí, ou seja, que representam o tipo de liderança que não desejariam mais ver na política.

Quatro em cada dez eleitores se dispuseram a indicar candidatos de sua preferência. Na resposta espontânea, Bolsonaro e Lula empatam, pouco abaixo da margem de 20%.

Os outros candidatos não chegam a cinco pontos percentuais das intenções de voto. Isso ocorre, vale lembrar, em um quinto do eleitorado, pois a ampla maioria afirma o desejo de não sair de casa, votar nulo ou em branco.

Quando estimulados a escolher um nome, em cenário sem Lula, obtém-se uma foto mais nítida das intenções eleitorais. Bolsonaro lidera isolado, com o dobro de possíveis votos de Marina e Alckmin, e Ciro – mais distante que os outros dois.

Para entender melhor, é preciso olhar o histórico dessa pesquisa em 12 semanas, a partir de maio.

José Roberto Mendonça de Barros: O agronegócio na proposta de Alckmin

- O Estado de S.Paulo

O segmento contribui para a estabilidade e ajuda a puxar a expansão econômica

Uma característica relevante no Programa Alckmin é a busca de consistência e alinhamento entre os objetivos macroeconômicos de construção da estabilidade e os programas setoriais, única forma de dar robustez e realismo a uma proposta de retomada sustentada do desenvolvimento.

Isso é particularmente verdadeiro no caso do agronegócio, pois esse segmento não só contribui para a estabilidade como também é um dos puxadores da expansão econômica. Além disso, o agronegócio é importante para a melhoria da condição econômica e social do local em que está presente. Regiões agrícolas modernas possuem melhor distribuição de renda, fator apontado tanto pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) como pelo índice de Gini.

A elevação persistente da produtividade e da produção resulta em menores preços e maiores vendas ao exterior, reforçando a manutenção da inflação em patamares de 4% ao ano e a nossa robusta situação externa, suporte indispensável para lidar com a turbulência internacional dos dias de hoje. Nessas condições, o avanço do ajuste fiscal permitirá a rápida consolidação das expectativas, da baixa inflação e de juros mais civilizados.

Vemos dois segmentos como os responsáveis iniciais pela retomada do processo de crescimento: as concessões de projetos de infraestrutura, especialmente de logística, e o agronegócio.

Uma característica comum aos investimentos nesses dois segmentos é seu efeito rápido sobre a produtividade do sistema como um todo.


A longa e bem-sucedida experiência do Estado de São Paulo (onde estão 19 das 20 melhores rodovias do Brasil) mostra que, com segurança jurídica, com bons projetos e capital privado, é possível avançar rapidamente na melhoria do sistema logístico com benefícios para amplas áreas, seja pelos efeitos sobre o emprego, seja pela redução de custo das mercadorias e das empresas. 

Voracidade e ineficiência: Editorial | O Estado de S. Paulo

Com voracidade incomum, o Estado brasileiro abocanha um terço do valor da produção interna e devolve à sociedade, em troca, serviços insuficientes e de baixa qualidade. No Brasil, o governo, em todos os níveis, arrecada demais e de forma injusta e depois gasta em excesso e muito mal. Esses dados, pouco citados e discutidos na campanha eleitoral, foram lembrados pelo ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, numa palestra a alunos da Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, na quinta-feira passada. Em sua exposição, ele confrontou a carga tributária nacional, equivalente a 33% do Produto Interno Bruto (PIB), com o padrão médio dos países em desenvolvimento, de cerca de 20%.

Falando no Rio de Janeiro, na manhã seguinte, outro representante do Ministério da Fazenda retomou o tema do Estado grandalhão e desajeitado como entrave ao crescimento econômico. A baixa eficiência brasileira é em grande parte explicável por fatores como o mau funcionamento das instituições, a burocracia excessiva e a infraestrutura precária, disse o secretário de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência, João Manoel Pinho de Mello.

