quinta-feira, 12 de março de 2020

Opinião do dia – Ascânio Seleme* (pessoa perigosa)

No auge de uma pandemia que se espalha de maneira geométrica e causa pânico em todo o mundo, o presidente deu uma entrevista afirmando que "o coronavírus não é isso tudo que a grande mídia propaga”. Outra vez culpou a imprensa por exagerar a ponto de causar uma crise global que culminou com a queda do preço do petróleo. Esta deve ter sido, se não a maior, uma das maiores sandices já ditas por um presidente da República em todos os tempos. Bolsonaro deixou de ser apenas um sujeito mal-intencionado, e passou a ser uma pessoa perigosa.

*Ascânio Seleme, jornalista. “Eu ia escrever sobre o amor”, O Globo, 12/3/2020.

Luiz Carlos Azedo - Cavaleiros do Apocalipse

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Uma crise de relacionamento entre o presidente da República e o Congresso pode pôr tudo a perder. Bolsonaro subestima a pandemia de coronavírus”

O Apocalipse, o último livro da Bíblia, foi escrito por João, um dos quatro evangelistas — os outros são Mateus, Marcos e Lucas —, por volta de 95 d.C., na pequena ilha grega de Patmos, no mar Egeu. São visões aterradoras, nas quais quatro cavaleiros espalham fome, guerra e peste. Anjos trombeteiam castigos e catástrofes. Há trovões, relâmpagos e terremotos; chuvas de granizo, fogo e sangue. Pragas terríveis se disseminam, como vorazes gafanhotos e venenosos escorpiões. João prevê um confronto final entre Deus e o diabo, entre o bem e o mal. Para muitos, relata o fim do mundo, embora esse não seja o juízo dos teólogos cristãos. Em grego, apocalipse significa “revelação”, ou seja, o desvendamento de coisas que até então permaneciam secretas a um profeta escolhido por Deus, o chamado juízo final: Deus manda os maus para o inferno e os bons para o paraíso.

Em 1348, a peste negra chegou à Península Itálica; para muitos, era o apocalipse. Foi uma das mais trágicas epidemias que assolaram o mundo ocidental. Assim como a Aids, que nesta semana registrou os dois primeiros casos de cura, a peste negra foi considerada um castigo divino contra os hábitos pecaminosos da sociedade. Originária das estepes da Mongólia, onde pulgas hospedeiras da bactéria Yersinia Pestis infectaram diversos roedores, que entraram em contato com zonas de habitação humana e se instalaram nos animais domésticos e nas peças de roupa. A peste foi disseminada pela chamada Rota da Seda e pelo comércio do Mediterrâneo. O intercâmbio comercial entre o Ocidente e o Oriente, reativado desde o século XII, explica a rápida propagação da doença pela Europa.

Não se tinha conhecimento, à época, para entender a doença, tanto sua variação bubônica, que atacava o sistema linfático, como a pneumônica, que atacava diretamente o sistema respiratório. Desconhecendo as origens biológicas da doença, muitos culpavam os judeus, os leprosos e os estrangeiros pela peste negra, embora as condições de vida e higiene nos ambientes urbanos do século XIV fossem grandes propulsoras da epidemia. Nas cidades medievais, lixo e esgoto corriam a céu aberto, atraindo insetos e ratos portadores da peste. A falta de higiene pessoal facilitava a propagação da epidemia, que se instalava por períodos de quatro a cinco meses. Cidades eram abandonadas ou se fechavam completamente, em quarentena. Um terço da população morreu.

Merval Pereira - Fora da realidade

- O Globo

Presidente deveria estar à frente da mobilização que seu próprio governo está fazendo contra o vírus

Enquanto os dirigentes de mais de cem países do mundo orientam seus cidadãos para que evitem aglomerações, e mesmo proíbem reuniões públicas, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, diz que o surto do novo coronavirus no mundo não é tão grave assim, e convoca manifestações populares para apoiar seu governo contra os demais poderes da República.

Diz-se que um estadista é aquele que se preocupa com as futuras gerações, enquanto um populista só pensa na próxima eleição. Essa talvez seja a melhor definição do tipo de líder que ele é, populista mais preocupado com seus interesses eleitoreiros imediatos.

O mundo está de pernas para o ar diante de uma pandemia mortal de que não se sabe o alcance, pois a contaminação é muito mais rápida do que vírus anteriores, e o presidente Bolsonaro diz que outras gripes mataram muito mais. Uma análise superficial e apressada, pois ainda não se tem confirmação sobre o grau de letalidade do Covid-19, nem se sabe se as notificações de países como o Irã ou Rússia, entre outros, são verdadeiras.

