quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Merval Pereira - Evitas a evitar

O Globo

Na discussão fora de hora sobre reeleição, até Michelle e Janja entram no páreo

Não é bom sinal que, com menos de dois meses de governo, já se fale em possíveis sucessores de Lula. Pior ainda quando se coloca a primeira-dama no páreo. Janja virou até fantasia de carnaval. O próprio presidente sentiu cheiro de queimado no ar e tentou desarmar a bomba, recuando prematuramente da promessa de não disputar a reeleição.

Com isso, porém, acirrou a sanha da extrema direita, o que trará de volta ao Brasil no próximo mês o ex-presidente Bolsonaro com o objetivo de liderar a oposição ao PT. A síndrome da reeleição tem efeitos colaterais graves, como governar desde o primeiro dia do primeiro mandato para conseguir um segundo. No caso de Lula, um quarto.

Mas presidente que anuncia que não será candidato gera disputa antecipada. Bolsonaro prometeu, uma das muitas mentiras que contou para receber votos dos eleitores liberais que acreditaram em suas promessas. Desde o primeiro dia de seu mandato, a reeleição foi prioridade.

Malu Gaspar – A escolha de Lula

O Globo

Com 45 dias de governo, ainda falta saber muita coisa sobre os planos de Luiz Inácio Lula da Silva para os próximos anos. Está claro desde a campanha, porém, que ele busca duas coisas principais neste terceiro mandato. Uma é reparação. A outra, consagração.

Lula quer aproveitar a nova chance na presidência para completar o que acha que ficou faltando, reconstruir o que foi destruído nos últimos anos e corrigir o que considera injustiças – contra ele, preso pela Lava-Jato, contra Dilma Rousseff, que sofreu impeachment, contra seus aliados, muitos expurgados da máquina pública sob a acusação de corrupção.

A indicação de Dilma para presidir o banco do Brics faz parte desse esforço, assim como a reabilitação de aliados de outros tempos. O ex-ministro Paulo Bernardo é cotado para uma vaga no conselho de Itaipu. José Dirceu, que andou na geladeira por anos, mereceu menção especial de agradecimento de Lula no início da semana, no evento de aniversário do PT.

Maria Hermínia Tavares* - A diplomacia de Lula-3

Folha de S. Paulo

Brasil tem a responsabilidade de estimular na região mecanismos de proteção ao sistema democrático

O encontro do presidente Lula com seu homólogo americano, Joe Biden, na semana passada, foi bem mais que uma oportunidade para restabelecer o diálogo entre as duas nações, travado por Bolsonaro. O brasileiro aproveitou a visita à Casa Branca para reafirmar, em grandes linhas, a agenda que balizará a política externa de seu governo.

Ela se arrima em quatro questões de alcance global: a proteção ao meio ambiente; o combate às desigualdades; a solução pacífica dos conflitos entre Estados; a defesa da democracia ameaçada pela extrema-direita. Embora a contribuição que possa dar à sua abordagem em escala planetária varie amplamente de questão para questão, em face de todas elas o país dispõe de experiências que lhe asseguram credibilidade para falar e lastro para propor.

Em boa medida, o centenário compromisso do Brasil com a paz entre as nações e a busca de soluções diplomáticas para os conflitos explicam a raridade de confrontos armados entre Estados no entorno sul-americano.

Ruy Castro - Nosso caro vice-presidente

Folha de S. Paulo

Em quatro anos dizendo banalidades, Hamilton Mourão engoliu sapos e petiscos finos

Em quatro anos como vice-presidente nominal de um governo que, se pudesse, o confinaria no armário das vassouras, Hamilton Mourão apareceu centenas de vezes na TV. A cada barbaridade cometida por Jair Bolsonaro, a imprensa mandava uma equipe à porta do Palácio do Jaburu para ouvir Mourão. E Mourão estava sempre chegando de algum lugar. Descia do carro oficial, abotoava o paletó e, indagado sobre a dita barbaridade, minimizava-a, esfriava-a com descansada displicência e dizia que era aquilo mesmo, coisa banal, sem importância.

