sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Gabeira: "Eu não sou anti-ninguém"

Hoje pela manhã, Gabeira falou para corretoresde imóveis que atuam na Barra da Tijuca
DEU EM O GLOBO

Para Gabeira, sua aceitação na Zona Oeste vem aumentando e é fruto, principalmente, da exposição na TV, no rádio e na internet. No calçadão de Bangu, ele conversou com eleitores e chegou a medir a pressão, que deu 13 por oito. Antes de almoçar no shopping do bairro, Gabeira voltou a afirmar que não quer a nacionalização da campanha no Rio, caso vá para o segundo turno. E isso inclui não assumir uma postura contrária ao presidente Lula, citado a todo momento pelos outros três candidatos mais bem colocados nas pesquisas.

Gabeira nega ter recebido telefonema de interlocutores de Lula, que estaria preocupado com o cenário para 2010, mas já diz não esperar participação do presidente na campanha de segundo turno do Rio:

- Não sou anti-ninguém. Se fosse escolher ser anti-alguém, eu não seria anti-Lula. Tenho divergências com ele, nunca deixei de explicitá-las. Tenho certeza de que a campanha não será nacionalizada, tenho até dúvidas sobre quem o Lula acha o melhor candidato do Rio. Se vocês perguntarem a ele, acredito que ele vai vacilar.

E acrescentou:

- Se for o candidato que eu estou prevendo (Paes), esse é o campo de discussão mais incômodo para ele. Só te digo que é incômodo - disse Gabeira.

Jandira, quarta colocada nas pesquisas, centrou suas críticas em Gabeira e se colocou como a candidata anti-Crivella, mesmo tendo, até agora, poupado o adversário do PRB. As declarações de Jandira, no entanto, agora tiveram reação. Para Gabeira, a atitude da comunista, que chamou sua candidatura de "artificial", é desespero.

A candidata do PCdoB atacou até a imprensa:

- Estão insuflando um fenômeno absolutamente artificial que é o Gabeira para dizer que ele é o candidato anti-Crivella. A gente sabe que quem é anti-Crivella é aquele que consegue ter voto onde ele tem - disse ela, afirmando que a candidatura de Gabeira é desconhecida dos eleitores na Zona Oeste: - Ele (Gabeira) não existe na área popular da grande maioria dos eleitores.

Gabeira, que estava em Bangu, foi irônico sobre a adversária:

- Vamos deixar que o domingo diga se a minha candidatura é artificial, se eu sou um zero à esquerda na Zona Oeste. A decisão dela de se colocar como anti-Crivella é a luta desesperada pelo segundo turno. Se eu estivesse na posição dela, faria a mesma coisa - disse, afirmando que agora é tarde para a candidata: - Eu acho muito tarde, mas não quero também desencantá-la.

É hora de o Banco Central agir


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

É preciso agir já, pois os novos problemas que aparecerão darão à crise atual contornos bem mais dramáticos

A CRISE financeira que tomou conta do mundo continua a piorar, quase sem controle. É incrível a contaminação em praticamente todos os segmentos -mesmo os de menor risco- do mercado financeiro mundial. O pânico está fazendo com que o fluxo normal de recursos que circula entre instituições financeiras, empresas e investidores deixe de ocorrer. Vivemos com intensidade o que Keynes chamou de armadilha da liquidez em seus memoráveis textos econômicos. Esse verdadeiro calcanhar-de-aquiles do sistema capitalista foi o centro da crise econômica iniciada em 1929 e levou o mundo ao nazismo e à Segunda Guerra Mundial.

Mais de 70 anos depois da terrível revelação feita por Keynes, o mundo vive a mesma armadilha. O dinheiro em circulação deixa de seguir a racionalidade que muitos acreditam ser inerente às economias de mercado. Felizmente, o conhecimento dessa falha tectônica do sistema hoje é maior do que no passado, e os BCs sabem como agir para enfrentar essa situação. Mas a lentidão com que muitos dirigentes reagem a esse acontecimento tão raro está nitidamente presente e pesa na solução do problema. A melhor expressão que conheço para caracterizar esse estado de inércia catatônico é a expressão inglesa "too little too late".

