domingo, 16 de agosto de 2009

Plano de poder

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Os escândalos envolvendo os líderes da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), com a manipulação de dinheiro dos fiéis para fortalecer o império de comunicação que o chamado bispo Macedo construiu com base na Rede Record de televisão, têm um terceiro componente que é fundamental no projeto de poder montado pelo grupo: o plano político, onde a Universal atua através do Partido Republicano Brasileiro (PRB). Essa combinação de igreja com meios de comunicação e política é uma mistura explosiva que alimenta um projeto maior, que o próprio bispo Macedo explicitou em um livro com o cândido nome de “Plano de Poder — Deus, os cristãos e a política”.

Escrito em parceria com Carlos Oliveira, diretordo jornal “ Hoje em Dia”, de Belo Horizonte — um dos jornais da rede midiática da Universal, que tem também várias rádios pelo país — o livro parte do princípio de que Deus tem “um projeto de poder político de nação” para o seu povo, que tem sido negligenciado.

“Lamentavelmente, esse senso de percepção tem faltado a muitos cristãos, que hoje já somam no Brasil 40 milhões de pessoas, que vem crescendo a cada dia”, afirma Macedo.

Esse “ enorme potencial” tem que ser aproveitado para a conclusão do “ projeto de nação ” de Deus. “Quando se trata dos votos dos evangélicos, estamos diante de dois interesses”, afirmam os autores: “O interesse dos próprios cristãos em ter representantes genuínos e o interesse de Deus de que Seu projeto de nação se conclua”.

No meio de toda essa doutrinação, onde não faltam conselhos como “é extremamente necessário que haja um projeto visando primeiramente a conscientização e o amadurecimento e esclarecimento de um povo, ou de uma classe, para que então seja construída a estratégia e alcançados os objetivos intencionados”, o livro constata que não existe uma fórmula infalível para a chegada ao poder, o que quer dizer que “o campo em que ocorrem tais disputas está aberto. (...) Os procedimentos estratégicos não podem ser, de forma alguma, ignorados. Lembre-se de que o próprio Deus não os ignorou”.

Os tais “procedimentos estratégicos” não têm sido ignorados pelos seguidores do bispo Macedo, que ao sentir que a primeira legenda assumida pelo grupo, o PL, havia sido atingida mortalmente pelo escândalo do mensalão, tratou de criar uma nova sigla política.

O vice-presidente da República, José Alencar, rompeu com o PL e aderiu a mais uma aventura partidária do bispo Macedo, que já havia sido seu parceiro no PL. O Partido Municipalista Renovador, criado em 16 de dezembro de 2003, com apoio de mais de 457.702 eleitores, transformou-se em 25 de outubro de 2005 em Partido Republicano Brasileiro — o PRB.

Em poucos dias conseguiram recolher nas igrejas espalhadas pelo país milhares de assinaturas para constituir um partido político, meta que o PSOL levou quase um ano para atingir pelos métodos tradicionais.

A opção pelo empresário José Alencar na eleição de 2002 tinha uma intenção política específica: convencer o eleitorado não-petista de que a candidatura Lula não representava perigo e era capaz de unir capital e trabalho na busca do desenvolvimento.

Agora, não. A escolha do partido do bispo Edir Macedo foi uma jogada política com outro alcance, tentativa explícita de ampliar os tentáculos do governo a uma área popular que atrai muitos votos de cabresto.

No estudo “Religião e sociedade em capitais brasileiras”, coordenado pelo professor da PUC do Rio Cesar Romero Jacob, foram examinadas pela primeira vez estatísticas detalhadas sobre a opção religiosa dos moradores de 19 capitais brasileiras.

Uma das conclusões mais importantes é que as três décadas de estagnação da economia brasileira, aliadas ao modelo urbano perverso — que segrega nas áreas distantes os mais carentes — produziram nos últimos anos um fenômeno recorrente em todas as principais capitais brasileiras: a formação de anéis evangélicos nas periferias, onde se concentram sobretudo os fiéis pentecostais, em número crescente.

Nas áreas centrais, mais abaladas , permanece predominante a população católica, que, no entanto, tem diminuído sistematicamente em todas as principais capitais: em 13 das 19 metrópoles estudadas, esse declínio ultrapassou os 10 pontos percentuais entre os censos de 1991 e 2000.

As duas principais denominações pentecostais são a Assembleia de Deus e a Universal do Reino de Deus (Iurd). Entre elas, no entanto, há diferença de comportamento, segundo os estudiosos.

Enquanto a Assembleia de Deus concentra-se nas áreas mais pobres, principalmente na Baixada Fluminense, a Iurd está mais presente nos subúrbios de classe média, onde a pregação da teologia da prosperidade faz mais eco entre fiéis ávidos pela terra prometida do emprego e da perspectiva de empreendimentos econômicos que, uma vez bem-sucedidos, reverterão em maior volume de doações.

Além do PRB, a Igreja Universal usa a tática de espalhar adeptos em vários outros par tidos, o que faz com que tenha uma bancada diversificada no Congresso. O que há de diferente entre a Universal e as outras igrejas evangélicas é que ela é um instrumento de enriquecimento de pessoas e um meio para acumular poder político

Aplicação da lei e censura

José Arthur Gianotti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Nenhuma regra se ajusta a seus casos sem deixar zonas de indefinição. Até mesmo a aplicação de uma lei física encontra resultados que variam num intervalo, cuja variação se determina em função do uso do resultado. O marceneiro não mede suas tábuas como o mesmo rigor de um fabricante de aparelhos óticos. O que dizer de uma norma jurídica?

É de esperar que a variação seja mais ampla. Por isso a jurisprudência desempenha papel crucial na determinação desse intervalo, pois o juiz aplica a lei tendo em vista tanto seu enunciado como a aplicação já feita por seus antecessores. Lembremos apenas o caso dos contratos leoninos. Um contrato vale pelo que foi acordado entre as partes, mas, se uma delas tiver ganhos ou perdas além de limites razoáveis, é a vontade do tribunal que estabelece o novo parâmetro.

A mídia, assim como os movimentos sociais, joga com essa ambiguidade. Sem pretender contestar o Estado de Direito, ela leva em conta a aplicação da lei em vista de seus próprios interesses, sejam interesses públicos, sejam interesses privados. A notícia sempre diz respeito a uma situação desviante, cabendo então aos interessados corrigir os exageros e encontrar os responsáveis por eles.

Até quando um jornal deve publicar uma notícia que fere a imagem de um cidadão? Além do mais, se este for um político, isto é, um homem público, a publicação da notícia não pode inviabilizar sua própria identidade política, destruindo assim sua carreira?

Cada categoria assume seus próprios riscos nessa negociação com a lei. O cidadão comum pode achar que tal despesa com sua saúde pode ser descontada de seu imposto de renda, a Receita Federal pode simplesmente glosá-la. Um grupo de sem-terra se arrisca invadindo uma propriedade que considera improdutiva, poderá ser desalojado legalmente e pagar o preço político de sua ação. Mas não existiria como movimento se não forçasse os limites da lei para fazer com que ela se incline na direção desejada por sua ideologia e seus interesses.

O mesmo se dá, mutatis mutandis, com a mídia. Ela não existiria se apenas informasse casos constatados e julgados. Um jornal não se confunde com um boletim científico ou um jornal oficial. Obtida uma informação interessante, cabe ao jornal publicá-la; obviamente assumindo os riscos se ela for exagerada, se informar além do intervalo aceito pelos costumes e pela jurisprudência.