Em suas crônicas, Nelson Rodrigues se maravilhava com a impassibilidade de certas pessoas. Um dia, referindo-se a um político estilo Mourão, Nelson escreveu: "Se, num jantar, servirem-lhe ratazana ao molho pardo, ele encarará o prato com a maior naturalidade. E ainda perguntará se não têm uma pimentinha". Mourão fez parecido: digeriu sem reclamar os inúmeros sapos à milanesa que Bolsonaro lhe serviu em forma de desprezo e desrespeito.

Bruno Boghossian - Um ilusionista na oposição

Folha de S. Paulo

Ex-presidente busca disfarce para escapar de ameaças de inelegibilidade e prisão

Depois de executar um número de desaparecimento no fim do ano passado, Jair Bolsonaro prepara mais um truque de ilusionismo. Ao anunciar que pretende voltar ao Brasil em março para atuar como líder da oposição a Lula, o ex-presidente mostrou que gostaria de convencer o país a esquecer parte de seus crimes.

A entrevista de Bolsonaro ao americano The Wall Street Journal pareceu parte de um esforço para repaginar alguns de seus atos no poder. Antes de pisar em solo brasileiro, o ex-presidente tentou desfazer conexões com o golpismo de 8 de janeiro, ajustou o tom dos ataques à eleição e simulou ponderação ao revisitar sua gestão da pandemia.

As declarações de Bolsonaro poderiam ser interpretadas como uma espécie de defesa prévia em três assuntos que representam algumas das maiores ameaças a sua força eleitoral, seus direitos políticos e, em última instância, sua liberdade.

William Waack - Irrealismo

O Estado de S. Paulo

Há sensível diferença entre o Lula ‘frente ampla’ e o Lula do ‘ganhei o mandato, faço o que quero’

Mesmo no governo, populistas nunca saem do palanque (ou do cercadinho). Lula até aqui não se desviou do método que consagrou.

Ocorre que, entre os palanques de 20 anos atrás e o atual, Lula passou 580 dias na prisão. Período especialmente amargo para alguém, como ele, que se julga vítima de uma gigantesca injustiça.

Relatos de pessoas que tiveram com o presidente algum tipo de convivência política e institucional nas últimas décadas e com ele interagem agora convergem num ponto: Lula alimenta (compreensíveis) ressentimentos. Tornou-se emocionalmente mais suscetível a mudanças acentuadas de humor, e chora em público com frequência inédita para os próprios padrões.

Felipe Salto* - Juros baixos e dívida alta: água e óleo

O Estado de S. Paulo

Não vamos nos deixar seduzir pelo canto das sereias da inexistência de restrição fiscal e do espaço para reduzir os juros como fruto da vontade

Alguns economistas e políticos não veem razão para a Selic de 13,75% ao ano. Argumentam que a dívida pública bruta do Brasil se assemelharia à dívida média dos países emergentes e estaria abaixo da média dos desenvolvidos. Logo, na suposta ausência de problemas nas contas públicas, os juros deveriam diminuir rapidamente. Há espaço para reduzir os juros, mas ele está condicionado a resolver o nó das contas públicas. Não se trata de ter uma solução pronta e acabada, mas de promover medidas como o pacote fiscal de janeiro e o anúncio de uma boa regra fiscal, já prometido para o primeiro semestre. Desde logo, acho o debate salutar. Vamos aos números.

Míriam Leitão - O desperdício do capital inicial

O Globo

O mesmo governo que faz um resgate do país em tantas áreas cria brigas desnecessárias e prejudiciais na economia

A morte ou a vida. Em algumas áreas, só com uma categoria dramática assim se pode definir a travessia entre os dois mundos que o Brasil fez em um mês e meio. Pense nas crianças Yanomami, se achar que exagero. Pense na invasão da sede dos Três Poderes e no pacto democrático feito após o atentado. Pense que o Ibama hoje está no comando do combate ao crime ambiental, a Funai acolhe os indígenas, o Brasil restabeleceu o diálogo com o mundo. Por tudo o que mudou, o ruído econômico soa mais estridente. O mesmo governo que faz um resgate do país em tantas áreas cria brigas desnecessárias e prejudiciais na economia.