O alto risco regulatório encarece o capital e isso leva a uma taxa baixa de investimento e de avanço tecnológico, afirmou o secretário. Grandes projetos de infraestrutura ficam no papel por causa do risco excessivo. Se o Brasil tivesse a qualidade regulatória média dos países emergentes, o retorno das empresas seria maior, acrescentou. Mais uma vez, como havia ocorrido no dia anterior na palestra do ministro Eduardo Guardia, a exposição envolveu a comparação com economias de nível semelhante de desenvolvimento e renda.

Brasil inseguro: Editorial | Folha de S. Paulo

País não consegue deter avanço da criminalidade, e mesmo êxitos como o de São Paulo são parciais

Levantamento divulgado neste mês pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública registrou aumento de 2,9% nas mortes violentas intencionais no país de 2016 para 2017.

Em números absolutos, foram 63.880 vítimas, média de 175 por dia ou 30,8 para cada 100 mil habitantes, um indicador ostensivo da gravidade do cenário e do fracasso nacional em enfrentar o problema.

O índice, que tem avançado gradualmente nos últimos anos, considera homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte, óbitos de policiais em confrontos e os decorrentes de intervenções das polícias. A taxa de assassinatos do Brasil quase não tem paralelo fora da América Latina.

Ressalte-se que o quadro não é uniforme. Embora alarmante de maneira geral, expõe disparidades consideráveis no plano federativo.

A maior taxa de mortes intencionais, de 68 por 100 mil habitantes, está no Rio Grande do Norte; a menor, de 10,7, em São Paulo.

Seria enganoso atribuir tamanha diferença apenas a fatores econômicos. No Rio de Janeiro, por exemplo, a cifra de 40,4/100 mil supera a de estados mais pobres, como Paraíba, Maranhão e Piauí.

As taxas de homicídio paulistas recuam desde a década passada. É fato que mudanças demográficas contribuíram para tal trajetória, bem como a inexistência no estado de uma guerra entre facções criminosas, nos moldes das que se travam em outras regiões.

Pressão de facções sobre eleitores tem de ser combatida: Editorial | O Globo

Pesquisa mostra que, dos pontos de votação no estado, 12,7% estão em áreas sob domínio de criminosos

Às vésperas das eleições, os dados são preocupantes. Como mostrou reportagem do GLOBO publicada no último domingo ,1,7 milhão de eleitores estão cadastrados em 637 locais de votação que ficam em áreas dominadas pelo crime. Segundo um levantamento da Coalizão Eleitoral —grupo de autoridades do TRE, de órgãos de segurança e do Ministério Público Eleitoral que atuará na campanha —, os pontos de votação sob influência de facções representam 12,76% do total de 4.993 em todo o estado.

A maioria desses lugares (338) é controlada pelo Comando Vermelho; 171 por milicianos; 86 pelo Terceiro Comando Puro; 24 pelos Amigos dos Amigos, e 18 sem facção definida. O mapa feito pela Coalizão mostra que, na Zona Oeste, maior colégio eleitoral do Rio, a milícia é a principal ameaça. Já as áreas sob domínio do tráfico de drogas são mais espalhadas e se estendem por toda a Região Metropolitana.

É óbvio que o voto é secreto, e as urnas eletrônicas são seguras. A questão é mais complexa. No que diz respeito à campanha eleitoral, sabe-se que não há estado de direito nas regiões controladas pelo tráfico e pela milícia, onde vigoram poderes paralelos que impõem aos moradores suas leis nefastas. Em geral, nesses lugares só podem pedir votos candidatos que têm apoio das facções criminosas. Sabe-se lá a que preço. Enquanto outros são impedidos até de entrar.

Estrutura política do país é avessa a renovação, é pró-continuísmo, diz Hartung

Com a intenção de abrir espaço para gente nova, governador do Espírito Santo diz que decidiu não disputar a reeleição ao cargo

Italo Nogueira – Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - Apontado como referência de “outsiders” que desistiram da disputa presidencial, como Luciano Huck e Joaquim Barbosa, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (MDB), 61, afirmou que o sistema político atual “é avesso a renovação”.

Hartung decidiu não disputar a reeleição ao cargo a fim de abrir espaço para “gente nova”. Mas reconhece que, apesar dos movimentos para mudança de nomes na política, “essa eleição não será o escoadouro para essas lideranças”.

