sábado, 25 de abril de 2020

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

É hora de falar. Pr está cavando sua fossa. Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice para voltarmos ao foco: a saúde e o emprego. Menos instabilidade, mais ação pelo Brasil.


*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. Em rede social.

Merval Pereira - Interesses escusos

- O Globo

O agora ex-ministro foi perfeito ao pedir demissão, alegando série de ilegalidades cometidas pelo presidente

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) de determinar que os delegados que já estão trabalhando no inquérito sobre fake news há um ano permaneçam na investigação, mesmo com a mudança do diretor-geral da Polícia Federal, é uma demonstração de que a intenção de desmobilizar as investigações pode estar por trás da decisão de Bolsonaro.

As mensagens de WhattsApp apresentadas pelo Jornal Nacional provam que o ex-ministro Sérgio Moro foi assediado pelo presidente Bolsonaro, que baseou a decisão de substituir o diretor-geral da Polícia Federal Mauricio Valeixo na necessidade de interferir no inquérito que corre em segredo de Justiça há um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as fake news, e que será acompanhado agora pelo outro inquérito pedido pelo Procurador-Geral da República Augusto Aras, que terá o mesmo relator, o ministro Alexandre de Moraes.

Tendo sido juiz por mais de 20 anos, Moro foi cuidadoso ao fazer denúncias graves ontem contra Bolsonaro, quando anunciou sua demissão do cargo. Há uma série de acusações que podem ser feitas contra o presidente Bolsonaro, desde falsidade ideológica por ter publicado no Diário Oficial um documento com a assinatura de Moro, negada por ele, até obstrução de Justiça.

Míriam Leitão - Bolsonaro implode o próprio governo

- O Globo

Condições para a abertura do impeachment estão dadas. Bolsonaro desmontou seu próprio governo e ficou encurralado

A duração do governo Bolsonaro agora dependerá do Congresso. Diante da acusação do ex-ministro Sergio Moro, fica difícil para o presidente da Câmara engavetar mais um pedido de interrupção do mandato. As condições para um processo de impeachment estão dadas. Bolsonaro queria informações da Polícia Federal de processos e investigações, inclusive alguns nos quais tem interesse direto. Pressionou ao ponto da demissão do ministro da Justiça que era uma das bases de sustentação do seu governo.

Moro apresentou seu pedido de demissão em uma entrevista na qual tratou diretamente dos fatos que o levaram à decisão. A resposta do presidente veio em forma de um pronunciamento longo, confuso, contraditório. No que disse de substância, ele negou que tivesse pressionado Moro. No final do dia Moro expôs ao Jornal Nacional uma troca de mensagens que mostra que Bolsonaro queria trocar Valeixo por causa do inquérito que investiga parlamentares bolsonaristas. No pronunciamento, Bolsonaro confirmou que queria sim “interagir” com a Polícia Federal. “Quero um delegado que eu possa interagir com ele. Interajo com as Forças Armadas, Abin, com qualquer um do governo”. Nesse aspecto, segundo um delegado da Polícia Federal, ele misturou coisas bem diferentes.

Ascânio Seleme - O discurso do cadafalso

- O Globo

Bolsonaro usou argumentos absurdos para tentar desmontar a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que a demissão do diretor-geral da PF serviria para poder controlar investigações

Rodeado por todos os seus ministros, para demonstrar uma força que ele já não tem, o presidente Bolsonaro usou argumentos absurdos para tentar desmontar a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que a demissão do diretor-geral da PF serviria para poder controlar investigações em curso na instituição e que podem chegar aos seus filhos e ao seu gabinete. Foi patética a afirmação de que demitiu o diretor-geral da Polícia Federal porque ele estava cansado. Maurício Valeixo estava cansado, sim, mas da pressão de Bolsonaro. Argumentou também que a PF não investigou “quem mandou matar Bolsonaro”. Oras, já foi esclarecido que Adélio Bispo é um lunático. Por fim, e mais importante, afirmou que Moro disse topar a demissão de Valeixo, mas apenas depois de ser nomeado para o Supremo.

Alguém acredita nessa história? Só os mais fanáticos defensores de Bolsonaro acreditarão que um ministro como Moro enfrentaria o presidente e faria uma barganha dessa natureza e de forma aberta, direta, por uma vaga no STF. Moro disse que Bolsonaro demitiu o chefe da PF, acarretando por consequência sua própria saída, para poder interferir em processos determinados pelo Supremo para investigar as fake news e os responsáveis pelas convocações dos atos antidemocráticos que pediram a intervenção militar e o fechamento do STF e do Congresso. Bolsonaro participou de dois desses atos, um na porta da Palácio do Planalto, no dia 15 de março, e outro no domingo passado, em frente ao QG do Exército.