Além do mais, temos particularidades que nos ajudam, como o calor agora no verão, mas outras que atrapalham, como a falta de capacidade do sistema único de saúde (SUS) de atender a uma demanda que pode crescer exponencialmente a partir de determinado número de contagiados.

Mas, ao mesmo tempo, o próprio presidente diz que a crise não é tão grave, e convoca manifestação nas ruas, quando o mundo inteiro proíbe aglomerações e cancela eventos. Seria importante um gesto de sobriedade, de inteligência, do presidente do país pedindo a seus seguidores para não irem para a rua, pois isso pode acelerar a epidemia.

Perguntado se faria isso, Bolsonaro, como sempre, esquivou-se de responsabilidade. Disse que não havia convocado ninguém, e que os organizadores das manifestações é que deveriam se manifestar. Além de ser uma mentira pública, pois há vídeos de sua fala em Boa Vista no fim de semana passada convocando seus seguidores a participarem das manifestações, Bolsonaro demonstra que ainda não entendeu o que está acontecendo no mundo.

Bernardo Mello Franco – Brincando de colorir

- O Globo

Enquanto o mundo se mobiliza para tentar conter o coronavírus, Bolsonaro diz que a doença “não é isso tudo”. Suas falas mostram ignorância e falta de conexão com a realidade

É uma questão de tempo. O coronavírus mal chegou ao Brasil e já provocou um tombo histórico no mercado financeiro. Em poucas semanas, deve causar estragos ainda maiores na saúde pública.

A pandemia pôs o planeta em alerta, mas não parece preocupar Jair Bolsonaro. Na terça-feira, ele disse que o assunto não passa de “uma pequena crise”. “No meu entender, muito mais fantasia. A questão do coronavírus não é isso tudo que a grande mídia propala”, opinou.

As declarações mostram um presidente desconectado do mundo real. Enquanto outros líderes anunciam medidas contra a doença, Bolsonaro tenta negar sua gravidade. Nas horas vagas, brinca de colorir. Foi o que ele fez ao se exibir com um pincel diante de uma tela de Romero Britto, pintor preferido dos brasileiros em Miami.

“É lamentável que o chefe maior da nação adote este comportamento. As falas dele têm impacto, atingem milhões de pessoas”, critica o epidemiologista Roberto Medronho, professor da UFRJ.

Num governo avesso ao conhecimento e à ciência, o ministro da Saúde tem se destacado pela atuação sóbria. Avesso a teorias conspiratórias, Luiz Henrique Mandetta emerge como uma figura equilibrada na crise. Não é pouco. Seu colega Abraham Weintraub, titular da Educação, já usou uma suspeita de coronavírus para incitar o ódio contra uma pesquisadora.

Ascânio Seleme - Eu ia escrever sobre o amor

- O Globo

Bolsonaro deixou de ser apenas um sujeito mal-intencionado, passou a ser uma pessoa perigosa

Verdade. Eu ia escrever sobre o amor. Como as pessoas se conhecem, se apaixonam e se casam usando as redes sociais e os sites de relacionamento. Como muitos também se separam pelas redes. Tentaria mostrar como esses casais exaltam em cores e sorrisos as suas histórias de amor eterno. E como outros, diante da inevitável separação, apagam os seus passos em conjunto, eliminam qualquer evidência de um que um dia estiveram casados, deletando para sempre fotos, vídeos e declarações de amor postados no Insta e no Face. Seria uma coluna mais leve, mas ainda assim de tremendo interesse para a sociedade. Mas aí veio a última do Bolsonaro.

No auge de uma pandemia que se espalha de maneira geométrica e causa pânico em todo o mundo, o presidente deu uma entrevista afirmando que "o coronavírus não é isso tudo que a grande mídia propaga”. Outra vez culpou a imprensa por exagerar a ponto de causar uma crise global que culminou com a queda do preço do petróleo. Esta deve ter sido, se não a maior, uma das maiores sandices já ditas por um presidente da República em todos os tempos. Bolsonaro deixou de ser apenas um sujeito mal-intencionado, e passou a ser uma pessoa perigosa.

Se um brasileiro seguir a orientação do seu líder e passar a menosprezar o coronavírus como se não fosse isso tudo que estão falando, ele certamente deixará de atender às recomendações feitas por médicos e sanitaristas, transformando-se num potencial candidato a ser infectado e virar um forte transmissor da doença. O presidente disse, em outras palavras, que a pandemia é uma bobagem. Vejam o tamanho da irresponsabilidade de quem governa o Brasil. Não dava mesmo para falar de amor numa hora dessa.