Este jogo entre as regras e seus casos depende assim da estabilidade, flexibilidade e prontidão das instituições. Uma notícia veiculada por um jornal tradicional e carrancudo não tem a mesma importância, não possui o mesmo sentido público, quando vem a ser publicada por um tabloide especializado em escândalos. E os dois tipos de jornais existem segundo as tradições regionais. O grau de tolerância para o inusual e intempestivo varia de país a país.

Isto significa que cada país tem a imprensa que merece, vale dizer, aquela que opera num nível de indefinição que o jogo político da população conseguiu definir. Não se segue daí qualquer conformismo. Um país é também aquilo que ele quer ser. Não existe como coisa, mas como rede de instituições que valem conforme a liberdade que logram prometer, o espaço público que consegue abrir. Já que todos possuem uma esfera pública, é nela que um país comprova o que ele vem a ser.

Desse ponto de vista, o Brasil vive uma indefinição que pode nos jogar ladeira abaixo. Não se travam entre nós tensões vigorosas entre o público e o privado; pelo contrário, desde os tempos em que se falava da lei de Gerson - que cada um cuide do seu - cada dia mais os homens públicos, sejam eles professores, políticos e juízes, deixam transparecer sem pejo o caráter privado de suas ações. O público somente se performa no interesse privado.

Nossa situação se torna mais trágica quando as próprias normas institucionais passam a servir a tais interesses. O decreto do Senado vira secreto; a falta de decoro parlamentar deixa de ser transgressão a ser examinada pela Casa para se resumir tão-só num instrumento de pressão política; o presidente da República se lança numa campanha eleitoral como se estivesse dando publicidade a seus atos de governo e assim por diante. O caso do Judiciário é patético. Os casos não são decididos com devida precisão e isenção, mas se arrastam de tal maneira que enervam os direitos dos litigantes. E magistrados politicamente corretos ou incorretos usam o emperramento das leis para prestarem serviços a seus amigos ou a companheiros ideológicos.

Por exemplo, o Estado está proibido de divulgar reportagens sobre Fernando Sarney, que, se sentido prejudicado, conseguiu na Justiça esse impedimento. Não vejo censura do ponto de vista legal, o demandante se viu prejudicado em seus direitos e apelou para a Justiça. Mas a censura de fato se instala quando o recurso demora a ser aceito e demora ainda mais para ser julgado.

Muito bem. Suponhamos que a Justiça decida e mantenha a proibição. Permanece a informação sobre transgressões presumidas. Ora, essa presunção ainda é notícia e deve ser publicada pelo jornal. Não como um fato ocorrido - isto o Estado está proibido de dizer -, mas como presunção, como um caso a ser verificado. Quando um processo corre em segredo de justiça, ele deixa de ser secreto se a notícia vaza, e cabe então ao Poder Judiciário punir o responsável por esse vazamento. O jornal deixaria de cumprir sua função pública se esperasse o julgamento de fato, que, aliás, somente se fará de forma equilibrada sob pressão da opinião pública. A Justiça se tece nesse jogo, mas, como tudo parece indicar, ela está servindo tão-só aos interesses privados.

*José Arthur Gianotti é filósofo

A democracia interna dos partidos

Glaucio Soares, Sociólogo
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Mário Juruna, Agnaldo Timóteo, Saturnino Braga, Cesar Maia, Marcello Alencar e Waldir Pires. O que há de comum entre esses homens? A qualidade política varia muito entre eles, desde Juruna e Agnaldo Timóteo, que todos gostaríamos de esquecer, até os demais, que comandaram o respeito de amplos setores da população dos seus respectivos estados.

Não há muito em comum, exceto o fato de que todos eles, assim como muitos outros políticos brasileiros, receberam votações substanciais, militaram no PDT e terminaram não encontrando espaço dentro do partido para as suas posições e, na medida em que cresceram, chocaramse com o partido ou com o seu caudilho fundador, Brizola. Em um momento, foram elogiados por Brizola e, em outro, vilipendiados por ele. Se acreditarmos nas palavras com que Brizola os recebeu no PDT, eram pessoas honestas, políticos capazes e eficientes mas, posteriormente, Brizola alegou que eram muito ruins.

Ficamos sem saber em qual dos dois Brizolas acreditar. Se fossem tão ruins, o PDT não teria mecanismos de seleção: entraria qualquer um. A explicação de que mudaram, de que são “traidores”, aplicada a tantas pessoas, tão diferentes entre si, não convence.

Estatisticamente, é uma improbabilidade. Seria coincidência demais. A prudência científica indica que o problema não é a traição dos muitos, mas o caudilhismo do um. Assim, a irônica história do PDT se resumia a ganhar eleições e perder os eleitos...

Muitos brasileiros estão engajados na construção da democracia, mas um obstáculo no caminho da democracia nacional é a falta de democracia nos partidos. O PDT é, apenas, um dos partidos que tiveram sérios problemas de democracia interna, que prejudicam o partido e a própria democracia brasileira.

O caudilhismo e a falta de democracia interna nos partidos não são novidade, nem invenção brasileira.

Estavam entre as principais preocupações dos teóricos do século 19 e do início deste, como Ostrogorski, Weber e Michels. Não houve a esperada relação íntima entre a ideologia externa, de esquerda, democrática, do partido e a sua democracia interna.

Michels, socialdemocrata, reclamava da ausência de democracia no partido, no mesmo partido que lutava pela democracia na sociedade, e atribuía isso à manipulação da burocracia partidária pela oligarquia. Michels chegou a falar numa lei de ferro da oligarquia. O PCURSS não dispunha de mecanismos democráticos internos que permitissem a substituição democrática e pacífica dos líderes. Alguns líderes comunistas estão entre os chefes de Estado que mais duraram no poder; Cuba e a Coreia do Norte mais parecem monarquias hereditárias do que regimes comunistas.

Nos países comunistas, as formas mais comuns de substituição dos chefes partidários eram a morte, nem sempre morrida, a senilidade, e o golpe palaciano. Não havia, nem há, mecanismos institucionais para substituir líderes.

A falta de democracia esteve sempre presente na política brasileira e também não se correlaciona com a orientação ideológica do partido.

Maria Celina Soares D’Araújo analisou o antigo PTB, demonstrando que as elites dirigentes nacionais usavam os instrumentos burocráticos do partido para eliminar lideranças que lhes fizessem sombra. As convenções eram convocadas irregularmente, quase sempre com o propósito de eliminar ou punir lideranças competitivas.

O poder de angariar votos não contava para os burocratas do partido. O diretório nacional se imiscuiu constantemente nas seções estaduais, particularmente na de São Paulo, e o PTB, partido trabalhista, nunca se destacou eleitoralmente em São Paulo, o maior celeiro de operários do Brasil. Nomes com cacife eleitoral como Adhemar de Barros e Jânio Quadros jamais encontraram um nicho no PTB. Hugo Borghi, máquina de obter votos, foi expulso duas vezes. A semelhança com o PDT dos tempos de Brizola é forte demais para ser casual. Temos que considerar a hipótese de que a origem do PTB o condenou a ser vítima do caudilhismo gaúcho. Foi dominado por Getúlio Vargas e sua família, por João Goulart e por Leonel Brizola, todos gaúchos, todos caudilhos.

Já no PSD, rural, ideologicamente conservador, o voto era soberano, como demonstrou Lúcia Hippólito. Quem tinha voto, tinha voz e influência. A UDN, reacionária, apoiava golpes no plano nacional, mas realizava as suas convenções religiosamente e substituía normalmente as lideranças, agindo democraticamente no plano intrapartidário, como demonstrou Maria Vitória Benevides.