Agora mesmo, quando escrevo esta coluna, temos um belo exemplo desse comportamento. O BCE manteve inalterada a taxa de juros no espaço econômico europeu, apesar de uma dinâmica inflacionária totalmente nova. Seu presidente deu poucos e tímidos sinais de estar pronto para uma mudança na condução da política monetária. Mas os sinais recessivos emitidos pelas economias européias são tão claros que o mercado passou por cima do francês travestido de falcão alemão e opera como se a redução dos juros já tivesse ocorrido.

No Brasil, temo que essa mesma reação catatônica diante de um mundo que mergulha em uma terrível crise tenha tomado conta do Banco Central. Talvez influenciado pelas palavras recentes do presidente Lula -"esse é um problema do Bush, não meu"-, mostra indiferença para com a crise de liquidez que tomou conta da economia. Venho alertando sobre isso nas últimas três semanas e volto a fazê-lo hoje.

Está passando da hora de reagir, e as conseqüências dessa inação já estão presentes na nossa economia. Qualquer observador minimamente ligado aos acontecimentos recentes no mundo sabe que a crise chegou entre nós de maneira muito forte.

Por enquanto, os instrumentos que o BC tem à sua disposição são suficientes para gerir esse choque de liquidez. Não é preciso nenhum pacote nem posições heróicas das instituições federais de crédito. Bastam apenas algumas ações temporárias para permitir que o setor privado e os consumidores ajustem suas posições para uma nova realidade. As mais importantes são a redução do compulsório bancário, a criação de linhas de curto prazo para financiar os exportadores brasileiros com os dólares da reserva (sem vendê-los para tentar influenciar a taxa de câmbio, por ora). Além disso, a elevação da inflação neste período de crise, na medida em que derive puramente da desvalorização do real, deve ser acomodada na banda do sistema de metas. Isso significa considerar seriamente a interrupção do ciclo de alta de juros, pois a economia já mostra sinais claros de desaceleração.

Mas isso precisa ser feito já, pois, do contrário, os novos problemas que vão certamente aparecer darão à crise atual contornos bem mais dramáticos.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 65, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Ciclo virtuoso


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. A crise econômica internacional fez o que o ministro Guido Mantega queria ter feito no início do ano, mas foi proibido pelo próprio presidente Lula: reduzir o prazo dos crediários, especialmente dos automóveis, para travar o consumo, que crescia à média anual de 7% - um ritmo insustentável para o tamanho da nossa economia, mas muito bom para alimentar a popularidade do presidente, que não à toa está em 80%. O plano do ministro era aumentar as exigências dos bancos para os financiamentos muito longos, para inviabilizá-los a partir de um determinado limite, que podia ser de 36 meses. Pois bem, o governo não mexeu nos financiamentos, os juros continuaram a subir para conter a inflação, pressionada pelo consumo interno aquecido, mas a crise financeira internacional acabou encarecendo o crédito e inviabilizando o financiamento de longo prazo.

Os prazos de financiamento para automóveis, que já foram de inacreditáveis 72 meses, não passam agora de 24 meses, e as prestações tiveram um reajuste entre 10% e 25%. As lojas que vendiam eletroeletrônicos e produtos de informática em até 24 meses reduziram esse prazo pela metade. Esse é um exemplo claro de como o governo Lula puxa ao limite todos os prazos, adia todas as decisões, para manter um estado de euforia, mesmo quando tudo indica que alguma coisa tem que ser feita.

A vantagem é que esse populismo, que já foi característico dos governos latino-americanos, tem hoje um freio muito claro: a noção de que é preciso manter o equilíbrio fiscal, imposta pela luta vitoriosa contra a inflação pelo Plano Real.