Maria Cristina Fernandes - Haddad toma posse

Valor Econômico

Ministro costura trégua com Lula e com o mercado

Quarenta e cinco dias depois do início do governo, Fernando Haddad tomou posse pela segunda vez como ministro da Fazenda. Ao contrário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o fez ao demitir o comandante do Exército, a segunda posse de Haddad não aconteceu por uma canetada. Deu-se ao longo desta semana por sucessivos sinais - desde a volta de Washington, onde conversou com Lula sobre a trégua, à reunião desta quinta no Conselho Monetário Nacional.

A segunda posse também teve discurso. Ao contrário daquele de 2 de janeiro, desprovido de plateia expressiva do PIB ou do primeiro escalão do governo, o desta quarta se deu sob a presença dos grandes gestores da dívida pública do país. Três deles - Luis Stuhlberger (Verde), André Jakurski (JGP), Rogério Xavier (SPX) - administram mais de R$ 100 bilhões. Precederam a fala do ministro e convergiram na crítica aos defensores “dogmáticos” da meta de inflação - “São os mesmos que aplaudiram quando o juro foi a 2%”, disse Xavier, que acusou o Banco Central de Roberto Campos Neto de “barbeiragem” e teve a anuência de seus pares.

Xavier dirigiu-se a Haddad, que, àquela altura já estava sentado à plateia, e disse: “Não é o meu caso, mas ninguém tem coragem de dizer que não sente segurança fiscal no que está sendo proposto, ministro”. Antes mesmo de Haddad começar a falar, sua gestão já tinha sido identificada pelos donos do dinheiro como vítima do dogmatismo do mercado e das barbeiragens da política econômica do bolsonarismo.

Cristiano Romero - Todos contra o Banco Central. Mais uma vez

Valor Econômico

Não se deve duvidar da gesticulação: Lula quer Nova Matriz Econômica de volta

A campanha movida contra a autonomia formal do Banco Central e a permanência de Roberto Campos Neto no comando da instituição jogará o Brasil numa nova crise econômica. Esta, na verdade, já começou e está refletida na deterioração das condições financeiras.

Durante o período de formação de governo, Lula, segundo apurou o titular desta coluna, deixou claro, em conversas com alguns assessores, que seu desejo é reeditar a Nova Matriz Econômica (NME). Esta consiste numa série de medidas formuladas por economistas descontentes com o arcabouço de política econômica que começou a ser implantado em meados de 1999, primeiro ano do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Vinicius Torres Freire - Salário mínimo, de Lula 1 a Lula 3

Folha de S. Paulo

Sob petista, mínimo se aproximou da média salarial, mas uma nova dose vai ser difícil

O salário mínimo deve ter outro aumento real em maio, dizem assessores políticos de Luiz Inácio Lula da Silva. Além do aumento real que calhou de acontecer no último ano do governo das trevas, para R$ 1.302, o mínimo deve ir a R$ 1.320: mais R$ 18. Paga quatro passagens de ônibus em São Paulo.

É pouco, mas é o que dá para fazer e olhe lá, pois o reajuste aumenta as despesas do governo —mais sobre isso mais adiante.

Em si mesmo, o valor do mínimo é mínimo, até porque o país é meio pobre e empobrece faz uma década. Em 1979, um menino perguntou ao último ditador-general, João Baptista Figueiredo, o que faria caso fosse criança e o pai dele vivesse com um salário mínimo. "Daria um tiro no coco [na cabeça]", disse o tosco.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - De pires na mão, tentando atravessar a pinguela

Para não versados em assuntos diplomáticos,  a pretensão do  governo  Lula de compartilhar a gestão do bioma amazônico com outros países parece ser uma ideia não bem de girico, mas uma imprudente  aventura, conduzida pelo o que se chama de  "governance",  gestão eficiente,   de responsabilidade entre   parceiros nacionais e estrangeiros. 

Beneficiariam a nossa população tupininquim  ou  seria uma abertura planetária para um reposicionamento da Amazônia?  Quem pensou nisso, imaginou algo de dimensão ampla, incluindo a responsabilidade comum. Paradoxalmente, em nome de um  certo modelo civilizatório,  o  mundo parece não querer abandonar  a produção de gás carbônico (CO2), ao continuar a expandir o uso de máquinas e veículos   movidos a combustíveis derivados do petróleo .   