O PDT era um exemplo extremo de oligarquia partidária porque a oligarquia era personalizada, mas a falta de democracia interna existiu e existe em outros partidos e regimes. Um indicador de que há perigo de personalização é a vinculação necessária entre o partido e um líder; em casos extremos, o partido ou movimento toma até o nome do líder, como no caso de Perón, cujos seguidores eram muito mais conhecidos como peronistas do que como justicialistas. Na maior parte dos casos, os partidos personalizados sobem e baixam com os líderes, sendo um exemplo relativamente recente o PRN, fundado por Collor para servir de apoio e, por isso, fadado à insignificância ou ao desaparecimento; a história política da América Latina está repleta de exemplos. Entretanto, há casos em que o partido sobreviveu ao líder, como o próprio peronismo.


Recentemente, o continente observa um divórcio entre líderes populista de alta visibilidade e os partidos que os apoiam. Esse divórcio também está presente na mídia internacional.

Muitos mais ouviram, leram e viram notícias sobre Chávez, Lugo, Morales, Correa ou, para colocar uma liderança conservadora, Uribe, mas poucos fora do país sabem sequer o nome dos seus partidos, sua história, nomes de outros quadros. Os líderes, populistas, ou eclipsaram seus partidos ou os partidos nunca tiveram uma existência significativa.

Porém, as ameaças à democracia interna dos partidos não vêm, apenas, de líderes e famílias oligárquicas, de direita ou de esquerda.

O PT, quebrando a tradição da oligarquização interna dos partidos de esquerda, começou sua vida como partido com uma organização mais democrática, embora o furor punitivo de algumas tendências comprometesse esse ideal. Infelizmente, os princípios que provocaram o furor punitivo foram abandonados pelo partido, que vendeu a alma à corrupção e à teoria da governabilidade – que antes de subir ao poder criticara violentamente. A democracia interna, exigindo lealdade, não obstante permite variações de opinião: onde vence a maioria, são respeitados os direitos das minorias.

Sem esse respeito, não há democracia, há ditadura da maioria. A correta preocupação de Wanderley Guilherme dos Santos, em assegurar o direito à representação das minorias nacionais, também se aplica às minorias dentro dos partidos. O respeito aos direitos das minorias, evidentemente, não deve ser confundido com ausência de lealdade partidária mas, por sua vez, a lealdade partidária não significa fechar a questão a respeito de tudo, nem exigir conformidade com o que não seja questão de princípio, como fazia o antigo PTB. Não é fácil evitar a anarquia interna, sem cair na ditadura da maioria ou de uma oligarquia que age em seu nome.

O poder e as instituições afetam a democracia interna dos partidos.

Uma vez no governo, o partido muda. No Brasil, Lula eclipsou o PT. O apoio a Lula é muito grande, mas o apoio ao PT e outros petistas é moderado. A correlação espacial entre a força eleitoral de Lula e a do PT é nula. Eleitoralmente, os dois estão divorciados. O PT não dispõe nem de nomes adequados para substituir Lula, com suficiente name recognition (nomes de líderes partidários que são conhecidos e eleitoralmente fortes). Além disso, não esquecendo que um partido grande é uma organização, com subdivisões que podem ter subdivisões hierarquizadas, e as posições no governo exercem forte influência nos partidos.

Alguns partidos são parcialmente fragmentados “desde fora”: um exemplo relativamente recente foi o da Casa Civil, chefiada por pessoa que, segundo seus críticos, tinha personalidade e ideologia stalinistas, e por isso rachou o PT, enfraquecendo-o.

Não há maneira de garantir a democracia interna dos partidos. A participação das bases e a mobilização dos simpatizantes, um sistema ampliado de convenções e de eleições primárias, podem ajudar.

Entretanto, muitos destes esforços institucionais esbarram tanto na apatia e na falta de participação da militância e dos simpatizantes quanto nas ações excludentes da oligarquia partidária. Há também, partidos eleitoralmente fortes, mas com militância reduzida.

Os “partidos dos notáveis” são assim. O PSDB talvez se aproxime desse modelo.

Assim, ironicamente, no Brasil e em muitos outros países, os partidos, instrumentos essenciais da democracia moderna, frequentemente se caracterizam por serem internamente oligárquicos e nada democráticos.

Alguns estudiosos e legisladores, preocupados com o tema, propõem impor a democracia aos partidos “na marra”, através de legislação. Durante o regime militar, foi promulgada a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, um primor de burocratismo político-autoritário, com centenas de artigos. Claro, o institucionalismo ensina que há instituições que facilitam a anarquia partidária. A migração partidária e a definição do mandato como pertencente ao eleito e não ao partido que o elegeu são dois exemplos.

Não obstante, a democracia tem que ser querida, não pode ser imposta. É necessário resistir à tentação de impor autoritariamente a democracia aos partidos. Os partidos é que têm que se democratizar; ninguém pode fazer isso por eles. E é necessário que o façam porque é grande a contradição de uma democracia nacional que esteja construída em cima de partidos internamente antidemocráticos.

O tempo e a continuidade democrática são os grandes instrumentos de aperfeiçoamento democrático, e o salvacionismo o seu grande inimigo. No Brasil, a maioria dos atuais partidos existe há poucas décadas, em contraste com mais de um século em alguns países. Os partidos que não são internamente democráticos, seja porque as maiorias são intolerantes, seja porque são instrumentos de caudilhos, terminam por afastar os melhores quadros.

É uma questão de tempo. Com continuidade democrática e institucional, os partidos oligárquicos se enfraquecem: o seu paradoxo é parecido com o da indústria do fumo que tem que, continuamente, atrair novos fumantes, porque mata os seus melhores clientes.

Brasileiros estão engajados na democracia, mas falta democracia nos partidos

As estrelas (poesia)

Graziela Melo

Se
Tristezas
Me assolam
A alma

Procuro,
À beira
Do mar

O refúgio
Solitário

O
Aconchego
Solidário

De
Estrelas
Invizíveis

Ocultas
Atraz
De um véu

Que
Perambulam
No céu

Em torno
Da estrela Dalma...


Rio, sábado, 15/08/09

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

Serra mantém dianteira sobre Dilma e Ciro; Marina tem 3%

DATAFOLHA
José Alberto Bombig


Tucano oscila um ponto para baixo e tem 37% das intenções de voto para presidente

Pesquisa Datafolha mostra que a ministra da Casa Civil mantém os 16% da pesquisa de maio e está em empate técnico com Ciro Gomes

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), mantém a dianteira na corrida pela sucessão do presidente Lula, em 2010, e, pela primeira vez, vê a pré-candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), permanecer estável entre um e outro levantamento, revela a nova pesquisa Datafolha.

O tucano tem 37% das intenções de voto, um ponto percentual a menos do que no levantamento anterior, em maio. Dilma se mantém nos mesmos 16% e tecnicamente empatada na segunda posição com o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) -15%, o mesmo índice de maio.

A pesquisa, realizada entre os dias 11 e 13, mostra ainda que a entrada da senadora e ex-ministra Marina Silva (PT-AC) na corrida praticamente não provocou, pelo menos até agora, alteração nos índices dos líderes.

Cobiçada pelo PV para encabeçar uma chapa ao Planalto, ela só atinge 3% das intenções.

A diferença entre Dilma e Serra, que já esteve em 35 pontos percentuais em março de 2008, quando a ministra largava com 3%, caiu de 22 para 21 pontos. Desde o final do ano passado, a petista, que luta contra um câncer linfático, é presença constante em eventos e solenidades pelo país, quase sempre ao lado de Lula.