O Brasil foi o recordista mundial de inflação acumulada nos 30 anos entre 1963 a 1993. Uma inflação de cerca de 20% ao ano no início dos anos 70, que subiu para 40% em meados daquela década, e chegou a 100% ao ano na virada dos 70 para os anos 80.

A inflação foi quase a 250% em 1985, a mais de 1000% em 1988 e 1989, e 2.500% em 1993, chegando a 40% ao mês no início de 1994 e a 5.000% nos doze meses anteriores ao lançamento do Real. Esses 30 anos de hiperinflação cobraram um alto preço, com o país reduzindo suas taxas de crescimento à medida que a inflação ia subindo: 6,22% de 1964/1984; 4,39% de 1985/1989 e 1,18% de 1990/1994.

Ainda hoje lutamos para manter um crescimento econômico sustentável, e, sempre que uma crise surge no horizonte, vemos cortado nosso ritmo. Agora mesmo, depois de dois anos de crescimento maior de 5% do PIB - quase o dobro de nossa média dos últimos anos, embora abaixo da média dos emergentes -, temos pela frente a ameaça concreta de redução do ritmo de crescimento, de volta para a faixa de 2% a 3% do PIB.

A partir do Plano Real, e com a continuidade básica da política econômica no governo Lula, temos uma seqüência virtuosa no país como nunca aconteceu antes, assim resumida pelo ex-ministro da Fazenda Pedro Malan em um discurso proferido este ano na Câmara de Vereadores do Rio, em homengem pelos 15 anos do Plano Real:

"Quatorze anos de inflação civilizada. Quinze anos de início do programa de privatização. Dezesseis anos de um salto qualitativo e quantitativo no processo de abertura da economia ao exterior. Quinze anos de efetiva autonomia operacional do Banco Central. Quinze anos desde a conclusão do processo definitivo de renegociação da dívida externa do setor público".

"Quinze anos de expressivos ingressos de investimento direto estrangeiro no Brasil (mais de U$220 bilhões no período) expressão de confiança no país e em seu futuro. Dez anos já se passaram desde a resolução de problemas de liquidez e solvência no sistema bancário e público".

"Dez anos desde que o governo federal concluiu a renegociação da dívida de 25 estados e 180 municípios. Nove anos de bem sucedida operação do regime de metas da inflação; nove anos de regime de taxas de câmbio flutuante. Oito anos desde o início operacional dos programas de transferências diretas de renda para a população mais pobre, que não começaram com este governo. Oito anos exatos desde a aprovação pelo Congresso da crucial Lei de Responsabilidade Fiscal".

Se pensarmos em tudo o que aconteceu nesses últimos anos como um processo continuado, temos razão para sermos confiantes no futuro. É verdade que, como o governo Lula se jacta, estamos mais bem preparados para atravessar esta crise do que estávamos na crise do México, ou na da Ásia, ou na da Rússia.

Mas, os tempos também são outros, o mundo não é mais o mesmo - basta ver o tamanho da China hoje e o que era dez, quinze anos atrás -, e o país estava começando a fortalecer suas instituições numa agenda pós-derrota da hiperinflação totalmente nova.

Um exemplo é a Lei de Responsabilidade Fiscal, só aprovada no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, ou o Proer, tão criticado na ocasião e hoje citado pelo próprio Lula como exemplo a ser seguido pelos Estados Unidos.

Não é à toa que Charles Dallara, diretor-gerente do Institute of International Finance (IIF), entidade que reúne os 380 maiores bancos do mundo, afirmou ontem que o Brasil não terá grandes dificuldades para atravessar a crise econômica, pois os bancos brasileiros estão bem capitalizados e são bastante rentáveis, e a inflação está sob controle.

O governo Lula, aliás, está conseguindo a grande proeza de dar alegrias aos banqueiros e aos do andar de baixo, e isso explica sua alta popularidade. As bazófias do tipo "Crise, que crise? Essa crise é do Bush" são só truques de um político experiente, que sabe como ninguém assumir os louros das vitórias e se livrar das críticas das derrotas.

