terça-feira, 11 de agosto de 2009

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

Por uma sociedade civil mais forte e uma democracia ampliada

Entrevista: Luiz Werneck Vianna
Revista Política Democrática Nº 24

Luiz Werneck Vianna é um “clássico moderno”. Egresso da cultura comunista – do comunismo do antigo PCB –, o cientista social e político dirige-se, no entanto, a todas as forças e personalidades da cena pública, no melhor sentido daquela cultura, e isto desde o seu primeiro livro, Liberalismo e sindicato no Brasil. Os traços da modernização conservadora, ou da revolução-restauração, que assinalam a reconstrução da vida republicana, particularmente a partir de 1930, encontram uma formulação cristalina já neste livro.

Werneck Vianna ajudou assim a compreender, “no calor da hora”, ainda na década de 1970, que a alternativa à incorporação autoritária dos setores subalternos somente poderia ocorrer no Brasil por meio de uma efetiva democratização da vida nacional. Em cada texto que compõe sua já reconhecida obra, política e cultura, ação prática e orientação acadêmica de alto nível se dão as mãos e se fecundam mutuamente.

Este, de resto, o sentido último das “análises de conjuntura” em função das quais o autor tornou-se particularmente conhecido. Análises que, mesmo atenta ao movimento singular dos atores e das forças em campo, sempre se inserem numa “teoria do Brasil” mais ampla, sem que isso em nenhum momento signifique a tentação de deduzir de uma teoria ou doutrina abstrata a realidade necessariamente fluida e contingente em que se mexem aqueles mesmos atores.

Não se trata de concordar com qualquer um dos cenários específicos que estas análises propõem ou propuseram no tempo em que foram formuladas, mas de reconhecer que, pelo arcabouço metodológico e pela amplidão da visão de Brasil que supõem, constituem igualmente peças clássicas no seu gênero, combinando dialeticamente os movimentos lentos da “estrutura” e o teatro vivo em que atuam personagens de carne e osso.

A atenção às diferentes figuras do intelectual e, mais recentemente, ao papel do direito nas sociedades contemporâneas, novamente a partir da circunstância brasileira, caracteriza a fase mais recente da produção de Werneck Vianna. O processo de conversão de interesses em direitos, numa consolidação e ampliação permanente do horizonte democrático do nosso tempo, está no centro das preocupações mais recentes do nosso autor; preocupações que, pela própria natureza, só aparentemente se distanciam da política prática e da própria vida dos cidadãos comuns, uma vez que, através das indispensáveis mediações, articulam-se com os processos contemporâneos de mudança social, capazes, no caso brasileiro, de dar vida e animar uma civilização original e profundamente democrática.

Este aspecto “otimista” do pensamento de Werneck Vianna não tem nada de ingênuo; pelo contrário, talvez seja o mais significativo indicador, hoje, da possibilidade de reconciliação não conservadora entre esquerda e nação, entre intelectuais e cultura, entre “subalternos” e história brasileira, numa chave distinta daquela da modernização autoritária do Estado e da sociedade. As inquietações e dúvidas a respeito do caminho brasileiro para a construção e consolidação da democracia vêm alimentando permanentemente esse “nosso clássico” e, com certeza, compõem o núcleo dessa entrevista, concedida a Caetano Araújo e Luiz Sérgio Henriques.


Acostumamo-nos a ver a sua obra como um conjunto muito coerente de proposições e mesmo de sugestões de método. Gostaríamos de começar falando de Liberalismo e sindicato e do papel específico que neste livro teve sua particular “expropriação” de conceitos de Lenin e Gramsci.

Sua pergunta sobre meu método de trabalho exige de mim uma consciência que desconfio não ter. Vou, então, contar como trabalho a partir de um exemplo. Na verdade, acumulo muita informação fática. Assim, no final dos anos 1960 e início dos 70, quando preparava Liberalismo e sindicato no Brasil, defrontei-me com o problema da Revolução de 1930, e aí me detive. Não poderia prosseguir com a elaboração do estudo sem apresentar uma explicação persuasiva sobre aquele fato de importância capital para uma moderna configuração do mundo trabalho entre nós. Li tudo o que, naquela hora, me era possível ler, tentando uma interpretação que viesse a emprestar. inteligibilidade àqueles fatos, dados, eventos singulares que desafiavam a explicação corrente. De resto, estou sempre consultando os grandes intérpretes brasileiros, testando os conceitos elaborados pela galeria dos clássicos, buscando chaves que me permitam triunfar sobre um cipoal de fatos aparentemente “erráticos”.

Portanto, desconfio que o importante em todo o procedimento de método seja cotejar a acumulação de informações com a bibliografia existente. Somente desse modo sabemos se as explicações correntes dão conta dos problemas que nos atormentam. Sobre 1930, por exemplo, a bibliografia existente no período mencionado, nas décadas de 1960 e 70, “patinava” muito. Tínhamos uma noção da autonomia do político, derivada de certa leitura do Poulantzas, que foi dominante na época. Havia também certas interpretações conceituais a respeito de categorias sociais determinadas: por exemplo, as Forças Armadas poderiam ser consideradas um fenômeno de camadas médias, ou seriam uma burocracia strictu sensu operando a partir de sua própria lógica? Houve uma literatura muito abundante sobre isso, e essa biografia não me satisfazia.

Vocês me perguntam também sobre Gramsci. A leitura de Gramsci foi, para mim, para minha geração, uma verdadeira iluminação, entre outras coisas porque havia algo em comum entre a Itália e o Brasil: o corporativismo, que foi uma ideologia forte e que Gramsci analisa muito bem. Por outro lado, entre nós havia até algum germe de americanismo. Pode não ter sido um tema central, mas também tinha vínculos aqui na nossa sociedade. Antes mesmo de 1930, empresários de São Paulo experimentaram formas de dominação de estilo americano – Jorge Street e outros. Na discussão sobre o trabalho do menor, na discussão sobre a legislação social, o liberalismo dos empresários brasileiros era de estilo americano. Bem, havia nossa vizinhança com os EUA. Mas penso que essa vizinhança não era apenas geográfica. Havia uma proximidade real entre os EUA e o sentido da política getuliana, que era o de desenvolver novas formas organizacionais. A vinda de Roosevelt para cá não foi um gesto apenas de boa vizinhança, foi uma declaração funda de intenção por parte do governo americano.

Oswaldo Aranha, um americanista, era uma presença estratégica no interior do governo Getúlio. Isso para não falarmos de outros personagens que a história perdeu de vista, como Valentim Bouças, assessor pessoal, nos anos 1930, em matéria econômica de Vargas, mais tarde personalidade relevante na criação da IBM no país. Esse era claramente do “partido” americano.

Com tudo isso, encontramos aqui a ideia de realizar a americanização “por cima”, que foi uma das hipóteses contempladas por Gramsci. Por isso não fiz exatamente uma importação de conceitos. Eu apenas percebi que alguém tinha estudado uma conjunção fática muito semelhante à que me preocupava e tinha chegado a uma explicação convincente, embora não entendida pelos seus contemporâneos e nem mesmo por muitos que vieram depois, até mesmo nos anos 1970. Tanto assim que o veio principal da leitura de Gramsci, naquele momento, ainda nos anos 1970, enfatizava a guerra de movimento, a guerra de posição, categorias que estavam orientadas por um outro momento histórico.

Acho que é assim que opero – eu não trago previamente o conceito. Uma vez, há muito tempo, um colega marxista me desafiou com a seguinte observação: “Você, nos seus textos, cita muito pouco Marx”. Eu pensei: “É verdade, mas tudo ali é Marx”.

Sobretudo a possibilidade da inteligibilidade do real. Neste caso do “real concreto”, a melhor orientação que encontrava era a do Lenin. Mas o Lenin que me guiou no período em que escrevi Liberalismo e sindicato no Brasil, o Lenin determinante para mim, naquele contexto, foi o Lenin sociólogo, o dos textos de sociologia agrária, o autor de O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Foi na macrossociologia de Lenin, construída com precisão cirúrgica na virada do século XIX para o XX, que fui buscar duas categorias muito poderosas para entender o nosso caso, para apreciar o desenvolvimento capitalista: o modelo americano e o prussiano. E o que é que nós tínhamos aqui para explicar os anos 1930? De fato, 1930 era um enigma: como é que os homens do latifúndio do Rio Grande do Sul comandam o processo revolucionário que leva à industrialização do país, e o fazem sem romper com a estrutura agrária, conservando a coalizão empresários industriais-elites agrárias, como na Alemanha ou no Japão? O que faltava, a meu ver, na nossa bibliografia, era alargar a galeria de casos elencados, porque, na verdade, nossa dificuldade derivava da existência de dois paradigmas apenas – o da Revolução Francesa e o da Revolução Americana, sem que nos encaixássemos em nenhum dos dois.

A leitura de Gramsci, para voltarmos a ele, se torna ainda mais relevante porque alarga o elenco de casos a serem comparados. Não dá para entender a revolução brasileira na chave francesa ou na chave americana. Ela tem outra conotação, tem outra forma de qualificação. E nela o mundo agrário é essencial, não como algo que vai ser reduzido, que vai ser enfrentado e abatido, mas como elemento partícipe do processo da modernização. Quer dizer, uma modernização feita com a preservação de setores retardatários das elites. E o interessante é que essa apropriação de Gramsci se dava em um momento em que era lançado o livro de Barrington Moore, Origens sociais da ditadura e da democracia, que, afinal, embora trabalhando em continente próprio, com categorias e conceitos próprios, visão de mundo própria, se avizinhava das construções marxistas, das construções leninistas sobre a questão agrária. Não sei se foi por isso, pela idoneidade de uma perspectiva como a de Moore, pelo fato de o argumento não estar comprometido com autores apenas marxistas, mas a verdade é que minha interpretação teve bastante aceitação, na época. Outros também trouxeram à tona o mesmo ponto, como o Luciano Martins, o primeiro de todos, na tese defendida na Sorbonne, o Octavio Velho, em O capitalismo autoritário e o campesinato, e, mais à frente, a Elisa Reis. Houve um conjunto de trabalhos voltados para esta nova direção. A minha marca em relação a esses trabalhos é apenas uma: é que eu utilizei Barrington Moore mais como uma escora de proteção em relação à cultura da época, mas os alicerces visíveis do meu argumento são Lenin e Gramsci.

Continuemos com Gramsci. Você vê em 1930, e em vários outros momentos cruciais da história brasileira, um andamento do tipo revolução passiva, de revolução-restauração, em que o ator se vê como que ultrapassado pelos fatos e o processo político parece caminhar por si mesmo. E, num mesmo movimento, parece tomar o conceito de revolução passiva não só como critério de interpretação, mas também como programa político, a ser adotado por atores mais realistas e sábios. Não seria uma forma sofisticada de transformar necessidade em virtude?

Na discussão sobre o caso italiano, em que Cavour é o vencedor e Mazzini o perdedor, Gramsci afirma que, se Mazzini fosse um político realista, ele teria desconstruído a armação passiva do Risorgimento. Teria feito, alternativamente, com que ela fosse menos onerosa para as classes subalternas, com que houvesse rendimentos de outra natureza. Ora, essa não foi uma leitura indevida de Gramsci, produzida artificialmente por mim. Gramsci, nessa hora crucial, em que Cavour acaba de ganhar, afirma que, se Mazzini tivesse agido de modo diferente, não teria perdido tanto. Teria perdido, inevitavelmente, mas não tanto. Eu me refiro a isso quando enfatizo o tema da revolução passiva.