"Marina, neste momento de largada, não ameaça os líderes. Mas o resultado de Dilma pode ser um indício da estabilização da sua pré-candidatura, temos de esperar para saber", afirma diretor-geral do instituto Datafolha, Mauro Paulino.

A margem de erro da pesquisa, feita a 14 meses das eleições, é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

O presidente do PT, Ricardo Berzoini, fez um apelo público para que Marina não deixe o partido. Os petistas temem um estrago na pré-candidatura de Dilma se a senadora aceitar o convite do PV, pois ambas trafegariam na mesma faixa do eleitorado, avaliam governistas e até a oposição a Lula.

Em ambos os cenários em que é testada, Marina, porém, só atinge 3% dos votos. Dilma tem 17%, com Serra na disputa, e 19%, sem a presença do tucano e governador paulista.

"A senadora ainda não é reconhecida como candidata. Ciro tem muito mais potencial do que ela no momento", diz Paulino.

Dividido entre concorrer ao governo de São Paulo a convite de Lula e tentar de novo o Planalto (como em 1998 e 2002), Ciro assume a ponta nos dois cenários em que Serra não é testado, com 23% e 21%.

Sem Ciro, Dilma atinge seu melhor desempenho e ganha oito pontos percentuais em comparação com o principal cenário, chegando a 19%, mas Serra também sobe a 44%.

Quando Serra não é citado como candidato, o governador de Minas e também tucano, Aécio Neves, chega a 20% no cenário sem Ciro, seu melhor resultado e quatro pontos atrás de Dilma e Heloísa Helena (PSOL), ambas com 24%.

Os dois tucanos travam disputa ainda silenciosa no PSDB pela candidatura em 2010.

Mesmo afirmando que só se preocupa em governar São Paulo, Serra tem viajado para o Nordeste, onde é grande a popularidade de Lula.

O presidente é mais lembrado pelos eleitores, segundo o Datafolha, quando não são apresentados os pré-candidatos. O apoio de Lula a um candidato poderia levar 42% dos brasileiros a votar nesse político.

Vantagem de Serra vai de 13 pontos no Nordeste a 40 em SP

DATAFOLHA

Tucanos querem abrir diferença de 4 milhões de votos em SP; PT planeja reforçar agenda no Estado

A menor diferença entre o tucano José Serra e a petista Dilma Rousseff, de acordo com a nova pesquisa Datafolha, ocorre entre os eleitores dos Estados das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

Em compensação, no Estado de São Paulo, governado por Serra, o levantamento aponta ampla vantagem do pré-candidato do PSDB a presidente.

No Nordeste, onde Serra fez diversas incursões recentemente, ele tem 31% das intenções de voto contra 18% de Dilma -13 pontos de diferença, a mesma vantagem que tem nas regiões Norte/Centro-Oeste.

Em suas análises eleitorais, a direção petista avalia que Dilma tem potencial para encostar em Serra e até superá-lo no Nordeste, onde Lula foi bem na eleição de 2006 -teve 77% dos votos válidos no segundo turno contra o então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin.

Mas o próprio PT reconhece que a situação dela é preocupante em São Paulo e irá incrementar sua agenda no Estado.

Serra tem 51% das intenções contra apenas 11% da petista entre os paulistas. Ciro Gomes (PSB), que também cogita concorrer ao governo de São Paulo, está empatado tecnicamente com Dilma. Ele alcança 12%.

Os tucanos avaliam que, se Serra abrir sobre Dilma uma diferença de 4 milhões de votos no Estado, ele amplia ainda mais sua chance de se tornar o próximo presidente. O cálculo leva em conta o fato de o governador ser bem conhecido nas demais regiões, pois já foi ministro da Saúde e disputou a eleição presidencial de 2002.

Reservadamente, os petistas paulistas compartilham o raciocínio, mas afirmam que Dilma está longe de seu teto em São Paulo. Na semana passada, a ministra participou de uma grande festa da militância do PT na capital do Estado.

Até o final do ano, a ministra deverá intensificar sua agenda entre os paulistas vistoriando obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Quando o candidato tucano é o governador mineiro Aécio Neves, o melhor desempenho do PSDB ocorre na região Sudeste, onde ele chega a atingir 31%. Mas, em São Paulo, Aécio empata com Dilma em 14% no principal cenário para ele. Ciro tem 24%. (JAB)

74% querem o afastamento de Sarney

DATAFOLHA
Fernando Barros de Mello

Desaprovação ao Congresso aumenta dez pontos percentuais na comparação com levantamento de maio e atinge 44%

Recorde negativo da taxa de reprovação do Legislativo, com 48% de ruim ou péssimo, foi alcançado em 2005, no auge do mensalão

A crise do Senado, agravada após a série de denúncias contra o seu presidente, José Sarney (PMDB-AP), levou o Congresso a atingir uma de suas piores avaliações já registradas, 44% de ruim ou péssimo, revela pesquisa Datafolha.

Segundo o levantamento, 74% dos brasileiros defendem que Sarney deixe a Presidência do Senado, sendo que 36% preferem um afastamento temporário e 38%, a renúncia dele.

Para 66% dos brasileiros, o senador está envolvido nas irregularidades que atingem o seu nome. Entre aqueles que dizem estar bem informados sobre esses casos, 86% acreditam no envolvimento dele. Apenas 10% não acreditam que o peemedebista tenha alguma relação com as denúncias.

"A maioria da população tomou conhecimento das denúncias contra Sarney. Por conta disso, a maioria acha que ele deve se afastar. Como a crise do Senado se arrasta há tanto tempo, isso acabou prejudicando a imagem do Congresso", afirma Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha.
A maior parte das pessoas (78%) diz ter tomado conhecimento das denúncias. É justamente a parcela que tem a pior avaliação do Congresso (visto por 51% como ruim ou péssimo). A desaprovação cresce ainda mais entre os que afirmam estar bem informados sobre as denúncias (61%).

Já entre aqueles que não se informaram sobre os casos envolvendo Sarney, apenas 23% desaprovam o Congresso.

A nova pesquisa Datafolha é a primeira após o agravamento da crise no Senado. Nesse período, foram descobertos os atos secretos utilizados, entre outras coisas, para nomeações e promoções de servidores.

A situação piorou com o surgimento de várias denúncias contra Sarney, que vão de nepotismo a desvios de verba na fundação que leva seu nome.

Sarney foi alvo, no Conselho de Ética, de 11 pedidos de abertura de processo por quebra de decoro. O presidente do colegiado, Paulo Duque (PMDB-RJ), arquivou todos os pedidos.

O auge da crise ocorreu no começo do mês. Dois momentos foram marcantes: os ataques de Fernando Collor (PTB-AL) a Pedro Simon (PMDB-RS) e a troca de insultos entre Renan Calheiros (PMDB-AL) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Na semana passada, oposição e base governista negociaram um "acordão". Por ele, Sarney se livraria das acusações, assim como o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), alvo de ação do PMDB, que o acusa de ter quebrado o decoro por ter, entre outras coisas, mantido funcionário-fantasma no gabinete.

Renan e mensalão

A desaprovação ao Congresso deu um salto de dez pontos percentuais na comparação com a última pesquisa, realizada em maio, quando 34% achavam o trabalho de senadores e deputados ruim ou péssimo.

Hoje, 14% acham o desempenho ótimo ou bom, contra 19% em maio. Para 36%, o desempenho é regular, ante 41% observado na pesquisa anterior.