Nos Estados Unidos, aonde cheguei na segunda-feira, não há outro assunto. Nem a Super Tuesday vencida por Joe Biden conseguiu desmobilizar o país em torno do coronavírus. Aliás, mesmo as campanhas dos dois candidatos democratas foram reduzidas para se evitar aglomerações no dia do pleito. Em Nova York, a Universidade Columbia suspendeu suas aulas, assim como Harvard, em Boston. Hospitais de NYC já estão racionando máscaras para pacientes, médicos e enfermeiros. Falta álcool gel nas farmácias da cidade. Alguém já imaginou que algum produto um dia faltaria em Nova York?

Carlos Alberto Sardenberg - Coronavírus é recessão

- O Globo

Todos os governos precisam gastar muito dinheiro no controle da pandemia, conforme a OMS a declarou ontem

Eis como a situação econômica, em qualquer país, pode se complicar, em consequência das restrições impostas para o controle do coronavírus. Começa que a empresa perde receita ou porque teve que fechar (cinemas, por exemplo) ou porque os consumidores não vão às compras.

Mas continua com suas obrigações básicas, pagamento de salários, impostos e prestações de empréstimos, além da conta de insumos adquiridos anteriormente. Se essa situação se prolonga, a empresa atrasa impostos, dá o cano nos bancos e demite funcionários. E a crise passa para o governo, que perde receita, para os bancos, que levam calote, e, mais importante e grave, para os trabalhadores que perdem emprego.

É a partir daí que todos, governo e sociedade, devem organizar as respostas para dividir os prejuízos. No fundo, sabe-se o que fazer. A questão política é como coordenar as medidas nacional e globalmente.

Governos podem adiar o pagamento de impostos, especialmente para os setores mais atingidos. Bancos podem negociar a reestruturação de financiamentos. Na Itália, a associação de bancos disse que seus membros podem suspender as dívidas de pequenas empresas e de pessoas, incluindo hipotecas. E as empresas em geral podem evitar as demissões, por exemplo, reduzindo a jornada de trabalho, com redução equivalente de salários. Mesmo assim, governos devem estender os benefícios de desemprego.

Tudo isso custa dinheiro e requer outras ações para amenizar os danos. Os bancos centrais já se preparam para injetar dinheiro no sistema financeiro, comprando títulos de bancos e empresas. Em muitos países, a taxa de juros já está a zero ou negativa — era uma resposta à desaceleração econômica que já acontecia antes do coronavírus. Nesses casos, só resta a opção de dar liquidez ao mercado. Mas nos Estados Unidos, por exemplo, é praticamente certa a redução dos juros a zero.

E, finalmente, todos os governos precisam gastar muito dinheiro no controle da pandemia, conforme a OMS a declarou ontem.

Nada disso é novidade. As medidas econômicas de combate à recessão foram aplicadas na crise de 2008/09, com bastante sucesso. E houve uma extraordinária coordenação entre governos, bancos centrais e instituições globais, como o FMI e o Banco Mundial.

Míriam Leitão - O dia da queda de todas as fichas

- O Globo

Crise do coronavírus se espalha e afeta a bolsa e a economia. Desarticulação política do governo levou a aumento de R$ 20 bi em gastos

A Ásia terá vários países em recessão, na Europa, a Itália certamente afundará e talvez a Alemanha. Nos Estados Unidos, o cenário mais suave é de desaceleração forte, o pior cenário inclui uma crise de crédito porque as empresas americanas estão muito endividadas. Esse é o quadro econômico que está se formando com a dispersão do covid-19, segundo a visão do economista José Roberto Mendonça de Barros. No Brasil, o Congresso criou uma despesa obrigatória de R$ 20 bilhões por ano. O dinheiro é destinado aos mais pobres, mas na visão da equipe econômica isso derruba na prática o teto de gastos.

Tudo está acontecendo ao mesmo tempo no mundo. O vírus se espalhando, as bolsas despencando, as economias reduzindo o ritmo de crescimento. Sobre a China, Mendonça de Barros usa o dado do BNP Paribas, de queda do ritmo do PIB para 4,5%. O primeiro banco a rever fortemente o crescimento da China foi o BNP Paribas. O economista-chefe do banco no Brasil, Gustavo Arruda, disse que quando sua equipe conversou com o time da Ásia e viu a gravidade da situação, em 18 de fevereiro, ele reduziu a previsão de crescimento do Brasil para 1,5%.

— Dada a gravidade da situação era impossível que ficasse localizado na China. O Brasil é afetado de diversas formas. Pelo canal externo, pelos preços das commodities, mas também pelas importações de vários setores, como eletrônicos — disse Gustavo.