Trago a discussão para a nossa história e para perto de nós: estamos num momento muito particular, e isso vale para o mundo inteiro, eu acho, mas, seguramente, para o Brasil: tem-se uma pesada tradição autoritária na política, uma sociedade imobilizada politicamente, mas, de outro lado, livre, inteiramente livre na sua sociabilidade, sem nenhum controle, sem formas explícitas de controle. O que faz entender que, na medida em que se luta pela democratização da política e de suas instituições, esse movimento maciço que trabalha a base da sociedade vai ganhar maiores posições. E isto numa dimensão “revolucionária”, importando mudanças de vulto de posições no interior da sociedade. Uma coisa por aí, algo que decorre até de uma observação puramente demográfica. Além disso, esse mundo é afirmador de direitos e traz com ele novos interesses. Então, na medida em que você encontrar passagem e legitimação para esses interesses, mesmo que a ordem excludente persista, você vai minando o campo adversário e ganhando terreno molecularmente. Se “Mazzini” agir segundo um cálculo – um Maquiavel da sociedade civil –, senhor da sua circunstância, que não lhe permite uma vitória final, aproveitando as oportunidades para a defesa de sua identidade e dos seus propósitos, ele pode impor ao seu antagonista uma parte da sua agenda enquanto acumula forças para novos avanços, sem que se entregue à passividade. Com isso, ele se credencia a interditar a cooptação dos seus quadros por parte de Cavour.

Na verdade, tudo isso é uma revolução passiva numa escala que Gramsci não pôde conhecer. Todos esses processos são posteriores a ele. Mesmo de forma passiva, nosso país produziu esta imensa mudança de posições, inclusive no tema do gênero, com a emancipação feminina, a chegada da mulher no mercado de trabalho e a perda de controle social em todos os níveis. Também no campo, houve mudanças na relação de propriedade. Então, por que não ser, hoje, um “perdedor” diferente do que foi Mazzini?

Por que não ser um político realista, no nosso caso? Por que não introduzir Maquiavel, que é sempre mobilizado como teórico do Estado, nessa dimensão societal? Diga-se de passagem que, quando eu comecei a estudar o tema do direito, também foi essa a direção. Considerei assim os novos institutos criados pela Constituição e até mesmo antes dela. E começamos a compreender esses institutos e a procurar seguir por esses caminhos. São caminhos de pequenas rupturas.


Agora, isso está desconectado da política? Não deveria estar, não, mas está.

Que papel teve a leitura de Gramsci e dos políticos ligados ao eurocomunismo na sua geração e, mais amplamente, na cultura democrática brasileira?

Ao falar de eurocomunismo, a referência imediata é Enrico Berlinguer, que apareceu como a melhor tradução do pensamento gramsciano no plano político e, inclusive, um dos mais audaciosos. Veja só a tese de que o feminismo era a parte mais revolucionária.

Quando eu fui apresentado a ela, reagi, mas ficou claro mais para a frente que Berlinguer tinha toda a razão. Agora, uma coisa que me chamou a atenção, que sempre me incomodou na política dos eurocomunistas foi a desatenção deles para com a cena internacional. Foi uma concepção muito autárquica, a deles...

Autárquica e europeísta...

Até italiana, eu diria. As possibilidades deles aqui, que eram imensas, não foram exploradas. Eles se recusaram a uma aproximação mais forte em nome de uma boa relação com o partido soviético e demais satélites, em nome de cálculos políticos, não sei com que sentido preciso. Um blefe era importante: dizer que não iam se envolver com os partidos comunistas no poder, mas sem abdicar de um papel “pontifício”, central, que era necessário que os italianos tivessem naquele momento.

Inclusive em relação ao Brasil.

Inclusive em relação ao Brasil, onde as possibilidades estavam inteiramente abertas. O Giovanni Berlinger, irmão do Enrico, tinha um trânsito enorme por aqui, especialmente na área dos sanitaristas. Mas, quando tentávamos uma aproximação mais forte, eles sempre lembravam os limites a que eram obrigados, em face da amizade entre partidos irmãos. Era só conversa. Eu acho que faltou a eles a percepção de que, para serem mais fortes na Itália, teriam que ter presença em outros lugares. E um bom terreno para eles, naquela época, era o Brasil. Como isso poderia ser atestado? Entre outras coisas, pelo movimento editorial que tomou corpo em torno das obras de Gramsci, pelos inúmeros intelectuais que passaram a se orientar pela leitura gramsciana, enfim, pela “revolução gramsciana” que foi feita na universidade brasileira, a partir dos anos 80. Acho que os italianos não tiveram sensibilidade para perceber isso.

Apesar de tudo, era também um aparelho político velho, o deles. Seu “ministro das Relações Exteriores” era o Gian Carlo Pajetta, um quadro histórico voltado para o Leste europeu, para o velho bolchevismo. Limitado nesse sentido, sem audácia. Na verdade, faltou audácia externa. Mas, e o Brasil? O que significou, no Brasil, dentro do PCB, a corrente eurocomunista? Gostaríamos de saber sua relação com Armênio Guedes, por exemplo, e com todo o processo de luta interna...

Apenas digo que esta foi uma possibilidade que se frustrou também por volta de 1980, 1981. Quando a direção do partido voltou ao Brasil, a minha posição foi abrir um terceiro caminho. Prestes de um lado, Giocondo do outro, e nós numa terceira posição.

Fizemos, àquela altura, uma reunião, e fui amplamente derrotado. A ideia vitoriosa foi a de que deveríamos nos associar ao Giocondo, que era o caminho possível, etc. Eu me bati por um terceiro caminho, mas era inteiramente dependente do David [Capistrano Filho] para fazer esse movimento, pois ele tinha o controle de São Paulo. Mas aí o passado pesa, não é? Houve quem dissesse que não faria esse movimento para não virar “renegado” e coisas do gênero. O fato é que, se isso tivesse sido feito, nada garante, a meu ver, que teria dado certo, mas pelo menos teríamos tentado um movimento garibaldino e não um movimento mazziniano. Porque dentro do partido havia esse movimento mazziniano. Bom, eu não vou identificar a essa altura quem, a meu ver, consagrava melhor isso. Não faz sentido. Mas havia. E, nesse sentido, a “Declaração de Março de 1958”, com todos os elementos de revolução passiva que ela, inconscientemente, estimulava, também não ajudava, principalmente no seu determinismo que induzia a crença de que “os fatos” trabalhavam a nosso favor. Não houve o corte ali, e, nisso, Gramsci tornou-se mais vivo nos cenáculos da cultura universitária do que na política. Porque ele ficou sem portador dentro da política..

Enfim, o “grupo eurocomunista” não se constituindo como tal, Gramsci vai sair da política, vai ser capturado pelo campo da educação, dos estudos sobre folclore, da religiosidade popular, qualquer coisa que não a política. E todo esse nosso movimento então foi inteiramente decapitado, ao se dispersar em várias direções. Uma fração dele, mais animada, foi para o PT, mas sem partir de uma reflexão própria. Se nos levantássemos naquela hora e disséssemos: “Não, o novo vai conversar conosco”, havia energia ainda. Poderíamos perder. Aliás, deveríamos perder. Mas, talvez, se mantivéssemos linhas de continuidade, linhas de articulação... O fato é que, a partir daí, fomos nos perdendo, até o ponto de hoje estarem inteiramente isolados os comunistas brasileiros que fizeram a descoberta gramsciana. Hoje é só um tempero específico dentro da política.

Vemos o tema da revolução presente na juventude de agora, nesta juventude do Psol, do PcdoB e de outras formações políticas, e que não conhece a alternativa que os eurocomunistas chegaram a esboçar. Perdeu-se, a meu ver, a oportunidade para a grande política, e aí ganhou a pequena política, ganharam os pequenos arranjos. A falta de recursos também contou. Lembro o golpe mortal que foi a proibição em 1981 da grande festa da Voz da Unidade, que ia se realizar em São Paulo e nos garantir pelo menos um ano de sustentação. Mas quero aludir também a esse sentimento de que a ruptura era uma iconoclastia a ser evitada.

O americanismo, de extração gramsciana, é uma inspiração fundamental do seu pensamento, no sentido da busca de uma vida social que possa expressar crescentemente elementos de autogoverno, com um mínimo de sedimentações e crostas parasitárias. No entanto, você se demarca nitidamente dos nossos autores que poderiam ser chamados de “americanistas”. Não haverá nisso uma contradição?

A diferença é teórica: sobre o Estado. E também sobre a relação entre moderno e arcaico, o que leva sempre a um antagonismo: o moderno, para Faoro, tem que erradicar o seu contrário, a tradição. Para mim, não: o moderno tem que assimilar o seu contrário.

Minha percepção de Estado é também diversa. Não é possível desqualificá-lo por definição. Embora eu reconheça que há aí um ponto enigmático mesmo, penso que esse enigma é da nossa natureza, é da nossa própria formação: este Estado que está aí nasceu mais moderno que a sua sociedade, portava uma “teoria” para ela, um projeto de formar uma nação, e era autoritário, sem dúvida. Mas o outro lado, os “americanos” da Regência e antes dela – Frei Caneca e outros –, que apontavam para a livre iniciativa, para a liberdade individual, não tinham como resolver uma questão estratégica, qual seja, garantir a unidade nacional. No limite, abriam mão dela, como Feijó, que também era um “americanista”. Então, essa articulação entre ibéricos e americanos está presente na nossa história. Tocqueville, no começo de A democracia na América, faz uso de uma afirmação: as nações são como as pessoas, pois seguem fiéis às suas condições de origem. Nações, como a francesa, que nascem animadas por dois princípios, vão ter dificuldades mais na frente, vão ter que combiná-los. Nós, como os franceses, nascemos animados por dois princípios: o público e o privado. Somos ibéricos e americanos, com ênfase em ambos. Nós somos assim, nascemos de uma composição entre eles, porque o liberalismo aqui abortou diante da migração da família real. Mais um pouquinho e nós tínhamos feito uma revolução nacional libertadora.

Provavelmente esfacelando o país...

Uma perspectiva hispano-americana. É aquilo sobre o qual nossos próprios homens do momento de fundação, como José Bonifácio, advertem: a fragmentação hispano-americana não pode prevalecer aqui. Esse é o caminho da guerra civil. Enfim, mesmo diante de um ato libertário, ele diz não. É uma dissidência infernal, não há como ficar com um lado contra o outro. Nós temos que entender isso na nossa história, como foi que isso aconteceu, e agora trabalhar essas duas matrizes, valorizá-las, porque elas não são alienígenas, elas são constitutivas do país.

Elas perpassam esquerda e direita...

Pensando assim, também a direita. De tal modo que quem contraria a realidade dessas duas matrizes sofre, em geral, sérios percalços. O Collor, por exemplo, quis fazer isso, romper radicalmente com a tradição em nome do mercado moderno, e deu no que deu.

Aliás, se vocês me permitem, e isso vai sem maior pretensão, o Fernando Henrique só me cita, sempre, nesse ângulo particular. Qual foi, então, a manobra que procurei conceber? Imaginei que o mundo americano, o mundo da sociedade, especialmente da vida associativa, da livre associação, fosse capaz de se elevar à política e converter o Estado a partir de baixo e a partir de dentro. Um processo de conquista feita ao longo do tempo, em que o direito teria papel a cumprir, um direito criado a partir de baixo. Não o “direito alternativo”, não o “direito achado na rua”. Não é isso. Mas sempre procurei valorizar os novos institutos e preservar também os valores do público. Citando um autor recente, contemporâneo, Pierre Rosanvallon começa sua Monarquia impossível exatamente como Tocqueville, ainda que sem citá-lo: “Nós, franceses, temos duas matrizes”, etc. Nós também temos duas matrizes. No caso dos americanos, não, eles têm uma matriz única.

