terça-feira, 7 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

GLO de Lula é necessária, porém insuficiente

O Globo

Governo federal ao menos reconhece responsabilidade pela crise de segurança. Mas resolvê-la exige mais

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfim se convenceu — ou foi convencido — de que a grave crise de segurança que o país atravessa não permite hesitação. Dias depois de afirmar que, enquanto fosse presidente, não decretaria uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) com presença das Forças Armadas, Lula anunciou um plano de segurança em que uma das principais medidas é justamente a GLO. Melhor assim. Qualquer iniciativa que possa contribuir para combater o crime organizado merece ser considerada, especialmente quando argumentos técnicos se sobrepõem aos político-ideológicos.

Merval Pereira - Novo começo

O Globo

O trabalho conjunto da Receita Federal e do Coaf com Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal é fundamental no combate permanente à criminalidade

O início da operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) nos portos e aeroportos do Rio e São Paulo e nas fronteiras internacionais de estados do Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul marca uma nova maneira de enfrentar a criminalidade ligada ao tráfico de drogas e às milícias, que pode ser efetiva se tiver caráter permanente.

A politização extremada, até mesmo das questões técnicas mais corriqueiras, fez com que a operação iniciasse com um debate paralelo desimportante, mas que acabou ganhando tons de gravidade inexistente. O presidente Lula, que não dispensa uma pirotecnia verbal, bravateou que não assinaria a GLO.

Carlos Andreazza - Milicianos

O Globo

Já está na praça “Milicianos”, o livro-reportagem de Rafael Soares, repórter especial do GLOBO. Vai à categoria do “tem de ler”, prateleira Malu Gaspar, ademais editado em altíssimo nível. Demonstração vigorosa-corajosa-rigorosa das possibilidades do jornalismo quando investido de fôlego. Lembrança também de quanto é decisivo valorizar e proteger o arriscado jornalismo dedicado às cidades — ao local. (Lembrança inútil, para a festa no palácio.)

E então me recordo de “Os porões da contravenção”, de Chico Otavio e Aloy Jupiara, volume cuja leitura combinada à da obra de Soares explica — fundamenta — por que não haverá mais meios estaduais, com polícias Militar e Civil, para sequer enxugar o gelo da segurança pública no Rio de Janeiro. (Está no ar, no Globoplay, a série “Vale o escrito”; sobre a guerra contínua — guerra miliciana — entre bicheiros no estado. Capitão Guimarães, o que decerto tomou Niterói com versos, citando Shakespeare.)

Míriam Leitão - O ponto central sobre o déficit

O Globo

Uma possível mudança da meta fiscal está sendo tratada de forma desastrada e tem poder destrutivo contra o próprio governo

A questão do déficit de 2024 não está ainda resolvida mas, sobretudo, não está entendida. Mais do que um número, entre zero e meio, o que se discute é que força terá o ministro da Fazenda para conduzir seu projeto. Como resultado de todo esse ruído, a mediana do mercado para o resultado primário no Boletim Focus saiu de 0,78% de déficit para 0,80%. A previsão de inflação em 2024 saiu de 3,90%, para 3,91%. Noves fora, nada. Mudança insignificante. Engana-se quem conclui que as consequências serão só essas.

Mais do que a mudança, a maneira desastrada como tem sido executada tem poder destrutivo. Olhando o panorama inteiro, o que se vê é que o ministro Fernando Haddad começou o governo sob enormes dúvidas de como exerceria o cargo. Desde o início, no entanto, ele mostrou saber para onde ir. Reduzir o déficit, aprovar um arcabouço fiscal para substituir o Teto de Gastos que fora desmoralizado pelo governo anterior, fazer andar a reforma tributária, combater a erosão da base tributária através de um trabalhoso exercício de fechar os buracos da evasão e da elisão fiscal. Esse é o programa e ele tem executado com persistência.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Lula e os ministros gastadores

Valor Econômico

No Brasil de Lula e Haddad, os sábios da Crematística buscam a magnésia capaz de debelar os males dos déficits primários

Jornalistas de escol e economistas qualificados pelos requisitos de mercado criticaram acerbamente as palavras do presidente Lula. Lula declarou que guardava esperanças. Esperanças no emprego do dinheiro público na consecução de obras de infraestrutura.

Antes de prolatar inconformismos com o debate contemporâneo a respeito do dinheiro, vamos tentar uma modesta, talvez necessária, caminhada.

Gideon Rachman - Guerra na Faixa de Gaza pode transformar o mundo

Financial Times / Valor Econômico

Apoio dos EUA a Israel pode prejudicar o apoio dos eleitores progressitas ao presidente Joe Biden em 2024, favorecendo Trump e Putin

“Things can only get better” (as coisas só podem melhorar) parecia o hino dos anos 1990. Lançada em 1993, quatro anos depois da queda do muro de Berlim, a música era a trilha sonora perfeita para uma década em que o apartheid terminou, a democracia chegou à Europa do Leste, a paz chegou à Irlanda do Norte e os acordos de Oslo prometiam um fim para o conflito entre Israel e a Palestina.