Como se não bastassem todas as barbaridades que Bolsonaro vem cometendo seguidamente, como participar desses atos e pregar contra o isolamento social, a demissão de ontem foi um ataque direto às investigações em curso. Você já ouviu e leu isso antes, mas vale repetir o que disse Moro sobre esse episódio. “O presidente mostrou preocupação com inquéritos no STF e a troca (na PF) seria oportuna por esta razão”. Todos sabem quem está por trás dos crimes sob análise, só faltam a provas que a polícia está buscando.

Bolsonaro vem derretendo diante dos seus eleitores desde o dia da sua posse. Com a fala de Moro, o presidente passou a contar apenas com os membros da manada cega que o acompanha, aqueles que fazem manifestações radicais e os que vão para a porta do Alvorada tirar selfie com o presidente. Os que votaram nele imaginando estar varrendo a corrupção do país são os mais humilhados com a demissão de Moro e de Maurício Valeixo. O que sobrou foi um governo ultradireitista construído por Olavo Carvalho nas cabeças desabitadas dos três zeros da família Bolsonaro e do próprio patriarca.

Ricardo Noblat - Justiça aperta o cerco em torno de Bolsonaro e dos seus filhos

- Blog do Noblat | Veja

Os vírus que atacam o Brasil

Ao despedir-se, ontem, do governo da maneira belicosa como o fez depois de servi-lo sem grande sucesso nos últimos 15 meses e 24 dias, o ex-ministro Sérgio Moro, da Justiça, cravou uma estaca no coração do presidente Jair Bolsonaro.

O melhor dos cenários que o futuro reserva a Bolsonaro é o de terminar seu mandato em 2022 arrastando correntes. Chegaria ao final como uma espécie de zumbi, sem condições de disputar a reeleição para não colher uma derrota.

Impensável até a semana passada, o cenário que parece o mais provável é o de Bolsonaro ser apeado do poder por meio de um processo de impeachment que poderá ser aberto ainda este ano ou no começo do próximo, tão logo permita o coronavírus.

No exato momento em que o presidente fez mais uma fala à Nação para rebater o que disse Moro e repetir mais uma vez que é ele quem manda, pelo menos duas iniciativas do Poder Judiciário mostraram que ele manda cada vez menos.

Augusto Aras, Procurador-Geral da República, pediu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de um inquérito para apurar possíveis crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro – entre eles, falsidade ideológica, prevaricação e obstrução de justiça.

Hélio Schwartsman - Não podemos fingir que não vimos

- Folha de S. Paulo

Moro expôs de forma convincente a conduta absolutamente antirrepublicana do presidente

Em condições normais, as acusações que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro lançou contra o presidente Jair Bolsonaro exigiriam a abertura de um processo de impeachment. A narrativa de Moro traz farto material para investigações não apenas sobre crimes de responsabilidade mas também sobre infrações penais comuns.

Tampouco há dúvida de que, quanto antes nos livrarmos de Bolsonaro, melhor será para o Brasil. O presidente só tem a oferecer ao país ignorância, dor e mortes desnecessárias. O vice-presidente, Hamilton Mourão, embora tenha sido convidado a compor a chapa como uma espécie de seguro contra o impeachment, tem se mostrado uma figura muito mais razoável do que o titular.

Penso que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deveria deflagrar o processo de deposição sem demora, mas reconheço haver um complicador: não vivemos um período normal; está em curso uma pandemia que cobra todas as atenções do Congresso.

Julianna Sofia – Gangorra

- Folha de S. Paulo

Quem sobe e quem desce na crise da pandemia

Causa aturdimento a perda de dois populares ministros do governo Bolsonaro num lapso inferior a dez dias. A exoneração de Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e a saída de Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), subprodutos do capricho e da inépcia presidenciais, exprimem a deterioração acelerada da gestão bolsonarista em meio à pandemia. São frenéticos os movimentos da gangorra do poder.

Caiu o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, depois de nove meses de fritura e 48 horas após o STF autorizar inquérito para apurar quem está por trás do protesto pró-ditadura militar do qual participou o presidente. À queda se seguiu o pronunciamento apocalíptico do agora ex-ministro e ex-juiz. Moro acusou o presidente de tentativa de interferência na PF e de fraude no ato de demissão de Valeixo.

Também em baixa, o ungido Paulo Guedes (Economia). O Posto Ipiranga pena para deglutir sete slides de intervencionismo estatal em estado bruto, chamado Pró-Brasil. Enquanto Guedes repisa o script das reformas estruturais e privatizações para o pós-crise, a ala militar do governo recicla o PAC, programa petista para gerar crescimento.