A taxa de reprovação voltou ao patamar de novembro de 2007, quando 45% diziam que o Congresso era ruim ou péssimo. Naquele momento, o Senado acabara de passar por outra crise, que culminou na renúncia de Renan da presidência.

O recorde negativo, de 48% de ruim ou péssimo, foi observado em agosto de 2005, no auge do escândalo do mensalão.

Para a mais recente pesquisa, o Datafolha ouviu 4.100 pessoas entre os dias 11 e 13 de agosto. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

Lula passa por crise sem perder alta aprovação

DATAFOLHA

Governo petista é avaliado como ótimo/bom por 67%

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva consegue, até o momento, atravessar a mais nova crise política nacional e manter sua popularidade entre os brasileiros no mesmo patamar.

Para 67%, seu governo é ótimo ou bom, variação dentro da margem de erro na comparação com a última pesquisa, feita em maio, quando Lula atingiu 69% de aprovação.

Segundo o instituto, 25% dos brasileiros acham o governo regular, ante 24% na última pesquisa. Para 8%, a administração do petista é ruim ou péssima; eram 6% no levantamento anterior. "O Lula conseguiu passar incólume pela crise, o Congresso, não", diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha.

Com os 67% de ótimo ou bom que registra agora, Lula está a apenas três pontos de seu recorde pessoal (70%), atingido em novembro de 2008 e que foi o melhor resultado obtido por um presidente desde que o Datafolha começou a fazer esse tipo de pesquisa, em 1990.

O presidente foi o principal fiador da permanência de José Sarney (PMDB-AP) na Presidência do Senado. Em 17 de junho, chegou a declarar que o senador não poderia ser tratado como "uma pessoa comum". Depois, amenizou o apoio público, mas manteve a sustentação ao aliado nos bastidores.

A pesquisa mostra a dissociação entre a popularidade de Lula e a crise no Senado. Mesmo entre os que consideram o governo ótimo ou bom, a maioria (73%) defende a saída ou afastamento temporário de Sarney.

Também entre os que aprovam o governo, 65% acreditam que Sarney está envolvido nas denúncias feitas contra ele.

Qual é a lógica do medo?

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Não entendo bem o quase pânico que tomou conta de setores do PT ante a possibilidade de a senadora Marina Silva deixar o partido e candidatar-se à Presidência pelo PV.

Vejamos as razões do espanto:

1 - O único ativo eleitoral de Dilma Rousseff, a candidata declarada de Lula, é a eventual transferência (maciça) de votos do presidente para a ministra.

Digo o único ativo porque Dilma é virgem em disputas eleitorais, o que impede saber de outros.

2 - A transferência do prestígio de um para a outra independe do quadro de candidaturas, certo?
Sejam dois ou 30 os candidatos, Lula transferirá (ou não) sua cota de prestígio para a sua candidata e só para ela.

A menos que algum petista debiloide -e os há em boa quantidade- seja capaz de imaginar que o presidente é tão sacana que transferirá votos também para Marina.

Posto de outra forma: a candidatura Marina não altera o jogo Lula/ Dilma, a menos que ele não esteja assentado unicamente na transferência de prestígio.

Ou então os petistas assustados não confiam muito na capacidade de Lula de transformar prestígio pessoal em votos para uma indicada sua. Esta segunda hipótese tem mais lógica:

Lula mergulhou na campanha municipal de Marta Suplicy e, não obstante, ela sofreu sua terceira derrota em quatro campanhas majoritárias. A única lógica para o pânico é o medo de que uma candidatura Marina quebre o caráter plebiscitário (Lula/Dilma x Serra) que muitos dizem que o lulo-petismo deseja para 2010. Aí faz sentido, algum sentido pelo menos.

Em votações plebiscitárias, vota-se não apenas na simpatia de um mas também (às vezes principalmente) na antipatia do outro. Uma mesa com três (ou mais) jogadores tende sempre a diluir simpatias e antipatias.

Números derrubam mito do grande palanque peemedebista

Daniel Bramatti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Resultados da eleição de 2006 não mostram relação entre apoio do partido e desempenho de candidatos

O valor do PMDB como aliado nas eleições de 2010 costuma ser medido por seu enraizamento pelo País: 1.201 prefeitos, 97 deputados federais, 9 governadores. Mas os resultados da última disputa presidencial não comprovam a tese de que a máquina peemedebista influencia os eleitores de forma significativa. De concreto mesmo, o que o PMDB tem a oferecer aos pré-candidatos à Presidência Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) é seu tempo no rádio e na televisão: 5 minutos e 46 segundos divididos em dois blocos, três dias por semana.

Em 2006, o PMDB não lançou candidato a presidente nem apoiou formalmente os dois principais concorrentes: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB). Mas vários líderes regionais peemedebistas colocaram a máquina do partido a serviço de um ou outro candidato - com resultados discutíveis.

Em Santa Catarina, por exemplo, o governador Luiz Henrique, candidato à reeleição, pôs o PMDB a trabalhar pela candidatura Alckmin. O tucano venceu no Estado, com 54,5% dos votos no segundo turno - mas também venceu no vizinho Paraná, onde o peemedebista Roberto Requião, outro que disputava a a reeleição, aderiu a Lula.

Luiz Henrique exercia influência direta sobre 114 prefeitos eleitos pelo PMDB dois anos antes. Se a máquina peemedebista fizesse diferença na eleição, a lógica indicaria uma vitória mais folgada de Alckmin nessas cidades. Mas os números mostram o contrário: o tucano teve, em média, 51,8% dos votos nos municípios com prefeitos do PMDB, 2,7 pontos porcentuais a menos do que obteve no Estado como um todo. Das 114 cidades, Alckmin perdeu para Lula em 51.

O fenômeno também ocorreu no lado oposto. Lula contou com o apoio do governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB), desde a largada da campanha. Nos municípios governados por peemedebistas, porém, sua média de votação foi inferior à do Estado (82,3% contra 86,8%).

Os números não autorizam, por outro lado, a conclusão de que o PMDB mais atrapalha do que ajuda - apenas não há evidências de que sua influência é decisiva. Em Goiás, por exemplo, onde contou com o apoio de Maguito Vilela, um dos caciques locais do PMDB, Lula teve uma performance levemente superior nas cidades governadas pelo partido (três pontos porcentuais acima da média). Da mesma forma, Alckmin se saiu um pouco melhor nos municípios peemedebistas em Mato Grosso do Sul (um ponto acima da média), onde teve como aliado André Puccineli, candidato vitorioso ao governo estadual.

PODER

"A influência dos prefeitos é mínima", reconheceu o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). "O importante na eleição é o tempo de TV do partido." Ex-governador de Pernambuco, ele lembra que derrotou Miguel Arraes, em 1998, quando o adversário do PSB contava com o apoio de 140 dos 186 prefeitos do Estado.

Apesar de dever grande parte de seu poder no partido à proximidade com prefeitos do interior paulista, Orestes Quércia também admite que o fato de o PMDB governar mais de mil cidades não é tão decisivo em termos eleitorais. "O partido comanda, em geral, prefeituras pequenas", disse ao Estado o ex-governador de São Paulo.

A performance eleitoral do próprio Quércia é outra mostra do baixo poder de influência dos prefeitos, mesmo em uma eleição estadual. Em 2004, o PMDB ganhou 87 prefeituras em São Paulo, e o PP outras 28. Como candidato de uma aliança dos dois partidos ao governo, em 2006, Quércia tinha, portanto, uma base forte em 115 das 645 cidades do Estado. Mas venceu em apenas três, nenhuma governada pelo PMDB ou pelo PP. Teve apenas 4,6% dos votos no total, resultado não muito distante da média obtida nos municípios comandados por seus correligionários (5,7%).