Maria Hermínia Tavares* -Tão urgente, tão remota

- Folha de S. Paulo

Responsabilidade fiscal não deveria impedir responsabilidade social

Falando na semana passada a estudantes de pós-graduação da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, o governador do Maranhão, Flavio Dino, sustentou que o necessário compromisso com a responsabilidade fiscal não deveria impedir outro —também premente— com a responsabilidade social. Esta última, advertiu, exige que se pense em políticas de proteção social a mais longo prazo, aptas a lidar com problemas que hoje apenas se anunciam, mas que virão a galope, trazidos pelas grandes mudanças na economia e no mundo do trabalho.

Ao governador do PC do B preocupa a propagação avassaladora da informalidade e do trabalho precário --intermitente e, em regra, mal remunerado. Ele se inquieta com o seu previsível impacto sobre a Previdência, os programas de transferência de renda e o sistema de saúde pública.

Ainda bem, até porque esse enfoque está a anos-luz da retórica e das propostas dos economistas do governo, enquanto boa parte das oposições se limita a jogar apenas na defensiva —o que pode ser necessário, mas é claramente insuficiente.

A mesma preocupação infunde o relatório, publicado em fevereiro, do Diálogo Inter-Americano, think-thank de Washington dedicado ao debate de questões relevantes para o continente.

Fernando Schüler* - O debate do Fundeb

- Folha de S. Paulo

Garantia de direitos não é sinônimo de gestão estatal de serviços

O debate em torno do Fundeb está em pauta no Congresso. Ele não diz apenas respeito ao financiamento da educação brasileira, mas também à definição sobre como se fará a gestão de nossas escolas. Isto é: como se fará para garantir que o direito à educação básica, inscrito na Constituição, seja efetivo.

Há temas que mereceriam especial atenção no parecer apresentado pela deputada Professora Dorinha, relatora da PEC do Fundeb. Um deles é a determinação de que no mínimo 70% dos recursos do fundo sejam aplicados, nos estados e municípios, no pagamento de “profissionais da educação em efetivo exercício”.

Mais do que criar um engessamento impróprio para um país continental e diverso como o Brasil (como saber se daqui a dez anos, nos 5.570 municípios brasileiros, será esse o percentual requerido?), a redação parte da premissa, que parece implícita no projeto, de que a oferta da educação básica será necessariamente estatal.

Caso aprovada, teríamos uma contradição com o artigo 213 da Constituição, que trata do uso dos recursos públicos para a educação. O parecer sugere que o referido artigo trata a gestão via parcerias com o setor publico não estatal (escolas filantrópicas, confessionais e comunitárias) como “exceção”, e não como uma possibilidade aberta aos gestores das redes públicas de educação.

Há um claro equívoco aí. As restrições estabelecidas pelo constituinte para esse tipo de gestão por contratos são bastante precisas e dizem respeito à natureza filantrópica, isto é, sem fins lucrativos, das instituições. A condicionante mencionada no parecer, relativa à falta de vagas nas redes públicas, diz respeito ao mecanismo de oferta de bolsas de estudo.

Bruno Boghossian – Sociedade limitada

- Folha de S. Paulo

Com retaliação de R$ 20 bi, parlamentares podem virar sócios do governo na crise

Durou pouco mais de um ano a ilusão de que o Congresso havia jurado amor eterno à agenda de aperto nas contas públicas. Em mais um momento tenso nas relações com o Planalto, os parlamentares decidiram espetar no governo um gasto extra de R$ 20 bilhões por ano para ampliar o benefício pago a deficientes e idosos muito pobres.

A derrubada do veto de Jair Bolsonaro a esse dispositivo é mais uma prova de que nenhuma aliança funciona no piloto automático. No primeiro ano de mandato, deputados e senadores firmaram uma parceria com a equipe econômica e driblaram a tentação de criar despesas exageradas para os cofres do governo.

O vento virou quando o presidente passou a guerrear de frente com o Legislativo. As convocações para o protesto do dia 15 e a intimidação aos parlamentares no debate sobre o controle do Orçamento, somadas às recentes caneladas do ministro Paulo Guedes, implodiram o acordo.

Roberto Dias – Pandemia de fake news

- Folha de S. Paulo

Legislação capenga para combater essa praga volta a cobrar seu preço

É famosa a discussão sobre o sujeito que anuncia um falso incêndio dentro de um teatro lotado. Não se pode dar à sua irresponsabilidade a mesma proteção destinada à liberdade de expressão. Ele deve, como não, ser punido.

O coronavírus impulsiona tipos como esse do teatro a uma escala global e comprova que essa praga chamada fake news não ameaça apenas a democracia. É um imenso e urgente problema de saúde pública.