Alvaro Costa e Silva - Rainha de Copas

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro corta cabeças para proteger filhos e convoca o próprio impeachment

O que eu gosto mais, francamente, é que toda crise é cheia de oportunidade." A platitude foi dita pelo empresário suíço-brasileiro Jorge Paulo Lemann, referindo-se à pandemia de coronavírus, do alto de seus bilhões de dólares. O pessoal saiu correndo atrás de uma oportunidade. Pois o último a chegar é mulher do padre.

Um grupo de chineses foi preso em São Paulo tentado vender a preços milionários 15 mil testes rápidos para detectar a Covid-19; os testes tinham sido furtados. Funerárias cariocas estão cobrando por um enterro simples, em cova rasa, até R$ 3,8 mil. A médica Ligia Kogos, conhecida como "a rainha do botox", invocou o juramento de Hipócrates para manter aberta a sua clínica de estética.

Estes são casos menores e particulares diante da farra de dinheiro que pode ocorrer sob o disfarce de compras emergenciais para combater a pandemia. O governo do Rio fez trocas suspeitas na estrutura da Secretaria de Saúde em meio à crise e dificulta o acesso a informações sobre contratos. Wilson Witzel aproveitou para enviar mensagem à Assembleia Legislativa retomando um programa de desestatização. O novo projeto de lei contempla sociedades de economia mista (como a Cedae), empresas públicas, fundações e até universidades (Uerj, Uezo e Uenf).

Oscar Vilhena Vieira* - O presidente está nu

- Folha de S. Paulo

Com a denúncia de Moro, cresce o clamor pelo impeachment do presidente

Foi surpreendente ver milhões de brasileiros acreditarem que Jair Bolsonaro seria a encarnação da ordem, do interesse nacional e da luta contra a corrupção.

Sua Presidência, como era de se esperar, tem se esmerado em produzir anarquia, obscurantismo e um ataque sistemático às instituições do Estado democrático de Direito, além, é claro, de uma defesa intransigente dos interesses de seu clã.

Em seu discurso de despedida, Sergio Moro —que endossou a ascensão de Bolsonaro ao poder ao aceitar ser seu ministro da Justiça— acusou o presidente da República de estar alterando o comando da Polícia Federal por motivos políticos, relacionados ao seu interesse e de seus filhos na condução de investigações e processos pendentes no Supremo Tribunal Federal.

A denúncia de Moro apenas confirma a percepção de que o governo vem aparelhando as instituições de Estado e enfraquecendo os mecanismos de participação e controle, com o objetivo de se livrar dos limites constitucionais impostos a todos aqueles que exercem o poder numa democracia.

Mais do que isso, indica a intenção do presidente de ampliar o controle autoritário sobre a sociedade por intermédio do sistema de inteligência.

Não terá sido a primeira vez que Bolsonaro incorreu nas hipóteses de crimes de responsabilidade descritas pelo artigo 85 da Constituição Federal.

Demétrio Magnoli* - Ciência como superstição

- Folha de S. Paulo

Fetiche da ciência serve para políticos fugirem à responsabilidade por suas decisões

O físico Neils Bohr, um dos fundadores da teoria quântica, sabia o que não sabia. “A predição é muito difícil, especialmente sobre o futuro”, afirmou ironicamente, para explicar que a ciência cuida, essencialmente, da descrição. É útil recordar sua frase, nesses tempos em que líderes políticos —com o apoio de não poucos cientistas presunçosos— enchem a boca para dizer que suas decisões sobre a emergência sanitária fundamentam-se “na ciência”.

João Doria decidiu, “com base em ciência”, conservar regras lineares de isolamento social no estado de São Paulo, até 10 de maio. Já Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, resolveu flexibilizar as restrições no interior de seu estado —claro, “com base em ciência”. Os cenários são similares, embora não idênticos. A ciência também poderia ser invocada por cada um deles para adotar as iniciativas do outro.

O finado Mandetta justificou o isolamento social com o argumento de evitar o colapso hospitalar, um raciocínio que propicia flexibilizações em áreas de baixa pressão sobre leitos e UTIs.

O neurocientista Miguel Nicolelis, que assessora os governadores do Nordeste no mapeamento da epidemia, discorda veementemente. Segundo ele, em entrevista à TV, o isolamento social tem a finalidade muito mais ambiciosa de “evitar contágios”, o que exigiria rígidas quarentenas em todos os lugares, por período indefinido. Os dois falam —adivinhe!— em nome “da ciência”.

