domingo, 18 de outubro de 2009

Cidade móvel

Maria Alice Rezende de Carvalho
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / +MAIS

CHEGADA AO RIO DE JANEIRO É DESCRITA COMO UMA MIRAGEM, SUGERINDO UMA CIVILIZAÇÃO PROVISÓRIA E AINDA POR FAZER

Natureza, brandura e favelas conformariam a alma da metrópole

O Rio de Janeiro não se revela imediatamente. Na entrada da baía de Guanabara veem-se, primeiro, o contorno das montanhas e as pequenas enseadas. Divisa-se, a seguir, Copacabana. À frente, há que ultrapassar o Pão de Açúcar, as praias de Botafogo e Flamengo, a Ilha das Cobras, a Ilha Fiscal para, só então, avistar-se a "massa vertical dos arranha-céus".

O Rio de Janeiro não é como Nova York, que se impõe aos navegantes como um fato.

É, antes, uma sucessão de dobras e miragens, que varia ao sabor das diferentes perspectivas. Com essa descrição da chegada ao porto do Rio, Stefan Zweig traduz sua impressão da cidade e do país: nada, nessa nova civilização, se mostra acabado; tudo é móvel, provisório, tem-se a sensação de viver no que ainda se desenvolve.

Em "Brasil - Um País do Futuro", a questão, portanto, não é a aposta em um ponto de chegada, a profecia do nosso êxito, e sim o destaque das virtualidades contidas naquele deslizar macio da nossa trajetória. Macio, diga-se de passagem, mesmo sob a ditadura de Vargas! E o Rio de Janeiro, espelho da inacabada civilização brasileira, é o lugar de onde se avistariam mais facilmente as potencialidades e vicissitudes dessa jornada.

Bondes e prostíbulos

Em 1941, ano da publicação do livro, eram três, segundo Stefan Zweig, as principais características da capital do Brasil: uma natureza extraordinária, na sua diversidade e harmonia, uma sociedade muito heterogênea, porém branda, e alguns artefatos notáveis, em via de extinção: os bondes, os prostíbulos localizados no mangue e as favelas.

Desses últimos, restaram as favelas, que são a prova da heterogeneidade social do Rio de Janeiro e a consequência de um desenvolvimento urbano deixado à iniciativa de famílias pobres.

Em resumo, natureza, brandura e favelas conformariam a alma da cidade, a fonte de suas possibilidades, sua energia, para dizer o mínimo. Comparada às modernas cidades da Europa, a capital brasileira, para muitos, careceria de civilização.

Mas Zweig avisa que a guerra alterara o sentido e o valor que atribuía àquela palavra. Já não lhe interessavam os números, a matemática inerente ao progresso europeu, pois a mais elevada organização social não impedira a germinação da barbárie. Prendia-se, agora, à esperança de que hábitos simples de cidade regenerassem o mundo devastado.

Essa força moral é o que o atraiu ao Rio e ali o reteve durante um Carnaval -a força da alegria coletiva, da população reunida nas ruas, da dissolução de todas as diferenças, "da liberdade orgíaca de descomedir-se" e voltar ao seu estado anterior, porém mais forte, mais assenhoreado do seu corpo e do seu espaço na cidade. Essa, talvez, a percepção mais aguda de Zweig e aquela que mais fortemente dialoga com o presente, pois a trajetória do Rio de Janeiro evidencia uma perene negociação quanto à forma, a extensão e as traduções desse hábito de cidade "vis-à-vis" a ética prevalecente nas sociedades mercantis de massa.

Alegria, alegria

O que se chama de etos de cidade é, simplificadamente, um modo de vida que não separa, antes amalgama, diferentes dimensões da experiência urbana. No mundo moderno, é possível encontrá-lo nas turbulentas repúblicas italianas, que antecederam em dois séculos a emergência do mercado autorregulado e das formações urbanas, como as conhecemos disseminadas por todo o planeta. Por isso, falar hoje ou no século 20 de hábitos de cidade significa valorizar experiências sociais coletivas e nutridas por paixões diversas, como poder ou lealdade, e não apenas pelo interesse.

A crítica de Zweig à "ambição civilizadora europeia" segue essa trilha e faz do Rio de Janeiro um ambiente encantado. Com valores como a solidariedade e a alegria, "é mais fácil ser pobre aqui do que noutra grande cidade".

Mas, visto da terra, invertida, portanto, após quase sete décadas, a perspectiva de Stefan Zweig, qual é o Rio de Janeiro? Um Rio que se diz idêntico ao que ele inventou. Já não é a capital do país. Mas, em tudo o mais, repete, com as atualizações devidas, a tríade mítica -natureza, brandura e favelas-, fartamente acionada, como se viu, na campanha que o levará a sediar a Olimpíada de 2016.

Com a diferença de que agora, perdida a inocência de todo objeto, nós somos sujeitos dessa nomeação e deveremos ter com ela compromissos mais firmes e democraticamente pactuados.

Assim, oxalá, como país do futuro, o Brasil mantenha aberta sua pauta civilizatória e 2016 não represente um ponto de chegada. Oxalá possamos dizer que é mais fácil viver aqui do que em qualquer outro lugar.

Maria Alice Rezende de Carvalho é professora do departamento de sociologia e política da Pontifícia Universidade Católica (RJ) e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs).

É preciso abrir o olho

Moacir Góes
Diretor de teatro e cineasta
DEU EM O DIA


Não podemos ter posição dúbia sobre valores como a liberdade de imprensa

Rio - É preciso ficar de olho aberto. Jacaré que dormiu, virou bolsa. Na semana passada, ao apagar das luzes de um parlamento que já foi desqualificado pelas urnas, o governo argentino aprovou uma lei que enfraquece a liberdade da imprensa e a livre iniciativa no mercado de comunicação.

O alvo imediato é o grupo Clarin, considerado como não alinhado ao governo, mas o ato é a expressão da sanha totalitarista. São os ventos que sopram das veias abertas da América Latina, que enchem as velas do comandante Hugo Chávez, presidente da Venezuela, e as naus de seus parceiros. Por aqui, tem gente vibrando e sonhando com ações semelhantes. É só dar uma lida em vários sites na internet.

O mundo está mudando numa velocidade alucinante; a comunicação e os negócios não mais reconhecem barreiras; o comportamento alarga valores arraigados e a ação política, principalmente na nossa América, ainda é pensada a partir do esclerosado embate entre esquerda e direita, a luta de classes e o ódio antiamericano.

Sempre em nome do povo e da igualdade, todo pensamento totalitário acaba por fazer estragos na democracia e cavar imensas valas para sepultar cadáveres. A liberdade de imprensa e a livre iniciativa incomodam porque são alicerces do Estado de Direito, conquista do indivíduo.

Não há como tergiversar: ou defendemos isso como valores constitutivos ou o que nos espera é o atraso, a fome, a deseducação e o ódio. E é bom lembrar os exemplos históricos nos ensinam que nada é feito da noite para o dia. O processo é comer pelas beiradas até limpar o prato.

Sinuca de bico

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


As ações políticas - todas, portanto - do presidente Luiz Inácio da Silva sempre precisam ser analisadas por prismas diferentes: levando em conta a ética ou considerando apenas a eficácia imediata do gesto.

Pelo primeiro critério, raras passam pelo controle de qualidade. Já pelo segundo, o grau de aproveitamento é bem superior. Nesse caso enquadra-se o revide do presidente a comentário do governador José Serra sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.

Serra criticou a falta de investimentos federais em projetos de irrigação às margens do rio. Lula bateu com força ironizando a preocupação do governador com o Nordeste - extemporânea e eleitoreira, segundo ele - e mandou que o tucano ficasse "esperto", pois, daqui em diante haverá muitas inaugurações na região.

Foi a primeira vez desde a campanha eleitoral de 2002 que Lula atacou diretamente seu oponente da época. Apresentou as armas e chamou o adversário para a briga.

Criou para a oposição, para José Serra em particular, uma situação assaz complicada: a escolha entre calar, e parecer covarde ante a popularidade presidencial, ou reagir no mesmo tom e fugir do roteiro previsto de só iniciar a campanha propriamente dita no ano que vem.

Num primeiro momento, a opção de Serra foi fazer o elegante: "Se o que eu disse ajudar a ter um metro a mais de irrigação, fico feliz." Um tanto sutil demais, hermético até para a conversa nos termos propostos por Lula.