Pode haver várias razões para a ausência de relação direta entre o desempenho eleitoral de candidatos e o apoio de um partido a eles. A primeira hipótese é que os eleitores desconsiderem a opinião de líderes locais no momento de escolher quem vai definir os rumos do País. Também pode haver falta de empenho na campanha. E é possível que um político desconsidere a orientação do partido ao apoiar um candidato - no PMDB, marcado por divisões, isso não seria surpreendente.

Márcia Cavallari, diretora executiva do Ibope, lembra que, numa eleição presidencial, os eleitores são movidos pelas grandes questões do País, e não pelo microcosmo de sua cidade.

"Prefeitos são muito mais importantes na eleição de deputados. É por isso que os parlamentares sempre visitam suas bases, reforça o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília.

No Rio, alas resistem a aliança com Dilma

Luciana Nunes Leal, Rio
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Apoio de Sérgio Cabral a petista não convence partido

O entusiasmo do governador Sérgio Cabral no apoio à candidatura de Dilma Rousseff para a Presidência da República - reiterado a cada visita da ministra ao Estado - não contagiou o PMDB do Rio. O partido não se entende. Nem a ala mais próxima do governador garante apoio incondicional à candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É uma resposta à insistência do petista Lindberg Farias, prefeito de Nova Iguaçu (Baixada Fluminense), em lançar sua candidatura ao governo, como adversário de Cabral, que tentará a reeleição.

Candidato ao Senado na chapa de Cabral e aliado do governador especialmente na articulação com parlamentares e prefeitos do interior, o peemedebista Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa, diz que "o quadro nacional é muito complexo e passa pelo PMDB do Rio".
"Em primeiro lugar, defendo o que é bom para o meu partido", diz Picciani. "O governador Cabral vai continuar a defender a aliança com o presidente Lula, com a ministra Dilma. Já eu não posso dar a mesma garantia. Se o PT insistir em esticar a corda e disputar o governo, não sei se o PMDB do Rio vai defender candidatura própria (a presidente), se vai querer ficar livre."

CONVENÇÃO

O presidente da Assembleia lembra que o Rio tem 84 dos 808 delegados na convenção nacional, o maior peso entre todos os Estados. Minas Gerais, onde PMDB e PT também estão em conflito, tem o segundo maior número de votos. As insatisfações estaduais e as divergências internas podem levar o partido a não formalizar a coligação com Dilma, o que impediria a indicação do candidato a vice e tiraria da candidata petista o tempo de TV do PMDB.

No Rio, boa parte dos deputados federais do partido não se alinha com Cabral e nem sequer fará a campanha da reeleição estadual. Há muitas reclamações de que o governador não dialoga com os parlamentares. "Eu não voto no Cabral", reclama o deputado Eduardo Cunha, candidato à reeleição. "Vou cuidar da minha vida e dar apoio à ministra Dilma, à candidatura da base aliada.
O Cabral não defende o partido no Rio. É um governo dos amigos dele, não é partidário."

Picciani minimiza as divergências e defende o governador. "O Cabral circula muito bem em todo o Estado. No final, as divergências diminuem e o partido se une. Vamos fazer uma aliança robusta em torno do governador", aposta.

Existe ainda no PMDB o grupo ligado ao ex-governador Anthony Garotinho, ex-presidente do partido no Rio e agora filiado ao PR. Por causa das regras da fidelidade partidária, continuam no PMDB sua mulher, a ex-governadora Rosinha, atual prefeita de Campos (Norte Fluminense), e sua filha Clarissa, vereadora pelo Rio. O deputado federal Geraldo Pudim obteve garantia da direção do PMDB que não perderá o mandato e deverá ingressar no PR. Garotinho também deverá ser candidato ao governo, formando o terceiro palanque de Dilma no Estado.

OPOSIÇÃO

Há vinte dias, durante uma viagem ao Rio, a ministra conversou com Cabral, Picciani e outros peemedebistas. O presidente da Assembleia aconselhou a ministra a não desprezar a movimentação política da oposição, que articula a candidatura do ex-prefeito Cesar Maia (DEM) ou do deputado Fernando Gabeira (PV) e um palanque para o tucano José Serra na disputa presidencial. Mostrou que Garotinho tem votos no eleitorado mais pobre e menos instruído, mas grande rejeição nas classes A e B. Por fim, disse que Lindberg, ao insistir na disputa com Cabral e nos benefícios do palanque triplo para a ministra no Rio, acaba favorecendo a oposição.

Lindberg tem apoio da maior parte do PT fluminense para sua candidatura. Promete atrair para Dilma o eleitor que rejeita o governador e o PMDB, especialmente depois da crise do Senado e das ações do senador Paulo Duque (PMDB-RJ), suplente do suplente de Sérgio Cabral, em defesa do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). O PMDB ofereceu ao PT a outra vaga de candidato ao Senado na chapa de Cabral. Até agora, no entanto, o prefeito de Nova Iguaçu mantém a disposição de se candidatar ao governo.

Fator Marina embaralha a sucessão de Lula

Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO


Dilma seria a mais atingida, e presidente tenta evitar que aliados lancem candidatos

A entrada praticamente certa da senadora Marina Silva (PT-AC) na sucessão presidencial de 2010 provocou reviravolta no quadro eleitoral e acendeu a luz amarela no Palácio do Planalto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva viu desmoronar a sua estratégia de transformar a eleição do próximo ano num plebiscito entre a candidata do PT, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o candidato tucano. A pulverização de candidaturas deve ser o cenário provável da disputa presidencial, que Lula tentará evitar.

Petistas já admitem que a campanha de Dilma será a mais afetada nesse primeiro momento, porque Marina deve levar votos do eleitorado do PT descontente com o governo e decepcionado com o partido. Aliados e petistas que desconfiam do potencial de Dilma defendem o lançamento de mais candidaturas governistas, caso do PSB, com o deputado Ciro Gomes (CE). Situação que poderia levar a disputa presidencial ao segundo turno.

Lula briga pela polarização entre Dilma e o candidato tucano, seja o governador José Serra (SP), mais provável hoje, ou o governador Aécio Neves (MG). Gostaria de, em 2010, ver o eleitor decidir entre antes de Lula e depois de Lula, ou seja, de comparar sua administração com a do tucano Fernando Henrique. Mas todos concordam que ainda é cedo para definições. Especialmente depois do fator Marina, que esta semana deve confirmar sua ida para o PV.

- Essa disputa não será uma corrida de cem metros, mas uma maratona. O jogo nem começou - constata o ex-governador do Acre Jorge Viana (PT), um dos políticos mais próximos de Marina.

2010 será eleição de fim de ciclo

Responsável pela pesquisa feita para o PV em julho que apontou o potencial de Marina, o cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe, avalia que a eleição de 2010 terá característica semelhante às disputas presidenciais de 1989, primeira eleição direta depois do regime militar, e de 2002, com a conclusão da gestão tucana. Nos três casos, diz, as eleições representam o fim de um ciclo.

- A presença de Marina no cenário eleitoral promete despolarizar a disputa - observa Lavareda.

Ele lembra que a eleição de 1989 foi fragmentada, apresentando quatro candidatos com mais de 10% das intenções de voto no 1º turno: Fernando Collor (PRN), Lula (PT), Leonel Brizola (PDT) e Mário Covas (PSDB). O mesmo ocorreu em 2002, com quatro candidatos com mais de 10%: Lula (PT), José Serra (PSDB), Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS).

Para 2010, o cenário pode se repetir.