Marcus Pestana - O Estado pós-crise

Na última semana falamos da mudança brusca do papel do Estado na gestão da crise sanitária e econômica derivada da pandemia do coronavírus. Havia uma onda liberalizante e conservadora, temperada com o chamado “populismo autoritário”, a partir de diversos governos liderados por Donald Trump, Boris Johnson, Jair Bolsonaro, entre tantos outros.

De repente, todos os governos, independente de orientação ideológica, foram impelidos a adotar políticas keynesianas, ampliando gastos e dívida pública, para suportar o necessário aumento das despesas com a saúde e com programas de sustentação do emprego e da renda. Entre as diversas mudanças que ocorrerão no pós-crise, certamente ganhará corpo a discussão sobre o papel do estado e o nível ideal de intervenção governamental. A crise reforçou a ideia da necessidade de um governo forte, ágil, eficiente e que tem um papel central nas ações que o mercado e a sociedade não dão conta de forma descentralizada realizar. Nada que se confunda com um estado inchado, obeso, onipresente e perdulário.

Este debate tem raízes históricas e teóricas que vale a pena revisitar. Durante todo o século XX ocorreu um embate entre as concepções do Estado mínimo liberal, o Estado do bem estar socialdemocrata e o Estado máximo do socialismo real. A configuração concreta dos modelos de intervenção governamental não seguiu um figurino rígido. A história foi desenhando o caminho dependendo do grau de desenvolvimento e maturidade de cada economia, do perfil cultural e histórico de cada país, do desenvolvimento das instituições nacionais e do processo político resultante da disputa de interesses na sociedade.

Desde a revolução Industrial, no final do Século XVIII, a evolução da nascente economia capitalista exigia o rompimento com a herança feudal e mercantilista, quebrando barreiras alfandegárias, monopólios coloniais, condenações morais ao lucro, intervenções governamentais inibidoras da livre iniciativa. Quanto maior a liberdade, maior a perspectiva de desenvolvimento. Talvez a melhor representação da utopia liberal tenha sido a famosa “mão invisível” de Adam Smith. O individuo ao procurar maximizar seus ganhos, involuntariamente estaria produzindo o maior bem estar possível para a sociedade. O Estado deveria se limitar a assegurar o império das Leis e da Constituição, garantir a defesa nacional e a segurança pública e defender a estabilidade da moeda.

Adriana Fernandes - Após a Receita, a PF

- O Estado de S. Paulo

O ressentimento dos auditores é que Guedes não foi Moro na defesa do Fisco

A interferência política na Polícia Federal, pivô da dramática saída do ministro da Justiça, Sérgio Moro, do governo Jair Bolsonaro reabriu feridas ainda não cicatrizadas na Receita Federal. Ao lado da PF, a Receita teve papel decisivo nas investigações de corrupção na Operação Lava Jato e passou por um processo de esvaziamento da fiscalização comandado com as bênçãos do presidente.

Para quem não lembra, Bolsonaro exigiu do ex-secretário especial da Receita Federal Marcos Cintra cabeças da chefia do órgão na Superintendência do Rio Janeiro (qualquer semelhança com os relatos de Moro em relação ao comando da PF no Rio não é mera coincidência).

Cintra caiu com a história da volta da nova CPMF. O trabalho do Coaf, que identificou operações suspeitas de um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, foi abafado. E a área de fiscalização da Receita passou por uma ampla “reforma”. Assim como acontece agora com a PF, após a saída de Moro, o Fisco teve o comando trocado para dar lugar a um grupo mais amigável e flexível. O círculo se fecha com um Ministério Público ainda “amortecido” sob a batuta de Augusto Aras. O resto já é história.

Marco Aurélio Nogueira* - O pão de cada dia

- O Estado de S.Paulo

Ficar em casa é atitude de solidariedade, respeito ao próximo e responsabilidade

Quarenta dias depois de iniciado o confinamento domiciliar recomendado pelos órgãos sanitários, duas questões chamam atenção quando se observa a cena brasileira. Ambas são de natureza comportamental.

Em que pesem todos os alertas e apelos médicos, as mortes que se acumulam, uma parte da população não aceita ficar em casa. Movimenta-se, aglomera-se sem necessidade, criando o ambiente de que necessita o vírus para se espalhar. São pessoas que parecem imunes à dor e à solidariedade. Para elas, o problema é sempre dos outros.

Há que fazer um desconto nessa constatação. Muitos simplesmente não podem ficar em casa. Precisam trabalhar, ganhar o pão de cada dia, tocar a vida. Outros não têm como se isolar, vivem em habitações exíguas, sub-humanas, em bairros de densidade demográfica tão alta que as casas parecem formar um monólito indivisível. Sem levar na devida conta essas circunstâncias, não conseguiremos ir além de uma leitura moralista da situação.