No Irã, 218 foram hospitalizadas e 44 morreram envenenadas após tomarem álcool puro —que seria um tratamento preventivo ao coronavírus, segundo as mentiras que circularam. Na Malásia, a polícia abriu 37 investigações sobre esse problema. Num voo do Canadá para a Jamaica, um homem mentiu ao anunciar que tinha o vírus; o avião voltou e ele acabou preso. Grupos em redes sociais relacionam o vírus ao 5G.

Maior mercado do WhatsApp, a Índia teve uma explosão de notícias falsas de saúde. Algumas ligavam a doença a hábitos alimentares como tomar sorvete. Um homem com três filhos se matou após assistir vídeos com informações falsas na internet e acreditar que estava infectado.

Vinicius Torres Freire - Governos imóveis na guerra da epidemia

- Folha de S. Paulo

É preciso gastar para deter o inimigo novo coronavírus e cuidar dos feridos

A epidemia tem algo de uma guerra. Não há destruição física, mas partes da economia deixam de produzir por falta de gente para trabalhar, de transporte e matérias-primas.

Os danos estão evidentes, mas muitos governos vivem em um mundo de paz. A paz dos cemitérios.

Mas é preciso um esforço de guerra —mais sobre isso adiante.

Há quem grite nesse silêncio mortal no meio da algazarra dos mercados financeiros, os primeiros a pedir socorro. Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, soltou os cachorros em reunião fechada da cúpula europeia, na terça-feira (10), segundo relatos de jornais europeus: parem de tergiversar, governos precisam gastar.

Juros baixos não movem moinhos destruídos, não animam pessoas travadas pelo pânico ou pela impossibilidade física de trabalhar, não tratam doentes.

O Brasil também terá de pensar em medidas de emergência (que não impedem "reformas"). O número de casos da doença se expande aqui a 30% ao dia, quase o mesmo ritmo do mundo rico. Nessa toada, em 15 dias haverá 2.700 doentes. Haverá paralisia também, em um país mais pobre e desgovernado, em parte na mão de dementes.

Reino Unido e Itália começaram a agir. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, diz que é "melhor se exceder do que fazer pouco". O governo americano está perdido entre os economistas de auditório de Donald Trump e picuinhas democratas. Apenas o BC deles agiu.

Maria Cristina Fernandes - A cizânia empresarial que patrocina o dia 15

- Valor Econômico

Adversários da reforma tributária promovem confronto

Fantasiado de super-herói patriota, o “capitão brasil” surge, por trás de um ônibus pintado nas cores do Brasil, para fazer uma estridente convocação para a manifestação de domingo. O vídeo, que circula em grupos de whatsapp de investidores, é estrelado por Luciano Hang, dono da Havan, varejista catarinense e bolsonarista de primeira hora.

O empresário foi convocado para depor na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito montada para investigar o financiamento da rede de propagação de fake news desde a campanha eleitoral. Hang poderia não passar de empresário folclórico enrolado na máquina bolsonarista de moer reputações. Mas integra um ativo grupo de empresários, alguns mais discretos, como Flávio Rocha, do grupo Riachuelo, que tem bombardeado a proposta de reforma tributária patrocinada pela indústria nacional e encampada, em grande parte, pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Pelos canais de que dispõem junto ao bolsonarismo, têm feito chegar ao presidente a percepção de que a reforma, além de afetar o setor de serviços, hoje responsável por algo em torno de 65% do PIB, azedaria o humor da classe média, a quem seria repassada a majoração de preços - da mensalidade escolar à consulta médica. Se a reforma da Previdência unificava o empresariado, a tributária o divide. Além da cizânia de interesses, a reforma tributária tem alinhado parte do empresariado à opção preferencial do presidente da República pela afronta às instituições.

Um ex-presidente de instituição financeira, hoje investidor, recorre à expressão cunhada pelo professor Delfim Netto - “legítima defesa” - para justificar seu voto em Bolsonaro. De tudo que estava posto, nada o incomodava mais do que a perspectiva de volta do PT. A opção se reproduzia entre seus pares. Nada do que Bolsonaro poderia ser capaz de fazer seria mais grave do que ter os petistas de novo no governo.

Ribamar Oliveira - A saída é o Supremo, e não as ruas

- Valor Econômico

No Brasil o Congresso Nacional está adotando uma variante que é impossível defender, o Orçamento com proprietários individuais

Os países mais desenvolvidos do mundo adotam, com algumas diferenças entre eles, o Orçamento impositivo. Ou seja, o Executivo é obrigado a executar as programações orçamentárias que foram aprovadas pelo Parlamento. No Brasil, infelizmente, o Congresso Nacional está adotando uma variante que é impossível defender: o Orçamento com proprietários individuais.