Haddad anuncia para março proposta do novo arcabouço fiscal

Por Guilherme Caetano / O Globo

O Congresso havia estabelecido o prazo em agosto para a apresentação de um substituto para o teto de gastos, mas o próprio governo planejava anunciá-lo em abril

São Paulo - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse nesta quarta-feira que o governo federal deve anunciar em março o novo arcabouço fiscal, que deve substituir o teto de gastos. A declaração foi feita durante um painel de um evento do BTG Pactual.

— Nós vamos em março provavelmente anunciar o que nós entendemos que seja a regra fiscal adequada para o país — afirmou o ministro.

O Congresso havia estabelecido o prazo em agosto para a apresentação do novo arcabouço. O próprio governo planejava anunciá-lo em abril, mas resolveu antecipá-lo, segundo Haddad, para abrir espaço para debates antes do envio da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

— Nós estamos estudando faz dois meses regras fiscais do mundo inteiro, documentos de todos os organismos internacionais. Nenhum país do mundo adota teto de gastos. Não porque seja mais ou menos rígido, porque você não consegue atingir — declarou.

Haddad defendeu propor uma meta fiscal exigente, mas "realista", e negou que a nova regra seja leniente. O atual teto de gastos foi implementado durante o governo de Michel Temer (MDB), em 2016, e é alvo frequente de críticas do PT desde então. O modelo sofreu mais reveses nos últimos anos após ter sido estourado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).

Combustíveis e custo de serviços devem sustentar inflação alta

Economistas ressaltam que a autoridade monetária precisará de cautela em sua política monetária, diante do cenário de resiliência dos preços no país

Por Carolina Nalin e Renan Monteiro / O Globo 

Rio e Brasília - "Ninguém gosta de juros elevados, nem o Banco Central”, afirmou esta semana o próprio presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Mas, para que a taxa básica de juros do país, a Selic, desça do atual patamar de 13,75% ao ano, será preciso resolver uma série de nós que alimentam a inflação.

Estes vão da reoneração dos combustíveis ao aumento previsto para o salário mínimo, passando pela persistência do núcleo de inflação em patamares elevados. Pesa ainda o que alguns analistas veem como dependência, por parte do BC, das projeções do mercado para a inflação.

Economistas ressaltam que a autoridade monetária precisará de cautela em sua política monetária, diante do cenário de resiliência dos preços no país. Dados do BC compilados pela consultoria Tendências apontam que a média dos núcleos de inflação — medida que a autarquia costuma observar, pois exclui o impacto de itens cujos preços são mais voláteis — está em 8,62% no acumulado em 12 meses até janeiro.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Brasil continua despreparado para as chuvas

O Globo

Autoridades têm de estar alertas para um cenário climático em que as tragédias deverão ser mais frequentes

Em fevereiro de 2022, a cidade de Petrópolis, na Região Serrana do Rio, sofreu as mais devastadoras tempestades de sua história. A chuva torrencial sobre ocupações irregulares em áreas de alto risco provocou inundações e deslizamentos catastróficos, resultando em 241 mortes e prejuízos gigantescos. Um ano depois da tragédia, o cenário pouco mudou. Como mostrou reportagem do GLOBO, pelo menos cem pontos destruídos pelas chuvas não receberam obras da prefeitura ou do governo do estado. A contenção das encostas prometida pelo governo federal continua inconclusa. Há risco de novos deslizamentos, mesmo sob chuvas menos intensas. Um novo temporal nesta semana fez transbordar rios, soar as sirenes da Defesa Civil e trouxe de volta o pesadelo.

Petrópolis é um triste retrato do que ocorre por todo o país. Há falhas na prevenção, no socorro às vítimas e na recuperação do estrago. O problema é crônico. Na segunda-feira, o deslizamento de uma encosta em São Gonçalo, no Rio, matou uma mulher e deixou três desaparecidos. No início do mês, uma moradora morreu soterrada por um barranco na periferia de São Paulo. Em Minas Gerais, desde setembro ao menos 21 moradores já perderam a vida em consequência das chuvas. De tão corriqueiras, as tragédias passam a ser vistas como normais. Não são.

Poesia | O homem e seu carnaval - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Alceu Valença - Diabo Louro