“Está em curso um processo de formação de lideranças no país. As últimas duas gerações formadas são do período do golpe militar e da reconstrução democrática. Agora há um conjunto de movimentos buscando formar lideranças. Essa eleição não será o escoadouro para elas. Essa o status quo conseguiu dar um nó”, disse ele à Folha, por telefone.

O governador ainda não decidiu qual presidenciável apoiará. Evita comentar os nomes disponíveis, dando ênfase ao desejo de uma “agenda reformista” que combine responsabilidade fiscal, redução da atuação do Estado na economia e garantia de projetos sociais.

Contudo, o cenário atual para ele é de risco. “O Brasil está vivendo um surto grave de populismo. O espaço para o debate político está empobrecido nos bravateiros”, afirmou.

O emedebista pretende deixar seu partido. Aguarda uma reforma política que defina melhor o perfil das siglas para buscar uma de centro-esquerda.

• Por que o sr. decidiu não tentar a reeleição?
Quando eu me elegi em 2014, anunciei que ia me esforçar a fazer um bom governo, mas que não iria para um quarto mandato [Hartung cumpriu dois mandatos de 2003 a 2011] . Evidentemente agrega a isso elementos da vida. Nós estamos vivendo um sombreamento da política. As instituições da democracia representativa estão em crise.

No Brasil, isso é muito pior: há a pior recessão econômica da história do país, uma crise social brutal e uma crise ética. Minha decisão de não disputar mandatos não é sair da discussão política. Mas ocupar mandatos não é um bom caminho para mim.

• Por quê? 

É momento para colocar gente nova na política.

• O sr. foi mencionado como possível vice na chapa do apresentador Luciano Huck e elogiado por Joaquim Barbosa, dois “outsiders” que desistiram da candidatura. Sendo uma espécie de ponte entre a velha e nova política, o sr. não poderia contribuir para essa transição? 

O gesto de desapego tem um valor inestimável. O olhar da sociedade é de que as lideranças buscam poder a qualquer custo. Não é errado. Tem hora que é importante marchar contra o senso comum.

• Por que a candidatura deles não vingou? 

Porque temos duas placas tectônicas. Uma que quer renovação e [na outra] um sistema político que aprisiona essa possibilidade.

Quando você olha a estrutura partidária, fundo partidário, tempo de televisão, essa arquitetura é para manter o status quo. Quando você pega uma pessoa da sociedade que se anima para participar, o olho brilha, como eu vi no Luciano, ou no Joaquim, Bernardinho.

Mas quando se depara com a estrutura política do país, dá marcha à ré. A estrutura política do país é avessa a renovação, é pró-continuismo. Não sei qual vai ser a resultante disso. Uma coisa o status quo conseguiu: fez com que muita gente nova que pensava entrar na política recuasse.

Campanha de Meirelles vai ao TSE para tirar aliados de Alckmin

Andreza Matais, Naira Trindade e Juliana Braga | O Estado de S. Paulo

A campanha do presidenciável Henrique Meirelles (MDB) ingressou nesta sexta-feira, 17, no Tribunal Superior Eleitoral, com pedido que pode tirar de Geraldo Alckmin (PSDB) o apoio de sete partidos dos nove da sua coligação.

A Coluna apurou que alguns dos partidos aprovaram em suas convenções apenas a aliança com o PSDB, quando deveriam ter colocado na ata todas as nove siglas que apoiam Alckmin. As legendas questionadas são: PRB, DEM, PR, PP, PTB e Solidariedade.

O prazo para mudanças na ata das convenções se encerrou. Portanto, não há mais como fazer adendos.

Se o TSE aceitar a exclusão dos partidos, Alckmin terá diminuído seu tempo na TV, que hoje é o maior entre os candidatos, com 5 minutos e 33 segundos.

Além disso, se Alckmin perder o apoio do PP ele terá que escolher um vice de outra sigla. Hoje, sua vice é Ana Amélia (PP-RS).

O presidente do DEM, ACM Neto, que coordena a campanha de Alckmin, diz que vai rebater no TSE os argumentos da campanha de Meirelles. “Vamos contestar e desmoralizar o candidato do Temer”, disse.