Nos anos 1990, o clima da época favorecia os defensores da paz, os democratas e os internacionalistas. Hoje são os nacionalistas, os promotores da guerra e os que vivem de teorias da conspiração que têm o vento a seu favor.

Andrea Jubé - Pesquisas alertam: não é a economia, estúpido!

Valor Econômico

Governo precisa governo intensificar a disputa política com a oposição e afinar a comunicação interna e externa

Um episódio em torno da entrega de ambulâncias do Samu 192 pelo Ministério da Saúde em São Paulo ilustra a urgência de que, a um ano das eleições municipais, o governo intensifique a disputa política com a oposição e afine a comunicação interna e externa, com eleitores do PT e do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Pesquisas recentes levadas a público, bem como levantamentos internos que circulam entre ministros do Palácio do Planalto, acenderam um sinal de alerta no governo ao demonstrarem que a melhora de índices econômicos - como a queda da inflação e do desemprego - não bastam mais para segurar o eleitor.

Sondagens divulgadas recentemente, bem como aquelas confiadas ao ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, indicaram queda expressiva na avaliação do governo no segundo semestre.

Luiz Schymura* - Pacto e vínculos agravam quadro fiscal

Valor Econômico

“Pedágios” acabam encurtando o espaço de manobra do governo de plantão

O governo vem tentando administrar as contas públicas a contento. Se por um lado procura construir caminhos para assegurar a sustentabilidade fiscal, por outro, trabalha para atender as enormes demandas da sociedade. Sem dúvida não é um equilíbrio fácil de ser alcançado.

No intuito de satisfazer essa intrincada equação, o governo se comprometeu a zerar o déficit já em 2024, obviamente, imaginando que conseguiria dispor do montante necessário para cumprir seu programa. Frente a esse quadro, o equilíbrio fiscal passou a depender eminentemente da elevação da receita. Não à toa, a arrecadação bruta da União em 2024 precisa de um reforço da ordem de R$ 170 bilhões. No entanto, por mais que o governo venha trabalhando junto à classe política e aos grupos de interesse organizados, a economia política não dá sinais de que viabilizará, em tempo hábil, a aprovação, no Congresso, das medidas necessárias para obtenção dos R$ 170 bilhões.

Eliane Cantanhêde - O tempo corre, o risco aumenta

O Estado de S. Paulo

O que americanos e europeus em Gaza têm que os brasileiros não têm? Poder

O que americanos e europeus têm que brasileiros não têm? A pergunta faz sentido diante do sofrido, atrasado e lento processo de retirada de 7 mil estrangeiros civis da Faixa de Gaza, iniciado na quarta-feira, 1.º/11, interrompido três dias depois e reiniciado ontem, sem um único dos 34 cidadãos da lista do Brasil a bordo, 15 crianças aí incluídas.

O governo Joe Biden, possivelmente na contramão da própria diplomacia americana, derrubou com um veto, único e arrogante, a resolução por uma “trégua humanitária” apresentada pelo Brasil durante seu mês na presidência do Conselho de Segurança da ONU. Depois, o mesmo governo Biden tentou emplacar e capitalizar, solitariamente, o que impediu o conselho de fazer coletivamente.

Luiz Carlos Azedo - Esquerdismo contaminou questões do Enem sobre o agro

Correio Braziliense

A tese da esquerda brasileira era de que o Brasil não poderia se desenvolver com latifúndio e dominação do capital estrangeiro. O que aconteceu foi o contrário

Há mais de 100 anos, a reforma agrária é uma ideia-força para a esquerda brasileira. Demorou para ter apoio popular e, a rigor, nunca se completou. É uma das faces do atraso brasileiro e nosssa iniquidade social. Em Portugal, a reforma agrária aconteceu na Revolução do Mestre de Avis (1383-1385), coroado João I. Foi uma revolução burguesa, que deu origem ao primeiro Estado Nação da Europa. A vitória da burguesia comercial e a reforma agrária impulsionaram tremendamente as indústrias naval e vinícola de Portugal, sem as quais não teriam ocorrido as grandes navegações.

No Brasil, a primeira oportunidade perdida foi na Independência, em 1822. José Bonifácio, em Apontamentos sobre as sesmarias, defendeu as pequenas propriedades, e a distribuição de terras aos indígenas, ex-escravos e colonos portugueses chegou a ser proposta por ele, para as “terras baldias”, numa estratégia de conciliação com os senhores de escravos. A prioridade dada ao arranjo institucional, no qual a monarquia foi a chave para manter a integridade territorial, e capacidade de fazer inimigos de Bonifácio inviabilizaram suas propostas, mesmo não havendo abolição.

Joel Pinheiro da Fonseca - O Enem é ideológico?

Folha de S. Paulo

Estudante não é chamado a se posicionar; é-lhe pedido que interprete autores

Sinais de que o ano se aproxima do fim: decoração de Natal nas lojas e discussões sobre a "ideologia" no Enem. Desta vez não foi diferente: a bancada do agro já pediu que o MEC anule três questões da prova, por terem "cunho ideológico".

Nos anos anteriores, a preocupação com a "ideologia" (fantasma que ninguém define direito) na prova se centrava em temas de sexualidade —lembremos da pergunta sobre o dialeto LGBT, em 2018, que fez tremer a família brasileira— e da ditadura militar, que chegou a ser banida da prova.