Há, porém, uma fatia importante da população que não se enquadra nesses casos. São pessoas que jogam futebol ao ar livre, fazem atividades em grupo, não dispensam os contatos interpessoais. Também não tomam precauções nem procedem com cautela. Enchem os belvederes em dia de sol, levam os filhos para brincar nos parquinhos, frequentam bares, vão às “feiras do rolo” que continuam a se realizar, como na Sé, em São Paulo.

Eliane Cantanhêde - Ex-ministro abre espaço para processo de impeachment

- O Estado de S. Paulo

“O problema não é quem entra, é por que alguém entra (na Polícia Federal).”

Com essa frase forte, poderosa, o juiz Sérgio Moro encerrou sua participação no Ministério da Justiça deixando acusações de altíssima gravidade contra um presidente que lhe causou prejuízos, humilhações e derrotas, depois de encerrar prematuramente sua brilhante carreira na magistratura. Para um importante jurista, Moro não fez pronunciamento, fez delação premiada.

Traduzindo, a pergunta do ministro é a de milhões de brasileiros que querem entender “a causa” da troca do delegado Maurício Valeixo na direçãoda Polícia Federal. O próprio Moro respondeu: o objetivo de Jair Bolsonaro é interferir diretamente não apenas na PF, mas – e isso é o mais dramático – nas próprias investigações.

O ponto mais chocante foi quando Moro disse que Bolsonaro exige ter acesso direto ao diretor- geral e aos superintendentes da PF e, inclusive, pasmem!, aos relatórios de inteligência e aos relatórios sigilosos sobre as investigações de corrupção e crime organizado.

Isso é gravíssimo. Caracteriza crime de responsabilidade e tem uma dimensão muito maior do que as próprias pedaladas fiscais que deram base jurídica ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff. A sombra do impeachment está se avolumando sobre Bolsonaro.

O Planalto dirá que é a palavra de Bolsonaro contra a de Moro e que cabe ao acusador provar a acusação. Mas, do ponto de vista político e institucional, Moro já ganhou a batalha, pela forma firme, serena e digna com que anunciou a demissão e a ação do presidente para mergulhar de cabeça nas investigações da PF.

Carlos Pereira* - O ‘cavalo de pau’ do populismo do governo Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Se Bolsonaro sobreviver ao crivo das instituições de controle, terá de também apelar para a população de baixa renda, até então negligenciada

Presidentes minoritários que se recusam a construir coalizões em ambiente multipartidário percebem, cedo ou tarde, que os custos dessa estratégia se tornam proibitivos.
No início do mandato, inebriam-se de sua popularidade alcançada com a vitória eleitoral. Em vez de construírem pontes com os partidos e canais institucionais de representação política, preferem desenvolver conexões diretas e polarizadas com núcleo duro de seus eleitores, numa espécie de campanha perpétua típica de populismos.

Embora no curto prazo essa estratégia possa ser bem-sucedida, ela é muito arriscada, pois tende a desgastar as relações do presidente com os outros Poderes. Ao primeiro sinal de fragilidade do presidente, legisladores tendem a dar o troco, e este pode custar a própria sobrevivência do governo.

Mesmo desgastado, o presidente Bolsonaro vinha sendo capaz de obter apoio político de uma parcela da população. Entretanto, ao dar ênfase aos impactos negativos do isolamento social na economia e, ao mesmo tempo, minimizar os riscos de contágio e gravidade da pandemia, até eleitores congruentes com seu governo decidiram abandoná-lo.

Sob o signo de Tânatos – Editorial | O Estado de S. Paulo

Presidente Jair Bolsonaro se inviabiliza no cargo ao se dedicar à destruição de inimigos, de aliados e, por fim, de si mesmo

O governo de Jair Bolsonaro é conduzido sob o signo de Tânatos, o deus da morte na mitologia grega. Dedica-se desde sempre à destruição – primeiro, dos inimigos, reais e imaginários; depois, dos próprios aliados, inclusive ministros que lhe devotavam lealdade; e, afinal, a si mesmo, inviabilizando-se como presidente. É preciso interromper essa escalada antes que Bolsonaro destrua, por fim, o próprio País.

A trajetória da Presidência de Bolsonaro até aqui é impressionante. No início, constituiu um Ministério até razoável, capaz de fazer um bom trabalho em quase todas as áreas, e informou que estabeleceria uma nova forma de relação com o Congresso, sem o velho toma lá dá cá. Um ano e pouco depois, Bolsonaro fez de seu gabinete uma grande barafunda, em que ninguém se entende, e, no Congresso, depois de seguidas derrotas por se negar ao diálogo, resolveu entabular negociação com partidos e políticos envolvidos em escândalos de corrupção, oferecendo-lhes cargos em troca de votos.