Advogados da coligação MDB-PHS pedem que TSE rejeite candidatura de Alckmin

Pedido será analisado pelo ministro Tarcísio Vieira

- O Globo

RIO — Advogados da coligação MDB-PHS, cujo candidato à Presidência é Henrique Meirelles, pediram ao Tribunal Superior Eleitoral a impugnação da candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB). Eles argumentam que as atas de seis partidos que compõem a coligação de Alckmin (PTB, PP, PR, DEM, PRB e SD) estão irregulares, já que não exibem expressa concordância com a participação de todos os partidos na aliança.

No documento enviado ao TSE, os advogados pedem que, caso a coligação de Alckmin não seja rejeitada, o tribunal retire esses seis partidos do grupo que apoia o tucano. Se o pedido foi aceito, Alckmin terá o tempo de propaganda eleitoral reduzido, tanto na televisão quanto no rádio. Os seis partidos somam, juntos, três minutos e 42 segundos. Caberá ao ministro Tarcísio Vieira analisar o pedido.

Na manhã deste sábado, Alckmin minimizou a questão. O candidato do PSDB participou de um ato de apoio a sua campanha, realizado pelo nanico PHN, ao lado de sua candidata a vice, a senadora Ana Amélia Lemos.

— Isso daí é tapetão puro - disse, lembrando que foi a todas as convenções. - Não tem o menor sentido querer fraudar a vontade do partido político na aliança.

O tucano fará sua primeira viagem após o início oficial da campanha e irá para o Pará.

'Tapetão puro', diz Alckmin sobre pedido de Meirelles ao TSE

Candidato à Presidência pelo PSDB também afirmou que não tem o apoio de Temer: 'Ele nem gosta de mim'

André Ìtalo Rocha e Pedro Venceslau | O Estado de S.Paulo

O candidato à Presidência Geraldo Alckmin (PSDB) classificou como "tapetão puro" a iniciativa de Henrique Meirelles (MDB) de contestar a aliança tucana no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Não há nenhuma divergência na coligação. É tapetão puro. Estive em todas as convenções", disse o tucano após participar de um evento em São Paulo com sua vice, Ana Amélia (PP), na manhã deste sábado.

Advogados do MDB alegam que existem irregularidades nas atas da coligação de Alckmin apresentadas ao tribunal, que não teriam sido atualizadas após as convenções. O argumento é de que as legendas não colocaram nas atas a formalização do apoio ao candidato do PSDB ao Planalto.

"O MDB questionou a aliança porque alguns dos partidos não obedeceram a todas as formalidades que a lei demanda. Nós, no Brasil, precisamos insistir que a lei tem que ser respeitada, não se pode simplesmente dar o jeitinho em tudo porque é isso que levou o Brasil à situação de crise", disse Meirelles após o debate da RedeTV!, na noite desta sexta-feira, 17.

Alckmin se defendeu dizendo que a aliança foi feita para aprovar reformas através da formação de uma maioria no Congresso. "Está todo mundo aí preocupado com a minha aliança, que é uma aliança muito forte. Para quê? Para mudar o Brasil. Nós não vamos mudar sem reforma e, para isso, a gente precisa ser maioria no Congresso Nacional."

Em evento na manhã deste sábado na sede do Partido Humanitário Nacional (PHN), em São Paulo, Alckmin negou que esteja sendo apoiado pelo presidente Michel Temer. "Não tem apoio nenhum. O Temer nem gosta de mim, principalmente depois que a bancada do PSDB na Câmara votou pela investigação contra ele."

Além disso, para Alckmin, o apoio de Temer a ele não faz sentido porque o partido do presidente, o MDB, tem Meirelles, ex-ministro da Fazenda do atual governo, como candidato próprio.

O ex-governador disse ainda que, se for eleito, haverá um "comando único" da economia centralizado no Ministério da Fazenda, com mais poder dado à pasta.

'O Temer nem gosta de mim', diz Geraldo Alckmin

Tucano tenta evitar que a impopularidade do presidente cole na sua imagem e o prejudique na corrida eleitoral.