Você fala de uma mudança a partir de baixo, da sociedade. Isso você encontra em Gramsci e vai buscar também em Tocqueville. Afinal, qual o papel de Tocqueville na sua reflexão mais recente, assim como de outros teóricos das ciências sociais, de forma geral?

Lembro mais ou menos a relação que Gramsci teve com Benedetto Croce, que era o ponto culminante do pensamento na sua época. O que não quer dizer que a esquerda que nós somos, e nem o Gramsci concordava com isso, deve aceitar passivamente qualquer ponto culminante desse tipo. Lembro também, agora, a figura de Habermas, a posição mais poderosa que existe e que de algum modo parte do nosso campo, parte do marxismo. Em Habermas, temos uma origem mais próxima de Marx do que de qualquer outro pensador contemporâneo significativo, e também temos uma construção democrática extremamente persuasiva das mudanças na estrutura Estado, na estrutura do poder a partir da via social, desde que se instituam procedimentos adequados e se libere a fala, com os homens em igualdade de condições para se manifestar. A propósito, o que sempre me aturdiu no Habermas é o fato de jamais ter mencionado a existência de Gramsci. Ele escreveu sobre autores americanos que trabalharam muito com Gramsci, como [Jean] Cohen e [Andrew] Arato, especialmente na formatação do conceito de sociedade civil. Habermas trabalha muito com estes autores, incorpora-os como uma das balizas do seu pensamento, mas curiosamente não menciona Gramsci, o que sempre me que pareceu um traço pequeno na sua obra.

Mas Tocqueville é de outro campo, não é marxista. Como você vê essa interação? Ele tem algo a dizer para nós? Na medida em que a questão da democracia ganha peso, Toquevile precisa ser mais incorporado?

Tocqueville, antes de tudo, ganha presença imensa entre nós na medida em que é a principal referência dos nossos “clássicos”, dos nossos intérpretes e estadistas. Alguns podem sustentar que as concepções tocquevillianas aqui são desajustadas, que não há correspondência razoável entre o Brasil e a América do Norte; outros, ao contrário, defendem, como o fazem os americanistas extremados, que se deve liberar a economia, liberar o indivíduo e que se vai colher bons frutos com a derrocada dessa tradição barroca, ibérica, pesada, dessa estrutura chinesa de dominação, burocrática, patrimonial.

E o ideal da township, da comunidade auto-organizada, era uma presença forte nos municipalistas do Império. Encontramos elogios fortes à obra tocquevilliana no principal opositor das ideias de descentralização, que é o Visconde do Uruguai. Oliveira Viana também. E vai por aí. A tradição autoritária brasileira vai numa direção, a tradição libertária vai em outra tradição... E frequentemente, por peripécias da nossa história, nós da esquerda somos tachados de estatistas, de autoritários, de conservadores.

Nós da esquerda?

Nós da esquerda. No período pós-suicídio de Vargas, ficamos todos, PSD, PTB, PCB, confundidos no mesmo Estado, na mesma estrutura corporativa sindical. E agora no governo Lula isso volta. É como se a história se reanimasse e se fizesse presente com todo o seu peso. A própria estatalização está de volta, embora não se possa refazer o percurso de antes, porque, como disse, sabemos que as duas matrizes são poderosas e nenhuma das duas tem força suficiente para aniquilar a outra...

Mas neste jogo ambas entram em mutação, não?

Ah, entram, vão entrando, e nós vamos nisso. A percepção dessa alquimia é absolutamente necessária para operar o mundo da política.

O “seu” Gramsci, decididamente, não é o “leitor de Maquiavel”, aquele que supõe a mobilização jacobina da vontade nacional-popular. Mas alguns processos em curso na América Latina, hoje, não parecem estimular esse tipo de leitura revolucionária?

Este quadro latino-americano é difícil. É muito difícil. É aí que, a meu ver, temos que pensar do ângulo de um país continental, com uma história particular, e que olha para este mundo com simpatia, com interesse – e com reservas. Porque lá se vive um processo que nós não podemos deixar de valorizar: a chegada de milhões e milhões de pessoas ao mundo dos direitos, pessoas que estavam ali embrutecidas em um canto do mundo e agora chegam à política, à esfera pública, ao parlamento. Elas vêm com um sistema de orientação dado pela sua particularidade, a mais absoluta, mas também usando um arsenal de linguagem já experimentado e que não foi muito bem-sucedido. Mas, de fato, o pensamento revolucionarista da América Latina veio com um novo fôlego, ainda que esse novo fôlego seja refratado por uma série de outros processos. Temos uma revolução autocontida espacialmente, ideologicamente.

Mas não o Chávez, que parece ter construído uma “internacional” bolivariana...

A questão é a seguinte: devemos nos opor a isso, devemos combater isso? Essa é a questão que vocês estão me impondo, não é? Acho que está claro, a partir de certos limites, sim. E, para ser franco, a política externa brasileira em relação a esse ponto tem sido, nas suas linhas gerais, muito inteligente, muito pertinente. De todo modo, nada disso quer dizer que se deve sacramentar no seu conjunto essa nova posição revolucionarista. Se vocês me perguntarem, eu acho que ela tem que ser contestada em termos políticos, tem que ser teoricamente contestada.


Agora, o fato é que muitas agências formadoras de opinião, entre nós, aqui dentro, mantêm sobrevivências revolucionaristas... De qualquer modo, é preciso registrar que o cenário em que se inscreve, hoje, o Brasil transcende o da América Latina e já é o mundial,e nele temos como trunfo nossos valores e a história da nossa civilização.

Mas enfrentar teoricamente implicaria apontar as contradições entre essa retórica jacobina e a convivência com a sociedade civil.

Mas seria uma retórica jacobina mesmo?

No caso dos índios? Do Evo Morales?

É uma revolução agrária que está em curso na Bolívia hoje?

Não. Até porque já aconteceu uma revolução agrária...

Mais do que pensar em jacobinismo, nós temos que pensar em cesarismo, em categorias mais referidas a um anacronismo. E a situação boliviana, de fato, pode terminar em tragédia...

Devemos nos preparar para o pior em situações como a de Honduras e outras? Teríamos, como se quis nos anos 60, “um continente em chamas contra o imperialismo”?

Há quem possa pensar assim, mas nesse particular o Brasil é uma presença apaziguadora.

E cabe considerar também o outro lado da moeda, o lado do “império”, onde há sinais de vitalidade, que podem alterar os dados desta situação. Observamos lá, desde a eleição de Obama, uma referência constante aos pais fundadores, aos valores americanos...

É a volta da religião civil, um fenômeno de importância imensa. Sem falar na projeção externa disso, lembro que, internamente, quando os Estados Unidos enfrentam uma questão como a da saúde, rompem uma tradição pesada. Quer dizer, admite-se que o Estado tem responsabilidades, há solidariedades entre as gerações, os indivíduos têm que ser protegidos pela lei. E isso é um divisor sem tamanho naquela sociedade. A ideia do pistoleiro, do indivíduo solto, do aventureiro, do homem da fortuna, só por isso sofre um baque considerável. A América se socialdemocratiza. E a nossa experiência brasileira, há dezesseis anos também é uma experiência socialdemocrata.


E tudo indica que por mais quatro ou oito anos vai persistir assim...

Seja Serra, seja Dilma...

Seja Serra, seja Dilma. Isso significa que, com modulações, com variações para lá e para cá, vige uma única pauta. O que há são interpretações da mesma pauta.

E assim voltamos ao cenário brasileiro, que parece viver esta contradição entre atores exageradamente contrapostos – na retórica – e substancial continuidade de projeto. É como se fossem atores de outra peça, que, no fundo, não é aquela que aqui está em cartaz. Como explicar estes atores fora de lugar? Como explicar o antagonismo radicalizado entre PT e PSDB, que envenena a cena pública? Para explicar isso, devemos sair da política e recorrer ao narcisismo das pequenas diferenças?

De fato, a política oficial brasileira não se encontra sob ameaça, no sentido de que não aparece nenhum grupo forte, de baixo, mexendo com as coisas estabelecidas. Com isso, os partidos hoje dominantes não têm porque se preocupar. Ao fim e ao cabo, vem o aumento do bolsa família... Do plano social não se originam impulsos que interfiram no sentido da mudança do quadro partidário. A desigualdade não cai, mas esse tema – o da desigualdade – não tem, hoje, a carga dramática suscitada pela questão da pobreza. O tema da desigualdade, a meu ver, se afirma em momentos revolucionários. Num momento como o nosso, visivelmente o que se discute é a pobreza. Além do mais, na sociedade brasileira, ser desigual ainda não significa muita coisa, pois as classes subalternas, em grande parte, têm uma vida paralela, culturalmente mais rica, em certos aspectos, do que a do conjunto da sociedade. Do ponto de vista de sociabilidade, do ponto de vista de vida associativa, do ponto de vista do lazer, há um mundo paralelo, que não é ameaçado pela repressão. Tem tráfico, tem policial corrupto, mas tem também imaginação solta, folguedo, dança, feijoada e churrasco na laje, comilança, festa de São João e muita energia para organizar tudo isso. Não é um mundo anômico. Ao contrário, é cheio de energia.

O que coloca a seguinte questão: nesse contexto, para os setores das elites políticas e econômicas exercerem hegemonia precisam negociar o tempo todo. Qual foi a agência cultural que mais cedo e melhor compreendeu tudo isso? A Rede Globo de Televisão.

Ela foi muito ajudada nessa tarefa por alguns intelectuais formados no nosso campo, como Dias Gomes, Vianinha, Armando Costa, Paulo Pontes e muitos mais. Mas, com isso, tendo de abrir o sistema à invenção popular ¬- é claro que mistificando, mascarando, etc.-, novos personagens são mobilizados para a tarefa de organizarem a cena cultural. A Globo exerce uma ação hegemônica? Exerce. É um aparelho cultural que é capaz de interpelar vivamente o que está embaixo e dirigi-lo Tome-se o Estandarte Globo como exemplo: a Globo trouxe para si a premiação das Escolas de Samba, deixando em segundo plano o júri organizado pelas direções das Escolas. E isso vale para qualquer coisa que viva, que se mexa no Rio de Janeiro, vale para qualquer manifestação cultural da cidade e mesmo do país. O que faz com que seja um domínio muito difícil de sacudir, de deslocar, mas também muito permeável e invadido por baixo. Enfim, um território da revolução passiva, em que muitos são decapitados e têm suas cabeças ocultadas para que o andamento cultural possa prosseguir.

Já na questão partidária, a permeabilidade em relação ao que vem de baixo, da sociedade civil, não é similar. Ambos os partidos, PT e PSDB, têm uma reação igualmente reativa ao que vem da sociedade civil, ou há diferenças entre eles?

Essa é uma ótima questão. Ambos os partidos, e até mesmo seus candidatos, têm a postura tradicional do político progressista brasileiro: são favoráveis ao que ocorre embaixo, procuram entender, estabelecer políticas adequadas, mas uma relação orgânica, mesmo que simbólica, se dá com o tipo representado pelo Lula. Porque a relação de Lula, no caso, é visceral. E vai haver novidades nesse ponto a partir de 2010, porque tanto com Serra quanto com Dilma teremos turbulências: nenhum dos dois vai ser capaz de manter, de segurar esse equilíbrio precário que existe hoje no interior do governo, no interior do Estado, e encarnar essa representação da articulação entre Estado e sociedade que o Lula faz em si. Não é o estilo do Serra nem da Dilma. Eles são administradores, têm uma outra formação, outro estilo.