Setores mais pragmáticos da oposição, como o DEM, saíram a campo pedindo que o tucanato - senhor da candidatura - deixe de manejar floretes e entre logo no embate com luvas de boxe.

Ponto, portanto, para o presidente, que conseguiu fazer a oposição voltar a expor suas divergências em público, discutir uma mudança de agenda adaptando-a ao ritmo que interessa ao adversário e ainda dar margem à interpretação de que reina o desespero nas hostes oposicionistas.

A oposição tem dois candidatos, um deles posicionado na liderança das pesquisas, e em tese sai na dianteira com o apoio dos dois maiores colégios eleitorais do País.

No entanto, se espreme de ansiedade ante um adversário cuja candidatura é construída a poder de artificialismo e sob o risco de, de repente, sofrer impugnação da Justiça Eleitoral, que cassou mandatos de governadores por delitos até menos evidentes no tocante ao uso da máquina.

Por ora, parece que o governador de São Paulo pretende seguir resistindo às pressões dos correligionários. Impõe a regra do cálculo frio e da lógica pura: "Lula não é candidato e eu não sei se serei candidato", diz.

A questão é até quando a oposição resistirá a entrar na guerra quanto antes como parece desejar o presidente Lula. A resposta seria fácil se consequências fossem senhoras obedientes. Como saber se a estratégia de Serra não fará seu favoritismo minguar? Ou se a mudança de rumo é que renderá prejuízos?

Lula joga seu jogo: não tendo cão, resolveu caçar com gato e, para todos os efeitos, conseguiu transferir a angústia de uma situação adversa para o adversário que, em tese, teria tudo para navegar com o vento a favor.

Filosofia

A definição é de autoria do presidente Lula, exposta durante a franciscana - dando (show) que se recebe (voto) - turnê: "No governo você não pensa, não acredita, você faz ou não faz."

Para todos

O senador João Pedro (PT-AM) fez uma "denúncia" na sessão de sexta-feira de manhã: que parte da imprensa faz oposição ao governo.

Por essa ótica, a crítica, a opinião e até a tomada de posições quando exercidas fora do âmbito partidário se configuram uma ilegalidade.

"A imprensa não permite que o presidente visite um canteiro de obras do seu governo", disse o senador João Pedro.

Não. A imprensa critica o uso partidário que o presidente faz do governo de todos os brasileiros.

E a esse tipo de coisa se opõe sim, com a legitimidade que lhe confere o preceito constitucional da liberdade de expressão.

Não fosse o livre exercício do contraditório, deve se lembrar o senador, o PT não faria carreira nem teria chegado à Presidência.

Eike

De neófitos na área que se movimentam em excesso políticos experientes em geral dizem o seguinte: "Para cachorro novo, fulano está entrando no mato com muita pressa."

Sungão

Diante do uso que se faz do artefato - guarda-volumes de dólares não contabilizados e gabaritos de provas fraudadas -, o desfile do senador Eduardo Suplicy de cuecas vermelhas sobre o terno escuro nos corredores do Congresso só seria quebra de decoro se decoro ainda houvesse para ser quebrado.

Ao sabor dos ventos de campanha

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Aperte o cinto porque o piloto sumiu! Aliás, o piloto, o copiloto, a tripulação inteira voa por aí em campanha aberta, deixando Brasília entregue... Entregue a quem mesmo?

O presidente Lula viaja tanto ou mais pelo mundo do que "Fernando Viajando Cardoso", lembra? E passa três dias "fiscalizando" as obras de transposição do rio São Francisco, enquanto tira fotos pescando com a candidata Dilma.

Aliás, Dilma também viaja por aí, enquanto a Casa Civil fica por aqui, em Brasília, com os atos e programas do governo em segundo plano.

Além deles, o ministro Tarso Genro assume a campanha no Rio Grande do Sul e até o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é candidato a alguma coisa, não se sabe exatamente ao quê.

Já há ministros reclamando. Desses ministros chatos, de áreas técnicas, que têm de tomar decisões, assinar atos, tocar o bonde -e não os aviões- adiante. Cadê o Lula? Não está. Cadê a Dilma? Não está. E aí, o que fazer? Fácil: chama o bispo!

Tudo pela campanha, até um recuo atrás do outro. Num dia, o governo diz que pretende taxar a poupança. Dá uma confusão danada, aí recua. No outro, o repórter Leonardo Sousa descobre a mutreta de empurrar com a barriga a devolução do IR da classe média para compensar a queda de arrecadação. Dá uma confusão danada, aí recua.

Nessa campanha descarada, todo recuo vale. Até na Vale mesmo, uma empresa privada. Antes, Lula falava mal da Vale, Dilma cobrava a companhia, ambos deixavam claro que, se dependesse do Planalto, a permanência de Roger Agnelli na presidência estava por um fio.

Até que o megaempresário Eike Batista entregou o jogo: que tal botar no lugar do técnico Agnelli o político Sérgio Rosa, do PT?

Deu no que deu: uma confusão danada. Aí, todo mundo recuou, ficou o dito pelo não dito, e Agnelli ganhou sobrevida. Mas só "no momento", como bem disse Eike.

A ONU em questão

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


O presidente Lula é, entre tantos méritos, o grande pauteiro do debate nacional. Cada discurso, escrito ou improvisado – e eles são diários, incessantes – aciona uma salutar controvérsia mesmo quando motivada por impropriedades.

Nessa quinta, em Floresta, Sertão pernambucano, para onde se deslocou para inspecionar as obras de transposição das águas do Rio São Francisco, Lula pontificou sobre os organismos internacionais, a propósito da recondução do Brasil (pela décima vez) ao Conselho de Segurança da ONU. Ainda impelido pelo triunfo olímpico em Copenhague, o presidente proclamou que "a ONU está superada" e que o Conselho é "como uma fruta madura", prestes a cair.

Ora, se a ONU está superada o Brasil não deveria fazer tanta força para conquistar uma vaga permanente no seu órgão emblemático. Menosprezar a ONU é contrariar o multilateralismo e as grandes entidades reguladoras internacionais. Quem insistia na tese de que a antecessora da ONU, a Liga das Nações, estava superada, era Adolf Hitler que, assim, sentia-se à vontade para destroçar todas as suas convenções.

O Conselho de Segurança continua ímpar, insubstituível, embora a sua composição esteja datada. Parou no tempo: quando a ONU foi criada em 24 de Outubro de 1945, há 64 anos, o mundo foi partilhado entre os vencedores da Segunda Guerra Mundial: EUA, URSS (hoje Rússia), Reino Unido, França e China que constituíram o núcleo permanente do Conselho de Segurança e habilitados a usar o poder de veto.

A derrubada do generalíssimo Chiang Kai-Shek pelo revolucionário Mao Tse-Tung levou muito tempo para ser assimilada até que o refúgio de Taiwan fosse formalmente substituído pela China continental. Outras imperiosas alterações no quadro institucional jamais foram implementadas, caso da exclusão dos gigantes econômicos Alemanha e Japão, derrotados na guerra e da emergência na Ásia, África e América Latina de novas potências como Índia, África do Sul e Brasil.

Apesar das flagrantes injustiças, o Conselho de Segurança continua como a instância permanente, insuperável, comprometido com a segurança coletiva e a manutenção da paz. Suas recomendações e resoluções são às vezes ostensivamente desconsideradas, mas quando isto acontece fica o registro e este registro pesa diante da possibilidade de sanções econômicas.

A metáfora da fruta madura prestes a cair e apodrecer é de uma rara infelicidade. No momento em que o rodízio dos assentos temporários do CS favorece novamente o Brasil e torna-se evidente a necessidade de uma reengenharia estas bravatas são rigorosamente impertinentes.
Vexame maior no âmbito da ONU foi oferecido pela antiga Comissão de Direitos Humanos, posteriormente transformada em Conselho de Direitos Humanos, e o nosso País jamais estrilou.
Mesmo quando o antigo órgão foi entregue ao Sudão onde ocorria o genocídio de Darfur. A entidade substituta tem entre os seus 47 membros contumazes violadores como Líbia, China, Arábia Saudita, Cuba e Rússia e o presidente Lula não reclama. Entidades internacionais de direitos humanos tem denunciado o controle do novo Conselho de Direitos Humanos por um compacto bloco de nações cujas sensibilidades e compromissos estão a anos-luz da pauta humanitária. Lula não sabe, não viu.