Pior: em meio a uma pandemia devastadora, com milhares de doentes e mortos e com o sistema hospitalar público à beira do colapso, Bolsonaro preferiu desdenhar das vítimas e se mostrar mais preocupado com sua popularidade do que com a vida de seus governados.

Com esse espírito destruidor, trata como intocáveis ministros néscios que se dedicam dia e noite a encontrar comunistas embaixo da cama, enquanto inviabiliza o trabalho dos ministros e assessores que, ao contrário, prezam o cargo que ocupam e têm útil e valiosa colaboração a dar. Bolsonaro substituiu o ministro da Saúde porque este não aceitava desrespeitar as orientações da Organização Mundial da Saúde para enfrentar a pandemia de covid-19; desmoralizou sua equipe econômica ao resistir a fazer reformas e ao flertar com a irresponsabilidade fiscal; permitiu a fritura da ministra da Agricultura porque esta se queixou dos ataques bolsonaristas à China, principal cliente do agronegócio brasileiro; e agora tudo fez para provocar a saída do ministro da Justiça porque este se recusou a permitir que ele interferisse politicamente no comando da Polícia Federal (PF).

‘Falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo’

Moro deixa governo e acusa Bolsonaro de querer obter relatórios da PF PGR pede inquérito ao STF Para juristas, presidente pode ter cometido 7 crimes Ex-ministro mostra diálogos como provas

Rafael Moraes Moura, Julia Lindner e Paulo Roberto Netto | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Horas após a demissão, por Jair Bolsonaro, do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o ministro Sérgio Moro anunciou que deixava a pasta da Justiça e fez acusações contra o presidente. Moro afirmou que Bolso na rolhe disseque“queri ater( na chefiada PF) um apessoado contato pessoal dele” para “colher informações, relatórios de inteligência”. “Falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”, relatou o ministro demissionário. Moro disse ter provas das acusações que fazia e, à noite, apresentou cópias de diálogos em que Bolsonaro demonstrou preocupação com inquérito no Supremo Tribunal Federal. Juristas disseram que Moro pode ter relatado até 7 crimes. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu investigação ao STF. Representantes de partidos cobraram o impeachment ou a renúncia de Bolsonaro. “Que renuncie antes de ser renunciado. Poupenos”, disse o ex-presidente Fernando Henrique.

O presidente Jair Bolsonaro queria indicar um nome para chefiar a Polícia Federal (PF) para quem pudesse “ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência”, afirmou ontem Sérgio Moro. Ao falar pela última vez como ministro da Justiça e Segurança Pública, durante pronunciamento no fim da manhã, Moro relembrou a conversa em que Bolsonaro lhe disse que escolheria um novo diretor da PF. “Falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”, relatou o ministro demissionário.

“O problema é: por que trocar (o diretor da PF)?”, questionou o ex-juiz da Lava Jato. Bolsonaro revelou, segundo Moro, uma “grande preocupação” com o andamento de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF). Pelo menos duas investigações da Corte podem atingir aliados do presidente. O primeiro deles, aberto no ano passado, investiga ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes do Supremo. Na segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes deu início a um segundo inquérito para descobrir quem organizou e financiou protestos antidemocráticos de domingo, dos quais Bolsonaro participou.

O que teme o presidente? – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro joga país em crise; Congresso e STF devem apurar acusações de Moro

São gravíssimas as acusações do ministro demissionário da Justiça, Sergio Moro, contra o presidente da República. A partir delas, torna-se inescapável que as autoridades competentes abram investigações para apurar crimes comuns e de responsabilidade atribuídos a Jair Bolsonaro.

Movido pelo temor de que inquéritos da Polícia Federal pudessem atingir a sua família, o chefe do governo decidiu intervir na corporação, cuja autonomia é mandamento legal. Agiu, segundo acusou Moro, sem nenhuma motivação outra que a tentativa de transformar uma instituição de Estado numa extensão de seu poder pessoal.

É preciso saber o que o presidente teme a ponto de levar o seu ministro mais popular a se demitir, depois de exonerado o diretor da PF. Que investigações em curso pela força policial afligem tanto Bolsonaro que o fazem tomar uma decisão que arremessa o país numa enorme crise política, não bastassem as gigantescas crises sanitária e econômica em andamento?

Não só. Segundo o ex-juiz da Lava Jato, o Planalto também fraudou publicação e assinatura de decreto de exoneração. Estariam configurados os delitos de falsificação de documento e prevaricação, cabendo ao procurador-geral fazer denúncia perante o STF.