Mas continuaremos sempre no âmbito da revolução passiva, sem esperar explosões...

Já que a vida é imprevisível, tudo pode acontecer, mas não é isso que se espera que vá acontecer, principalmente quando a sociedade já conhece os trilhos domesticados por onde andar. Por outro lado, é possível fazer grandes mudanças obedecendo aos institutos existentes.


Nos Estados Unidos, por exemplo, posso ir ao Congresso e mudar a legislação sobre saúde. É duríssimo, mas posso mudar e avançar em muitas outras. E também aqui podemos avançar em muitas direções. Olhando agora para a sociedade, como resistirá o Serra ou a Dilma, logo que um deles tome posse, a uma movimentação ativista do MST? Que nem Lula, resguardando um pedaço de chão no interior do governo para eles? Acho que o Serra não faria isso.

Não tem feito em São Paulo...

Não tem feito em São Paulo... Quanto a isso não há dúvida. E a Dilma, fará? Poderá fazer, mas ela também não tem se chocado com o agronegócio. Ela vai suportar a pressão do agronegócio, com a alegação, por parte deste, de que sustenta o país e quer sustentar o mundo? O agronegócio tem, de fato, o argumento de que constitui uma base de lançamento estratégico para o Brasil na cena mundial, e a Dilma, ao que parece, não é a favor de algo como um jardim zoológico por aqui, e aparenta mais ser uma portadora do lema do desenvolvimento das forças produtivas nacionais. Já o Lula, o que faz? “Olha, meus amigos do mundo agrário, venham os dois aqui, vamos conversar...”.

Sempre com jeitinho, e tem dado certo. O que poderia ter dramatizado a política brasileira não aconteceu: a luta pelo terceiro mandato. O que quer dizer o seguinte: o presidente subscreveu as instituições. Ele se alinhou nesta questão capital, fortaleceu as instituições, jogou as regras do jogo. Ponto.

A velha esquerda nacional-desenvolvimentista tinha um déficit de pensamento democrático (refiro-me aqui à democracia representativa). O PT traz em si alguns elementos constitutivos (como a esquerda egressa da luta armada ou o “populismo” de certas correntes do pensamento católico), mais afeitos à democracia substantiva ou aos mecanismos diretos de estruturação da vida política. Corremos o risco de, além do desenvolvimentismo, replicarmos o velho déficit democrático?

Devemos sempre ter em mente que o PT vive a dinâmica da democracia representativa.
As posições de força dentro do partido dependem muito do mandato parlamentar. Os parlamentares ouvidos, os políticos que falam para a sociedade são credenciados pelo mandato. Isso é totalmente distinto do partido político de esquerda dos anos 1950/1960 em que o mandatário era visto como um quadro menor na estrutura partidária, que cumpre ordens e não tem autonomia. Isso mudou. Os parlamentares começaram a ser quadros mais influentes do que os demais, tal como ocorrera na Itália, onde a tradição revolucionária também enfatizava o carisma do quadro, seu papel na estrutura organizacional e não no parlamento. Essa passagem, no PT, já foi feita cabalmente. E não tem volta. O Genoíno, o Zé Dirceu, que está sem mandato agora, mas vai voltar, o Palocci, enfim, todos buscam sua legitimação como quadros parlamentares.

Quanto à posição do PT, ao medo de que o partido não valorize as instituições da democracia representativa, essa é uma questão mais complicada. Como será o petismo sem Lula? Esse é o grande problema. Um dilema muito curioso, esse da formação do PT. Isso já foi visto várias vezes, tanta gente escreveu sobre este dado, digamos, xiita da formação. O partido chega para atingir um determinado objetivo, não tem como atingi-lo, a não ser parcialmente e na dependência pessoal do chefe. Então, todos ficam nesta dependência e monta-se um equilíbrio que não tem como ser quebrado, até que o próprio chefe se autonomiza e declara: “O programa do partido não me regula, eu me adapto às circunstâncias. Sou um político de faro, de intuição. Sou um político pragmático”.

Como o Zelig, do Woody Allen... Mas, nessa perspectiva, o PT sem a presidência Lula, vai ter uma queda forte? Ou seja, o sucesso do Lula se teria dado em detrimento do partido, pelo menos até certo ponto?

Terá uma queda, sim. E o sucesso do Lula, paradoxalmente, fez com que a estrutura partidária ficasse ainda mais desfalecida. O que a direita pretende com essa campanha que tem como alvo preferencial o Sarney? Está querendo demolir a democracia representativa? Não é o caso. Pretende quebrar o PMDB? Certamente. Seu objetivo é impedir que o PMDB se torne uma plataforma de lançamento da candidatura Dilma?

Certamente, também. Mas está difícil perceber a natureza desse movimento mais recente da política, porque há algo nele que é geral, universal, que tem a ver com a valorização do princípio da moralidade pública. O tema da moralidade pública é um tema emergente no mundo. E é muitíssimo democrático. Li o depoimento de um ministro da Suprema Corte Americana, que diz passar alguns dias da sua vida sem pensar noutra coisa senão elaborando a sua prestação de contas anuais. Se essa prestação não for minuciosamente correta, aparece um promotor e... Esse é um novo mundo, uma nova ordem. E quem não entende isso, perde, é derrotado. A democracia tem isso: vai avançando e vai assustando também. A propósito, esse é um dos argumentos do Tocqueville. Há algo nisso que é inexorável.

Uma palavra, ainda, sobre a contribuição brasileira tanto no plano mais imediato, fortemente afetado pela crise em curso no mundo e na América Latina, quanto em termos mais estratégicos, como contribuição para uma superação dos problemas de hoje que signifique ganhos civilizacionais. Ou, para sermos mais diretos, o Brasil tem jeito?

Tem. O Brasil é uma ponta de luz no mundo. Tornamo-nos isso a partir da grande tragédia que foi a escravidão. Ela fez com que cada um de nós se sentisse culpado e conhecesse a compaixão. Viver sob uma ordem liberal, orientada desde a hora de fundação do Estado-nação, pelos ideais da civilização, e coexistir com a escravidão...

Proclamar a sua iniqüidade, como em José Bonifácio, e admitir a sua existência, mesmo que por um tempo que deveria ser breve – e que não foi – por falta de alternativas.

Tenho pensado muito nisso, na nossa visão compadecida, na presença da culpa em cada um de nós, que convivíamos com uma instituição desumana e para a qual não encontrávamos justificação, salvo as do mais estreito utilitarismo. Organizar essa circunstância aflitiva, agônica, implicou uma negociação ininterrompida em cada um, no sentido de conciliar princípios com práticas que os desautorizavam, de onde, especulo, nos veio a dialética como forma fundamental da nossa cognição. Não tenho medo de dizer que aprendemos a ter uma percepção dialética do mundo a partir da escravidão. Uma dialética sempre refratária à síntese, obrigando a negociação entre pólos opostos. Tudo deve ser negociado, e essa não é uma marca apenas do Brasil tradicional. Isso se reitera nas práticas políticas modernas - no fundo, a experiência da social-democracia brasileira, de FHC a Lula, é a da permanente negociação entre princípios e interesses. A escravidão nos obrigou a uma negociação permanente, inclusive porque, aqui, ela não implicou o afastamento americano, o apartheid. Hoje se considera que tolerância racial e tolerância religiosa, marcas do Brasil, não são lá muita coisa. Bom, agora quem mais tem isso do jeito que nós temos? Neste mundo de ódios raciais e guerras de religião isso é pouco?

Mas você então subscreve o Gilberto Freyre, o Joaquim Nabuco, que foram mais ou menos subestimados pela sociologia marxista no Brasil?

Em boa parte, sim. O diagnóstico da negociação tanto no plano da política como no da sociabilidade está presente neles. O fato é que nós temos sabido compor, de um modo ou de outro, duas matrizes de orientação diversa, e assim evitando, para o bem e para o mal, que conhecêssemos rupturas revolucionárias. O estilo beligerante pode ter sucesso em um público restrito, mas terá muita dificuldade para se universalizar. Entre nós, o político que tem conseguido passagem é aquele que se aproxima do modelo do negociador, como Vargas, JK, Fernando Henrique e Lula.

Sob certos aspectos são desvantagens amargas, mas das quais podemos obter algumas vantagens. Teria sido melhor para nossa trajetória se tivéssemos começado com uma revolução? Mas não começamos. Certamente a história seria outra. Mas não se pode perder de vista que a construção da civilização brasileira foi uma obra de arte política, não foi uma construção qualquer. E nossa passagem para o moderno também foi uma obra de arte política. Getúlio foi capaz de compor as elites emergentes com as tradicionais, favorecer os trabalhadores urbanos e alterar a identidade, a natureza do país, embora nos tenha deixado marcas difíceis de serem carregadas. O fato de tudo se passar sempre assim, expropriando-se a vontade popular e operando por cima, está na base de uma herança nefasta que temos de erradicar. Mas o julgamento da nossa história também tem de ser dialético. É impossível não valorizar Frei Caneca, mas, com ele, aquele Norte-Nordeste teria ido embora. Sem dúvida. Para o bem ou para o mal.

O Evaldo Cabral de Mello disse que seria para o bem, opondo-se ao José Murilo, que ele chama de “saquarema”.

É, saquarema. (Risos) Agora, essa história é que permitiu a vitória do Lula em 2002. A esquerda, naquele momento, podia mais uma vez ter jogado com tudo que tinha, ter convocado seus fantasmas. No entanto, ela foi fazer o quê? Foi revisitar a história, reconstituindo-a e legitimando-a. Porque uma coisa é consultar o inventário, pegar isso e aquilo, outra é convocar os fantasmas. Se os fantasmas fossem convocados, eles se desfariam em contato com a realidade. Porque não tem mundo para isso.

O mundo aponta em que direção? Uma sociedade civil mais forte, uma democracia ampliada...

Certamente, e os recentes avanços nessa direção não podem ser subestimados. A vida associativa em geral tem-se fortalecido bastante, embora ainda se mantenha distante da esfera pública tradicional, em boa parte por incapacidade dos partidos políticos e do desprestígio atual das instituições de representação política. Mas, veja-se o caso dos movimentos sociais quilombolas que têm descoberto o caminho para se atingir a esfera pública pela via do direito, seus procedimentos e instituições. O mesmo com os Sem-Teto, etc.

Mas, voltando à sua questão, quando sustento que temos jeito, penso em uma revalorização da nossa história, das nossas tradições, operadas por esse mundo novo, emergente, que brota por aí. Porque há o risco, talvez, de o mundo do passado ficar no passado, e esse moderno contingente que aí está criar indivíduos atomizados, inteiramente orientados para ideais de prosperidade, esvaziando-se de valores e de sociabilidade. O fato também de a grande inteligência brasileira ter sido deslocada, salvo alguns pouquíssimos personagens, é um outro problema. A universidade tornou-se um lugar de formação de profissionais, de especialistas. Mas o Brasil tem jeito. Vai depender também da política, de como nós vamos operá-la e facultar às novas gerações uma vida pública animada e centrada em valores da igual-liberdade e da fraternidade.

Como é que nós vamos lidar, na política, com esse mundo que está emergindo? Mesmo afirmando que temos jeito, preciso admitir também que faltam partidos, faltam personalidades exemplares, falta muita coisa. Mas é seguro que fizemos uma Constituição que se tem confirmado, em todos os grandes embates republicanos e em delicadas controvérsias recentes de interesses, como as que, entre outras, tiveram como objeto as terras da Raposa do Sol. Com ela, na medida em que se organiza, a sociedade tem em mãos um mapa confiável para continuar a perseguir objetivos de justiça social e de defender as garantias da liberdade.