Dimitrius Dantas | O Globo

SÃO PAULO - O governador Geraldo Alckmin, que durante o debate desta sexta-feira na RedeTV!, tentou se afastar das ligações com o governo Temer feitas por Ciro Gomes, disse neste sábado que o atual presidente sequer gosta dele. Apoiado pelo centrão, grupo de partidos que deu suporte ao político do MDB na Presidência, o tucano vem tentando evitar que a impopularidade do presidente cole na sua imagem e o prejudique na corrida eleitoral.

Na última quinta-feira, em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo", o presidente, questionado sobre o arco de alianças montado por Alckmin com partidos da base aliada, respondeu: "Se você dissesse: ‘quem o governo apoia?’. Parece que é o Alckmin, né?".

Na sexta, durante o debate, o ex-governador de São Paulo foi questionado por Ciro Gomes, do PDT, em relação ao seu apoio a um dos principais projetos aprovados por Temer, a PEC do Teto. Alckmin tentou se afastar do governo e disse que a PEC só foi necessária em razão do desequilíbrio financeiro que teria sido causado pelos governos do PT.

Neste sábado, na saída de um evento que participou, questionado sobre a tentativa de impugnação de sua candidatura que estaria sendo analisada pela coligação do MDB apesar da sinalização de Temer na entrevista, Alckmin respondeu:

— Não tem apoio nenhum. O Temer nem gosta de mim. Quando houve a ação para investigá-lo, a bancada inteira de São Paulo votou pela investigação - afirmou.

Na última sexta-feira, advogados da coligação MDB-PHS, cujo candidato à Presidência é Henrique Meirelles, pediram ao Tribunal Superior Eleitoral a impugnação da candidatura de Alckmin (PSDB). Eles argumentaram que as atas de seis partidos que compõem a coligação de Alckmin (PTB, PP, PR, DEM, PRB e SD) estão irregulares, já que não exibem expressa concordância com a participação de todos os partidos na aliança.

O tucano destacou que tanto o presidente quanto o seu partido, o MDB, têm candidato próprio, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Durante sua campanha, Meirelles também vem tentando apresentar uma imagem independente, afirmando que também participou do governo Lula como presidente do Banco Central.

— Não tem o menor sentido porque o presidente tem candidato, que é o Meirelles. E o MDB tem candidato que é também o Meirelles - afirmou Alckmin.

Em relação aos rumores sobre a impugnação, Alckmin minimizou a questão.

— Isso daí é tapetão puro - disse, lembrando que foi a todas as convenções. - Não tem o menor sentido querer fraudar a vontade do partido político na aliança.

O candidato do PSDB participou na manhã deste sábado de um ato de apoio a sua campanha, realizado pelo nanico PHN, ao lado de sua candidata a vice, a senadora Ana Amélia Lemos. O tucano fará sua primeira viagem após o início oficial da campanha e irá para o Pará.

Alckmin deve aprender a respeitar a lei, diz Meirelles

Afirmação foi resposta ao tucano, que chamou de 'tapetão' a ação do MDB contra sua coligação

Marcelo Toledo | Folha de S. Paulo

BARRETOS - O candidato do MDB à Presidência da República, Henrique Meirelles, disse neste sábado (18) que o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), seu concorrente, deve aprender a respeitar a lei.

A afirmação foi feita após questionamento da Folha sobre afirmação do tucano de que tentativa do MDB de impugnar sua coligação ao Planalto se configurava um “tapetão puro”.

O argumento do MDB é que pelo menos três siglas —PRB, Solidariedade e PR— não atualizaram as atas de suas convenções partidárias, o que levaria a falhas na formalização de apoio e em redução do tempo de TV no horário eleitoral da coligação.

“O governador deve aprender a respeitar a lei. Fazer as coisas e exigir que todos sigam a lei não é tapetão”, disse Meirelles em Barretos (a 423 km de São Paulo), onde visitou a 63ª Festa do Peão de Boiadeiro.

Segundo Meirelles, seu partido questionou a irregularidade nos procedimentos de algumas legendas que apoiam o tucano.