Sergio Moro, o juiz da Lava Jato, anuncia sua demissão do governo Bolsonaro

Moro largou carreira de juiz federal para virar ministro e disse ter aceitado o convite de Bolsonaro por estar 'cansado de tomar bola nas costas'

Leandro Colon | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Sergio Moro (Justiça) decidiu entregar o cargo nesta sexta-feira (24) e deixar o governo de Jair Bolsonaro após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ter sido publicada nesta madrugada no Diário Oficial da União. Ele anunciou a saída do governo a pessoas próximas.

Conforme a Folha revelou, Moro pediu demissão a Bolsonaro na manhã desta quinta (23) quando foi informado pelo presidente da decisão de demitir Valeixo. O ministro avisou o presidente que não ficaria no governo com a saída do diretor-geral, escolhido por Moro para comandar a PF.

Em pronunciamento na manhã desta sexta em que anunciou sua demissão, o ex-juiz criticou a insistência de Bolsonaro para a troca do comando da PF, sem apresentar causas que fossem aceitáveis.

Moro afirmou ainda que Bolsonaro queria ter acesso a informações e relatórios confidenciais de inteligência da PF "Não tenho condições de persistir aqui, sem condições de trabalho." E disse que "sempre estará à disposição do país".

"Não são aceitáveis indicações políticas." O agora ex-ministro falou em "violação de uma promessa que me foi feita inicialmente de que eu teria uma carta branca". "Haveria abalo na credibilidade do governo com a lei."

Moro disse ainda ter o dever de proteger a instituição da PF, por isso afirmou ter buscado uma solução alternativa para o comando da corporação, o que não conseguiu. "Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não assinei esse decreto." O agora ex-ministro disse que isso foi algo "ofensivo" e que "foi surpreendido". "Esse último ato foi uma sinalização de que o presidente me quer fora do cargo."

Após o ex-juiz anunciar que faria o pronunciamento às 11h desta sexta, o Planalto enviou emissários para tentar convencer o ministro a ficar. Em vão. Moro não aceitou, mostrou-se irredutível. Nas palavras de um aliado, "os bombeiros fracassaram".

A exoneração de Valeixo foi publicada como "a pedido" dele no Diário Oficial, com as assinaturas eletrônicas de Bolsonaro e Moro. O nome do ex-juiz foi incluído no ato de exoneração pelo fato de o diretor da PF ser subordinado a ele. É uma formalidade do Planalto.

Explicação confusa de Bolsonaro reforça investigações – Editorial | O Globo

Os inquéritos não podem perder o foco na perigosa tentativa de captura da PF por uma família

O pronunciamento do demissionário Sergio Moro, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é de grande impacto sobre o presidente. Tudo o que se suspeitava sobre a intenção de Bolsonaro de interferir na PF para se proteger e aos seus foi confirmado por Moro. A “carta branca” que o presidente dera a Moro foi definitivamente cassada com a demissão “a pedido” — falsa, como denunciou Moro — do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.

Pelo relato do ex-ministro, o próprio Bolsonaro confirmou a ele que a intervenção na PF é política mesmo. Contou o ex-ministro que o presidente reclamava não poder telefonar para superintendentes regionais a fim de pedir informações e relatórios sobre investigações em andamento. Ou seja, deseja converter a PF em polícia pessoal, como se fosse um ditador típico do Terceiro Mundo, no figurino certamente daquele que manifestantes bolsonaristas querem que ele seja.

A resposta do presidente, dada em pé, à frente do ministério, no qual apenas o ministro da Economia, Paulo Guedes, usava a devida máscara, foi uma mistura confusa de prestação de contas, comício e explicações vagas demais para a gravidade dos relatos de Moro. Segundo o ex-ministro, já existe uma investigação na qual o presidente deseja interferir: o inquérito aberto no Supremo, a pedido da Procuradoria-Geral da República, sobre os subterrâneos que alimentam as manifestações antidemocráticas, favoráveis ao presidente. Que deve se juntar a um anterior, também presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, acerca da usina de produção de fake news contra adversários políticos. O clã Bolsonaro tem motivos para temer os inquéritos, tanto que o presidente se arriscou a pressionar Moro, e colheu grande prejuízo.

Moro sai atirando

Ex-juiz da Lava-Jato acusa Bolsonaro de intervir na PF; presidente rebate e fala em pressão por cargo no STF

PGR pede ao Supremo abertura de inquérito sobre possíveis crimes 

Ex-ministro apresenta prova de tentativa de interferência em investigação

Congresso e governadores reagem com preocupação e choque à nova crise

- O Globo

Ao anunciar sua saída do Ministério da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro, símbolo da Operação Lava-Jato e do combate à corrupção, fez acusações contundentes ao presidente Jair Bolsonaro, a quem imputou tentativas de interferência política na Polícia Federal (PF). A crise desencadeada por sua demissão, que pode ser um divisor de águas da era Bolsonaro, teve como estopim a exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, homem da confiança de Moro, que lembrou a promessa de “carta branca” que o presidente lhe fez ao nomeá-lo. Bolsonaro rebateu afirmando que “autonomia não é soberania”. Moro acusou Bolsonaro de tentar seguidas intervenções na gestão da PF e de desejar nomear para postos de comando pessoas “para quem pudesse ligar para colher informações”.