Nosso presidente também erra ao considerar que o maior conflito no Oriente Médio é entre judeus e palestinos. Esta é uma colocação não apenas incorreta como perigosa. O conflito a que ele se referiu é entre israelenses e palestinos e decorre da sábia decisão adotada pela Assembleia-Geral presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha em Novembro de 1947 de partilhar a Palestina em dois Estados e aceita apenas por uma das partes.

O magistrado sul-africano Richard Goldstone é judeu e o seu relatório sobre a Batalha de Gaza no fim de 2008 está provocando uma enorme controvérsia porque condena tanto o Hamas pelo uso intencional de foguetes contra populações civis em Israel como a desproporcional resposta de suas forças armadas.

Estas são frutas que o presidente Lula desconhecia talvez porque não foram cultivadas em seu pomar. Terá que prestar mais atenção a elas quando receber a visita do colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad, que vem sendo seriamente advertido por diversas instâncias internacionais a permitir a fiscalização do seu secretíssimo e suspeito programa nuclear.

A ONU ficará efetivamente "superada" quando os países-membros esquecerem as suas responsabilidades no intervalo entre uma Assembleia-Geral e outra.

» Alberto Dines é jornalista

A velha Câmara antes de Brasília

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O deputado Oscar Dias Corrêa (1921-2005) tocou vários instrumentos na vida. Foi magistrado, ensaísta, romancista. E mais, ministro da Justiça e do Supremo Tribunal. E um erudito e poliglota, que aprendeu a falar um italiano para ler no original A Divina Comédia , de Dante Alighieri, que sabia quase todo de cor.

Um excelente deputado federal pela UDN mineira, dos mais moços da brilhante bancada integrada por Milton Campos, Afonso Arinos, Alberto Deodato, Bilac Pinto, da Câmara dos Deputados nos tempos da capital no Rio, antes da mudança para Brasília, em 21 de abril de 1960. Uma seleção dos seus trabalhos foi editada pelo Senado Federal (volume 117), e eu recebi um exemplar do seu filho Oscar, que li de um fôlego, com os olhos míopes da saudade.

Na página 353, no artigo que traça o perfil do deputado Odilon Braga, garimpei a pepita de um dos melhores resumos de evocação da fase de ouro da eloquência, da modéstia e da compostura da antiga Câmara, que ofereço aos senadores e deputados do pior Congresso de todos os tempos.

Jovem, “de todos os privilégios que a vida me concedeu, de um, pelo menos, não me esquecerei nunca, pelo significado moral e intelectual da realização pessoal, de consciência do dever cumprido para com a nação: o de ter ingressado na vida pública na época em que floresceu uma das mais nobres, altivas, competentes e dignas gerações de homens públicos do país, que no Parlamento encontrei, com quem aprendi, no exemplo e no convívio, a amar, ainda mais, o Brasil”.

“Àquela época, no Rio tranquilo dos meados do século, ia para a Câmara de ônibus, que a família crescia e os subsídios de deputado não autorizavam exageros. Não tinha automóvel e, na volta, quase sempre, Odilon Braga, morando na Rua Joaquim Nabuco e eu na Figueiredo Magalhães, vizinho de Aliomar Baleeiro, Afonso Arinos, Adauto Cardoso, Guilherme Machado e Rondon Pacheco – me convidava para o retorno no seu Pachkard já bem usado, mas em bom estado de conservação”.

“Vivíamos todos modestamente numa Câmara que funcionava com todas as comissões instaladas, sessões todos os dias, quorum folgado de presença maciça, salvo quando, no uso do direito sagrado de obstrução das minorias, em defesa do país, estávamos na Câmara, mas negávamos número, forçando a maioria a reexaminar as teses que nos pareciam contrárias aos superiores interesses do país; não tínhamos gabinetes nem assessores, mas os pareceres e votos saíam a tempo e a hora, e ainda tínhamos tempo, e ainda encontrávamos vagar para os estudos e a publicação dos ensaios, como os de Odilon sobre O Estado no direito constitucional moderno, Teoria da composição do Poder Legislativo ; e A opinião pública no momento atual”.

Cita o trecho da análise de Odilon Braga, sobre os problemas produzidos pela 2ª Grande Guerra, em face da democracia, tema difícil àquela hora, em face do governo autoritário que imperava: “Se o Brasil está de armas em punho, ombro a ombro com os cruzados da democracia, prestemos sem subsídios, sem privilégios, sem publicidade, sem condições, aos que arcam com os agora severos e inquietantes encargos dos seus postos de governo e de administração, o apoio e os serviços que lhes prestaríamos”.

Voltamos ao texto e às saudades de Oscar Dias Corrêa: “Tempo de modéstia, trabalho permanente, sacrifício abençoado, pelo bem do povo, nossa única preocupação, nossa ânsia permanente, no qual floresceram estadistas que honram nossa História pelo zelo cívico, pela lealdade democrática, pelo fulgor intelectual, pelo amor ao Brasil”.

Muitas páginas adiante, no perfil do mineiro Milton Campos, que foi deputado federal pela UDN, governador de Minas, candidato a vice-presidente, traído pela manobra do Jan-Jan do conchavo de Jânio Quadros com Jango Goulart, Oscar Dias Corrêa invoca o depoimento de Carlos Drummond de Andrade: “Ele foi o homem que a gente gostaria de ser” e lembra que Carlos Castelo Branco, que o viu de perto desde os tempos em que, estudando em nossa Faculdade de Direito, o seguiu e admirou, afirma que ele foi “a maior figura de homem público e de cidadão que conheci”.

A estratégia de Lula

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva corre contra o tempo. Sabe que esse é o recurso mais escasso de seu governo. Acumula forças em todas as áreas, mas não pode parar a rotação da Terra, não tem como espichar o seu mandato, nem concorrer à reeleição. Precisa traduzir seu enorme prestígio popular em transferência de votos para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), cuja candidatura foi ameaçada pelo ex-ministro Ciro Gomes (PSB), que pretende concorrer ao Palácio do Planalto pela terceira vez, e pela dissidência da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PV).

Bem-sucedido no combate à recessão, por causa da crise mundial, no plano político, o presidente Lula perdeu um ano dos quatro que tinha para viabilizar a continuidade do seu projeto de poder. Vive o drama de ter acertado a mão em quase tudo, até na escolha do Rio para sede das Olimpíadas de 2016, mas ainda não tem a confirmação de que acertou no nome do sucessor. Desprezou a candidatura de Ciro e sequer percebeu a de Marina. Optou por Dilma, em quem aposta os oito anos de mandato, que larga em desvantagem eleitoral. Enquanto o governador de São Paulo, José Serra, e Ciro Gomes liderarem as pesquisas, a estratégia de Lula só pode ser carregar Dilma Rousseff nos ombros, até que o povo o faça. É simples assim.

Vale

As críticas do presidente Lula à direção da Vale atiçaram parlamentares contra a empresa, principalmente nas bancadas de Minas e do Pará. A mineradora passou a sofrer ataques da tribuna da Câmara e as críticas da oposição à interferência do governo na empresa politizaram ainda mais a questão. Segundo o deputado Arnaldo Jardim (foto), do PPS-SP, as divergências entre o governo e a mineradora — cujo presidente, Roger Agnelli, está na berlinda — estão sendo infladas por motivações político-eleitorais, que “fogem à racionalidade dos interesses nacionais, do mundo das commodities e dos negócios com minérios e siderurgia”.

Pajelança

O PMDB fará uma grande reunião de seus caciques na próxima quarta-feira para mandar a seguinte mensagem ao público interno da legenda, uma aguerrida militância que vive às turras com o PT: está com a candidatura de Dilma e não abre. É que no sábado serão realizadas as convenções que elegerão os novos diretórios municipais e a cúpula da legenda quer esvaziar o discurso de prefeitos e vereadores do PMDB contrários à aliança. Alguns caciques questionam a pressa.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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DEM aposta em Serra, mas prefere Aécio

Adriana Vasconcelos, Cristiane Jungblut, Gerson Camarotti e Maria Lima Brasília
DEU EM O GLOBO

DEM aposta que Serra tem mais chance que Aécio

Enquete com senadores e deputados do partido revela, porém, que mineiro é o preferido do coração dos aliados

Principal parceiro dos tucanos na briga pela tentativa de voltar ao poder no ano que vem, deputados e senadores do DEM revelaram que, se fossem decidir com o coração, o candidato do PSDB preferido pela maioria deles seria o governador Aécio Neves (MG). Como a decisão deve se dar pela razão, dizem que o cabeça de chapa deverá ser o governador José Serra (SP), apontado como o que tem mais chances de vencer o nome do governo. Esse é o resultado de uma pesquisa feita pelo GLOBO com a quase totalidade dos senadores e deputados do DEM. O levantamento foi realizado entre os dias 13 e 16 de outubro.