Até há pouco tempo, o entendimento predominante no Brasil era de um Orçamento apenas autorizativo, ou seja, que o Executivo não tinha a obrigação de executá-lo. Não podia era gastar mais do que estava autorizado. Depois de promulgada a Constituição de 1988, os parlamentares começaram a pressionar o Executivo para abrir um espaço dentro do Orçamento da União para as suas emendas.

Adotaram uma prática deletéria, que foi a de superestimar as receitas orçamentárias para arrumar recursos para financiar suas emendas. A prática tornou o Orçamento da União uma peça de ficção, pois, além de o Executivo não ter a obrigação de executá-lo, as receitas não tinham relação com a realidade.

A demanda dos parlamentares sempre foi por recursos para construir pequenas obras em suas bases eleitorais. Todos os governos, independentemente de suas ideologias, aceitaram o jogo, pois condicionavam a liberação dos recursos das emendas às votações dos parlamentares favoráveis aos projetos que lhes interessavam. Esse mecanismo sustentou o chamado “presidencialismo de coalizão”, ao longo das últimas décadas.

No fim da década de 1990, no entanto, teve início um movimento de rebeldia contra essa situação e vários parlamentares começaram a lutar pela obrigatoriedade de execução de todas programações orçamentárias. O então senador Iris Resende, do PMDB goiano, apresentou a PEC 77/1999, nesse sentido. O então poderoso senador Antônio Carlos Magalhães, do PFL baiano, empunhou a mesma bandeira.

William Waack - Aposta na fantasia

- O Estado de S.Paulo

Mudanças na percepção da crise são mais rápidas que capacidade do governo de entendê-las

Viver no mundo da fantasia pode ser uma delícia, até trombar com a realidade. Não importa o que o presidente brasileiro acha que seja a situação internacional e doméstica – se é uma fantasia induzida pela “grande imprensa” ou uma dura realidade de perdas econômicas graves. O fato é que também no Brasil a atmosfera política está contaminada pelo medo de recessão e da doença do coronavírus.

O presidente ignora o óbvio: é a percepção que importa, e a percepção crescente aqui e lá fora, que o gogó dele ou de qualquer outro não controla, é a de que não vem coisa boa por aí. Essa percepção foi extraordinariamente exacerbada pelo famoso imponderável, aquele fator na política que nunca se sabe qual será, a não ser que acontecerá. É o caso da atual crise internacional, que muitos analistas previam, corretamente, que seria decorrência de fatores geopolíticos (neste episódio, não foram guerras, mas coronavírus e petróleo).

É o imponderável que torna tão arriscado qualquer tipo de aposta contra o tempo, e foi exatamente a aposta feita pelo governo Bolsonaro e seu time de economia, que conta com algumas das melhores cabeças técnicas do setor, mas enfrenta dificuldades imensas com a política (que mal compreende ou não sabe operar). A aposta foi muito semelhante à de outra boa equipe de economia, a de Temer: a de que o tempo traria uma melhora sensível na economia e, em decorrência, um ambiente propício a discussão e aprovação de reformas estruturais.

Eugênio Bucci* - Por que os líderes de oposição não se unem contra o fascismo?

- O Estado de S.Paulo

Se Lula, FHC e Ciro souberem juntar forças, a maioria dos brasileiros vai segui-los

A cada dia mais, o presidente deixa de lado os disfarces e escancara suas pretensões autoritárias. No sábado passou a convocar oficialmente o ato público do próximo dia 15. Com isso expõe seus seguidores ao risco de contágio pelo coronavírus, mas, segundo ele, esse vírus aí “não é tudo isso que a grande mídia propaga”.

Saúde pública à parte, o dia 15 de março promete ser uma apoteose da truculência política. Nas redes sociais a convocação destila ódio, clama por “intervenção militar já”, calunia ministros do Supremo Tribunal e faz apologia da violência e da censura. É tudo o que o chefe de governo mais adora. Viciado em praticar bullying estatal contra as redações independentes, ele pressiona empresários que anunciam em jornais, discrimina os órgãos de imprensa que lhe desagradam e faz o que pode (e, principalmente, o que não pode) para quebrar empresas jornalísticas e humilhar jornalistas. Para ele, quanto mais desaforado for o dia 15, melhor.