XVI Congresso do PPS : Leia a Carta do Rio

Por: da redação
DEU NO PORTAL DO PPS

Declaração política foi aprovada no último domingo.

O XVI Congresso Nacional do PPS, que aconteceu no último final de semana, aprovou a Carta do Rio de Janeiro (confira íntegra abaixo), documento com propostas do partido para a construção de um novo projeto para o Brasil em conjunto com os partidos de oposição ao governo Lula (PSDB e DEM) que integram o Bloco Democrático e Reformista (BDR).

No texto da carta, o PPS defende a implantação do parlamentarismo no Brasil; a realização de plebiscito para decidir sobre a convocação de uma assembléia constituinte para a reforma política; a constituição de um novo pacto federativo; a reformulação do bolsa-família, tendo como ponto central a emancipação do cidadão por meio do trabalho; a ampliação de investimentos na produção de bens e serviços com forte componente de inovações tecnológicas; realização de um zoneamento econômico e ecológico em todo o país; a redução do número de cargos comissionados em todos os órgãos públicos; maior investimento na educação pública; o fortalecimento do Mercosul e a desmontagem das bases militares mantidas na região pelo governo dos Estados Unidos; o fim do bloqueio a Cuba; a ampliação da participação da mulher da vida política, participação equilibrada dos sexos nos mecanismos decisórios; entre outros pontos.

Carta do Rio de Janeiro

Declaração Política do XVI Congresso Nacional do PPS

O Partido Popular Socialista, reunido em seu XVI Congresso , no Rio de Janeiro, manifesta sua preocupação com a gravidade da crise que o país vive. A pobreza e a desigualdade social persistem em níveis preocupantes, a economia vive momento de grande dificuldade, onde se acumulam problemas internos e efeitos da crise internacional e, finalmente, o sistema político passa por problemas que afetam sua legitimidade junto à população.

Nossos problemas persistem e os antigos modelos caducaram. A revolução científica e tecnológica muda o mundo e faz surgir a sociedade do conhecimento e da informação digital. Nessas condições, o PPS, em primeiro lugar, considera que a mudança necessária passa pela ampliação e fortalecimento da democracia. Em segundo lugar, que as mulheres e a juventude são atores importantes deste processo.

A história e a tradição democrática credenciam o Partido Popular Socialista a persistir nas propostas de mudança, na promoção do diálogo e da aliança em torno de uma agenda democrática e reformista para o Brasil. Nesse caminho, o partido se renovou e lançou, em diversas ocasiões, candidatura própria à presidência da República. O compromisso com a mudança e com a democracia levou o PPS a romper, ainda em 2004, com o governo Lula, em razão de divergências com a política econômica. Permanecemos na oposição, com a convicção de que a adesão do governo a práticas de cooptação fisiológica e clientelistas, do parlamento e dos movimentos sociais, constitui um risco objetivo de retrocesso institucional no país.

No Brasil, os impasses da sociedade não dependem somente da crise econômico-financeira mundial, uma vez que o processo de modernização e a complexidade cada vez maior da economia e da sociedade continuaram a ocorrer pelo viés da “modernização conservadora”. Portanto, permanecemos uma terra de imensos contrastes, dos quais o maior e mais grave é, sem dúvida, a desigualdade social. Basta dizer que somos a 9ª economia mundial em tamanho e a 59ª em desenvolvimento social. No ano de 2008, por exemplo, as taxas de lucros dos bancos, inclusive estatais, bateram mais uma vez recordes, enquanto a renda média dos trabalhadores, nos últimos 30 anos, cresceu apenas 1,2% proporcionalmente ao crescimento do PIB brasileiro, segundo dados do IPEA.

Os avanços da humanidade na política, na economia, na vida social, e também na ciência e no campo tecnológico, tornam posssível uma nova relação entre sociedade e natureza. A formulação e implementação de um novo modelo para sair da crise mundial, na perspectiva do desenvolvimento sustentável, exige ousadia para construção de novas práticas e padrões de consumo, produção e investimento, de maneira a minimizar os efeitos do aquecimento global. É possível, contudo, no Brasil, a convivência entre a agricultura moderna - geradora de alimento, renda, e riqueza – e a dos pequenos e médios produtores rurais, segundo os princípios da gestão ambiental, preservando os animais, as florestas e os rios.

A atual crise financeiro-econômica mundial, apesar das conseqüências negativas tão bem conhecidas por todos, abre a possibilidade de passagem a um novo padrão de desenvolvimento, capaz de ultrapassar modelos como o do financismo, do industrialismo, da era da moto-serra. Ela cria condições para se afirmar novas modalidades de empreendedorismo, para o emergir de novos ramos e atividades econômicas centradas no conhecimento e de novas formas cooperativas, trabalho por conta própria e familiar. É possível, também, longe dos meros sonhos utópicos, imaginar, a curto prazo, organizações econômicas mais horizontais e, portanto, mais democráticas.

Ao permitir mudanças dramáticas e positivas no campo do desenvolvimento, a crise econômica chama o mundo a discutir a marcha da globalização, e a relação das nações e povos dentro dela. O velho unilateralismo começa a revelar fraturas. É o momento de impulsionar a construção de uma ordem internacional baseada no multilateralismo, na solução pacífica das controvérsias internacionais e na reestruturação dos organismos internacionais no rumo de uma governança democrática global.

Detentor de grande população, de exuberante biodiversidade, uma rica diversidade cultural, além de ser um país de tradição pacífica, o Brasil pode exercer um papel fundamental no novo mundo em construção. Para isso, entretanto, precisa corrigir rumos e superar obstáculos que bloqueiam o seu potencial no presente e no futuro: realizar as reformas política, tributária, trabalhista, previdenciária e judiciária; adotar políticas específicas eficazes para promover um efetivo desenvolvimento regional de forma a ultrapassar os desequilíbrios existentes entre as várias partes do país; ampliar e tornar mais produtivos os investimentos nas áreas de educação, ciência e tecnologia; adaptar o Estado às demandas de uma gestão pública de qualidade e transparente, voltada para atender os cidadãos e competente para reposicionar a nação no mundo contemporâneo.

Em relação a 2010, o PPS proclama a sua decisão de dar continuidade à proposta de construir um novo bloco político, democrático e reformista, capaz de galvanizar por suas idéias e sugestões os brasileiros e ser vitorioso na campanha presidencial, abrindo uma nova era de mudanças no país. Firma-se na sociedade a convicção de que nada mais se pode esperar do governo Lula, em termos de reformas para o Brasil. Impõe-se, principalmente, reverter a subordinação ao conservadorismo em suas mais variadas práticas fisiológicas que caracterizam a gestão lulista.

Os brasileiros insistem em exigir mudanças efetivas e o PPS faz parte desse esforço. Para isso está empenhado no fortalecimento do Bloco Democrático e Reformista, formado em conjunto com o PSDB e o DEM, aberto à participação de outros partidos e movimentos sociais e propõe a seguinte agenda para a abertura das discussões:

- Na política internacional, defende a paz, o princípio da não-intervenção, o respeito aos direitos humanos, a defesa da democracia, o fim da corrida armamentista, sobretudo as nucleares e bioquímicas, o fortalecimento e transformação dos organismos multilaterais. Propõe também o descongelamento das negociações sobre a integração latino-americana, por meio da reformulação, ampliação e fortalecimento do Mercosul, desmontagem das bases militares mantidas na região pelo governo dos Estados Unidos, o fim do bloqueio a Cuba e o avanço das negociações de paz no Oriente Médio a partir do princípio da existência de dois Estados independentes, Israel e Palestina..

- Empenha-se para se constituir um novo pacto federativo, que garanta aos estados e municípios uma efetiva capacidade de resolução de seus problemas, em beneficio da sociedade como um todo. Nesse sentido, defende, no prazo máximo de dez anos, que os municípios fiquem com 25% dos recursos gerados nacionalmente, os estados com 35% e que a União retroceda dos 55% atuais para 40%.

- Afirma a centralidade da questão do meio-ambiente e subordina a ela o tipo de crescimento econômico que queremos, até porque outro não é o significado da expressão “desenvolvimento sustentável”. Nesse sentido, além de um novo modelo, que evite atividades produtivas predatórias, deve-se realizar seriamente o zoneamento econômico e ecológico para definir os parâmetros da atividade humana.

- Na política de ciência e tecnologia, deve-se reduzir nosso déficit científico e tecnológico, sendo fundamental manter e ampliar o investimento na produção de bens e serviços com forte componente de inovações tecnológicas. Importante considerar que, com a redução da exploração e uso dos combustíveis fósseis, acrescentando o das energias renováveis, o Brasil pode afirmar-se como um dos líderes da revolução energética.

- Na reforma política, deve-se, antes de tudo, iniciá-la com a mudança da regra eleitoral e continuá-la até a mudança do sistema de governo, com a adoção do parlamentarismo. O parlamentarismo dará solução para o desequilíbrio entre os poderes, pois constitui mecanismo rápido e eficiente de eliminar as crises institucionais que, por acaso, ocorram. O parlamentarismo é o sistema de governo compatível com democracias mais exigentes, como a que estamos construindo. O PPS defende a convocação de um plebiscito para deliberar sobre a convocação de uma constituinte exclusiva sobre a reforma política.

- A ampliação da democracia exige também a participação equilibrada dos sexos nos mecanismos decisórios. A reforma política deverá, portanto, contemplar mecanismos de estímulo à inclusão e empoderamento das mulheres. O PPS deve liderar um processo que afiance uma maior inserção das mulheres na vida política, assegurando-lhes não apenas o preenchimento de sua cota legal, no que se refere à constituição de sua listas de candidaturas, mas também em cargos de direção partidária. Precisa ser um partido comprometido com a saúde e a segurança das mulheres. Nesse sentido é fundamental obter a descriminalização do aborto, seguida de consulta popular.

- Na reforma democrática do Estado, impõe-se ações capazes de torná-lo eficiente, desburocratizado, ágil, sob controle da sociedade e não seu tutor, como hoje ocorre. Importante será reduzir o número de cargos comissionados, em todos os órgãos públicos federais, estaduais e municipais, como um primeiro passo para acabar com o nepotismo e o afilhadismo que dominam nossas instituições.

- No que diz respeito às políticas públicas, além de exigir a sua elevação a um novo patamar de investimentos, qualidade, gestão participativa de qualidade, transparente e ética, temos uma opção incisiva pela Educação, onde uma verdadeira revolução está por se fazer. Precisa-se qualificar a escola pública, tornar universal o Ensino Médio, a fim de fazer o jovem, além de dominar conteúdos, se relacionar com o conhecimento de forma ativa, construtiva e criadora, e alargando as novas oportunidades de formação para todos. Deve-se implantar o tempo integral nas escolas, seguramente a maneira mais eficiente de proteger a infância e a juventude em situação de risco, sem falar na efetiva autonomia das universidades. Da mesma forma, proporcionar a educação profissional em nível técnico mediante ampliação do ensino médio em concordância com o progresso científico tecnológico e as necessidades do processo produtivo e suas especializações, e implantar uma política de valorização do magistério, garantindo-lhe condições dignas de trabalho e remuneração adequada às suas responsabilidades profissionais e níveis de formação. No campo da educação superior, propomos a implantação das cotas para egressos das escolas públicas. Impõe-se também a formulação de uma política cultural que contemple a nossa diversidade regional.