No campo da sexualidade, este Enem não ousou. Já a ditadura voltou a figurar, como deve ser. Ideológica era a decisão de censurar menção a um período importante de nossa história recente.

Dora Kramer - Os tira-teimas de 2024

Folha de S. Paulo

Eleição de 2024 será campo de testes para a força da polarização, entre outras situações

Na política há dúvidas recorrentes que a realidade costuma responder de modo contrário ao senso comum. Uma delas é sobre a influência do desempenho do Brasil na Copa do Mundo na eleição para presidente no mesmo ano; outra, que nos interessa aqui, é se as disputas municipais são uma prévia da corrida presidencial dois anos depois.

O histórico mostra zero reflexo do futebol no quadro eleitoral e quase nenhum efeito dos embates locais sobre o cenário nacional. O PT é um desses casos. Teve seu pior resultado em 2020 —183 prefeituras para quem já teve 624— e, em 2022, voltou ao poder com Luiz Inácio da Silva.

Hélio Schwartsman - Coisas da política

Folha de S. Paulo

Alocação de verbas federais por emendas parlamentares gera crueldades

Embora as pessoas adorem gritar nas redes sociais, na política real são as mudanças silenciosas que acabam se mostrando mais decisivas. Um exemplo é o advento de emendas parlamentares de execução obrigatória, que vão abrangendo fatias cada vez maiores das verbas orçamentárias livres para investimentos. Já comentei aqui como esse fenômeno reduziu os poderes da Presidência. Hoje quero analisá-lo do ponto de vista dos eleitores.

A "emendização" tomou proporções tais que o caminho mais fácil para comunidades terem acesso a verbas federais é encontrar um deputado ou senador para apadrinhar a causa. O sistema até que funciona para as populações que conseguem eleger um representante. Só que nem todas obtêm sucesso nisso. Se olharmos para o mapa do Brasil, encontraremos extensas áreas de deserto parlamentar, isto é, de municípios e regiões que não contam com um patrono federal.

Alvaro Costa e Silva - Lula no beco do crime

Folha de S. Paulo

Adversários vão bater sem trégua no problema da segurança

Durante a Eco-92, reunião com chefes de Estado e representantes de 179 países para discutir a preservação ambiental, ganhou força uma expressão que ao longo do tempo se transformou em clichê: sensação de segurança. O símbolo eram três blindados, com metralhadoras e lança-morteiros, que ficaram 12 dias apontando para a favela da Rocinha.

Vinte e cinco mil policiais civis, militares e federais e agentes das Forças Armadas vigiaram a conferência como se o Rio —que passou por uma cirurgia estética removendo mendigos das ruas— estivesse sitiado à espera da guerra. Os registros de violência caíram 37% nas zonas sul e central. No restante da cidade, os altos índices de criminalidade não se alteraram. Uma sensação de segurança localizada, temporária e falsa. Na mesma época da Cúpula da Terra, o ovo da serpente miliciana era chocado na zona oeste.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Perigosas fantasias orçamentárias

Depois de mandar para a prisão um punhado de políticos e até presidentes da República, passar por uma fase descarada de revisão das punições, e ser enterrada, a Lava Jato parece tremer no túmulo, acompanhando essa discussão insólita sobre o tal de déficit primário zero das contas públicas. "Ora, 0,5% ou 0,25% isso é nada!",  Dilma  quem o diga. Déficit primário é a diferença entre as receitas e as despesas do Governo, já descontados os juros da temerosa dívida pública, de R$ 6 trilhões, no montante  de R$ 700 bilhões anuais. 

Esses percentuais acima estão relacionados com o PIB, projetado em 2023 para R$ 2,7 trilhões, e representado , setorialmente, por  atividades na área dos  serviços, da indústria, da agropecuária, do consumo das famílias, do gastos do governo, dos investimentos, das    exportações e  importações. Como as receitas do Brasil não dão conta das despesas, os déficits são financiados pelo endividamento público seja interno ou no exterior. 

Ricardo José de Azevedo Marinho* - Olha, vê, repara

Além das definições patológicas para as diversas formas de má visão, os dicionários fornecem outra: quando existe a incapacidade de ver coisas que são muito claras e fáceis de entender ou de perceber com perspicácia sobre algum assunto. Isso é o que chamamos de má visão intelectual.

Essa característica costuma ser muito comum na política e afeta especialmente aqueles que ocupam posições dos extremos, seja à direita seja à esquerda. As causas dessa má visão parece ser a postura obtusa advinda do olhar doutrinário, as convicções de verdades absolutas que acreditam possuir, o desprezo por certa relatividade típica das regras democráticas e uma surdez crônica face às diferentes opiniões que consideram filhas do erro. Se junta a má visão a má audição.

Estas causas agravam-se quando, por estados de espírito normalmente efémeros, obtêm uma grande votação como normalmente acontece com o voto volátil e emocional que ocorre na nossa sociedade da informação.

Poesia | Charles Baudelaire - Benção

 

Música | Paulinho da Viola - Pecado Capital