sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Acordos comerciais com China são passo correto

O Globo

Ao recusar aderir à Nova Rota da Seda, Brasil mostra independência necessária para manter elo ocidental

Com a volta de Donald Trump à Casa Branca, a disputa entre Estados Unidos e China tem tudo para ficar mais acirrada. Trump deverá aumentar as barreiras comerciais a produtos chineses, reforçando o “desacoplamento” das duas maiores economias do mundo. Acabou há muito o tempo em que os dois países acreditavam num mundo de interdependência. Tanto que a política para a China implementada no primeiro mandato de Trump foi mantida sem grandes mudanças por Joe Biden. A partir de janeiro, é provável que o enfrentamento ganhe contornos inéditos. Nesse cenário, o desafio para países como o Brasil será manter o equilíbrio entre os dois polos, em busca do interesse nacional.

A assinatura de 37 acordos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o líder chinês Xi Jinping foi um passo correto na atual conjuntura. O Brasil firmou cooperações nas áreas de satélites, tecnologia nuclear, comércio (com a abertura do mercado chinês a quatro segmentos agrícolas) e projetos de infraestrutura. Mas, contrariando o interesse de Xi, não aderiu à Nova Rota da Seda, programa de investimento para expandir a influência chinesa no exterior que já gastou US$ 1 trilhão. Pagou um preço por isso: o mercado para carnes continuará restrito. Mesmo assim, isso pode ser negociado com o tempo.

Hora de ver quem são os democratas - Vera Magalhães

O Globo

Aqueles que devem seu sucesso eleitoral ao fato de terem sido ungidos por Bolsonaro precisarão se decidir se seguem sob suas bênçãos

Não é de hoje que a direita brasileira faz vista grossa às evidências de que Jair Bolsonaro em mais de um momento agiu para não passar o poder a Luiz Inácio Lula da Silva, se necessário abolindo a democracia. Mais que isso: parcela significativa do eleitorado brasileiro segue fidelizada ao ex-presidente mesmo diante da sua condenação à inelegibilidade e de tudo que foi revelado depois disso.

Mas o indiciamento de Bolsonaro, de vários ex-ministros e de 24 militares, entre eles generais e um almirante, dá uma dimensão muito maior à natureza autoritária do governo brasileiro de 2019 a 2022.

Faltou muito pouco, e a resistência um tanto acanhada de uns poucos personagens-chaves salvou o Brasil de ver um golpe sair das pranchetas e dos grupos de mensagens e ganhar as ruas.

Diante dessa constatação, que a inteireza do relatório da Polícia Federal, quando seu sigilo for levantado, tornará irrefutável, se coloca um novo dilema diante de políticos e eleitores que, até aqui, têm minimizado tudo o que já se sabe e sempre se soube sobre seu capitão: afinal, quem são os democratas no campo da direita brasileira?

Democracia deve aos brasileiros a punição dos golpistas – Flávia Oliveira

O Globo

O arbítrio, mais uma vez, confirma que não tem freios

Coube a um par de autoridades expressar com clareza o tamanho da ameaça, ora revelada, que rondou a democracia brasileira nos meses seguintes à eleição de 2022.

— Estivemos mais próximos do que imaginávamos do inimaginável — disparou um ainda perplexo presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, horas depois da prisão de quatro militares e um policial federal por envolvimento na trama golpista.

Titular da Secretaria de Comunicação do governo, Paulo Pimenta, em outro momento, completou o diagnóstico:

— Só não tivemos uma tragédia por um detalhe.

Homens treinados com dinheiro público para zelar pela segurança nacional e respeitar a Constituição arquitetaram, despudoradamente, plano para eliminar o presidente e o vice recém-eleitos, além da principal autoridade eleitoral do país, na intenção de manter no comando da nação o candidato derrotado nas urnas, um autocrata em construção. Reuniram-se na casa de uma autoridade, imprimiram documentos no Palácio do Planalto, trocaram mensagens em aparelhos móveis, monitoraram o presidente do TSE e o tocaiaram.

Bolsonaro conspirou para trair a Constituição - Bernardo Mello Franco

O Globo

Dizendo-se patriotas, militares se apropriaram de símbolos nacionais para articular golpe

Em julho de 2022, Jair Bolsonaro convocou sua tropa para uma reunião no Planalto. Queria discutir o que fazer em caso de derrota nas urnas. “Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas”, defendeu o general Augusto Heleno.