Na pesquisa telefônica para o PV, o cenário que hoje seria o mais provável é: Serra (PSDB) teria 30%; Ciro (PSB) ficaria com 22%; Dilma (PT), 14% ,e Marina (PV), também 14%. Foram feitas 2 mil entrevistas no país. Mas Lavareda adverte:

- Marina é parte da costela petista e tira votos da candidata do governo. Traz para o debate o desenvolvimento sustentável. Tem potencial para ser competitiva. Mas terá de fazer uma campanha maior do que o PV. Precisa ser impulsionada por um movimento. Vai necessitar de tempo de televisão e isso implica alianças, além de percorrer o país para ser conhecida.

Nesse primeiro momento, o Planalto tentará fortalecer Dilma, tentando associar a imagem dela a fatos positivos do governo. O esforço é manter as intenções de voto na faixa dos 20%. A avaliação do governo é que, se ela cair desse patamar, não será possível segurar o lançamento de candidaturas.

Isso ficou claro semana passada, no jantar no Palácio da Alvorada entre as cúpulas de PSB e PT. Ciro estava contrariado com a pressão para disputar o governo de São Paulo, como queria Lula, sacrificando a candidatura presidencial. Por isso, o PSB aproveitou o efeito Marina para defender a mudança de estratégia junto a Lula.

- O PSB deseja ter candidato à Presidência e tem nome para disputar, o deputado Ciro Gomes. Há 15 dias, não existia a candidatura de Marina pelo PV. Há um quadro em construção. Teremos mais chances de chegar ao segundo turno com mais candidaturas da base - diz o presidente do PSB, governador Eduardo Campos (PE).

Crescimento e meio ambiente na pauta

No PT há um clima de arrependimento por Lula não ter segurado Marina no governo. Ela deixou o Ministério do Meio Ambiente magoada, principalmente com Dilma. Embora amigos petistas de Marina digam que ela, confirmada a candidatura, não atacará o governo Lula, a senadora poderá retomar o debate que teve com Dilma e que a levou a sair do governo: restrições ambientais para obras de infraestrutura e um esforço por políticas de desenvolvimento sustentável.

No Planalto e na cúpula do PT já se considera que o cenário de crise financeira - ainda que mais ameno -, o descrédito da classe política e a decepção com o discurso ético do PT favorecem o lançamento de novos nomes. O desafio é impedir que cresçam.

- A curto prazo, o lançamento da candidatura da senadora Marina produz impacto significativo, porque representa uma perda para o PT, já que se trata de quadro histórico da legenda que tem uma bandeira mundial. No longo prazo, esse impacto tende a se diluir pela falta de estrutura de sua campanha - aposta o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ).

O fator Marina pode influenciar também o PSOL. A ex-senadora, ex-presidenciável e atual vereadora de Maceió Heloísa Helena tem conversado com a senadora do Acre. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que disputou a última eleição presidencial com a bandeira da educação, declarou voto em Marina:

- Não vou sair do partido nem serei candidato a vice. O PDT pode ter outra opção. Meu voto é de Marina.

José Serra e Aécio, a disputa civilizada

Bruna Serra
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Tendo o Nordeste como cenário, pré-candidatos tucanos à Presidência disputam espaços prometendo ajuda para quem vencer o duelo

É pregando o discurso da unidade e da civilidade que os presidenciáveis tucanos Aécio Neves e José Serra estão conduzindo a disputa interna pela vaga de presidenciável da legenda em 2010. E o cenário escolhido para a corrida não poderia ser outro senão o Nordeste, região onde o presidente Lula (PT) tem os maiores índices de aprovação do Brasil.

Somente este ano, José Serra já esteve três vezes em Pernambuco, duas vezes na Bahia e em Alagoas. Aécio, ainda pouco conhecido do povo nordestino, já visitou o Estado duas vezes em 2009 e fará sua primeira investida do ano por Sergipe, Bahia e Ceará na próxima semana. Serra e Aécio sabem bem que precisam conquistar a simpatia do eleitorado local para fazerem deslanchar suas candidaturas e insistem no discurso de afinidades com a região.

José Serra caprichou no dever de casa, promovendo uma série de homenagens a Luiz Gonzaga em São Paulo, onde fez questão de cantar um dos maiores sucessos do sanfoneiro, a música Asa Branca.

Aécio desembarcou no Recife na última sexta-feira e apressou-se em frisar que Minas Gerais também integra a Sudene, Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, e que esta foi iniciativa de Celso Furtado, mineiro como ele. “Minas Gerais de certa forma é parte do Nordeste. Minas é parte da Sudene e foi iniciativa de um mineiro”, ressaltou.

Mesmo com perfis políticos diferentes – Aécio não esconde que tem realizado investidas políticas pelo Brasil, já Serra prefere não dar essa conotação as suas andanças –, os governadores demonstram sintonia no discurso. Em todas as oportunidades garantem que marcharão juntos seja quem for o escolhido. “Mais importante do que quem será o candidato, é que propostas temos para apresentar e o que esse candidato representa”, afirmou o mineiro, que teve sua primeira vitória política sobre Serra quando conseguiu do PSDB o compromisso de realizar as prévias.

Médici e Nixon planejaram derrubar Allende

Fabiano Maisonnave
De Caracas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Documento dos EUA revela que, em reunião com americano dois anos antes do golpe, brasileiro disse "estar trabalhando" para derrubar chileno

Relato da conversa mostra que foram tratados também temas como a instabilidade boliviana, a volta de Cuba à OEA e o Tratado de Itaipu

Em conversa com o colega americano Richard Nixon, o presidente Emílio Médici afirmou que "estava trabalhando" para derrubar o governo do socialista chileno Salvador Allende, revelam documentos liberados pelo Departamento de Estado dos EUA e compilados pelo instituto de pesquisa não governamental Arquivo Nacional de Segurança, aos quais a Folha teve acesso.

O encontro ocorreu no Salão Oval da Casa Branca, às 10h de 9 de dezembro de 1971. Do lado brasileiro, só Médici estava presente, deixando o Itamaraty de fora. Sem falar inglês, precisou da ajuda do general Vernon Walters, que tinha forte ligação com o Brasil -era o adido militar americano no golpe de 1964.

O outro participante foi o assessor de Segurança Nacional e futuro secretário de Estado Henry Kissinger, relator do encontro, revelado quase 38 anos depois. "É fantástico ver que Médici tenha mantido conversas no mais alto nível sem se fazer acompanhar por ninguém", diz o pesquisador Matias Spektor. "A Casa Branca e o Médici acreditavam que o Itamaraty estava tentando frustrar a visita presidencial. Os diplomatas brasileiros não gostavam da ideia de tanta proximidade entre os presidentes."

A visita de Médici ocorreu num momento em que o Brasil começava a ter uma política externa mais ativa, enquanto os EUA, embora preocupados com o avanço esquerdista na América Latina, estavam atolados na Guerra do Vietnã.

Anticomunistas convictos, os presidentes conversaram sobre ações para derrubar os regimes esquerdistas de Chile e Cuba e "evitar novos Castros e Allendes", como define Nixon.

Médici, quase dois anos antes do golpe de setembro de 1973 liderado pelo general Augusto Pinochet, prevê que Allende seria derrubado "pelas mesmas razões" que João Goulart.

A conversa também aborda a instabilidade boliviana. Médici diz que convenceu o ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1954-1989) a vender a energia da futura usina de Itaipu aos bolivianos, sob o argumento de que, "se a Bolívia não fosse ajudada, sem dúvida se tornaria comunista". O pré-acordo nunca foi levado adiante.