Mas, vai ficar para o próximo presidente dar continuidade às reformas estruturais: trabalhista, previdenciária, tributária, que podem ser às vezes impopulares no momento, mas sem as quais o país terá apenas ciclos restritos de crescimento, sempre abortados.

Chá, chá, chá das secretárias


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pisoteado de todos os lados, por cima do Código de Conduta da Comissão de Ética Pública passaram bois, boiadas e ainda passam ministros à vontade. Só não passam as 300 secretárias do Palácio do Planalto obrigadas, “por determinação expressa” da ministra Dilma Rousseff, a devolver os brindes sorteados na festa em comemoração ao dia delas, 30 de setembro.

Passagens aéreas, diárias em hotéis, vales-academia, lingerie, tudo ofertado por empresas privadas, a grande maioria no valor acima de R$ 100, cujo recebimento é vedado pelo referido código.

A rigor, as secretárias estariam fora das regras criadas em 2002 para regular a conduta de “ministros de Estado, secretários executivos, cargos especiais, diretores de autarquias, agências reguladoras, empresas estatais e demais autoridades de nível equivalente”.

Mas, como os presentes se destinam a agradar aos chefes, na essência, a extensão do princípio a elas estaria correta, não fosse o caráter seletivo da aplicação da boa prática.

Até hoje, salvo uma advertência ou outra e reclamações de conselheiros da Comissão de Ética sempre em tom de causa perdida, nenhuma autoridade foi obrigada a se enquadrar às normas do manual. Algumas o fizeram espontaneamente.

Mas, a começar da entrega do pagamento das reformas dos Palácios do Planalto e Alvorada a um “pool” de empresas privadas, o código é tratado literalmente como bolinha de papel.

Muito provavelmente esta seja a razão pela qual a Coordenadoria de Relações Públicas do Planalto, subordinada à Casa Civil, tenha organizado a festa sem se preocupar em consultar as normas de conduta.

Por que o faria?

Se dois ministros, sob o silêncio complacente do presidente Luiz Inácio da Silva, fizeram troça explícita da comissão e do código, não seria a celebração do Dia da Secretária que iria alterar a forma de se ver as coisas no Planalto.

O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, foi alertado sobre o conflito de interesses entre o acúmulo do cargo e a presidência do PDT e só deixou formalmente o comando do partido meses depois de dizer todos os desaforos que quis a respeito da conduta da Comissão de Ética. “Hipócrita”, segundo ele.

Durante o período de resistência, juntou-se a ele no deboche o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, tratando de avisar aos navegantes que quando o carnaval chegar pretende aceitar todos os convites de empresas privadas para festas, bailes e desfiles, a despeito do veto escrito no código. Tal como a proibição do recebimento de brindes de mais de R$ 100.

A própria Dilma Rousseff está sob escrutínio da Comissão de Ética que verifica se foi ético o comportamento dela durante as negociações da venda da Varig, ao receber o advogado de uma parte interessada, Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio da Silva.

O chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, também foi submetido a exame por causa das conversas gravadas com o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh durante a Operação Satiagraha.

Se houve alguma posição da Comissão de Ética, ninguém soube, ninguém viu, muito menos ouviu.

Há normas, além das relativas aos conflitos de interesses, que também são constantemente ignoradas. Por exemplo: a proibição de uma autoridade se manifestar publicamente a respeito do desempenho funcional ou pessoal de outra.

Tivemos oportunidade de assistir o quanto esse ponto do manual é observado na recente troca de acusações das mais pesadas entre integrantes do primeiro escalão do aparato de segurança do Estado.

O que dizer, então, do rol de procedimentos recomendados para períodos pré-eleitorais?

A participação em campanhas é simplesmente vedada, “mesmo de maneira informal”, diante “das dificuldades de se compatibilizar essa atividade com as atribuições funcionais”.