O militar tinha papel central na engrenagem do golpe. Estava escalado para comandar um “gabinete de crise”, que teria poderes para anular a eleição e prorrogar ilegalmente o mandato do chefe.

Entre a vitória e a posse de Lula, o país esteve à beira de uma ruptura institucional. Bolsonaro conspirou contra a democracia para se manter no poder sem votos. “Estivemos próximos do inimaginável”, resumiu o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso. Referia-se a fatos que vieram à tona nesta semana, ao fim de uma longa investigação da Polícia Federal.

A trilha de ‘sherpas’ de Lula rumo a 2026 - Andrea Jubé

Valor Econômico

Presidente fez novo aceno ao equilíbrio das contas públicas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao fim de uma semana marcada pela revelação de um plano com detalhes estarrecedores para dar cabo de sua vida, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes com uma postura altiva e um discurso racional na política e na economia, em meio à expectativa pelo pacote fiscal.

No primeiro pronunciamento público após as graves revelações do relatório da Polícia Federal, ele comemorou o consenso alcançado na declaração final da cúpula do G20, presidida pelo Brasil, celebrou os 37 acordos assinados durante a visita oficial do presidente da China, Xi Jinping, renovou o apelo pela volta da normalidade democrática, e restabeleceu o compromisso com o equilíbrio fiscal, às vésperas do anúncio do pacote de cortes conduzido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Indiciamento fecha porta para a anistia - César Felício

Valor Econômico

Desfecho jurídico está distante, mas consequências políticas são imediatas

O inquérito policial que indicia o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas na investigação sobre golpe de Estado por si só tem um significado limitado. Juridicamente, é “o começo do começo do começo do início”, conforme postou ontem em sua rede social o advogado Augusto de Arruda Botelho, ex-secretário nacional de Justiça. Afinal, ainda se requer que a denúncia seja apresentada pela Procuradoria-Geral da República e que eventuais medidas cautelares sejam decididas posteriormente pelo relator da matéria no Supremo Tribunal Federal, Alexandre Moraes, para que o caso se aproxime do momento de um desfecho. Politicamente, contudo, o simples indiciamento gera consequências imediatas.

Uma delas é que agora se tem um sinal definitivo de qual é o universo de personagens deste enredo e de que todas as frentes contra Bolsonaro devem se interligar em um movimento único, da venda de joias à contestação do resultado eleitoral, passando pela conspiração para eliminar autoridades, minutas do golpe e depredação das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro. O circuito se fecha.

A favela em números - José de Souza Martins

Valor Econômico

Embora a favela seja um modo socialmente degradante de morar na cidade, é, também, um lugar de criatividade social

O IBGE divulgou os dados do Censo Demográfico de 2022 relativos ao que é um Censo das Favelas e Comunidades Urbanas. Como sugeriu Francisco de Lima, o Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (Cufa), o censo permitirá ao Estado tratar dos problemas das favelas de maneira socialmente apropriada. Uma liderança desse porte já é um fato auspicioso, que liberta o assunto das improvisações impressionistas do senso comum.

É significativo que a conceituação desses conjuntos urbanos voltem a ser definidos como “favelas”, depois dos esforços para redefini-los como “comunidades”. Os números do Censo mostram que há poucas discrepâncias entre as favelas e o país. Também nelas repete-se a diversidade social, diferenças e diversificações que as diferenciam do que a sociologia define como “comunidade”.

A direita na porta da cadeia – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Mais do que rever nomes, deve haver revisão de alianças e até de relação com Lula 3

Acreditar que Jair Bolsonaro pudesse ser candidato a presidente da República em 2026 era risco óbvio para quem aderisse à ideia, na prática. Mas também era ou talvez ainda seja um projeto. O plano unia a extrema direita no Congresso e nas redes a partes dos centrões e direitões na Câmara e no Senado.

A convergência de propósitos criava alguns empecilhos para outras candidaturas a presidente em 2026, a começar por limitar adesões imediatas, um início de discussão de acordos e testes mais sérios de nomes. Talvez fosse impedimento temporário, mas impedimento havia.

Bolsonaro era o chefe da trama golpista – Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Ex-presidente exerceu liderança direta, tomou decisões e deu voz de comando para execução de pontos críticos da conspiração

O indiciamento de Jair Bolsonaro, ex-ministros e generais atinge em cheio o alto comando da trama golpista. As investigações reuniram provas de uma ação orquestrada, articulada dentro do Palácio da Alvorada, com a participação direta do então presidente. Mais do que isso: sobram elementos para enquadrar o capitão como chefe da conspiração.