Em outro momento, eles mostram preocupação com as gestões do Peru para a volta de Cuba à OEA (Organização dos Estados Americanos). É quando ocorre a única intervenção de Walters, que diz que o presidente esquerdista peruano, Juan Velasco Alvarado (1968-1975) tinha um filho com uma ex-miss "muito de esquerda em suas opiniões e associações políticas" e que isso lhe seria um problema caso saísse a público.

Para continuar falando sobre esses temas, Nixon propõe a criação de um "canal" de comunicação fora dos meios diplomáticos e diz que seu homem de confiança seria Kissinger.

Médici concorda e diz que confiava no seu chanceler, Mário Gibson Barbosa, que tinha um "arquivo especial em que todos os itens eram manuscritos (...) de forma que nem os datilógrafos tinham conhecimento deles".

Na avaliação do ex-embaixador do Brasil nos EUA Roberto Abdenur, a conversa "não chega a ser uma surpresa". "O que os dois fizeram foi selar, no mais alto nível político, e em termos de organizada colaboração, algo em que ambos os lados já de há muito se vinham empenhando."

Leia documentos da visita www.nsarchive.org

Entrevista: "Brasil deve perdão ao Chile", diz pesquisador

De Caracas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Especialista em história chilena contemporânea, o pesquisador americano Peter Kornbluh afirma que a conversa entre Médici e Nixon deixa claro que o Brasil era o principal aliado de Washington para conter movimentos de esquerda na América Latina. Kornbluh é o diretor dos projetos de documentos sobre o Brasil e o Chile do Arquivo Nacional de Segurança, ligado à Universidade George Washington (EUA). (FM)

FOLHA - O que o documento revela sobre a relação Brasil-EUA no início dos anos 70?

PETER KORNBLUH - A próxima e de certa forma confortável relação revelada deixa claro que o Brasil era o principal aliado dos EUA na guerra contra a esquerda na América Latina. O Brasil tinha suas próprias razões imperiais para, de forma oculta, enfraquecer governos como o de Salvador Allende. Mas este documento deixa claro que o regime militar também funcionava como um substituto para os interesses intervencionistas dos EUA. A forma cândida das visões de Médici sobre o seu direito de alterar o futuro de nações menores da região é impressionante.

FOLHA - Qual era a expectativa de Nixon e Kissinger sobre o Brasil de Médici?

KORNBLUH - O documento e um memorando escrito mais tarde pelo general Vernon Walters mostram que Nixon estava muito feliz sobre a maneira como ele e Médici se relacionaram. Nixon pediu a criação de um canal secreto para continuar as comunicações entre os dois na expectativa de que o Brasil ajudaria Washington a bloquear outros "Allendes e Castros", como Nixon definiu. Se recuperarmos o registro dessas comunicações, descobriremos um capítulo da obscura história de intervenção na América Latina.

FOLHA - O que se sabe sobre o papel do Brasil no golpe contra Allende?

KORNBLUH - Deste documento aprendemos da boca do mais alto funcionário brasileiro que o Brasil estava comprometido em derrubar Allende. O Brasil tinha um programa de intercâmbio militar com os chilenos, e parece que a inteligência militar de Médici usava isso para canalizar apoio aos militares chilenos. O que não sabemos é a natureza da colaboração entre os EUA e o Brasil. O papel da intervenção oculta americana no Chile tem sido documentado por documentos americanos tornados públicos e um relatório especial do Senado. Mas o papel do Brasil continua sigiloso. O Brasil deve desculpa por seu papel na implantação da ditadura no Chile.

FOLHA - O sr. irá a São Paulo para falar sobre as políticas de diversos países sobre acesso a documentos históricos. Como fica o Brasil em comparação com os EUA e os demais países?

KORNBLUH - As vítimas de violações aos direitos humanos merecem justiça, e isso não é possível sem o acesso à informação. Sobretudo sob um líder astuto como Lula, o Brasil deveria ser uma liderança no direito ao conhecimento. Mas está atrás da maioria da América Latina.

Trapalhadas em série

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ao censurar Colômbia e EUA, o Brasil se desqualificou como mediador imparcial no caso das bases americanas

NOS CURSOS de diplomacia e comunicações, o caso das bases colombianas deveria ser ensinado como exemplo do que não fazer. Todos os protagonistas, inclusive o Brasil, saíram-se mal de episódio cujo saldo líquido é patentear a aguda fase de divergência que vive a América do Sul, não obstante as boas intenções da Unasul e do Conselho de Defesa.

Se for verdade que não se cogita instalar bases novas, apenas aumentar o pessoal americano em instalações controladas pela Colômbia, estamos diante de monumental "metida de pata" em comunicações. Ao contrário, se houver mesmo intenção de transferir a base aérea de Manta para a Colômbia, a decisão é lamentável, mas não justifica a histeria da reação: durante os dez anos em que a base permaneceu no Equador, não consta que ela tenha causado nenhum problema de segurança.

Soam despropositadas e excessivas as alusões de Chávez, Rafael Correa e Evo Morales a guerra e mobilização. A não ser que visem esconder cumplicidades embaraçosas com a guerrilha colombiana em matéria de desvio de armas, apoio logístico, santuários na fronteira. Após as provocações a que se entregou na visita da Marinha russa, o líder venezuelano é o último a poder censurar os demais quanto a servir de instrumento para a introdução de potências estrangeiras na região.

O Brasil terminou bem sua infeliz participação na novela. O tom conciliador e construtivo adotado na reunião de Quito da Unasul não bastou, contudo, para apagar a penosa impressão deixada pelo zigue-zague das declarações do presidente, do chanceler e do assessor presidencial. A nota que prevaleceu foi a da mal disfarçada censura à Colômbia e aos Estados Unidos.

Ora, ao agir desse modo, o país obviamente se desqualifica para atuar como mediador imparcial. Não admira que o presidente colombiano se tenha apressado em oferecer esse papel ao presidente Calderón, do México, justamente o país que havia sido excluído da Unasul, concebido como exclusivo foro sul-americano.

Essa desfeita diplomática se deve a erro elementar que o Itamaraty jamais cometeu no passado: o de acuar os países latino-americanos, querendo forçá-los a escolher entre nós e os EUA. Nossos vizinhos querem ter boas relações com ambos, sem precisar optar por um ou outro.

No entanto, se forem obrigados, não é difícil imaginar quem escolherão.
Isso é sobretudo verdade em duas áreas. A primeira é o comércio, em que há 20 anos acumulamos saldos crescentes no intercâmbio com os demais, às vezes de 10 para 1. Temos muito a vender e quase nada a comprar. Como se melindrar se outros desejam firmar acordos de livre comércio com o maior mercado consumidor do mundo, ao qual destinam mais de 50% das exportações, chegando até a 80%?

Ocorre o mesmo na defesa. Quem levaria a sério a possibilidade de uma alternativa brasileira à ajuda militar americana à Colômbia? Mais de US$ 6 bilhões foram já despendidos no Plano Colômbia e Bogotá se tornou o terceiro maior beneficiário da assistência militar dos EUA, após Israel e o Egito. Como condenar país que luta pela sobrevivência contra narcotraficantes e guerrilheiros que não se distinguem de bandidos?

As animosidades e as suspeitas só poderão ser superadas se a Unasul fizer valer para todos a mais rigorosa não ingerência, o que se aplica também às declarações das autoridades brasileiras.

Rubens Ricupero , 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

JOÃO BOSCO - O Bebado e o Equilibrista

Bom dia!
Vale a pena ver o vídeo