É considerado comportamento impróprio “aproveitar viagens de trabalho para participar de eventos político-eleitorais”, bem como é tido como “fundamental” que a autoridade não faça promessas, cujo cumprimento “dependa do uso do cargo”.

O código segue muito bem detalhado e fundamentado, mas paremos por aqui, dada a inutilidade da leitura de letras mortas. Ressuscitadas temporariamente no caso das secretárias, apenas como medida de rigor publicitário.

Escaldados


Paira sobre o PSDB a sombra da estratégia adotada pela campanha presidencial do partido em 2006, na passagem do primeiro para o segundo turno.

Três são os erros apontados: a demora na retomada do programa eleitoral, o abraço do afogado em aliados errados (naquele caso, Anthony Garotinho) e a entrega da agenda nas mãos do adversário.

Em São Paulo, se a vaga na final for de Gilberto Kassab, petistas e tucanos contarão com a mesma dupla de marqueteiros da época: João Santana e Luiz Gonzalez. Uma boa chance para conferir se o que predomina é a ótica publicitária ou a visão do comando político.

O pacote anônimo


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

O presidente Lula tem uma solene implicância com a palavra pacote. O enjeitado substantivo não deve ser mencionado nas reuniões palacianas convocadas exatamente para tratar da sua montagem, com o elenco das medidas urgentes que bloqueiem o risco de que a crise que arruina as instituições financeiras dos Estados Unidos contaminem o Brasil, com efeitos calamitosos para os planos armados para garantir a popularidade presidencial, as obras do PAC e a eleição da ministra-candidata Dilma Rousseff, em 2010.

Na consulta aos dicionários para catar sinônimos que não arranhem os ouvidos presidenciais, o resultado é mofino: embrulho soa como deboche, trouxa piora o soneto.

Ora, fica mais difícil para a equipe econômica passar para o distinto público que no próximo domingo, dia 5, votará nos 5.562 municípios para eleger os prefeitos e vereadores, obedecer ao pé da letra às ordens contraditórias do presidente. Da recomendação terminante de que "o Natal está aí, cuidem do crédito para os exportadores, para os industriais, para os agricultores e para as pessoas físicas", sem esquecer a continuidade das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que "não podem ser ameaçado pelos efeitos da crise internacional".

Trata-se de uma mágica a exigir prodígios de habilidade dos ministros da área econômica. De alguma forma facilitada pela aterrissagem presidencial na constatação de "não podemos fingir que não existe uma crise". No que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, emendou como o eco que amplia o som: "Haverá pacote, mas nos Estados Unidos. Quem precisa de um pacotão são os americanos. Pacote é coisa do passado".

Se o equilíbrio na corda frouxa exige cautela e vista apurada para acompanhar a evolução da crise no mundo e as suas repercussões no nosso país, as eleições municipais chegam em boa hora para aliviar as aflições do Planalto. Os resultados do primeiro turno, que devem ser conhecidos na noite de domingo, garantem munição para abastecer o paiol com as especulações sobre o segundo turno. Outubro está com a agenda completa.

E daí até o fim do ano, só o imprevisto atrapalharia a temporada de repouso dos parlamentares, com as férias do Congresso, o Natal, a passagem ano. Se as urnas não prometem sustos que desestabilizem o esquema oficial, o presidente certamente aproveitará os seu vagares para as articulações que recomponham os estragos na máquina de apoio parlamentar, sem grandes mudanças no núcleo de confiança. E é inútil tentar antecipar o que só a contagem dos votos revela.

Lula já mostrou o seu repertório de esperteza e a sua facilidade em distribuir recompensas e agrados para os injustiçados pelo voto. E o que realmente conta são os grandes Estados e o conjunto da obra.

As contradições entre o que o presidente apregoa e a realidade não atravessam o escudo que protege a sua popularidade. Entre êxitos inegáveis como da Bolsa Família, da disparada dos índices de redução da pobreza e tudo o mais que tem sido balado pela maior máquina de propaganda de todos os tempo, o contraste com os desafios que permanecem intocados escorrem como água morro abaixo, pelo desligamento da opinião pública.