As provas colhidas pela Polícia Federal apontam que Bolsonaro exercia o papel de líder da tentativa de golpe. Ele foi responsável por dar forma final ao decreto que deveria melar as eleições e lançar o país num estado de exceção. O então presidente convocou comandantes militares para discutir uma intervenção armada e se reuniu pessoalmente com o general que coordenava um plano terrorista.

'Kids pretos' para a história – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

O plano pode ter sido levado a Bolsonaro para sua rubrica em cada página e assinatura na última

Alguém já perguntou certa vez: "Suponha que você dê uma revolução e ninguém apareça?". Em novembro de 1935, levantes precipitados no Nordeste fizeram Luiz Carlos Prestes, com menos de 100 seguidores, tentar um golpe armado no Rio contra o governo de Getulio Vargas. O golpe fracassou —as tropas que deveriam se insurgir nos quartéis não acharam boa ideia e as grandes massas, sem saber de nada, também não se mexeram. Getulio aproveitou para prender e torturar milhares em todo o país.

Situação de Bolsonaro é pior do que a de Trump - Igor Gielow

Folha de S. Paulo

Se apuração chegar a julgamento, futuro político do ex-presidente estará em risco

A dupla hélice que entrelaça as histórias políticas de Jair Bolsonaro e Donald Trump, os próceres do populismo de direita nas Américas, é marcada por um ritmo no qual fatos em torno do americano sempre se repetiam dois anos depois, respeitando o ciclo eleitoral de cada país.

Foi assim na ascensão e na queda de ambos, e também na explosão golpista que sucedeu suas debacles nas urnas, seja o 6 de janeiro de 2021 no Capitólio ou o 8 de janeiro de 2023, na praça dos Três Poderes.

Com isso, um bolsonarista desavisado pode dizer que o indiciamento do ex-presidente nesta quinta (21) antecede uma volta por cima, como ocorreu com o americano, que chegou a ser condenado num caso de fraude fiscal neste ano antes de ser colocado novamente na Casa Branca.

Bestializado - Simon Schwartzman

O Estado de S. Paulo

A pergunta que fica é se grandes mobilizações de pessoas e recursos como a reunião do G-20 produzem resultados que justificam o esforço, ou se são exemplo de turismo diplomático

José Murilo de Carvalho, em Os Bestializados, lembra como o povo, sem saber do que se tratava, assistiu à mobilização dos militares que implantaram a República em 1889. Foi assim que me senti ao acompanhar de perto, na zona sul do Rio de Janeiro, as grandes movimentações da reunião do G-20, só comparáveis às da Olimpíada e da Copa do Mundo em 2014 e 2016. Mais uma vez o Brasil, e especialmente o Rio de Janeiro, se colocava no centro do mundo, e eu, tão pertinho, não havia sido convidado...

Não é que o povo, desta vez, tivesse ficado totalmente de fora. A Cúpula Social do G20, alguns dias antes, contou com a presença de milhares de participantes de 271 entidades da sociedade civil, que em três dias aprovaram um documento que foi encaminhado ao presidente Lula da Silva para ser incluído na pauta da reunião. Além disso, inúmeros grupos de trabalho e de engajamento foram mobilizados, e a declaração final foi um documento com 85 recomendações e compromissos assinados pelos chefes de Estado das maiores economias do mundo, sob a coordenação do governo brasileiro. A proposta de taxação das grandes fortunas não foi aprovada, mas em compensação ficou registrada a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Fala-se em mais de US$ 40 bilhões a serem mobilizados até 2030, com recursos já existentes em agências como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e outros a serem levantados. Para gerenciar a aliança, o Brasil desde já vai financiar a instalação de um escritório em Brasília e outro em Roma. Um grande sucesso, e mais uma vez não só a Europa, como também o mundo, se curvam diante do Brasil.

A arte de escapar dos cortes - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

O Brasil não reduz os custos da máquina porque as forças que se beneficiam dela não deixam

Neste momento, o tema corte de gastos públicos subiu na agenda tanto aqui como nos EUA. Eleito, Donald Trump designou Elon Musk para comandar o processo no qual pretende economizar US$ 2 trilhões. Será possível? A que custo, em termos políticos?