Ação do MDB pode tirar 36% do tempo de TV de Alckmin

Ação do MDB quer cancelar convenções de seis partidos coligados com tucano

André Ítalo Rocha Pedro Venceslau | O Estado de S. Paulo.

A coligação do tucano Geraldo Alckmin poderá perder 36% do seu tempo de TV, se o TSE aceitar contestação feita pelo candidato do MDB, Henrique Meirelles, para invalidar o apoio de seis partidos ao PSDB. O MDB alega que as legendas não formalizaram a coligação, apenas o apoio a Alckmin. Ele diz que a alegação é “tapetão puro”.

O candidato à Presidência Geraldo Alckmin (PSDB) pode perder 36% do seu tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV caso o pedido feito pelo MDB anule parte da sua coligação. Anteontem, a campanha do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles entrou com uma contestação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a invalidação do apoio de DEM, PP, PRB, PR, PTB e Solidariedade ao tucano. Ontem, o ex-governador de São Paulo classificou o pedido como “tapetão”.

“Não há nenhuma divergência na coligação. É tapetão puro. Estive em todas as convenções”, disse o tucano após participar de um evento em São Paulo com sua vice, Ana Amélia (PP), na manhã de ontem.

O argumento dos advogados do MDB é de que os partidos registraram em convenção apenas o apoio ao nome de Alckmin sem formalizar o desejo de se coligar com as outras legendas que o apoiam.

Os defensores emedebistas alegam que apoio à coligação tucana deveria constar “expressamente da ata o nome dos partidos coligados, a fim de que se permita aferir objetivamente a confluência das deliberações partidárias”. Por essa interpretação, só dois partidos da chapa cumpriram a exigência: PPS e PSD.

O caso vai ser relatado pelo ministro Tarcisio Vieira que pode deve tomar uma decisão antes do início da propaganda eleitoral, que começa dia 31 de agosto.

Atualmente, Alckmin tem sozinho 48% do tempo destinado à propaganda eleitoral. O segundo maior tempo é o do PT, com 20%; seguido de Meirelles com 17%. Em termos práticos, o tucano apareceria sozinho por 5 minutos e 32 segundos dos 12 minutos e 30 segundos reservados para a apresentação dos candidatos à Presidência.

Temer. Em evento na manhã de ontem na sede do PHN, em São Paulo, Alckmin negou que esteja sendo apoiado pelo presidente Michel Temer. “Não tem apoio nenhum. O Temer nem gosta de mim, principalmente depois que a bancada do PSDB na Câmara votou pela investigação contra ele.”

Além disso, para Alckmin, o apoio de Temer a ele não faz sentido porque o partido do presidente, o MDB, tem candidato, o ex-ministro da Fazenda. Na semana passada, em entrevista, Temer disse enxergar seu governo na candidatura do tucano. “Se você dissesse: ‘quem o governo apoia?’. Parece que é o Alckmin, né?”.

Celso Lafer: Insegurança internacional

- O Estado de S. Paulo

Cabe, neste momento hobbesiano, estar atento 'aos tombos dos dados' que podem nos afetar

O noticiário recente mostra que a situação internacional apresenta crescentes riscos à segurança que inquietam muitos. Em momentos como este, vale lembrar que “somos do mundo e não apenas estamos no mundo”, como sublinhava Hannah Arendt, e que “o mundo não dá a ninguém inocência nem garantia”, como advertia Guimarães Rosa.

É sempre útil começar a discussão por aquilo que aponta o significado das palavras, e deste modo para a pertinência da dicotomia segurança/insegurança.

Segurança, do latim securus, sem inquietação, mais o sufixo aumentativo ança significa ação de segurança, que confere estabilidade. Insegurança, por contraste e oposição, é a situação do que não é seguro e não oferece a confiança, o que no plano internacional passa por componentes de imprevisibilidade.

São os componentes da previsibilidade que conferem à ordem mundial uma certa estabilidade, que ensejam a possibilidade de administrar conflito e cooperação por meio de normas mutuamente acordadas. Em contraposição, são os componentes da imprevisibilidade que abrem espaço para uma leitura hobbesiana da vida internacional na qual a força e a violência adquirem realce crescente.