A pesquisa apontou que, dos 48 deputados e 12 senadores ouvidos, a maior parte (33) é contra o apoio do DEM a uma chapa puro-sangue do PSDB, enquanto 27 consideraram que dessa forma a oposição teria mais chance de vitória. A chapa puro-sangue foi aprovada pelos senadores, mas rejeitada pelos deputados. O nome mais citado pelos parlamentares para compor uma chapa com os tucanos é o do líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN).

Dos 56 deputados da bancada, 48 responderam o questionário. No Senado, dos 13 senadores, apenas uma, Maria do Carmo Alves (SE), se negou a votar.

Na Câmara, 31 dos 48 deputados ouvidos disseram acreditar que Serra é o nome que disputará a eleição presidencial de 2010, e 17 apostaram em Aécio. No Senado, os números são maciçamente favoráveis a Serra, e a aposta de que ele será o candidato foi cravada por 11 senadores, com apenas um voto para Aécio.

O resultado da enquete aponta alguns conflitos de interesses, evidenciando que os parlamentares do DEM, além de divididos, estão inseguros com o futuro da oposição em 2010.

“Gosto do Aécio, mas o Serra tem mais chance”

Quando perguntados sobre qual dos dois governadores tucanos preferiam ter como presidenciável em 2010, o mineiro ganha tanto na Câmara quanto no Senado. Aécio é o preferido de 27 deputados e seis senadores, contra 17 e cinco para Serra, respectivamente.

Serra volta a ter vantagem sobre seu colega de Minas quando a pergunta é sobre qual dos dois nomes do PSDB tem mais chances de vencer em 2010: 26 deputados e nove senadores responderam Serra, contra 19 deputados e três senadores que indicaram Aécio.

— Gosto muito do Aécio, mas o Serra tem mais chance. É um grande gestor — disse a senadora Kátia Abreu (TO).

— Gosto muito do Aécio, mas a candidatura Serra tem uma presença mais forte nacionalmente.

Isso o coloca numa posição mais privilegiada do que a de Aécio — justificou o senador Marco Maciel (PE).

A preferência por Aécio Neves foi explicitada pela maioria dos democratas, principalmente na Câmara, onde ele já foi presidente.

Apontaram seu carisma e simpatia como importantes na briga com o candidato do PT, principalmente se for confirmado o nome da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

— O Aécio é a novidade. Ele pode servir como contraponto ao humor da Dilma. Isso fará diferença.

Aécio levaria os votos de Minas e do Rio, além de não ter dificuldade para entrar em São Paulo. A candidatura dele daria um nó no PT — defendeu o deputado Rogério Lisboa (DEM-RJ).

— A grande vantagem do Aécio é que ele tem o poder de aglutinar e trazer outros partidos, inclusive legendas que hoje estão na base de apoio ao governo Lula — justificou o deputado Vitor Penido (DEM-MG).

Outro mineiro, Jairo Ataíde, reforça: — Ele (Aécio) é uma referência com administrador, político e está pronto para fazer uma administração pós-Lula. É carismático. O próprio presidente Lula já disse que não gostaria de tê-lo como adversário.

A divisão maior no DEM é sobre a possibilidade de uma chapa exclusiva formada por tucanos: 19 deputados e oito senadores aprovaram a chapa puro-sangue; mas a maioria, 29 deputados e quatro senadores, não concorda com a possibilidade de o DEM ficar fora da chapa presidencial.

Parlamentares como José Carlos Aleluia (BA), um dos nomes citados pelos colegas para ser o vice, é enfático: — O DEM não deve abrir mão da chapa com o PSDB. Até porque é o principal parceiro.

Muitos democratas avaliam que neste momento o mais importante é vencer as eleições, e que a chapa puro-sangue tem força.

— O Serra e o Aécio juntos são imbatíveis, com a união dos dois maiores colégios eleitorais, Minas e São Paulo. O DEM discute isso com naturalidade, porque o DEM tem minguado ao extremo com sua exposição fora do governo.

Sua gênese é governista — pondera o deputado Alceni Guerra (PR).

— Sou mineiro, assim, entre Serra e Aécio, fico com Aécio. Mas uma composição entre os dois significaria levar previamente dois terços dos votos de Minas e de São Paulo, uma base muito sólida para começar uma campanha — emenda o senador Eliseu Resende (MG).

Antes de acertar a coligação, PSDB tem de escolher seu candidato, diz DEM

DEU EM O GLOBO

Aliados cobram pressa alegando que Lula, Dilma e Ciro estão abertamente em campanha já

BRASÍLIA. Na semana passada, tanto na avaliação para a enquete do GLOBO como na reunião da Executiva Nacional do DEM foi reforçada a pressão para que o PSDB escolha logo seu candidato. Poucos, como o precavido senador Marco Maciel (PE), consideram um erro a antecipação da campanha eleitoral. Outros reconhecem a dificuldade do PSDB para definir isso logo, como o líder José Agripino.

— A inexistência de um contraponto pode passar ao país uma falsa ideia de vitória (governista) por WO — diz Agripino.

— Estamos querendo fechar coligação com o PSDB, mas está difícil. O PSDB não se define e, enquanto isso, o Lula, a Dilma e o Ciro Gomes estão nadando de braçada, sem adversários.

Assim não dá! — reclama o deputado Arolde de Oliveira (RJ).

Mesmo dividido sobre o prazo para definição da candidatura da oposição, há o reconhecimento no DEM de que é preciso que o PSDB, pelo menos, resolva internamente a disputa entre Serra e Aécio.

— O governador José Serra não precisa entrar agora na disputa. Até porque os instrumentos do governo são poderosos — disse o ex-líder José Carlos Aleluia (BA). — Primeiro, é preciso resolver o problema interno do PSDB, quem é o candidato. Até lá, o candidato tucano tem que se movimentar discretamente, sem entrar no embate com o governo.

Para o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), está decidido que Serra será o candidato: — Pelos sinais que deram, de que cada um é o plano B do outro, está claro que o candidato é o Serra. Sobre a composição da chapa, o DEM tem que buscar a vice.

Entre os nomes citados como possíveis candidatos a vice do candidato tucano, o líder José Agripino Maia teve a maior votação (21 deputados e senadores). A senadora Kátia Abreu (TO) teve 12 menções, mas só um voto no Senado. O deputado José Carlos Aleluia obteve seis citações; Ronaldo Caiado, cinco; o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, quatro; e o deputado e presidente do DEM, Rodrigo Maia, quatro.

Entre os parlamentares que não responderam à enquete, a deputada Nice Lobão (MA) justificou licença médica e o deputado Walter Ihoshi (SP) está em missão oficial ao Japão. Não responderam ou não foram localizados os deputados Betinho Rosado (RN), Bispo Gê Tenuta (SP), Cláudio Cajado (BA), Fernando de Fabinho (BA) e José Maia Filho (PI). A senadora Maria do Carmo Alves (SE) não quis responder. Todos os parlamentares do DEM no exercício do mandato foram procurados em seus gabinetes pelo GLOBO na semana passada.

´Nossos candidatos governam. Não são como Dilma`

Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

Diante do aumento da pressão de aliados e tucanos pela escolha do candidato tucano à Presidência da República, o presidente do partido, senador Sérgio Guerra (PE), admitiu que o PSDB deu início a uma operação para garantir até o fim do ano entendimento entre seus dois précandidatos: os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG). Na sua opinião, o ideal seria que isso acontecesse sem a necessidade de prévias.

Havendo entendimento entre os dois, diz Guerra, não seria necessário entrar em campanha imediatamente, pois eles precisam continuar governando seus estados.

O GLOBO: O DEM e até tucanos cobram o nome do candidato do PSDB.

SÉRGIO GUERRA:
O DEM, nossos eleitores e nossos quadros indicam que querem um candidato para fazer campanha. Mas não é possível, já que nossos dois pré-candidatos são governadores e governam seus estados com responsabilidade. Não são como a Dilma.

Quais as chances de Serra e Aécio se entenderem? Ou o PSDB vai ter prévias?