Parece que a tática de Musk é a de cortar o máximo, errar por excesso, nunca por timidez.

No caso brasileiro. O corte de gastos públicos parece um consenso, restando apenas a grande dúvida: cortar para cima ou para baixo? Supersalários, máquina dispendiosa, fantásticos subsídios às empresas. O panorama nas alturas é animador para quem maneja a tesoura.

Uma vez golpista… - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Jair Messias Bolsonaro chega ao fim de sua trajetória pública como começou, ainda como um jovem oficial do Exército: acusado de atentados. Na década de 1980, foi condenado e ficou preso 15 dias por decisão unânime de um conselho militar, sob acusação de tentativa de explodir prédios militares e públicos. Quarenta anos depois, é indiciado pela Polícia Federal por tentar explodir a democracia brasileira.

Por mais aterrorizantes que sejam o planejamento e os passos concretos para assassinar o presidente e o vice-presidente legitimamente eleitos e o presidente do TSE, ninguém diga que foi surpresa. Bolsonaro não foi apenas flagrado no início da carreira militar, até com um croqui para explodir prédios do Exército, como passou toda a sua vida política ameaçando a democracia e as autoridades e poderes constituídos.

Bolsonaro e generais encabeçam lista da PF – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Segundo a PF, estivemos muito próximos de um golpe militar. Foram dois anos de investigações, encerradas ontem, para chegar a Bolsonaro e aos militares

O ex-presidente Jair Bolsonaro; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno; o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa Walter Souza Braga Netto; o ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos; o ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin) Alexandre Ramagem; o ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército e general de Exército Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e tenente-coronel do Exército Mauro Cid, e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, estão entre os 37 indiciados pela Polícia federal (PF) por tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

Aceitem a democracia! Como assim? - Orlando Thomé Cordeiro

Correio Braziliense

Não bastasse o plano em si, descobriu-se que reuniões para planejamento dos crimes

O mês de novembro está sendo marcado por inúmeros acontecimentos importantes, no Brasil e no mundo. Logo na primeira semana, ocorreu a esmagadora vitória de Trump nas eleições norte-americanas, fazendo maioria no voto popular, no Senado e na Câmara e provocando muita preocupação para as democracias ocidentais. 

Por aqui, foi possível ler um artigo assinado pelo ex-presidente, publicado na edição de segunda-feira, 11, da Folha de S. Paulo, com o título Aceitem a democracia. Claro que, ao nos depararmos com o título e sua conclamação à aceitação, poderíamos ter diversas reações. A minha foi querer enviar para ele uma caixa de óleo de peroba para lustrar a cara de pau daquele que se recusa, até hoje, a reconhecer o resultado eleitoral de 2022. Aliás, o subtítulo poderia ser "me engana que eu gosto".

Poesia | Traduzir-se, de Ferreira Gullar

 

Música | Marisa Monte - Feitio de Oração (Noel Rosa)

 

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

G20 traz mistura de celebração e resignação

O Globo

Ainda que declaração final tenha sido tímida, é essencial haver espaço onde líderes globais possam dialogar

Quando foi criado, em 2008, o G20 — grupo que reúne as 19 maiores economias do planeta, mais União Europeia e União Africana — se revelou um fórum crucial para debelar a crise financeira sem precedentes que abalava o mundo. Reunindo 85% do PIB global e 75% do comércio mundial, o grupo tinha legitimidade para pôr em marcha decisões que teriam custo alto demais para cada país individualmente, mas eram necessárias coletivamente. Passada a crise aguda, porém, a diversidade de regimes políticos e interesses econômicos passou a impor dificuldades crescentes às decisões de impacto do grupo. Nem na pandemia o G20 teve papel de destaque. De lá para cá, cada reunião tem produzido um misto de celebração quando se alcança algum consenso e resignação com seu caráter necessariamente limitado e insatisfatório.

Não foi diferente no encontro realizado nesta semana no Rio de Janeiro. No entender do Itamaraty, o documento final foi um sucesso. Incorporou a ideia brasileira da aliança contra a fome e a pobreza, mencionou a necessidade de reforma na governança global, defendeu a taxação sobre grandes fortunas, reconheceu a gravidade da mudança do clima e a necessidade de elevar a participação das mulheres na economia e na vida pública. Certamente a deslumbrante paisagem carioca contribuiu para impressionar os chefes de Estado e suas delegações, e a cooperação da população local com os transtornos inerentes ao encontro resultaram num evento sem sobressaltos. Mas os efeitos práticos serão pequenos.