- No tocante às políticas sociais compensatórias, desenvolver ações que possibilitem a restituição da dignidade do cidadão, por meio do trabalho. Não se trata de tirar a bolsa família do cidadão, mas emancipá-lo, por meio de capacitação, estímulo ao associativismo, à micro-empresa, a novas atividades geradoras de trabalho e renda, com a decisiva participação do Poder Local.

Assim, o Partido Popular Socialista conclama os partidos políticos, as entidades da sociedade civil, a cidadania e a sociedade em geral a somar esforços no fortalecimento do Bloco Democrático e Reformista e assim participar efetivamente na construção de uma alternativa para sair da crise brasileira.

Rio de Janeiro, 09 de agosto de 2009.

Fatos novos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Alguns sinais nos últimos dias indicam que a base governista não se convence de que a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência tenha condições de vingar, e não se trata de simples impressão. Pesquisas de opinião já indicam que o relativo sumiço dos últimos dias, devido à segunda fase do tratamento contra o câncer linfático, tem feito os índices de apoio de sua candidatura cair em alguns estados, ou estacionar em outros. O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, confirma que pesquisas regionais — como no Paraná e no Mato Grosso do Sul, por exemplo — têm indicado essa tendência, embora não haja nenhuma pesquisa nacional prevista para os próximos dias.

A repercussão da possível candidatura da senadora Marina Silva à Presidência pelo Partido Verde é um desses sintomas. Nada indica que ela tenha chances de vencer, mas todos acreditam que sua mera presença na disputa quebra a polarização entre PT e PSDB e pode levar a disputa para o segundo turno.

A candidatura da ex-ministra Marina Silva assumiria um espaço que foi ocupado por dois outros candidatos na eleição de 2006: a então senadora Heloísa Helena era uma dissidente do PT que fez uma campanha agressiva contra o governo Lula e acabou tendo quase 7% dos votos. E Cristovam Buarque, outro dissidente do PT, concorreu pelo PDT como o candidato da educação e teve pouco mais de 2% dos votos.

A senadora Marina Silva nada tem a ver com o estilo belicoso de Heloísa Helena, mas quebraria o monopólio da representação feminina, que é um dos sustentáculos da candidatura da ministra Dilma Rousseff.

E seria uma candidata temática, para defender uma política ambiental para o país que julga menosprezada pelo governo Lula, decepção que ficará patente se confirmada sua decisão de deixar o PT.

A hoje provável candidatura de Marina Silva pode tirar votos dos dois partidos que polarizam a disputa presidencial, mas certamente será mais prejudicial para a candidata do PT, que, além de perder a importante característica de ser a única representante feminina na disputa, perderá também uma parte do eleitorado de esquerda do PT, que veria em Marina uma alternativa política.

Esses eleitores poderiam também ser eventuais apoiadores da candidatura de José Serra pelo PSDB, especialmente nos centros urbanos maiores e capitais, caso o governador paulista venha a ser confirmado como o candidato do partido, e nesse caso também Serra sairia prejudicado.

Em especial no Rio de Janeiro, onde o PSDB está armando o apoio a uma candidatura do deputado verde Fernando Gabeira ao governo para que o candidato tucano ganhe um palanque forte num estado em que o partido é tradicionalmente fraco.

A possibilidade de Gabeira dar seu palanque para dois candidatos à Presidência — a candidata do PV Marina Silva e o dos tucanos — já está sendo discutida, da mesma maneira que candidatos a presidente poderão ter dois palanques em alguns estados.

De qualquer maneira, é importante ressaltar que o efeito de candidaturas como as de Heloísa Helena e Cristovam Buarque só foi pequeno porque do outro lado estava Lula.

Outro fato importante foi a decisão do deputado Ciro Gomes de explicitar sua preferência pela disputa pela Presidência da República, em vez de se candidatar ao governo de São Paulo, como quer o presidente Lula.

Além do mais, Ciro deu um passo adiante e disse que, mesmo que viesse a se candidatar ao governo de São Paulo, não assumiria o papel “mesquinho” de atacar Serra, a quem classificou de um “ótimo governador”.

Com essa atitude cuidadosa, Ciro mostrou que em São Paulo atua com a mesma cautela que, a nível nacional, a oposição tem em relação a Lula.

O PSB, que tem problemas com a hegemonia de PMDB e PT na base do governo, já tem demonstrado por diversas vezes que pode ter uma atitude independente na corrida presidencial.
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, e o próprio Ciro Gomes já disseram que, se o governador de Minas, Aécio Neves, for o candidato do PSDB à Presidência, o partido vai com ele.

Por sua vez, até mesmo o PSB paulista, que faz parte da coligação do governo Serra, já avisou que não apoiaria uma candidatura contra o esquema político do governador tucano, e mais que isso, anunciou que apoiará sua eventual candidatura à Presidência da República.

É um exagero de Ciro Gomes dizer, como fez na entrevista ao jornal “Valor Econômico” de ontem, que a candidatura de Marina implodirá a de Dilma Rousseff, mas a dificuldade de Lula transferir votos parece estar se refletindo nas pesquisas de opinião.

Montenegro, do Ibope, tem uma boa tese a respeito.

Ele lembra que os exemplos de transferência de popularidade política que ficaram famosos aconteceram quando não havia a possibilidade de reeleição no país.

Todos os casos eram de prefeitos ou governadores que estavam bem cotados na opinião do eleitor, e eleger o “poste” que indicavam era uma maneira de garantir que sua administração teria continuidade: em 1991, o governador Orestes Quércia elegeu seu secretário Luiz Antonio Fleury Filho, e em 1997, o prefeito do Rio Cesar Maia elegeu seu secretário Luiz Paulo Conde e o prefeito de São Paulo Paulo Maluf elegeu Celso Pitta.

Hoje, o período de 8 anos de mandato possível com a reeleição já daria ao eleitor, na avaliação de Montenegro, a sensação de missão cumprida.

O presidente do Ibope acha também que o brasileiro é ainda traumatizado com problemas de saúde dos candidatos, desde a morte de Tancredo Neves. E considera que o sofrimento do vice-presidente José Alencar na sua luta contra o câncer, se por um lado leva a que os cidadãos o admirem e torçam por sua recuperação, faz também com que fiquem apreensivos com os problema de saúde da ministra Dilma Rousseff.

Abraço de Lula e do PT salvaram Sarney

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O presidente do Senado, José Sarney, venceu o primeiro round da luta que trava com a oposição para manter o mandato e o cargo. A vitória deu algum alento para Sarney, nos rounds seguintes. Mas a oposição, também é certo, não se quedou nocauteada. Ela também ganhou fôlego para se manter na competição, sobretudo quando a base aliada ameaça desagregar-se, na medida em que se aproximam as eleições presidenciais de 2010.

Antes das dificuldades que a candidatura Dilma Rousseff (Casa Civil) passou a exibir, nos últimos dias, o que importa no momento é fazer a exumação das vitórias obtidas por José Sarney, semana passada. A bem da verdade, um fato está relacionado ao outro.

O presidente do Senado esteve com um pé fora do Congresso para o qual foi eleito, pela primeira vez, no final dos anos 50, na condição de um político com ideias modernizantes. Dias atrás, estava prestes a sair pela porta dos fundos identificado com o que de mais atrasado sobrevive na política brasileira. Coisas como o nepotismo e patrimonialismo.

A boia em que Sarney está com as mãos chama-se Lula. O presidente e o PT conseguiram transformar descalabros de gestões do Senado em "enfrentamento político com a direita". Não era mais a edição de atos secretos ou a nomeação do namorado da neta o que estava em jogo.

O argumento que conta, nas tropas do governo, é que a oposição não estaria interessada em saber se Sarney empregara a neta ou decretara atos secretos. Mas apenas empenhada em dividir a aliança que o governo tenta construir para as eleições presidenciais de 2010. É a eleição que vai decidir se o povo quer mudar ou se quer mais oito anos de PT no comando de uma política que, pelo menos da ótica petista, é diametralmente oposta à do partido na oposição. Por exemplo, na extensão da intervenção estatal na exploração do Pré-Sal.

Impulsiva, boa parte da bancada do PT no Senado deu mostras de que ficaria contra Sarney. Lula achava e acha que isso é um erro monumental. Desde o início o presidente enxergou na disputa do Senado um round da sucessão presidencial, uma tentativa de rachar a base de sustentação que ele quer transformar em coligação eleitoral do PMDB ao PCdoB - em 2010.

O fato é que o PT parou de flertar com a oposição. Salvo uma ou outra exceção, a maioria dos petistas do Senado que pedia o afastamento de Sarney, em público, reservadamente sucumbiu aos argumentos lulistas. O partido passou a se reunir mais e aos poucos foi saindo, a seu jeito, da posição original. Só o movimento do PT no Senado pareceu permanecer parado (para usar uma expressão grata ao senador Marco Maciel, DEM-PE). Mas na realidade já estava literalmente rachada - 6 a 6 ou 7 a 5, dependendo do humor de Paulo Paim (RS). Como "único senador a viver do salário mínimo", segundo reza a lenda do Senado, o gaúcho seria o menos ameaçado pelo escândalo na campanha. Mesmo a contragosto, Lula até perdoou o líder Mercadante, por entender que ele procurava se preservar para disputar a reeleição.

Na eleição para a presidência do Senado, em fevereiro passado, Lula já desempenhara um papel fundamental para a vitória do senador José Sarney, contra um candidato do PT, o senador Tião Viana (AC). "O sr é um ex-presidente da República e terá o meu apoio e garanto que terá o apoio do PT", comprometeu-se.

Enquadrado o PT, se estabeleceu a lógica do enfrentamento político-partidário. Sarney, que poderia sair, sentiu-se revigorado. Prevalecera a tese de que a oposição, especificamente o PSDB, pedia seu afastamento por motivos políticos-eleitorais e não por causas éticas e de procedimentos legais. Mais uma vez venceu o argumento segundo o qual todos os senadores, algum dia, também cometeram um ou outro pecadilho.

Sarney e parte de sua família pensaram no afastamento do patriarca, porque ele estava perdendo sustentação política. Foram os abraços de Lula e do PT que o levaram à tona. São eles os responsáveis pela situação que se estabelecer no Senado da República. O risco é que todos afundem juntos.

Tocaia grande

Sarney tem em mãos um ofício, feito durante uma de suas passagens pela presidência do Senado, subscrito pelos partidos políticos, pedindo a nomeação de Agaciel Maia para a diretor-geral do Senado.

Financiamento público

Tem um nome a disputa entre as empresas exportadoras e o governo em torno do crédito-prêmio do IPI: chama-se financiamento de campanha. Quem esteve envolvido na pendenga, em 2002, lembra-se muito bem dos embates nos bastidores para os empresários recuperarem o que julgavam ser um direito estabelecido na constituição de 1988, mas que já perdera a eficácia, por decisão do STJ, desde os anos 1990.

Integrantes do antigo governo tucano acham simplesmente um absurdo a proposta agora aprovada no Congresso por meio de uma emenda pendurada na MP que criou o programa "Minha Casa, Minha Vida".

O contrabando, como é chamado esse tipo de emenda às medidas provisórias, ganhou até um apelido entre parlamentares e nas áreas próximas à Receita Federal: "Resolva Minha Vida".