GUERRA: Se os dois não se entenderem neste semestre, em janeiro ou fevereiro haverá prévias.
Atuamos para que o entendimento aconteça até o fim do ano. Evitaria as prévias. O lançamento de candidaturas não precisaria ser antes, mas no tempo adequado (abril).

Os governistas estão em campanha, diz o DEM.

GUERRA: Temos de cumprir o nosso papel.
A sociedade vai verificar que não tem governo Lula, mas campanha da Dilma. Que não tem obra, mas festa. Nem discurso governamental ou adminitrativo, mas eleitoral.

Em enquete feita pelo GLOBO, a maioria do DEM deixa clara a preferência por Aécio, embora considere Serra mais competitivo.

GUERRA: Aécio é extremamente simpático, cordial e cativante. Serra é um grande administrador e tem desempenho nas pesquisas bastante positivo. Isso se reflete nesse resultado.

Serra e Dilma perderam pontos nas últimas pesquisas. Por quê?

GUERRA: As candidaturas colocadas apontam para o segundo turno. A queda da ministra tem relação com o fato de ter aparecido menos (lá atrás), ela depende das vezes que aparece na TV. No caso de Serra, temos convicção que estamos no patamar de sempre. Isso sem termos candidatos nas ruas ou lançados. E sem termos publicidade sobre eles. Faz muita diferença.

O que muda com a entrada de Marina Silva e de Ciro Gomes na disputa?

GUERRA: A candidatura Marina Silva, se tiver maior escala, atingirá mais o eleitorado do PT.
Mas se ficar apenas como uma manifestação das elites, que é por onde caminha atualmente, danificará o PT e a nós também.

E Ciro, dará trabalho aos tucanos?

GUERRA: Tem sido colocado como forma de danificar o PSDB e José Serra. Até agora não tem política. Só bater é pouco. É garganta pura. Qual o projeto do Ciro para São Paulo? O que fez em São Paulo? Não me parece projeto razoável. A proposta que Ciro pode ter é levar a eleição ao 2º turno.
Estamos preparados para disputar a eleição no 1º e no 2º turno.

Contornos de jogo de xadrez

Tiago Pariz
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Indefinição do candidato ao Planalto deixa PSDB com dificuldades em distribuir as peças no tabuleiro da disputa de 2010. Entrave complica viabilização dos palanques nos estados e irrita o DEM

O PSDB tem problemas em fechar palanques fortes para disputar a Presidência da República. E para o DEM isso é resultado da indefinição de quem será o candidato em 2010: o governador de São Paulo, José Serra, ou de Minas Gerais, Aécio Neves. Os principais entraves estão localizados em estados das regiões Sul e Nordeste, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Siva(1) tem os maiores índices de popularidade.

Entre os democratas, só crescem as insatisfações com os tucanos. Alijados do processo de definições de estratégias para a eleição presidencial, querem que o PSDB se resolva. É praticamente consenso que, enquanto o governo tem Lula como impulsionador da campanha da ministra Dilma Rousseff, a oposição patina.

A insatisfação chegou dentro do PSDB. O presidente da legenda, Sérgio Guerra (PE), já admitiu que a candidata governista terá o apoio dos principais partidos e, portanto, mais tempo de televisão durante a propaganda eleitoral gratuita. Ele, agora, está incomodado com o fato de Lula e sua candidata estarem nadando de braçada no período pré-eleitoral e passou a pregar um acordo entre Serra e Aécio ainda este ano para sepultar a indefinição. Um jantar marcado entre ele, o senador Tasso Jereissati e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na próxima terça-feira, em São Paulo, deve apontar uma solução para o impasse.

Sem saber quem será o candidato, os tucanos esbarram em dificuldades de fechar palanques competitivos, o que pode acarretar problemas em locais onde o partido historicamente tem votações significativas nas eleições presidenciais. É o caso de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. E não ajuda nos estados em que, desde 2002, na primeira eleição de Lula, o partido não tem votação expressiva. Nessa lista entram Rio de Janeiro, Maranhão, Paraíba, Ceará, Pernambuco e Sergipe. Nesses cinco dos nove estados nordestinos, o PSDB quebra a cabeça para forjar alianças significativas capazes de transferir votos em larga escala para Serra ou Aécio.

As turbulências na política gaúcha isolaram os tucanos na polarização entre PMDB e PT. Os peemedebistas estão divididos entre o senador Pedro Simon, presidente da legenda, e o deputado Eliseu Padilha, que comanda os votos do partido. Com a aliança nacional que os peemedebistas pretendem fechar com o PT na próxima quarta-feira, a ministra Dilma Rousseff poderá ter vantagem no estado que a lançou para a política nacional.

É justamente disso que o presidente do PSDB reclama. O impasse engessa as discussões sobre políticas de aliança. No Sul, ainda não é certo se a governadora Yeda Crusius (PSDB) disputará a reeleição ou abdicará do posto para apoiar outro candidato. Os caciques tucanos desejam que ela apoie um nome do PMDB, que deve ser o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça.

Cabo de força

Essa tensão com o PMDB repete-se em Santa Catarina. PSDB e DEM fecharam acordo com o governador Luiz Henrique Silveira e apontaram três pré-candidatos: o ex-senador Leonel Pavan (PSDB), o senador Raimundo Colombo (DEM), e o ex-vice governador Eduardo Pinho Moreira (PMDB). Como num cabo de força triangular, ninguém abre mão da cabeça de chapa e o acordo pode fazer água.

No Paraná, a situação é mais confortável, mas nem por isso menos complicada. Os tucanos têm como pré-candidatos o prefeito de Curitiba, Beto Richa, e o senador Álvaro Dias. Só que estão também com as miras voltadas para o pré-candidato do PDT, o senador Osmar Dias, que flerta com o apoio de Dilma.

A situação é também complicada no Rio de Janeiro. Com a candidatura à Presidência da República da senadora Marina Silva (PV-AC), fecharam-se as portas para um acordo com os verdes e os tucanos ficaram sem candidato. O secretário-geral do PSDB, Rodrigo de Castro, disse que ainda é cedo para o quadro dos estados estar definido.

Manobra

O presidente Lula quer diminuir a força do PSDB em São Paulo ao empurrar o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) — que deseja ser candidato ao Palácio do Planalto — para a disputa do governo paulista. Em Minas, ele tenta fechar aliança com o PMDB, mas esbarra nas dificuldades do PT, que quer ter candidato próprio e não aceita apoiar o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB).

Definição do perfil

Enquanto persiste o xadrez regional do PSDB, o partido volta os debates para a definição do perfil de seu candidato à Presidência da República em 2010. Se o critério for o maior percentual nas pesquisas de intenção de votos, a escolha será pelo governador de São Paulo, José Serra. Mas se a opção for por alguém capaz de agregar outras forças políticas além de DEM e PPS, a balança pesará para o governador de Minas Gerais, Aécio Neves. Esse é um tema que deve ser debatido no encontro entre Sérgio Guerra, Tasso Jereissati e Fernando Henrique Cardoso, na terça.

“Precisamos saber escolher o que é melhor: quem está bem colocado nas pesquisas ou quem tem capacidade de crescimento e de aglutinar forças. Esse debate está sendo travado dentro do partido de maneira bastante franca”, disse o secretário-geral do PSDB, Rodrigo de Castro. Ele, no entanto, não vê movimento de acerto entre os dois pré-candidatos até o fim do ano, antecipando a escolha que hoje está marcada para o primeiro semestre de 2010, como quer o governador paulista.

Trunfos

Apesar das dificuldades enfrentadas na formação de palanques fortes, os tucanos têm um trunfo, ou melhor, dois. Ser bem superior em São Paulo, onde o PT pasta para voltar a ter papel de protagonista, e ser forte em Minas Gerais — os dois maiores colégios eleitorais do país. Os paulistas têm quase o mesmo número de eleitores de todos os estados da Região Nordeste e Minas supera de longe os eleitores do Norte. “Se o Aécio e o Serra estiverem unidos em 2010, eles serão muito fortes, apesar de todos os problemas no Sul e no Nordeste”, disse um deputado governista que tem trânsito junto ao presidente Lula.

O PSDB aposta no governador mineiro para conter o efeito da popularidade de Lula e a transferência de votos para Dilma no Nordeste. “Aécio agrega mais e tem discurso fácil. Tem fala forte regional e isso vai pesar muito no Norte e no Nordeste”, completa Rodrigo de Castro.