Fracasso não desculpa golpistas - Merval Pereira

O Globo

É assustador saber que, dentro do Palácio do Planalto, havia gente colaborando com tentativas de assassinatos e golpes. Não apenas os integrantes do gabinete do ódio, mas também os do gabinete presidencial participavam dessas operações criminosas

É estranho que a primeira reação dos bolsonaristas tenha sido dizer, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro, que planejar um crime não é crime. Pode ser que, legalmente, quando se trata de um crime comum, seja essa a conclusão jurídica. Mas, no caso do plano de um golpe de Estado, toda a movimentação, mesmo que os autores não consigam concretizar o objetivo, é uma conspiração contra o Estado de Direito e deve ser considerada como tal pela Justiça. Uma conspiração não pode passar impune porque não deu certo.

Os militares, alguns da ativa, envolvidos nessa trama não podem ser liberados apenas porque a tentativa não deu certo. Muito menos é razoável tentar afirmar que a trama que vai sendo revelada é uma invencionice política do governo atual, quando o relato que baseia as acusações foi feito pelos próprios envolvidos, em documentos que deixaram para trás, arquivados em computadores ou telefones celulares.

O risco maior da impunidade - Míriam Leitão

O Globo

Quantos mais participaram da tentativa do golpe, além dos militares já presos? O inquérito tem que chegar a todos os envolvidos na trama

Dois anos depois de terem tramado matar o presidente da República, o vice-presidente e o então presidente do Tribunal Eleitoral, eles estavam todos soltos. Três dos militares presos na terça-feira são da ativa no Exército. Um deles, o tenente-coronel Rodrigo Azevedo, é oficial do Estado Maior e do Comando das Operações Especiais. Veio ao Rio e pediu para “visitar o planejamento” da GLO do G20. Tudo é estarrecedor nos documentos divulgados na operação "Contragolpe", mas esse detalhe de Azevedo é inquietante. Ele permanecia dissimulado com poder e influência. Quantos mais?

“Os investigados continuam a exercer seus postos no Exército e na Polícia Federal, salvo o general da reserva Mário Fernandes, que, entretanto, possui grande ascendência em relação aos kids pretos”, diz o texto da decisão de Alexandre de Moraes, citando o pedido de prisão da Polícia Federal.

O golpe e as quatro linhas - Malu Gaspar

O Globo

O plano revelado pela operação que prendeu nesta semana um general, um coronel, dois majores e um policial federal acusados de tramar um golpe de Estado no final de 2022 pode parecer delirante — e é. Não quer dizer que não deva ser levado a sério.

A história do submundo militar está cheia de tramas ousadas e amalucadas. Se tivesse ocorrido de forma isolada, a viagem da tropa do general Olímpio Mourão de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro teria sido uma quartelada sem maiores consequências, e não o ato inicial do golpe de 1964.

Anos depois, quando o fim da ditadura era questão de tempo, outro grupo de militares desembestados planejou detonar bombas durante um show do Dia do Trabalhador, no Riocentro. A intenção era incriminar a oposição e sabotar a redemocratização, mas a única vítima fatal foi um sargento que estava no carro onde um dos artefatos explodiu.

Diante desse histórico, não surpreende que uma facção fardada tenha trabalhado até o final do governo Bolsonaro para impedir a posse de Lula — mesmo que, para isso, fosse necessário sequestrar Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e envenenar o presidente e o vice-presidente eleitos.

Brasil fica mais perto da nova Rota da Seda – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Os chineses tentam atrair a adesão do Brasil ao programa há anos. Até agora, os governos brasileiros resistiram, por razões econômicas e geopolíticas

O Brasil está mais perto da Rota da Seda, ou vice-versa, com a assinatura de 37 novos acordos bilaterais com a China, no encontro entre o presidente chinês Xi Jinping e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a visita de Estado do líder asiático, que foi recebido com honras militares no Palácio da Alvorada, residência oficial. Eles se reuniram a portas fechadas com a participação de diversos ministros de ambos os países. Os acordos alcançam as seguintes áreas: agricultura, comércio, investimentos, infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, ciência e tecnologia, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde, educação e cultura.