O presidente negou as acusações, mas admitiu que pedia relatórios diários da PF e que “implorava” por apuração da facada que sofreu em 2018. Segundo Moro, o presidente expressou “preocupação” com inquéritos em curso no STF. Ele se referia a investigações sobre disseminação de fake news e organização de atos contra a democracia, que podem atingir aliados e filhos de Bolsonaro. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que seja investigada a possível prática de seis crimes pelo presidente, entre eles falsidade ideológica, prevaricação e obstrução da Justiça. Panelaços foram ouvidos durante a fala de Moro e também quando Bolsonaro respondeu, no Planalto, ladeado por todos os seus ministros.

Ele acusou Moro de ter tentado barganhar uma vaga no STF em novembro, o que foi negado pelo ex-juiz. Ao Jornal Nacional, Moro exibiu mensagem de texto na qual o presidente se refere a diligências da PF como “mais um motivo para a troca” (no comando). No Congresso, no STF e entre governadores, as reações foram de choque e preocupação.

Confirmada no Diário Oficial da União logo no início da manhã de ontem, a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal (PF) por decisão do presidente Jair Bolsonaro precipitou não apenas a demissão do ministro mais popular da Esplanada, Sergio Moro, da Justiça, mas aprofundou uma crise que será divisora de águas no governo. Ato contínuo à mudança na PF, Moro convocou um pronunciamento no qual anunciou sua saída por causa da interferência política do presidente em sua gestão. O agora ex-ministro afirmou que o presidente pedia acesso a investigações da PF e que manifestou em conversas preocupação com inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF). Disse ainda que não assinou a exoneração de Valeixo, apesar de seu nome constar da primeira edição do D.O.. À noite, o governo publicou nova edição, sem a assinatura de Moro, e informou que houve um erro no texto anterior.

As acusações elevaram a outro estágio a crise política. Líderes políticos, entre os quais o ex-presidente Fernando Henrique, defenderam a renúncia de Bolsonaro.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao STF a abertura de inquérito para investigar possíveis crimes cometidos pelo presidente a partir do que foi dito por Moro. Seis horas depois da fala de Moro, Bolsonaro fez a sua defesa. Ao lado de ministros para mostrar apoio, e recebido com intensos panelaços em todas as regiões do país, o presidente negou ter pedido acesso a inquéritos em curso na PF. Disse ainda que tinha Moro como “ídolo”, mas que o ex-ministro age com o ego e tenta “botar uma cunha” entre ele e a população.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Sob o signo de Tânatos – Editorial | O Estado de S. Paulo

Presidente Jair Bolsonaro se inviabiliza no cargo ao se dedicar à destruição de inimigos, de aliados e, por fim, de si mesmo

O governo de Jair Bolsonaro é conduzido sob o signo de Tânatos, o deus da morte na mitologia grega. Dedica-se desde sempre à destruição – primeiro, dos inimigos, reais e imaginários; depois, dos próprios aliados, inclusive ministros que lhe devotavam lealdade; e, afinal, a si mesmo, inviabilizando-se como presidente. É preciso interromper essa escalada antes que Bolsonaro destrua, por fim, o próprio País.

A trajetória da Presidência de Bolsonaro até aqui é impressionante. No início, constituiu um Ministério até razoável, capaz de fazer um bom trabalho em quase todas as áreas, e informou que estabeleceria uma nova forma de relação com o Congresso, sem o velho toma lá dá cá. Um ano e pouco depois, Bolsonaro fez de seu gabinete uma grande barafunda, em que ninguém se entende, e, no Congresso, depois de seguidas derrotas por se negar ao diálogo, resolveu entabular negociação com partidos e políticos envolvidos em escândalos de corrupção, oferecendo-lhes cargos em troca de votos.

Pior: em meio a uma pandemia devastadora, com milhares de doentes e mortos e com o sistema hospitalar público à beira do colapso, Bolsonaro preferiu desdenhar das vítimas e se mostrar mais preocupado com sua popularidade do que com a vida de seus governados.

Música | Edu Lobo - Cirandeiro (part. Maria Bethânia)

Poesia | Vinicius de Moraes - Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…