O inchaço das áreas urbanas com a migração interna que não cessa nem é acompanhada pelo governo, do município ao federal, infartado pelo monstrengo ministerial e que agora explode com o colapso do transito nas grandes e médias cidades. A pilhagem do aumento suspeito das multas não disfarça a situação calamitosa da rede rodoviária nacional, largada às traças. O mesmo quadro da rede portuária, da saúde pública, da educação. E nas favelas dominadas pelo tráfico de drogas, a polícia só entra nos blindados e caveirões.

Como a hiena da anedota, nós estamos rindo de quê?

O PT tem Marta ou Marta


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Para Serra, ou vai ou racha. Para Alckmin, tudo ou nada. Para Kassab, o que vier é lucro. E para Marta Suplicy? Ao contrário de todos os seus oponentes, Marta entrou na disputa menos por precisar e desesperadamente querer e mais porque o PT precisava e desesperadamente queria. Isso faz toda a diferença no balanço de perdas e ganhos.

A tendência é que Marta vença no domingo, mas tenha um segundo turno duríssimo pela frente. Vai se chocar de frente com a força do governo do Estado e da prefeitura, carregando a sua própria taxa de rejeição e o teto do seu partido na capital. Dê no que dê, ela tem o direito de reclamar os bônus para si e de dividir o ônus com o PT.

Marta é boa de briga e gosta de campanhas, mas ela estava tranqüila no Turismo e foram buscá-la em casa por absoluta falta de alternativa, depois que candidatos potenciais caíram como castelo de cartas com o sopro de mensalões e cuecões. Só sobrou Marta. Se ganhar, ótimo para todos.

Se perder, ruim para ela e para os outros, mas ela poderá até mesmo escolher a volta a um ministério. Lula e o PT terão condições de negá-lo? A falta de quadros competitivos, aliás, é um dos fortes da eleição paulistana, em que tudo gira em torno de Alckmin, Marta e Serra, incorporado em Kassab, além do velho Paulo Maluf.

A única originalidade é a Soninha, PPS, ex-PT, que deu cor, voz e uma postura diferentes à disputa, provocando uma polarização curiosa e, digamos, auspiciosa entre ela e Maluf. No último debate, ele mentia descaradamente, o que não é novidade. E ela respondia jovial e sinceramente, o que é uma baita novidade.

O domingo encerra uma fase da campanha. No segundo turno -como Alckmin sentiu na pele em 2006- começa tudo de novo. A vida de Marta vai ficar difícil, mas o problema é mais do PT do que dela, que, vença ou não, tem vaga cativa na disputa pelo governo em 2010.

O muro da rejeição


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Gilberto Kassab e Marta Suplicy fizeram as duas campanhas mais competentes da disputa paulistana. A do prefeito foi capaz de contaminar sua intenção de voto pela boa avaliação de seu desempenho à frente da administração municipal. A da ex-ministra conseguiu mantê-la no topo da disputa até o final do 1º turno, mas não foi capaz de atingir uma de suas principais metas, a de reduzir sua rejeição. É este o principal obstáculo à sua vitória em 2º turno.

Não faltam esforços. O bordão "Ela está mais madura e preparada" tem sido repetido à exaustão até pelo presidente da República. Durante a campanha, a candidata petista tem-se mantido exitosamente vigilante em relação às armadilhas do destempero verbal. Admite os erros de sua gestão e busca temas para ampliar o voto além do eleitorado excessivamente periferizado de 2004. Não exibe o segundo marido, usa um guarda-roupa mais austero e não tem sido vista medindo seus interlocutores.

Nada disso foi capaz de evitar que a candidata petista chegasse às vésperas das urnas com inamovíveis 35% de rejeição. Ao disputar a prefeitura em 2004, o governador José Serra encerrou na liderança o 1º turno com apenas 15% de eleitores que o descartavam por completo. Marta, que era prefeita, chegou ao início de outubro daquele ano com o dobro desse patamar de rejeição.