Lula destacou que, apesar das distâncias geográficas, há meio século China e Brasil "cultivam uma amizade estratégica, baseada em interesses compartilhados e visões de mundo próximas". Maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, o comércio com a China teve, em 2023, o recorde histórico de US$ 157 bilhões. "O superavit com a China é responsável por mais da metade do saldo comercial global brasileiro", lembrou Lula. Para Xi Jinping, a relação entre os dois países vive o seu melhor momento na história.

Por trás do lobo solitário - Cristovam Buarque*

Correio Braziliense

Não existe lobo solitário: mesmo quando usa apenas suas mãos sem apoio externo, a mente isolada foi inspirada por aqueles que promovem o terror moral

Há meses, Donald Trump vem divulgando a ideia de que os Estados Unidos estão sendo invadidos por estrangeiros que, segundo ele, matam e comem animais de estimação dos cidadãos norte-americanos, tomam seus empregos e ocupam seus espaços urbanos. Não será necessário que o presidente ou auxiliar ordene: o ódio tomará corpo contra os imigrantes. Não faltarão pessoas influenciáveis para exercerem o papel de lobos solitários do terrorismo. Não farão necessariamente parte de conspiração organizada, serão ações isoladas, mas induzidas. Os lobos podem ser solitários, mas conectados.

Golpismo bolsonarista vem dos porões da ditadura - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Tramas reveladas pela PF expõem necessidade de cordão de isolamento entre a política e as Forças Armadas

As investigações da Polícia Federal acerca das tramas golpistas no entorno de Jair Bolsonaro vão confirmando o que já se sabia: o ex-presidente é um filhote dos porões da ditadura militar, discípulo e admirador de Carlos Brilhante Ustra e da facção de torturadores e fanáticos que viviam nos subterrâneos tenebrosos do regime e acabaram derrotados durante seu processo de decadência.

Mentiroso contumaz, sádico e inimigo da democracia, Bolsonaro foi acusado de indisciplina em campanhas por ganhos salariais no Exército e de tramar explosões de bombas para desestabilizar os comandos. Foi considerado culpado por uma junta de três coronéis e depois absolvido por 8 a 4 pelo Superior Tribunal Militar, numa decisão acochambrada, que antecedeu sua saída da Força.

Os que não viveram para ver – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Tom Jobim, Millôr e Cony já não levavam muita fé no Brasil e não viveram para ver Bolsonaro

A realidade não para de desmoralizar a ficção. A ficção científica, então, nem se fala —longe vão os tempos em que, para nosso deleite e admiração, seus romancistas viajavam a planetas impossíveis, aboliam o espaço/tempo e bolavam as piores formas de destruir a Humanidade. Hoje, Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Robert Heinlein não seriam admitidos nem como estagiários na Altair, filial da sueca Morbius dedicada à substituição dos neurônios no cérebro humano por impulsos algorítmicos pela inteligência artificial.

Antes da meia-noite na segurança pública - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Não faltam sinais de que estamos mergulhando na treva, enquanto o crime organizado muda de escala

Alejandro Arcos foi morto e decapitado seis dias depois de se eleger prefeito de Chilpacingo, no estado mexicano de Guerrero. O crime escancarou a força de cartéis da droga, estrategicamente ali instalados, às margens do oceano Pacífico. Os estudiosos da questão debatem quando a situação saiu do controle no país. No livro "Midnight in Mexico" (Meia-Noite no México), o jornalista Alfredo Corchado narra o que chama de descida do país rumo às trevas com as mudanças das políticas do governo federal em relação às drogas –da tolerância mutuamente proveitosa entre os políticos do PRI (Partido da Revolução Institucional) e os chefões dos cartéis à fracassada guerra às drogas quando o PAN (Partido de Ação Nacional) chega ao poder. Ao mesmo tempo, o autor vai acompanhando as trágicas transformações da cidadezinha onde nasceu, na fronteira dos Estados Unidos, trazidas pela chegada do narcotráfico.

O Brasil e o capital chinês - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pressionada por EUA e cia., China dirige mais investimento para países em desenvolvimento

Brasil e China divulgaram um desses comunicados café com leite de encontros bilaterais —aqueles acordos de cooperação vagos. Mas pode ter carne nesse cardápio.

A China tem mudado o endereço de seus investimentos. Em 2017, 3 dos 10 maiores destinos de capital chinês eram "países em desenvolvimento". De 2018 a 2022, passaram a ser algo em torno de 5. Em 2023, 9 de 10. Os dados foram compilados pela Câmara Empresarial Brasil-China.