O clima piora a cada lance. Na semana passada, o governo vetou a Folha de S.Paulo na cobertura do jantar de Bolsonaro com Trump em Miami. Em outra frente, ordenou a retirada dos diplomatas brasileiros de país vizinho - a ameaça de guerra é o gozo do nacional-populismo. O orçamento das Forças Armadas só cresce, enquanto os elogios das autoridades aos policiais amotinados proliferam, para deleite das milícias e dos parlamentares que trabalham para elas. Para completar o serviço, o chefe de governo, sem mostrar nenhuma prova, começou a acusar o Tribunal Superior Eleitoral de ter fraudado as urnas eletrônicas no primeiro turno de 2018. O objetivo é desmoralizar as instituições do Estado Democrático de Direito. É para isso que vai servir o dia 15.

Dizem os bolsonaristas que todo ato público é democrático. Mentira. Bem sabemos que a democracia garante aos comuns do povo o direito de gritar o que quiserem, incluídos insultos contra o presidente da Câmara dos Deputados, mas o chefe do Poder Executivo, obrigado pela Constituição a promover a harmonia entre os Poderes, não tem o direito de açular suas falanges a xingar a Câmara, o Senado e o Supremo. Toda democracia tem gente na rua, é verdade, mas gente na rua não é sinônimo de democracia. No nazismo alemão, um regime totalitário, e no fascismo italiano, uma tirania, havia rios de gente na rua. Há comícios até na Coreia do Norte, que não é nada democrática. Ditadores se deliciam com os aplausos das multidões adestradas.

Portanto, os chamamentos do presidente brasileiro para um evento cuja propaganda está repleta de ofensas ao Legislativo e ao Judiciário não têm nada de democráticos. São, isso sim, indícios de fascismo.

José Serra* - O que é essencial ficou de fora

- O Estado de S.Paulo

Reforma tributária aumenta impostos sobre o consumo das famílias. Um disparate!

O texto-base da proposta de reforma do sistema tributário, em debate na Comissão Mista do Congresso, deixou de fora o que de fato querem as empresas e os consumidores: a simplificação imediata, acompanhada da progressiva redução dos tributos sobre o consumo, que oneram as famílias de baixa renda. Isso é o essencial e jamais poderia ser sacrificado ou, pior, agravado sob qualquer pretexto.

No ano passado publiquei neste espaço os motivos pelos quais não poderíamos aprovar uma reforma tributária com os parâmetros das que estão no Congresso. Se, por um lado, geram pressão regional para que se amplie a elevadíssima descentralização das receitas da União, por outro, mitigam a autonomia tributária dos entes federados. Sem mais nem menos, deixam de atacar um dos principais problemas do nosso federalismo: a irresponsabilidade fiscal dos governos subnacionais.

A proposta atual tem como base o texto da Câmara e prevê dois pontos que estão na contramão do que deve ser feito. Reduz os impostos dos bancos e causa um choque de preços e de renda nos demais setores, aumentando os impostos sobre o consumo das famílias, com maior impacto nas de menor renda: um total disparate!

Estima-se um aumento expressivo da carga tributária do setor de serviços: educação, 211%; transporte, 59%; profissionais autônomos, 460%; taxistas, 1.150%; dentre outros. Cabe destacar que esse é o setor que mais emprega no Brasil e onde estão concentrados os empregos de baixas qualificação e renda. Com esse aumento no custo dos serviços para a classe média haveria redução da demanda e desemprego nas classes mais baixas. Em resumo, haveria perda de renda para a classe média e desemprego nas regiões mais carentes. Como consequência, essas regiões necessariamente recorreriam a novas transferências compensatórias ou sobrecarregariam a assistência social e o seguro-desemprego.

Zeina Latif* - Dissintonia

- O Estado de S.Paulo

Falhas do governo não justificam irresponsabilidade do Congresso

A ameaça do coronavírus bate à porta. O que se vê, no entanto, não é apenas um país despreparado para a crise, mas também sem rumo.

O presidente negligencia o problema, enquanto o País espera informações e um plano de ação do governo.

Fernando Reinach faz o alerta. Um quadro epidêmico no Brasil não pode ser descartado. Será necessário implementar nas próximas semanas um conjunto de ações sanitárias para minimizar o risco de colapso do sistema de saúde, como as conduzidas na Inglaterra, França e Alemanha. Para início de conversa, é preciso disponibilizar testes para coronavírus em larga escala e com rápida resposta.

Tudo muito distante de nossa realidade.

Alguns economistas sugerem expansão fiscal e aumento das concessões de crédito do BNDES para proteger a economia. Uma recomendação equivocada.

A prioridade no momento é proteger as pessoas e o sistema de saúde, para que se possa reduzir o risco de um quadro grave no País.

A defesa da economia dependerá do tamanho e da natureza do impacto do coronavírus, o que ainda não está claro. Por exemplo, se o mercado de crédito for afetado de forma aguda, como em 2008/09, medidas administrativas do Banco Central serão necessárias para evitar uma crise de liquidez e, no limite, linhas emergenciais de bancos públicos poderão ser acionadas.