A pressão foi forte. A Receita Federal baixou dois atos dizendo que esse tipo de atitude deveria ser considerada um "evidente intuito de fraude". As instruções diziam: à exceção da execução de medidas judiciais, a Receita Federal deveria encaminhar representação por crime ou indício de crime contra a atividade tributária suspeita. O problema, segundo tributaristas, é que o país constitucionalizou em demasia a matéria tributária, o que abriu grande brecha para que ela se tornasse tema judicatório.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

PT resiste a investigar Sarney

Adriana Vasconcelos, Maria Lima e Leila Suwwan
Brasília
DEU EM O GLOBO

Recursos para desarquivar ações no Conselho de Ética dependem de votos de petistas

Sem a garantia do apoio dos três integrantes do PT no Conselho de Ética, os cinco senadores de DEM e PSDB no colegiado subscreveram ontem recursos, encaminhados também pelo PSOL, contra o arquivamento de três denúncias e duas representações pedindo abertura de processo de investigação contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Líderes desses três partidos contavam com os votos de Ideli Salvatti (PT-SC), João Pedro (PT-AM) e Delcídio Amaral (PTMS) para alcançar os oito votos necessários para o desarquivamento dos pedidos de investigação. Sarneyzistas agiram para evitar o apoio do PT. E a oposição ameaça ir ao Supremo Tribunal Federal, caso as ações sejam definitivamente engavetadas.

Embora o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), tivesse se comprometido a apoiar pelo menos um dos recursos, ontem houve impasse na bancada, já que Delcídio e Ideli resistem a votar contra Sarney. Sem o PT, são mínimas as chances de investigação.

Neste caso, o PSOL vai ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF contra a decisão do presidente do Conselho, Paulo Duque (PMDB-RJ), de arquivar os 11 pedidos de investigação sem sequer consultar o órgão. Ontem, Duque não foi ao Senado. Como o regimento não prevê prazos, a votação de novo está nas mãos de Duque e do vice, Gim Argelo (PTB-DF).

— Se os representantes do PT impedirem a investigação, eles vão ficar muito, mas muito mal — avaliou Renato Casagrande (PSB-ES).

Apesar da reação dos aliados de Sarney, Mercadante quer levar adiante a discussão na bancada, apontada como fiel da balança num processo de cassação de Sarney. Ele pretendia reuni-la ontem para divulgar uma nota, apoiando pelo menos um dos recursos. Só João Pedro está alinhado com o líder.

Petistas querem acordo com PSDB

Ideli teme perder votos na disputa pelo governo de Santa Catarina. Segundo fontes no PT, ela e Delcídio ainda apostam em um acordo com o PSDB — com o arquivamento da representação do PMDB contra o tucano Arthur Virgílio (AM) — para impedir a votação no Conselho.

— As decisões no Conselho são individuais.

Não entendi essa lógica do Mercadante de chamar essa decisão para o partido — afirmou o líder do governo no Senado e suplente do Conselho, Romero Jucá (PMDB-RR).

— Os integrantes do Conselho de Ética devem tomar suas decisões de acordo com sua consciência e não por recomendações partidárias — enfatizou o líder do PTB, Gim Argello.

A representação contra Sarney considerada mais grave pelo PT é a que se refere à interferência dele para nomear o namorado da neta Maria Beatriz Sarney para um cargo comissionado no Senado, por ato secreto.

Da tribuna e encarado o tempo todo pelo ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), com quem bateu boca semana passada, Pedro Simon (PMDBRS) voltou a defender a renúncia de Sarney e condenou o arquivamento sumário de todas as representações: — Se o presidente Sarney não renunciar, independentemente de nós, uma mobilização vai acontecer. Seja de estudantes ou intelectuais.

— A multidão e a sua vontade quase nunca tem razão — respondeu Collor, defendendo Sarney e atacando a imprensa: — Parte da mídia está querendo fazer engolir a cada um de nós essas empulhações que tentam contra Sarney. Mas a mídia não irá conseguir, não fará com que essa Casa se agache diante dela, essa Casa é muito mais alta que isso.

Planalto já calcula prejuízos para Dilma com Marina na disputa eleitoral

Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO


Especialistas em pesquisa divergem sobre potencial da ex-ministra

BRASÍLIA. O Planalto já considera irreversível a filiação da senadora Marina Silva (PT-AC) ao PV e avalia que sua provável candidatura à Presidência em 2010 deve causar prejuízos à campanha da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. A certeza de que Marina já está fora do PT foi confirmada ontem nos bastidores, quando ela indicou a petistas que a mudança deve acontecer rapidamente. Um grupo ainda fará um último gesto hoje, em encontro com Marina.

Seu potencial eleitoral assusta o governo, mas ainda é uma incógnita para especialistas em pesquisas, que se dividem na avaliação do quadro de 2010. O PV convidou Marina para se filiar depois de pesquisa telefônica feita pelo Ipesp, instituto de pesquisa do cientista político Antonio Lavareda, em que ela chegou a ultrapassar Dilma em alguns cenários, com 10% e até 20% das intenções de voto.

— Ela já saiu do governo há algum tempo e tem uma atuação discreta no Senado. Ela teria que ter visibilidade de mídia televisiva muito forte para sua candidatura fazer sentido nas pesquisas — disse João Francisco Meira, do Instituto Vox Populi.

— Hoje, não há espaço para terceira via. Além disso, Marina Silva não é uma política muito conhecida — afirmou Ricardo Guedes, do Instituto Sensus.

Já para o cientista político David Fleischer, da UnB, Marina tem potencial para começar acima dos 10%. Mas considera que ela só crescerá se não restringir o discurso à pauta ambiental: — Sua candidatura tem forte apelo no eleitorado preocupado com o meio ambiente. Ela partiria de um patamar de 10% a 15% dos votos. Marina saiu do governo muito descontente. Esse sentimento aumentou por causa da posição do partido em relação a Sarney. É uma política radical.

Ontem, Marina aproveitou a ida a Salvador, onde recebeu o título de doutora honoris causa da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para conversar com o governador petista Jaques Wagner, quando indicou a disposição de sair do PT.

Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, ontem, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) disse que uma candidatura de Marina “implode a candidatura de Dilma”.

Marina evitou comentar: — A candidatura não está posta. Mas claro que acredito na força do conteúdo programático dessa discussão do desenvolvimento sustentável. Aos 51 anos, não me mobilizo por projeto de poder. O que me mobiliza é a discussão programática.

Agora, não se trata de satanizar o partido que não fez esse debate, mas de valorizar o partido que coloca esse tema em pauta. Até os 30 anos, somos influenciados pelas nossas utopias.

Depois dos 50, temos que colocá-las em prática.

Serra em dia de candidato na Bahia

DEU EM O GLOBO

Com Wagner, tucano diz que quer ajudar a resolver problemas no estado

SALVADOR. Do combate à sonegação fiscal à situação do Esporte Clube Bahia na série B, o governador José Serra (PSDB) deu declarações como um típico candidato à Presidência da República na sua passagem ontem por Salvador.

Ele procurou demonstrar conhecimento sobre os problemas do estado e da capital baiana, dispondo-se a ajudar a resolver alguns deles, ainda como governador de São Paulo. Mas negou que estivesse fazendo campanha política antecipada. Chegou a exortar o Bahia a conseguir chegar à primeira divisão do futebol brasileiro para enfrentar o seu Palmeiras.

Serra assinou um convênio com o governador Jaques Wagner (PT), que apoia a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência, de combate à sonegação do Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS). O acerto permitirá a cobrança antecipada, na fonte, dos produtos exportados para os dois estados. Serra calculou que essa parceria resultará em recursos anuais de R$ 70 milhões para a Bahia.

No seu breve discurso, Serra deu uma estocada no PT baiano ao falar da instalação da fábrica da Ford em Camaçari, criticada, em 2001, pelos petistas. Um dos que se posicionaram contra a vinda da Ford foi justamente Wagner, na época deputado federal.

— Muita gente dizia que não iria dar certo e é uma das fábricas mais eficientes da empresa.

Da Agência A Tarde

Serra diz que Lula interferiu no Conselho de Ética

Tiago Décimo e Denise Chrispim Marin
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em entrevista à rádio Tudo FM de Salvador, o governador de São Paulo, José Serra, afirmou ontem que o governo federal interferiu na crise do Senado. "Não tenho participado dessa discussão, mas fui senador e sei como aquela Casa funciona."

Serra não citou diretamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas deixou claro que identificou a participação do Palácio do Planalto nos acontecimentos do Senado. "Na condição de governador tenho de manter uma relação institucional com o Senado. Houve realmente interferência do Executivo", disse. "Espero que os próprios senadores encontrem uma saída para essa crise."

Em Quito, o presidente tentou se descolar dos acontecimentos no Senado e declarou que seria "presunção" interferir nos processos abertos no Conselho de Ética contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP)."Eles têm os mecanismos. Que investiguem, que absolvam, que punam. Mas que não peçam a minha opinião."

Ao ser indagado se a tendência de o PT defender a preservação de pelo menos um dos processos não contrariaria sua própria intenção de ver todos os casos arquivados, Lula reagiu. "Nunca se ouviu isso de mim."

O presidente voltou a repetir que o Senado tem "maioridade e instrumentos" para investigar os casos "do jeito que bem entender" e "não cabe a ele dar palpites". "Seria presunção demais da minha parte."

Também voltou a defender a tese de que, durante os processos de investigação e julgamento, não se pode antecipadamente "achar que as pessoas têm de perder os cargos que ganharam legitimamente pelo voto". "Se a gente usar corretamente as fórmulas da democracia, ninguém perde e todo mundo ganha", disse. "Se a gente começar a atropelar os instrumentos democráticos que nós mesmos criamos, todos nós perdemos. Essa é a minha lógica."

Marina leva Ciro a rever plano para sucessão

Clarissa Oliveira e Luciana Nunes Leal
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Ele avalia que novo cenário é mais favorável à candidatura presidencial

Antes mesmo de ser confirmada, a candidatura da senadora Marina Silva (PT-AC) à Presidência da República já começou a impactar nas articulações para a eleição do ano que vem. Diante do convite feito pelo PV a Marina para que saia candidata ao Planalto em 2010, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) começou a rever a possibilidade de disputar o governo de São Paulo e voltou a investir na tese de que quer mesmo concorrer à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ciro comentou com aliados que a entrada de Marina na corrida criaria um cenário muito mais favorável a uma candidatura sua ao Planalto. Com a senadora na disputa, argumentou, a eleição perderia o caráter plebiscitário esperado pelo PT e pelo PSDB, ajudando a garantir um segundo turno.

A expectativa é de que Ciro diga pessoalmente a Lula que quer concorrer à Presidência. Os dois devem se reunir esta semana com o presidente do PSB, governador Eduardo Campos (PE), e dirigentes das duas siglas. A previsão era de que o encontro fosse um jantar em Brasília, amanhã. Até ontem, não havia confirmação.

A negociação para lançar Ciro ao Palácio dos Bandeirantes avançou depois que Lula mandou um recado ao PT de São Paulo, para que levasse "a sério" a candidatura do deputado. Num encontro com o presidente do PT paulista, Edinho Silva, e o deputado Márcio França, presidente do PSB no Estado, Ciro deu a linha do que dirá a Lula. Afirmou que se animou com as conversas sobre a corrida estadual, mas sua prioridade continua sendo a disputa presidencial.

Ontem, no Rio, Ciro disse que terá "uma conversa franca" com Lula. Mas garantiu que, do encontro, não sairá a definição sobre seu futuro político. Ele criticou a aliança PT-PMDB para dar sustentação à chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em 2010. E disse que entrada de Marina na corrida "causa uma erosão a ponto de implodir" a candidatura de Dilma. A afirmação já havia sido feita em entrevista ao Valor Econômico. Ao jornal, Ciro disse ainda que a Presidência é sua prioridade "sem qualquer tipo de dubiedade".