Não se procurem razões em sua gestão como prefeita. Marta deixou a administração paulistana com uma avaliação tão boa quanto aquela que Kassab tem hoje (48%). Sendo que a curva de rejeição de Kassab é declinante e a de Marta, sem inflexão.

Imagem não é tudo e Geraldo Alckmin está aí para provar. O ex-governador de São Paulo chega desacreditado ao final do primeiro turno desta campanha apesar de ter uma das mais baixas rejeições de toda a disputa (17%). Entre os que não o odeiam inexiste maioria suficiente disposta a votar nele.

Com a ex-ministra Marta Suplicy (PT) ocorre o inverso. Pelo menos metade daquele terço do eleitorado que vai ao 2º turno em busca de um candidato não admite votar nela. É só fazer as contas. A maior rejeição está entre os eleitores de Alckmin (62%), mas o índice também é alto no eleitorado malufista (58%) e no da candidata do PPS, Soninha Francine (39%).

Isso explica em parte porque, nas simulações de 2º turno, Kassab arrebata 70% dos eleitores órfãos de candidatos. Outra parte da explicação é que Kassab poderá ser beneficiado pela maré conservadora de um eleitorado que, satisfeito, tende a manter os atuais grupos políticos no poder municipal.

Uma terceira explicação está na própria história eleitoral da cidade. Dos cinco eleitos desde a redemocratização, dois eram malufistas (o titular, em 1992, e sua derivada, Celso Pitta, em 1996) e dois, petistas (Luiza Erundina, em 1988, e Marta, em 2000). Até o PSDB sair de sua condição de coadjuvante e vingar, em 2004, com a eleição de José Serra, em 2004, petistas e malufistas se revezaram na condição de principal cabo eleitoral um do outro.

O malufismo foi durante oito anos a melhor opção anti-petista que o eleitorado paulistano pôde encontrar e o petismo, em duas eleições, foi a alternativa que estava à mão contra a ameaça malufista. Um e outro ganharam suas eleições com a conquista do centro. Em 2004, o ocaso do malufismo e a rejeição à Marta entregaram esse centro nas mãos do PSDB.

Enquanto o Maluf dos velhos tempos faz falta à Marta, o anti-petismo ainda faz a festa do arraial demo-tucano. Associado à recalcitrante rejeição da candidata, e às poderosas máquinas municipal e estadual, poderá tornar os próximos 23 dias curtos demais para Marta Suplicy alcançar a maioria . O PT pode até convencer o presidente a desembarcar de mala e cuia na campanha martista. O que ainda não se comprovou é que ele tenha alguma coisa a ver isso.

É a política, estúpido

O marqueteiro James Carville trabalhou pela vitória de Bill Clinton sobre George Bush, em 1992. É a ele que se atribui a máxima "É a economia, estúpido", que tentava chamar a atenção dos democratas para a necessidade de focar a campanha na recessão econômica provocada por Bush pai.

Não há dúvidas de que as alternativas à crise econômica hoje domina as preocupações do eleitor americano. Mas foi preciso que a bolha explodisse em plena campanha para que se explicitasse ao mercado o caráter político da busca por suas saídas.

A longa dominância republicana do Congresso foi capaz de, por frágeis maiorias, impor Orçamentos com generosos cortes de impostos que beneficiaram os mais ricos sob a justificativa de que estes, livres de impostos e regulações, seriam capazes de gerar mais riqueza e empregos para o país. A lógica prevaleceu em detrimento do aparato social do Estado, hoje desaparelhado para lidar com a maior taxa de pobreza do país dos últimos 50 anos.

Sócio da irresponsabilidade fiscal dos anos Bush, o Congresso americano, de longe o mais forte parlamento das grandes economias mundiais, agora será chamado a arbitrar quem pagará a conta da crise. Terá que fazê-lo sob a pressão do eleitor, o que sempre melhora a democracia, ainda que a contragosto do mercado.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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