Em 2018, Donald Trump declarou guerra comercial contra a China. Como é sabido, as restrições americanas e do Ocidente a negócios com os chineses vão além.

Não estamos à beira de receber jorro de capital chinês. Para começar, esse fluxo amainou em anos recentes, por causa da epidemia, de Jair Bolsonaro e porque o PIB brasileiro se arrastava na poeira. Além do mais, o dinheiro não virá por graça política. A condição necessária é a de sempre: estabilidade econômica, perspectiva de crescimento e barganhas.

Lula recupera a posse da bola - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Êxitos na política externa e constrangimento da extrema-direita favorecem o governo na preparação do terreno para o segundo biênio

A primeira-dama queimou a largada acocorando-se para ofender Elon Musk, e 34 chefes de Estado, o maior quórum de uma reunião do G20, acordaram com a notícia de que a segurança do evento estava sendo provida por militares que chegaram a fazer planos para envenenar o colega anfitrião. Parecia que tudo ia dar errado para um presidente que pretendia fazer uma retumbante estreia na trilha dos grandes eventos mundiais que presidirá - COP30 e Brics acontecerão em 2025-, mas a emenda saiu melhor que o soneto.

Janja da Silva recebeu uma reprimenda pública inédita do marido ao mesmo tempo em que o Brasil anunciava entendimentos com a China para buscar alternativas à Starlink de Musk. A notícia de que o G20 estava salvaguardado por golpistas se provaria falsa e a operação policial que ameaçava ofuscar o evento acabou trazendo dividendos externos e internos para o governo.

Busca de monitoramento com a China no comércio - Assis Moreira

Valor Econômico

Exportações da China para o Brasil cresceram 24,9% de janeiro a outubro deste ano, a maior alta nas vendas para grandes parceiros

A criação de um mecanismo de diálogo rápido com a China para monitorar disrupção nos fluxos de comércio entrou no radar, em Brasília, refletindo a preocupação com uma escalada de guerra comercial a partir de 2025.

As conversas com os chineses ganharam força no pós-eleição de Donald Trump, com as suas ameaças de impor sobretaxas de 60% sobre produtos chineses e de 20% sobre os de outros países e o risco de que sejam reproduzidas por outros mercados relevantes. Não se esperava algo concreto, ainda, na visita de Xi Jinping ao Brasil, ontem.

Se os Estados Unidos frearem a entrada de parte dos US$ 430 bilhões em produtos que importam da China a cada ano, as empresas chinesas tentarão, evidentemente, vendê-los para outros países, repetindo uma estratégia bem-sucedida quando Trump deflagrou a primeira guerra comercial, em 2018.

Quem fez a cabeça de quem - William Waack

O Estado de S. Paulo

Politização das Forças Armadas é o pano de fundo de esquema de golpe apontado pela PFs

A frase para se entender como oficiais de alta patente se envolvem em esquemas de golpe como o que a Polícia Federal afirma ter desvendado seria aquela de Bolsonaro: “o Exército é meu”. Não era nem nunca foi, mas os comandantes militares deixaram parecer que fosse.

Está nessa complacência a raiz da indisciplina e insubordinação, que sempre acompanham a politização de forças armadas. Contudo, a complacência de chefias militares diante da erosão da própria instituição não foi uma atitude deliberada ou talvez sequer consciente.

Já tinham perdido a mão quando decidiram não punir o general Pazuello por participar de ato político em 2021. O comando formal da arma manteve-se intacto mas a autoridade do comando esvaiu-se.

A economia à espera de Godot - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

O (futuro) pacote fiscal soa quase tão enigmático quanto o insondável personagem de Beckett. Mas há diferenças essenciais

Na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, uma dupla espera Godot num esforço quase descomunal, além de confuso. O pacote de cortes de gastos do ministro Fernando Haddad não é Godot, tampouco o mercado financeiro deveria exasperar-se e confundir-se tanto. Cabe ao governo apresentar medidas concretas para reequilibrar as contas públicas.

O compromisso político em torno de uma regra fiscal bastante razoável, o chamado novo arcabouço fiscal, veio no ano passado com a aprovação e promulgação da Lei Complementar n.º 200/2023. O desafio, agora, é providenciar as ações necessárias para que as receitas e as despesas se comportem de acordo com a lei.