A vigência de uma leitura hobbesiana é uma expressão da atual insegurança internacional. Ela tem como pano de fundo a disjunção entre ordem e poder, vale dizer, a incapacidade de uma ação conjunta geradora de poder suficiente no plano internacional para tornar realizável uma ordem mundial mais previsível e estável. Esta disjunção tem como nota explicativa a prevalência de múltiplas modalidades de tensões difusas de variável grau e intensidade. Entre elas as relacionadas a uma nova distribuição dos elementos constitutivos do poderio dos Estados; as do equilíbrio que resultam das especificidades regionais; as provenientes da geografia das paixões, com o seu elã fragmentário; as que emanam do terrorismo que propicia a destrutiva globalização da violência; as que fluem da escala de desigualdades que vem aumentando no mundo.

É por isso que são muito significativos os desafios diplomáticos de encontrar interesses comuns e compartilháveis e administrar a Torre de Babel da diversidade cultural e do conflito de valores.

É por essa razão que a atual multipolaridade do poder desborda das normas do multilateralismo, intensificando a instabilidade e trazendo insegurança na medida em que estas normas não cumprem apropriadamente com as funções tanto de indicar padrões aceitáveis de conduta quanto a de informar sobre os prováveis comportamentos dos atores internacionais.

Mario Vargas Llosa *: Defesa da vida?

- O Estado de S.Paulo

Nem sempre as ações humanas podem ser divididas entre boas e más

O Senado argentino rejeitou o projeto de legalização do aborto no país por 38 votos contra 31, medida que já havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados e provocou um debate nacional e mobilizações gigantescas de defensores e adversários daquele projeto de lei.

Embora o projeto tenha sido rechaçado, acredito também, como as milhares de jovens que saíram às ruas em seu apoio, que essa foi uma vitória de Pirro para os opositores e, cedo ou tarde, como já ocorreu nos países mais modernos e civilizados do mundo, a Argentina legalizará o aborto dentro das 14 semanas de gestação.

Como sempre ocorre nesses casos, os inimigos do aborto – especialmente uma Igreja Católica muito inclinada ao obscurantismo – se apresentaram como os “defensores da vida”, sugerindo que aqueles que defendem o direito da mulher decidir se quer ou não ter filhos são partidários da morte e, horror dos horrores, de criaturas indefesas e inocentes.

Isso não é verdade. Ninguém que tenha mente sã pode justificar alegremente o aborto e muito menos as mulheres que se veem obrigadas a recorrer a ele, e para quem essa terrível decisão provoca traumas e conflitos psicológicos de longa duração. Nos anos em que vivi na Inglaterra, um dos pioneiros na legalização do aborto, vi várias mulheres espanholas e peruanas chegarem lá por esse motivo e não me lembro de nenhuma que tivesse tomado essa decisão sem uma profunda angústia.

Defender o aborto nos primeiros meses de gestação é optar por um mal menor. Reconhecendo, claro, que se trata de uma decisão difícil e dolorosa, geralmente adotada por condições de vida paupérrimas que condenariam o projeto de vida interrompido a uma existência desumana, ou seja, a uma morte lenta, sem esperança de mudança, e mergulhando mais a família (sobretudo a mãe) na miséria.

Claro que seria preferível que não houvesse abortos, que graças a uma educação sexual generalizada não ocorressem gestações indesejadas e as meninas e adolescentes estivessem em condições de decidir sempre sobre os filhos que desejam ter e os que querem evitar. Mas um dos grandes paradoxos é que os adversários do aborto são também aqueles que se opõem vigorosamente a que os adolescentes recebam uma formação sexual que lhes permitiria ter somente os filhos que desejam dar vida.

Lembro-me muito bem disso: frequentei colégios religiosos e leigos e em nenhum deles jamais recebi a menor informação sobre a vida sexual. Esse tabu perdeu muito da sua força nos dias de hoje, embora não em todos os lugares, como testemunha a América Latina, onde são inúmeras as gestações resultantes da ignorância e da desinformação.