Tucanos cautelosos

Daniela Lima
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Em Goiânia, Aécio Neves e José Serra mostram unidade. E reafirmam que o nome do partido para disputar a Presidência da República só será escolhido adiante, apesar das pressões

Goiânia - O PSDB não pretende deflagrar uma crise interna só para oferecer rapidamente ao eleitorado o nome que encabeçará a chapa do partido na disputa presidencial em 2010. Pressionados por caciques de legendas aliadas, como o Democratas, os tucanos preferem os panos quentes. Na manhã de ontem, os dois pré-candidatos da legenda, os governadores de Minas Gerais e de São Paulo, Aécio Neves e José Serra, apresentaram-se à militância goiana em seminário realizado na capital do estado. Chegaram debaixo de fogos de artifício, falaram sobre o desemprego, a economia e a assistência social, e deixaram o debate sobre os aliados políticos em segundo plano.

O partido deve manter essa orientação pelo menos até o fim do ano. Aécio acha que o PSDB precisa dar um nome ao eleitor até janeiro de 2010. Serra defende que o partido espere até março. Já o presidente da legenda, senador Sérgio Guerra (PE), espera a definição de uma candidatura até o fim deste ano. Portanto, só em dezembro a disputa interna deve apresentar movimentos mais claros.

Até lá, os dois governadores continuarão investindo no discurso da unidade partidária e da elaboração de um programa de governo. Foi o que fizeram ontem em Goiânia. Diante da militância, Aécio elencou conquistas de seu governo, criticou a concentração de renda nas mãos da União e defendeu aquilo que se tornou uma bandeira de seu pleito: a ousadia na gestão pública. Em 20 minutos de discurso, pronunciou variantes da palavra ousar por pelo menos seis vezes. Disse, ainda, que estará ao lado de Serra durante a campanha presidencial independentemente da escolha do partido.“Nós não temos o direito de perder essa eleição. Para isso, vamos unidos até a vitória”, disse, arrancando aplausos acalorados.

Serra, dono de perfil mais contido, subiu ao palanque logo depois. Antes de pegar o microfone, tomou um longo gole de refresco. Dividiu com o público a angústia. “Caminho para encerrar o evento e ao mesmo tempo tenho que falar depois do Aécio, o que não é fácil”, disse.

Depois, usando a diversidade do futebol paulista como metáfora disparou: “Lá não é como aqui. Aqui todo mundo é Goiás”. Torcedores do Atlético Goianiense e do Itumbiara protestaram.

Em tom mais ameno que o antecessor, lembrou que muitos dos programas sociais do governo Lula são adaptações de ações implementadas por gestores tucanos. Sobre os que cobram a definição de um nome por causa das movimentações da ministra da Casa Civil Dilma Rousseff e do deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE) rumo ao Planalto,foi incisivo. “Não vamos nos pautar porque o presidente Lula fez uma viagem com um ministro de estado”. “O Brasil não voltará a ser uma capitania hereditária. O presidente Lula pode ter um candidato, isso não quer dizer que ele será escolhido pelo povo”, completou o governador paulista.

A cúpula do PSDB também minimizou as cobranças de aliados. Decidiu tratar as críticas do Democratas como frutos de uma disputa interna entre os aliados. E nada mais. “Qualquer que seja a decisão, DEM e PSDB vão estar juntos. Isso é certo”, encerrou Aécio

Serra minimiza ''carona'' que Lula dá a Dilma

Leandro Colon,
Enviado Especial, Goiânia
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Mas tucanos mostram preocupação com movimentação da petista e querem definir a candidatura até dezembro

Pressionado pelo DEM e por setores tucanos preocupados com a antecipação da corrida eleitoral, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), preferiu minimizar a capacidade eleitoral da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do Planalto à Presidência. "O Brasil não se transformou em capitania hereditária. O povo sabe escolher o seu destino", afirmou Serra, em encontro de seu partido em Goiânia.

Na presença da cúpula do PSDB, incluindo o governador mineiro Aécio Neves, Serra desdenhou do que seria a virtude eleitoral de Dilma - a de beneficiária direta da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu estoque de votos.

"O presidente Lula tem todo o direito de apoiar um candidato. Mas não vivemos num regime de capitania hereditária em que o presidente apoia e automaticamente o candidato está consagrado. O presidente não pode fazer uma nomeação", ressaltou.

Na semana passada, Dilma foi ciceroneada por Lula em palanques e comícios pelo Nordeste durante três dias de visita às obras de transposição do Rio São Francisco. A caravana, segundo a oposição, conteve todos os elementos de campanha antecipada.

Como resultado, os tucanos têm sido cobrado por aliados, como DEM e PPS, a definir logo o candidato à sucessão do presidente Lula. As legendas avaliam que Dilma vem ganhando terreno nas últimas semanas.

Ao lado de Aécio, com quem disputa a vaga de candidato presidencial do PSDB, Serra ouviu apelos de tucanos a favor de agilidade na escolha do nome da legenda que disputará a sucessão de Lula. "Nós esperamos uma decisão rápida, até janeiro", afirmou em discurso o senador Marconi Perillo (GO)

O coro foi puxado mais cedo pelo ex-governador Geraldo Alckmin e reforçado pelo presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). Tucanos não esconderam a insatisfação - e também preocupação política - com os últimos movimentos de Lula a favor da candidatura de Dilma.

Guerra disse que espera um acordo - sem necessidade de prévias - até dezembro. "O Serra e o Aécio vão se entender ainda neste segundo semestre. Não haverá necessidade de prévias", afirmou. "Até dezembro, os dois vão definir com o PSDB e os aliados os rumos da campanha." Alckmin foi mais contundente: "O PSDB não deve entrar 2010 sem definição. O ideal é decidir até dezembro."

Aécio deu outra data: "Janeiro seria um bom momento para ter essa decisão tomada. Mais importante do que definir o nome, é o que a candidatura vai representar." Serra disse que o PSDB vai decidir até março quem será o tucano na briga presidencial de 2010. Ambos, porém, compartilharam uma mesma frase: "Não temos o direito de perder as eleições."

Lula fala de ''mãozinha para Sarney''

João Domingos e Christiane Samarco
Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ele disse que saiu ganhando, ao ajudar o senador no caso dos atos secretos, porque ""o PMDB vai marchar com Dilma""

Em conversa descontraída com ministros mais próximos, há cerca de 15 dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu os presentes ao levar para a roda um fato recente, mas fora da agenda atual: a mão que deu a José Sarney (PMDB-AP) para mantê-lo na presidência do Senado mesmo com o escândalo dos atos secretos que beneficiaram parlamentares e seus parentes mais próximos. "Quem ganhou fui eu, porque o PMDB vai marchar com Dilma", disse Lula, segundo um dos presentes, ao se referir à aliança que está costurando para a disputa presidencial, com a sua candidata, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Lula tinha nas mãos alguns números sobre o PMDB, todos comprovando o gigantismo do partido. Como sabe que ser governo e apoiar Sarney desgasta e afugenta o voto das grandes regiões metropolitanas, é necessário avançar cada vez mais rumo aos grotões. E nenhuma sigla é melhor do que o PMDB para esse objetivo. Até se diz que é mais fácil faltar coca-cola numa cidade do que um político do PMDB, partido presente em 84% dos municípios brasileiros.

Tem mais. Somando-se os três minutos do tempo de TV e rádio do PT com os três minutos e doze segundos do PMDB, sem considerar outros partidos e uma nova contagem a ser feita pelo TSE, a partir do número de candidatos, a coligação somaria seis minutos e doze segundos, tempo superior ao de todas as oposições reunidas. PSDB, DEM e PPS, próximos de formalizar chapa para disputar a eleição presidencial, alcançam, nas contas de hoje, cinco minutos e cinquenta e três segundos.

TAMANHO


"O PMDB é importante para a candidatura da Dilma por conta do tamanho da estrutura do partido no País, pelo tempo que terá na propaganda eleitoral no rádio e na televisão e por sua força no Congresso", diz o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, um dos nomes fortes da equipe de articulação da candidatura petista.

O ministro não tem dúvidas de que a parceria com o partido que possui 91 deputados e 17 senadores, além das presidências da Câmara e do Senado - cujos titulares são os dois primeiros na linha sucessória da República, atrás apenas do vice José Alencar -, tem grande peso político não só para a pré-candidata Dilma como para o chefe dela. "O PMDB possibilita ao presidente Lula terminar melhor o seu governo."