Do lado das receitas públicas, o Ministério da Fazenda conseguiu aprovar uma série de ações, no Congresso, incluindo a revisão de um iníquo benefício fiscal baseado no ICMS, antes abatido pelas empresas na hora de apurar o lucro.

Para ter claro, aquele regime erodia a arrecadação de tributos federais com incidência sobre o resultado das empresas. Formadores de opinião que costumam criticar os chamados gastos tributários exibiram um silêncio ensurdecedor ao não elogiar essa ação. Curioso.

Salário mínimo não é a maravilha que Lula imagina - Roberto Macedo

O Estado de S. Paulo

Presidente ignora o efeito do salário mínimo na ampliação do mercado de trabalho informal

Escrevi este texto na última terça-feira e ainda não havia sido divulgado o pacote fiscal que o governo federal pretende anunciar. Mas já havia uma novidade, pois vieram várias notícias, inclusive num editorial deste jornal na segunda-feira passada, de que o governo desta vez pretende estabelecer alguma restrição sobre a regra de reajuste anual do salário mínimo, que é a de um aumento pela inflação passada mais a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Essa segunda parte da regra foi instituída por Lula da Silva, mas tem um custo muito alto. Nesse editorial é apontado que “cada R$ 1 a mais no salário mínimo gera um aumento de despesas de R$ 422 milhões no Orçamento”. Lembro-me de ter lido em algum lugar que essa segunda parte teria anulado boa parte da poupança obtida com a reforma previdenciária de 2019.

A necessidade de superar o capitalismo - Cláudio Carraly*

O sistema capitalista, que tem sido o motor econômico dominante por séculos, está atualmente sob intenso escrutínio devido aos seus impactos cada vez mais negativos na sociedade. Esses impactos vão desde a crescente degradação ambiental até a desestabilização do bem-estar social, portanto, é imperativo explorar a urgente necessidade de transcender o sistema capitalista em prol do avanço e prosperidade da comunidade global. Isso requer uma abordagem inclusiva, que não apenas aponte os problemas inerentes ao modo de produção capitalista, mas também destaque alternativas viáveis e soluções para uma sociedade mais justa e sustentável.

Sob qualquer perspectiva realista, a disparidade econômica e social exacerbada pelo capitalismo é considerada inaceitável, a concentração de riquezas e poder nas mãos de poucos contradiz os princípios de igualdade e dignidade para todos os indivíduos. Surge, então, a pergunta: como podemos equilibrar a busca pela eficiência econômica com a necessidade de garantir justiça social e equidade?

Poesia | Evocação do Recife, de Manuel Bandeira

 

Música | Evocação Nº 2 - Coral Edgar Moraes

 

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O barulho dos ausentes - Bernardo Mello Franco

O Globo

Donald Trump e Vladimir Putin não saíram na foto diante do Pão de Açúcar nem provaram as caipirinhas oferecidas aos líderes globais no Museu de Arte Moderna. Mesmo assim, encontraram suas maneiras de tumultuar a reunião do G20 no Rio.

O presidente da Rússia cancelou a viagem por um motivo singelo: poderia ir em cana se pisasse em solo brasileiro. Putin é alvo de mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional. Para evitar uma surpresa indesejada, preferiu ficar em Moscou.

Apesar da distância de 11 mil quilômetros, o mandachuva do Kremlin se fez notar no Parque do Flamengo. Às vésperas do encontro, autorizou um bombardeio a centrais elétricas da Ucrânia. A ofensiva irritou países europeus e quase melou a declaração conjunta do G20.

Imigrantes e patriotas – Roberto DaMatta

O Globo

O estrangeiro não é apenas um intruso ilegal. Ele é um intrometido que idealiza e admira o país que o acolhe

Espanta-me o signo-lema que elegeu Donald Trump. O mote isolacionista e literalmente reacionário “Make America Great Again” (Torne a América grande novamente) — um slogan agressivo, explicitamente nacionalista e exclusivista no melhor estilo autocrático. O Maga (na sigla em inglês) de Trump é, sem sombra de dúvida, o primeiro degrau de um neofascismo cujo sintoma é a cruel deportação em massa de imigrantes “ilegais”. Como se fosse “legal” largar nosso lugar de nascimento — a terra por onde entramos como atores passageiros neste terrivelmente maravilhoso Vale de Lágrimas. Este vale que a ideologia trumpista quer transformar num inferno, pois imigrar é um movimento dramático, que suplanta escolhas turísticas.