Não é o caso de aumentar os empréstimos do BNDES. A demanda de investimento será afetada pelas muitas incertezas.

Além disso, ainda que muitas empresas enfrentem dificuldades para ter acesso ao crédito, não é por falta de recursos que o investimento não deslancha. É por falta de bons projetos em um país difícil, com regras do jogo complexas, mal definidas e que podem mudar sem critério.

Não faltam pesquisas apontando o fracasso da política de campeões nacionais do BNDES em elevar o investimento das empresas contempladas, como aponta Sergio Lazzarini.

O que a mídia pensa – Editoriais

Coronavírus não está na agenda de Bolsonaro – Editorial | O Globo

Alheio à realidade, presidente dá demonstrações de que não sabe a dimensão da crise à sua frente

Até agora o Ministério da Saúde tem dado conta da ameaça do coronavírus, enquanto ela se dá por meio de viajantes de estrato social mais elevado que foram contaminados em viagens ao exterior.

O ministro Luiz Henrique Mandetta e equipe se articulam com secretarias estaduais e outros órgãos, enquanto tratam, corretamente, de manter a população bem informada sobre a ainda incipiente evolução da doença no país, e com informações úteis de prevenção, para o cotidiano. Cria-se a consciência de que um surto no Brasil é inevitável, o que é necessário para que a população também se proteja.

Mas o Executivo, com o presidente Jair Bolsonaro na liderança, precisa trabalhar para que não apenas planos e protocolos estejam prontos quando o vírus acelerar a sua disseminação, dentro da sua característica, mas também a fim de preparar um amplo programa de abertura de leitos na rede de saúde etc. A depender do estágio da contaminação e das condições do paciente, o tratamento tem de ser feito em UTIs, um dos elos frágeis do sistema de saúde no Rio e em outros estados.

Pode ser que o Ministério da Saúde já tenha avançado nesta direção, mas é essencial o envolvimento do chefe da nação no assunto. Tem sido assim no mundo. Do presidente chinês Xi Jinping ao primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte. Mas infelizmente Jair Bolsonaro continua a funcionar em outra frequência, longe da realidade factual.

Música | Elza Soares - Ave Maria no Morro

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - A excitante fila do feijão

Larga, poeta, a mesa de escritório,
esquece a poesia burocrática
e vai cedinho à fila do feijão.

Cedinho, eu disse? Vai, mas é de véspera,
seja noite de estrela ou chuva grossa,
e sem certeza de trazer dois quilos.

Certeza não terás, mas esperança
(que substitui, em qualquer caso, tudo),
uma espera-esperança de dez horas.

Dez, doze ou mais: o tempo não importa
quando aperta o desejo brasileiro
de ter no prato a preta, amiga vagem.

Camburões, patrulhinhas te protegem
e gás lacrimogêneo facilita
o ato de comprar a tua cota.

Se levas cassetete na cabeça
ou no braço, nas costas, na virilha,
não o leves a mal: é por teu bem.

O feijão é de todos, em princípio,
tal como a liberdade, o amor, o ar.
Mas há que conquistá-lo a teus irmãos.

Bocas oitenta mil vão disputando
cada manhã o que somente chega
para de vinte mil matar a gula.

Insiste, não desistas: amanhã
outros vinte mil quilos em pacotes
serão distribuídos dessa forma.

A conta-gotas vai-se escoando o estoque
armazenado nos porões do Estado.

Assim não falta nunca feijão-preto
(embora falte sempre nas panelas).

Método esconde-pinga: não percebes
que ele torna excitante a tua busca?

Supermercados erguem barricadas
contra esse teu projeto de comer.
Há gritos, há desmaios, há prisões.

Suspense à la Hitchcock ante as cerradas
portas de bronze, guardas do escondido
papilionáceo grão que ambicionas.

É a grande aventura oferecida
ao morno cotidiano em que vegetas.
Instante de vibrar, curtir a vida
na dimensão dramática da luta
por um ideal pedestre mas autêntico:

Feijão! Feijão, ao menos um tiquinho!

Caldinho de feijão para as crianças...
Feijoada, essa não: é sonho puro,
mas um feijão modesto e camarada
que lembre os tempos tão desmoronados
em que ele florescia atrás da casa
sem o olho normativo da Cobal.

Se nada conseguires... tudo bem.
Esperar é que vale - o povo sabe
enquanto leva as suas bordoadas.

Larga, poeta, o verso comedido,
a paz do teu jardim vocabular,
e vai sofrer na fila do feijão.