O PMDB tem ainda 8.497 vereadores, 1.119 prefeitos, 910 vice-prefeitos, 170 deputados estaduais, nove governadores e cinco vice-governadores. Na avaliação dos que já trabalham para a candidatura de Dilma, esse tamanho que nenhuma outra sigla tem permitirá, por exemplo, que a campanha da petista chegue aos grotões sem que ela tenha a necessidade de botar o pé lá - não por desconsiderar determinada região, mas por absoluta falta de tempo.

Nesse caso, a ideia é fazer com que lideranças de microrregiões façam a campanha de Dilma, pois elas mantêm contatos com os fiéis das igrejas, com os empresários, com o entregador de leite, os professores e alunos das escolas rurais, entre outras tantas pessoas. Isso, na opinião dos estrategistas do governo, é um fator de multiplicação de votos que só o PMDB oferece.
"Podemos, assim, aproximar o palanque nacional dos atores locais", afirma Padilha.

Não é por acaso que o PT nacional não quer brigar com o PMDB nem mesmo em Estados onde os dois partidos já estão em disputa pelo governo local. O ministro da Integração Nacional e pré-candidato a governador da Bahia contra o PT, Geddel Vieira Lima, é um dos que chamam a atenção para o "peso específico" do PMDB na eleição do ano que vem. Só para se ter uma noção de números, dos 417 municípios baianos, 116 são comandados pelo PMDB, incluindo cidades grandes como a capital Salvador e Jequié.

"O partido tem estrutura montada em todo o País e o prefeito é sempre uma liderança importante, que está no dia a dia da comunidade", analisa Geddel. "Um prefeito com prestígio junto à comunidade toca sozinho uma campanha porque, evidentemente, nenhum candidato vai a todos os municípios."

Como ocorre na Bahia, petistas e peemedebistas estão em guerra no Pará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Como os grupos partidários ainda aguardam os acertos da aliança nacional,o roteiro do entendimento já está estabelecido.

AVALISTA

Pragmático, Geddel diz que, onde puder compor, ótimo: "Onde não der, vamos estabelecer regras para os dois palanques." Os estrategistas do governo acrescentam que o acordo PT/PMDB para a coligação nacional poderá inibir setores contrários à aliança, como o paulista comandado por Orestes Quércia. Afinal, será sempre um fator de constrangimento para os dissidentes saber que a direção nacional deu a orientação para seguir outro caminho.

Como os problemas regionais entre PT e PMDB, a forma encontrada pelos peemedebistas para tentar resolver as pendências nos Estados é encontrar um avalista para os acordos. A grande preocupação dos peemedebistas na composição com o PT é ter convicção de que eles não serão escanteados durante a campanha. Por isso, fazem questão de participar da chapa presidencial petista.

"O vice será o avalista da negociação nos Estados e o Michel Temer é o nome preferencial", diz Geddel. "Ninguém melhor que o presidente nacional do partido para avalizar os acertos estaduais."

Lina afirma ter achado agenda que traz reunião com ministra

Leonardo SouzaAndreza Matais
Da Sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira diz ter achado a agenda com registro da reunião com Dilma Rousseff na qual a ministra da Casa Civil teria pedido para “agilizar” investigação contra empresas da família do senador José Sarney. Na primeira linha da página de 9 de outubro de 2008, há uma anotação sobre o compromisso. O Gabinete de Segurança Institucional diz haver registro da ida de Lina ao Planalto naquele dia. Dilma afirma que o encontro não ocorreu.

Lina acha agenda que teria data de reunião com Dilma

Registro à mão de encontro no Planalto aparece na página de 9 de outubro de 2008

Ex-secretária da Receita diz que ministra convidou-a para reunião e pediu para agilizar apuração sobre Sarney; Dilma rechaça pedido e encontro

A ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira afirma ter encontrado a agenda pessoal em que está registrada a reunião a sós com Dilma Rousseff, na qual a ministra da Casa Civil teria pedido para "agilizar" a investigação contra empresas da família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Na primeira linha da página do dia 9 de outubro de 2008, existe uma anotação à mão sobre o tal compromisso. Segundo Lina, o encontro ocorreu na parte da manhã, por volta das 11h, no Palácio do Planalto.

O Gabinete de Segurança Institucional confirma que há registros da ida de Lina ao edifício naquele dia. Dilma, no entanto, diz que nunca teve uma audiência reservada com a então secretária da Receita.

O documento reforça o relato que Lina fez à Folha no começo de agosto deste ano. Na ocasião, a ex-secretária afirmou que Dilma havia solicitado o encontro reservado no Planalto para encaminhar o que Lina interpretou como uma ordem para encerrar logo a auditoria sobre os negócios de Sarney, aliado histórico do governo Lula e hoje presidente do Senado -ordem que a ex-secretária afirma não ter acatado.

Dilma negou não só o pedido como o encontro. A Folha procurou a assessoria de imprensa da ministra, mas não obteve resposta.Tanto ela quanto Lula desafiaram Lina a apresentar a agenda. "Qual a razão que essa secretária tinha para dizer que conversou com a Dilma e não mostrar a agenda?", disse o presidente, em agosto.

Na entrevista à Folha, em que detalhou a reunião, descrevendo até a roupa da ministra, Lina ressaltara que tinha feito registro do encontro em sua agenda pessoal. No entanto, o documento estava entre seus pertences embalados para a mudança de volta a Natal (RN). Lina havia sido demitida em meados de julho do principal cargo do fisco, depois de apenas 11 meses no posto.

Entre as razões para sua exoneração, estava o incômodo no Palácio do Planalto causado por pressões de grandes empresas que haviam sido fiscalizadas pela Receita, num projeto adotado por Lina de priorizar os maiores contribuintes.

Em meados de agosto, Lina prestou depoimento no Senado. Confirmou o relato feito à Folha e deu mais detalhes da reunião com Dilma. Mencionou, por exemplo, o nome do motorista que havia lhe levado ao Planalto. Disse que considerava o pedido da ministra "descabido" -a Casa Civil não tem nenhuma ingerência formal sobre a Receita, subordinada ao Ministério da Fazenda.

Mais uma vez, porém, a ex-secretária não apresentou a agenda com o compromisso, fato comemorado por Lula, Dilma e pela base de apoio à candidatura da ministra à Presidência da República em 2010.

Numa tentativa de desmentir a ex-secretária da Receita, senadores governistas divulgaram datas em que Lina esteve no Palácio do Planalto. Um dos registros é justamente o da manhã do dia 9 de outubro.

Em nenhum momento, a ex-secretária havia dito em público o dia exato do encontro. Ela sempre contou somente que a reunião havia sido no final do ano. Como não havia nenhum registro de visita da ex-secretária em novembro e dezembro, o governo acreditou ter desmascarado Lina.

A oposição no Congresso chegou a solicitar as imagens do circuito interno de TV do palácio, mas o Planalto informou que só guardava essas imagens por 30 dias. Depois disso, as fitas seriam apagadas.

Dias após o depoimento no Senado, segundo a Folha apurou, Lina encontrou a agenda. Mas ficou com receio do que fazer com o documento. Afirma ter recebido recados de pessoas ligadas ao governo para deixar "o assunto morrer".

Em meados de setembro, a ex-secretária fez uma viagem de três semanas para a Europa.

Voltou no dia 7, disposta a dar um "desfecho formal" ao caso. Não quer mais exposição na imprensa. Prefere entregar o documento ao Ministério Público Federal, se convocada.

Governo já prevê recuo de 64 bi na arrecadação

Cristiane Jungblut e Martha Beck
Brasília
DEU EM O GLOBO

A queda na arrecadação de impostos do governo federal, causada principalmente pela crise global, levou a equipe econômica a rever suas contas e estimar perdas de R$ 64 bilhões na receita este ano. Mas, segundo cálculos da oposição, o recuo pode chegar a R$ 77 bilhões.

Tombo de R$ 64 bi

Com crise, governo prevê perda maior na arrecadação. Para oposição, recuo chegará a R$ 77 bi

O impacto prolongado da crise econômica mundial — e a consequente demora na recuperação da arrecadação — fez o governo elevar sua previsão de queda na receita este ano. Pela nova estimativa feita pela equipe econômica, a arrecadação deve encerrar 2009 em R$ 458,4 bilhões, ou seja, uma queda de R$ 64 bilhões em relação aos R$ 522,4 bilhões que foram projetados no início de 2009, na lei orçamentária.