NEGOCIAÇÃO

Marina ainda não deu uma resposta ao PV, mas sua saída do PT já é dada como certa por aliados. Ela tirou o último fim de semana para conversar com familiares e amigos no Acre. Quem esteve com a senadora saiu convencido de que há pouca chance de ela ficar no PT.

Na lista dos que se reuniram com Marina estão o governador Binho Marques e o ex-governador Jorge Viana. Nas conversas, ela não disfarçou o entusiasmo com a possibilidade de liderar uma campanha presidencial e reiterou que está decepcionada com o PT. Destacou, porém, que não fará nenhum movimento para "arrastar" para o PV seus aliados.

"O PT foi, de certa forma, ingrato com a história de Marina. Considero que é muito difícil, neste momento, ela optar por permanecer no partido", disse Sibá Machado (AC), suplente da senadora, que exerceu o mandato quando ela esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente. Binho Marques afirmou, em nota, que aguarda a decisão de Marina. "Como amigo, companheiro e conhecedor de suas virtudes, serei sempre solidário a ela."

O recado de que ela está prestes a aceitar o convite chegou à cúpula do PV. "As posições que recebemos sobre conversas que ela teve no Acre foram muito animadoras", disse o presidente do partido, José Luiz Penna.

Ex-chefe da Receita fantasiou reunião com Dilma, diz Lula

Eliane Cantanhêde
enviada especial A Quito
Letícia Sander
enviada especial a Natal
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Ministra também nega encontro com Lina Maria Vieira para tratar de caso dos Sarney

Senador afirma não crer que Dilma tenha intercedido para apressar investigação contra sua família e diz que nunca pediu isso à ministra


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou de "fantasia" a declaração da ex-chefe da Receita Lina Maria Vieira de que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) pediu que a investigação feita pelo órgão nas empresas da família Sarney fosse concluída rapidamente.
Dilma, em visita a Natal ontem, negou ter se encontrado a sós com Lina e disse que nunca tratou desse assunto com ela.

Em reportagem publicada anteontem pela Folha, Lina afirmou que foi chamada para um encontro a sós com Dilma no final do ano passado. A ex-secretária diz ter interpretado o pedido como um recado para encerrar a investigação.

Em setembro de 2008, a Receita recebeu um despacho do juiz Ney Bello Filho (1ª Vara Federal do Maranhão) determinando a ampliação de auditoria que o fisco conduzia havia um ano nas empresas dos Sarney. No ofício, o juiz se dizia insatisfeito com o resultado até ali, conduzido pela administração do antecessor de Lina, o ex-secretário Jorge Rachid.

Em outubro, já na gestão de Lina, a Receita passou a montar um grupo especial, com auditores de fora do Maranhão, para reforçar fiscalização no clã Sarney. Segundo a ex-secretária da Receita, semanas depois ela foi chamada por Dilma.

"Eu não fiz esse pedido", afirmou a ministra Dilma, acrescentando: "Olha, eu encontrei com a secretária da Receita várias vezes, com outras pessoas junto, em grandes reuniões. Essa reunião privada a que ela se refere... eu não tive com ela".

Dilma disse que não tinha como "classificar" a declaração de Lina. "Não vou ficar fazendo interpretação subjetiva dela" e negou ter tido ingerência sobre a demissão da ex-secretária.

Já o presidente Lula, em entrevista em Quito, no Equador, depois de participar de reunião de cúpula da Unasul (União das Nações Sul Americanas), disse que "quem construiu essa fantasia, essa história, em algum momento vai ter de dizer que foi um ledo engano".

Lembrado que foi a própria Lina quem contou o episódio numa entrevista publicada, Lula reagiu: "Minha filha, eu não sei se a Lina falou ou não, você é que está me falando. De domingo, eu não leio jornal. Na segunda-feira, eu ouço informações. Eu só digo uma coisa: duvido que a Dilma tenha conversado com a Lina sobre qualquer assunto desse. Duvido".

Lula ainda ironizou: "Pode escrever uma matéria escrito assim embaixo: "Erramos"". Referia-se à seção da Folha, com correções sobre informações divulgadas pelo jornal.

Ele também disse que não conversou com a ministra, que é pré-candidata do PT à sua sucessão em 2010, e insinuou que nem pretende fazê-lo.

"Eu não conversei com a Dilma nem hoje [ontem], nem ontem [anteontem], nem anteontem [sábado], nem "trasantontem" [sexta]", disse. Insistiu, porém, que não acredita na declaração de Lina, que foi demitida da Receita pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ao ser questionado se achava possível que Dilma tivesse procurado a secretária para pedir-lhe que encerasse a investigação, respondeu: "Acho que não". Foi enfático ao responder que ele não pediu nada a ministra nesse sentido. "Nunca, nunca."

Conselho de Ética

Lula também negou ter interesse num desfecho rápido dos processos contra Sarney no conselho. "O Senado tem maioridade e tem instrumentos para fazer as investigações que entender que deva fazer." Apesar de já ter feito uma série de manifestações sobre a crise na Casa, ontem disse que "não cabe a um presidente ficar dando palpite nas instâncias de investigação do Senado".

"Ela sabe que falou comigo", reitera Lina

Andreza Matais e Leonardo Souza
Da Sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira reiterou ontem que esteve no gabinete de Dilma Rousseff (Casa Civil) e que a ministra lhe pediu para encerrar logo o processo de investigação nas empresas da família Sarney.

"Ela sabe que eu estive lá e sabe que falou comigo. A Erenice [Guerra, secretária-executiva da Casa Civil] também, porque esteve no meu gabinete para marcar. Não custava nada ela ter dito a verdade. Qual a dificuldade? Na minha biografia não existe mentira."

Ela afirmou que confirmou o encontro à Folha porque foi procurada pela reportagem. "Não preciso disso, estou passando um momento muito difícil por causa da entrevista. Não tenho costas quentes, não tenho ninguém para me defender. Não sou candidata a nada, não preciso de palanque."

Lina disse que "Erenice pediu o encontro e que era para ser sigiloso", por isso não foi acompanhada de assessores. "Estive lá, antes a chefe de gabinete dela foi ao meu gabinete, agendou isso para ser uma coisa informal, que não constasse nem da minha agenda nem da dela. Eu cheguei pela garagem, entrei sem identificação, conversei com ela e voltei."

Lina está de mudança para o Rio Grande do Norte. Foi demitida em 9 de julho pelo ministro Guido Mantega (Fazenda).

Tempo perdido

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


A América do Sul tem vários problemas, mas ultimamente ela só se reúne em torno dos problemas inexistentes. Os países da região estão quase todos em recessão, algumas grandes economias como Venezuela e Argentina estão também com inflação alta. O narcotráfico produz violência e é fator desestabilizador, a violência cresceu em países como a Venezuela. A pobreza é uma velha chaga regional.

A Unasul (União das Nações Sul-Americanas) deveria se reunir para discutir o aumento das possibilidades de integração física, energética e econômica da região, mas pelo tom dos debates, e das declarações feitas por vários líderes, tudo se passa como se ela fosse um pacto militar como o que habita os sonhos do presidente venezuelano Hugo Chávez, em uma guerra imaginária contra os EUA. E ele deu destaque a esse assunto para fugir das explicações que ainda deve ao mundo pelo fato de armas suecas que a Venezuela comprou estarem nas mãos dos terroristas das Farc. O tema das bases americanas, da qual tanto se falou, não constou no comunicado conjunto.

Outro tema que povoou as declarações de alguns presidentes foi a tentativa de aprovar uma moção contra a imprensa. Neste e em outros assuntos, o que houve foi uma enorme perda de tempo. Será pior na próxima reunião. Até agora, a Unasul estava sendo presidida pela sensata Michelle Bachelet, do Chile. Na sua apresentação de contas, ela fez um balanço de reuniões na área de saúde para troca de informações sobre o combate à gripe H1N1. Esforços assim é que deveriam mobilizar os países.

Mas agora, com Rafael Correa na presidência rotativa, vamos ter mais espaço para os factóides chavistas.

Os governos da região deveriam estar se entendendo sobre como fortalecer as economias contra as crises globais, como aumentar o comércio regional, como criar um sistema de cooperação entre as forças de inteligência e segurança contra o narcotráfico, como proteger a Amazônia dentro do contexto das mudanças climáticas. Nada disso parece mobilizar os presidentes mais histriônicos do continente. Eles se reúnem para discutir a já bem conhecida relação militar entre Colômbia e Estados Unidos.

Os dois países disseram tratar-se apenas de mais do mesmo: não é segredo para ninguém que Colômbia e Estados Unidos têm um acordo militar que transfere bilhões de dólares anualmente para a Colômbia. O acordo passa pelo Congresso americano, portanto é público.

Quanto à suposta ameaça da imprensa aos governos, é o oposto: é uma ameaça à imprensa por parte tanto de Chávez quanto dos seus clones.

O presidente do Equador, Rafael Correa, também já disse que vai fechar emissoras de rádio e televisão. O truque de Chávez é conhecido.

Em vez de esperar para ser cobrado, ele vai para a ofensiva, escolhe um outro assunto e escala. Dessa forma, tira a pressão que deveria cair sobre ele, se esse fosse um encontro sério.

O risco real para uma região com a história de autoritarismos e caudilhos que tem a América do Sul é o próprio Chávez e a tecnologia de assalto às instituições democráticas que ele tem vendido.

O governo Lula, que tem alguns integrantes que enfrentaram os rigores da ditadura, não deveria tratar isso com a leveza com que trata. No mínimo, por uma questão de coerência. Não se pode ser democrata pela metade.

Felizmente, o Brasil fecha com os países mais sensatos, como o Chile, na hora de votar as propostas sempre estranhas de Chávez.

As manobras continuístas de alguns presidentes da região, entre eles Chávez e Uribe, são mais ameaçadoras, tendo em vista a história do continente, do que qualquer conflito entre Colômbia e Venezuela.

Até porque os dois países têm intensas e promissoras relações econômicas e comerciais. O comércio bilateral é de US$ 7,3 bilhões e poderia ser muito maior se o diálogo entre ambos fosse mais racional. A Venezuela compra quatro vezes mais do que exporta para a Colômbia: importa US$ 6 bilhões e exporta 1,3 bilhão. Depende do país vizinho para alimentos básicos como carne, vegetais, ovos. Numa matéria recente, a revista “Economist” deu destaque ao fato de que até gás natural é comprado.

Até por essa dependência de inúmeros produtos num país com crônico desabastecimento, Chávez ameaça, ameaça, mas não rompe relações.

Nos últimos vinte meses já chamou de volta três vezes o embaixador em Bogotá, para depois mandar de volta, como acaba de fazer.

A declaração de Chávez de que “ventos de guerra sopram na região” não poderia ser mais fantasiosa. A tentativa do Equador — que até recentemente tinha uma base americana em seu solo — da Bolívia e da Venezuela de aprovarem uma moção contra a Colômbia resultou em coisa nenhuma.

O problema da reunião é o fato de que os países fazem um esforço enorme, os líderes se deslocam, isso custa dinheiro e tempo, para um encontro em que nada de importante acontece, e os presidentes ficam prisioneiros da pauta fantasiosa inventada por Chávez.

O Brasil tem um comércio forte com os onze vizinhos da América do Sul. Somando-se as duas correntes do comércio são US$ 62 bilhões, quase metade disso com a Argentina.

Com o Chile, tem US$ 8,8 bilhões, mais do que os US$ 5,6 bilhões do comércio com a Venezuela. Deve continuar estreitando essas relações e fugindo dos exemplos populistas da região.

Com Alvaro Gribel