Defender o direito da mulher de decidir quantos filhos deseja (e pode) é fundamental para garantir a igualdade de gênero e dar às mulheres a independência e os recursos para organizarem sua vida de acordo com seus próprios critérios, sem se verem obrigadas pelas circunstâncias, como ocorreu e vem ocorrendo ainda em grande parte do mundo, e deixarem de ser apenas um ente submisso à procriação e ao cuidado da prole.

Três autores discutem a natureza e a curiosidade humana

Livros do filósofo Feyerabend, do astrofísico Mario Livio e do professor Pedro Paulo Pimenta analisam duas obsessões da filosofia moderna

Martim Vasques da Cunha *, Especial para O Estado de S. Paulo

Em 1632, o holandês Rembrandt Van Rjin pintou o quadro A Lição de Anatomia do Dr. Tulp. Ele dramatizou o momento verídico no qual o doutor do título mostrava, aos seus companheiros de profissão, o que acontecia com os nervos expostos de uma mão do meliante Aris Kindt. Naquela época, a dissecação pública do corpo humano era semelhante à descoberta de que havia um mecanismo extremamente preciso dentro de nós. Não à toa que, diz a lenda – divulgada por W.G. Sebald em Os Anéis de Saturno –, ninguém menos que René Descartes passeava naquele mesmo dia da autópsia de Kindt nos arredores de Waagebouw, o bairro onde ocorria este grande evento na alta sociedade holandesa.

O quadro de Rembrandt é magistral não só por sua qualidade plástica, mas também pela reflexão que nos obriga a fazer sobre duas obsessões na história da filosofia moderna – o da natureza como um enigma a ser decifrado e o da curiosidade como motivo que incita a sua pesquisa sistemática. São também os assuntos de três livros lançados no Brasil e nos EUA: A Trama da Natureza – Organismo e Finalidade na Época da Ilustração, do professor Pedro Paulo Pimenta (Unesp); Philosophy of Nature, do filósofo e cientista austríaco Paul Feyerabend (Polity Press); e Por Quê?O que nos Torna Curiosos, do astrofísico israelense (naturalizado americano) Mario Livio (Record).

Em A Trama da Natureza, Pedro Paulo Pimenta faz um tratado meticuloso de como a Biologia moderna e a Filosofia iluminista (tanto a inglesa como a francesa) convergiram no estudo do organismo que, pouco a pouco, foi decomposto igual a uma máquina, dissecado pela razão humana e, ao ser articulado em escritos, foi distorcido pelas figuras retóricas de linguagem, em especial a analogia. Parece complicado, e é mesmo. Mas Pimenta faz isso com tal seriedade de rigor analítico e com tamanha abrangência na pesquisa bibliográfica que a sua explicação histórica torna-se evidente para quem quiser acompanhá-la.

Graças a um estilo elegante e cristalino, ele mostra ao leitor como essa convergência foi desenvolvida sem cair na tentação de ser um sistema fechado, algo que sempre foi um perigo no Iluminismo, de Diderot a Kant, passando por Adam Smith. Assim, vemos um drama das ideias que ainda tem sérias consequências no nosso cotidiano, como prova o impacto destas teorias nas descobertas revolucionárias de Charles Darwin ou na atual Economia Política, cujo “modelo conceitual nascente” foi tomado da Biologia, no qual “o sistema das relações econômicas é concebido tal como uma máquina que se regula a si mesma e adapta-se às circunstâncias”.

Adriana Calcanhotto - E sendo amor

Cora Carolina: Rio Vermelho

Rio Vermelho das janelas da casa velha da Ponte...
Rio que se afunda debaixo das pontes.
Que se reparte nas pedras.
Que se alarga nos remansos.

Rio, vidraça do céu. Das nuvens e das estrelas.

Rio de águas velhas.
Roladas das enxurradas.

Rio do princípio do mundo.
Rio da contagem das eras.

Rio Vermelho - meu rio.
Rio que atravessei um dia (Altas horas.Mortas horas.)
há cem anos...
Em busca do meu destino.
Da janela da casa velha todo dia, de manhã, tomo a bênção do rio:
- "Rio Vermelho, meu avozinho, dá sua bença pra mim..."