Para a oposição, a perda para os cofres públicos este ano pode chegar a quase R$ 77 bilhões. A previsão de técnicos do PSDB especializados em contas públicas e execução orçamentária é que a receita administrada da União deverá fechar o ano em R$ 445,9 bilhões, o que representa uma queda de 14,7% em relação ao previsto inicialmente. Para o governo, a troca de comando no Fisco e a inadimplência — muitas vezes estimulada pelos sucessivos programas de refinanciamento — também contribuem para o mau desempenho das receitas.

O estudo do PSDB se baseia no comportamento das receitas em 2008 e nos efeitos que a crise econômica teve sobre a economia brasileira.

Como os técnicos da oposição acreditam numa recuperação mais lenta da atividade no país — o crescimento, por exemplo, não chegaria a 1% — suas projeções são mais pessimistas.

As sucessivas quedas na arrecadação e nas estimativas mostram que o problema é que não houve uma recuperação consistente. Assim, essa queda tende a ficar ainda maior. E, segundo informações de parlamentares governistas, os resultados da arrecadação de setembro ficaram pelo menos R$ 1 bilhão abaixo do que o governo esperava, o que deve piorar o perfil das contas públicas, pois os gastos continuam subindo.

Até agosto, a receita administrada somou R$ 308,5 bilhões, segundo dados da Receita Federal, o que corresponde a uma queda de 7% sobre o mesmo período no ano passado, quando esse montante era de R$ 331,8 bilhões.

O economista José Roberto Afonso acredita que o movimento de queda na arrecadação não está sendo invertido, apesar de a recuperação da economia real estar a todo vapor. Para ele, a desvalorização do dólar tem impacto direto nas contas públicas, devido às importações.

— O governo está fazendo uma aposta alta na arrecadação, que vai para baixo, e as despesas, para cima.

Estimo que, no presente, comparando a arrecadação atual com o mesmo período do ano passado, um quarto da queda esteja sendo explicado pela parte das importações.

Quanto mais o dólar derrete, mais a arrecadação cai — disse ele.

Recuperação só no 2º trimestre de 2010

A desaceleração da indústria em função da crise e as desonerações feitas para estimular a economia (R$ 25 bilhões em 2009) não foram os únicos responsáveis pela queda vertiginosa da arrecadação federal este ano. Os técnicos do Ministério da Fazenda já admitem que os problemas no Fisco com a troca de comando e a inadimplência dos próprios contribuintes acabaram fazendo com que o desempenho da arrecadação em 2009 ficasse abaixo até mesmo das previsões mais pessimistas.

— Medidas como a suspensão da exigência de os contribuintes apresentarem a Certidão Negativa de Débitos (CND) para financiamentos em bancos públicos acabam aumentando a inadimplência — disse um técnico da Fazenda. — Os programas de refinanciamento de dívidas tributárias (como o Refis da crise) acabam fazendo com que as empresas prefiram deixar de pagar impostos a ter que arcar com os juros elevados cobrados nos financiamentos bancários.

Para os técnicos do Ministério da Fazenda, é possível que a arrecadação volte a subir em relação a 2008 no último trimestre deste ano (até porque a crise já tinha gerado impacto sobre as receitas entre outubro e dezembro do ano passado), mas a recuperação firme só virá por volta do segundo trimestre de 2010.

Helicóptero da polícia é derrubado no Morro São João

DEM EM O DIA

Dois policiais morreram carbonizados dentro da aeronave. 120 PMs fazem operação no Morro dos Macacos e no Morro São João

Rio - A população do Rio de Janeiro amanheceu acuada e perplexa diante da violência do maior confronto dos últimos tempos. A disputa entre traficantes rivais produziu, nas primeiras horas de ontem, cenas de morte e destruição, comparáveis apenas a territórios em guerra. Depois de sete horas de intenso tiroteio entre quadrilhas no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, um helicóptero da Polícia Militar foi abatido enquanto sobrevoava os morros da Matriz e do Sampaio.

O piloto, capitão Marcelo Vaz, alertado sobre as chamas, conseguiu desviar das casas e tentou pousar num campo de futebol da Vila Olímpica do Sampaio. O oficial evitou uma catástrofe no morro, mas não a morte de dois soldados, carbonizados na explosão da aeronave. Vaz e outros três tripulantes ficaram feridos.

Os PMs mortos na queda são os soldados Marcos Stadler Macedo, 40, e Edney Canazaro de Oliveira, 30. Segundo o IML, os corpos serão liberados após comparação de arcada dentária e digital. Ainda estavam a bordo o capitão Marcelo de Carvalho Mendes, 29, copiloto, que levou tiro de fuzil no pé direito; o cabo Izo Gomes Patrício, 36, que teve 90% do corpo queimado; e o cabo Anderson Fernandes dos Santos, 34, que também sofreu queimaduras.

Até a noite de ontem, o saldo era de 15 mortos, incluindo os PMs. Segundo a polícia, 12 seriam traficantes, mas famílias de quatro jovens negam essa versão. Além dos quatro feridos na queda do Esquilo, foram baleados um cabo e o major João Jacques Busnello, que há um mês matou um ladrão que mantinha refém na Tijuca. A Secretaria de Segurança montou uma operação de emergência com 2 mil policiais, para evitar novos confrontos.

Ônibus são incendiados e também levam medo na Mangueira e no Jacarezinho

Pouco depois, uma onda de terror tomou conta da Zona Norte. Houve ataques a ônibus perto de favelas ligadas ao Comando Vermelho (CV), facção que invadiu o Morro dos Macacos, para desviar a atenção da polícia. A Secretaria de Segurança informou que oito coletivos foram queimados. Já o Corpo de Bombeiros foi mobilizado para combater cinco incêndios de coletivo, e a RioÔnibus afirmou que teve informações de dez veículos atacados. Próximo à Favela do Jacarezinho, um carro também foi destruído.

A empresa Braso Lisboa enviou ordem de recolher todos os coletivos que estavam circulando pelas ruas da cidade. A Rio Ônibus também orientou as demais empresas que têm linhas passando pelos bairros em confronto que recolhessem seus veículos.

Piloto de helicóptero é considerado herói

O capitão Marcelo Vaz, piloto do helicóptero que explodiu e caiu no campo de futebol, foi considerado um herói pelos moradores do morro. A moradora Daniele Santos, 20 anos, viu quando uma hélice do helicóptero despencou pegando fogo. Muitos moradores correram desesperados. "Se caísse dentro da comunidade seria um desastre. Esse piloto é um herói. Ele jogou para o lado, porque não teve como pousar", disse D.S, que estava em casa com as crianças.

Às lágrimas, o comandante da tripulação do Fênix 03, sargento Cordeiro, lembrou da hora em que avisou pelo rádio que o helicóptero estava em chamas. “A aeronave dele estava pegando fogo por todos os lados. Foi uma situação complicada. Disse ao Marcelo ‘desce, desce logo’. Marcelo soube manobrar o helicóptero em chamas e teve equilíbrio emocional para procurar o campo seguro”, desabafou o sargento.

Moradores abandonam residências

Dezenas de moradores do Morro dos Macacos abandoram suas casas com mochilas nas costas ou só com a roupa do corpo. A., de 24 anos, deixou a favela com a esposa e os filhos de 1 e 4 anos, para passar pelo menos o fim de semana na casa de familiares, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio.

"Não dá para viver assim, estamos saindo com a roupa do corpo". A doméstica M., 43 anos, que nasceu no morro, disse que foi a pior invasão que o morro sofreu. "Precisei tomar calmante, chorava e pedia misericórdia", disse, ao deixar a casa com mais 12 familiares em direção a Saracuruna.

A Polícia Militar montou um gabinete de gerenciamento de crise no 6º BPM (Tijuca) para monitorar e evitar novos conflitos na cidade. O comitê é composto pelo comandante-geral , coronel Márcio Sérgio de Brito Duarte; os chefes do Estado Maior, Coronéis Álvaro Garcia e Carlos Eduardo Milagres; o comandante do 1º Comando de Policiamento de Área (Capital) , Coronel Marcus Jardim; e os comandantes dos Batalhões de Choque, coronel Robson Rodrigues e do Bope, coronel Luiz Henrique.

A PM informou também que todos os batalhões do 1º , 2º, 3º e 4º CPAs (Capital, Grande Niterói, Zona Oeste e Baixada) estão de prontidão. No total, dois PMs foram mortos e dois ficaram feridos. Três pessoas foram presas

Nilze Carvalho & Dona Ivone Lara

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