quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ataques de Trump à aliança atlântica geram instabilidade

O Globo

Ao lançar diatribes contra a Otan, virtual candidato republicano sabota principal pilar da paz global

Desde que se lançou na corrida para a eleição presidencial deste ano, Donald Trump retomou suas provocações contumazes. O último alvo foi a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), acordo militar entre Estados Unidos, Canadá e países europeus. Em comício de campanha, ele relembrou a pergunta do líder de “um grande país” da Europa quando era presidente: “Se não pagarmos e formos atacados pela Rússia, você nos protegerá?”. Trump disse que respondeu: “Não, eu não os protegeria. Na verdade, eu os encorajaria a fazer o que diabos quisessem”.

A declaração de Trump é lastimável por colocar em dúvida o artigo número 5 do tratado, segundo o qual um ataque a qualquer integrante da aliança deve ser encarado como ataque a todos. Isso significa que os países mais fortes se comprometem a defender os mais fracos quando agredidos. Esse poder de dissuasão tem evitado há décadas uma guerra entre países da Otan e a Rússia.

Vera Magalhães - A cultura é o melhor do Brasil

O Globo

Manifestações da economia criativa, como o Carnaval, deveriam estar no centro dos projetos de redução de desigualdades e crescimento econômico do país

Caetano Veloso e Gilberto Gil, ambos aos 81 anos, em cima do trio dos Filhos de Gandhy, vestidos com o tradicional manto azul e branco e turbantes, para celebrar os 75 anos do bloco de afoxé, que homenageou o filho mais ilustre de Santo Amaro neste ano.

Ivete Sangalo, dona do hit do ano, em parceria com Ludmilla, recebendo em seu trio Baby do Brasil, que já foi Consuelo, travando o diálogo-síntese não só do Carnaval de 2024, mas do momento atual do Brasil.

Conceição Evaristo no alto do carro alegórico com a Velha Guarda da Portela, num tributo a “Um Defeito de Cor”, clássico moderno da literatura brasileira, de outra mineira como ela, de outra geração, Ana Maria Gonçalves.

São apenas três cenas, ocorridas em poucos dias, entre tantos encontros somente neste ano, em duas das centenas de cidades do país que param tudo por (pelo menos) quatro dias para a folia.

Elio Gaspari - Lula não precisa de vivandeiras

O Globo

Presidente mostrou-se exemplar nas suas relações com os militares

Com oito anos de governo na biografia e tendo atravessado uma tentativa de golpe de Estado depois de sua eleição e mesmo depois da posse, Lula mostrou-se exemplar nas suas relações com os militares.

Numa trapaça da História, na volta, ele foi precedido por um ex-capitão que destruiu 30 anos de reconstrução das relações das Forças Armadas com a política. Se alguém quisesse inventar um personagem para fazer semelhante estrago, precisaria de muita imaginação.

O ex-capitão encheu o governo de oficiais, botou um general da intendência no Ministério da Saúde, combateu a vacina e exaltou a cloroquina. Prenunciando apocalipses, manipulou generais para desafiarem o resultado eleitoral, fingindo que duvidavam da lisura das urnas eletrônicas. Associou a imagem de oficiais do Exército a garimpos ilegais. Tamanha foi a bagunça que em seu governo um ajudante de ordens tornou-se figura preeminente. Isso só aconteceu antes, em ponto muito menor, nos governos de João Goulart e João Batista Figueiredo.

Zeina Latif - O peso das escolhas dos militares

O Globo

As investigações do planejamento de golpe de Estado no Brasil revelaram as digitais de militares de alta patente, inclusive da ativa. Enquanto isso, as Forças Armadas (FA) optam pelo silêncio.

Que seja algo temporário, enquanto aguardam o desfecho das investigações. Caberiam o reconhecimento da falha por não terem contido o desvio de alguns de seus membros, o pedido de desculpas à sociedade e a punição exemplar dos militares golpistas.

O envolvimento de militares na política está na construção do Estado brasileiro. Começou já na instauração da República; marcou o período Vargas, da ascensão à queda; ameaçou o interregno democrático até 1964, quando implantou a ditadura militar que durou 21 anos.

No governo Bolsonaro, os militares ganharam novo status, assumindo posições incompatíveis com sua missão. Pior, a politização e a participação de militares na política são ameaça à disciplina militar e à democracia.

Roberto DaMatta - E ao pó retornamos...

O Globo

Sei apenas que estou pautado e aprisionado pelas cinzas-pó desta Quarta-Feira de Cinzas

Só quem experimenta uma boa velhice medita sobre o pó. A poeira — na juventude feita de estrelas e, na idade ou temporada final, uma espécie de segundo tempo ou parágrafo derradeiro de um belo livro — é puro e seco pó.

Esse tal “sujo” que na nossa cultura tanto preocupa mães e esposas dispostas a manter suas casas imaculadamente limpas, sem um “pingo de sujeira” ou “um traço de pó”. Pó que embaça móveis e louças e revela ao visitante uma “dona de casa” incompetente ou preguiçosa, o equivalente moral antiquado do marido que, mesmo vagabundo, teria de bancar o “trabalhador”. Traço importante até hoje no simbolismo pouco estudado do nosso congênito populismo.

Exceto na cabeça duvidosa de alguns jurisconsultos, não pode haver convivência entre o sujo e o limpo, assim como o pó impede que alguma coisa brilhe ou fique de pé. O pó é aquela parte menor de tudo o que foi alguma coisa.

Cláudio Carraly* - Desmilitarização da Polícia e o Ciclo Completo de Polícia

A questão da desmilitarização da polícia no Brasil é um tema complexo e controverso, que tem gerado debates acalorados em diversos setores da sociedade. A estrutura policial no Brasil é notoriamente militarizada, uma herança direta da ditadura que governou o país até 1985. As polícias militares, país afora são as principais forças de segurança ostensiva do Brasil, e operam sob uma estrutura hierárquica rígida, inspirada nas Forças Armadas. Essa estrutura militarizada pode contribuir para uma abordagem mais autoritária e punitiva, em detrimento de uma abordagem orientada para a proteção dos direitos humanos e a resolução pacífica de conflitos. Ressalte-se que em vários casos operam como uma espécie de “guarda pretoriana” dos governadores, que utilizam essa força de forma não republicana contra os interesses coletivos, porém não só a população sofre os reflexos dessa estrutura, os próprios policiais são oprimidos e perseguidos nesse sistema, punidos não raro de forma injusta e desproporcional por seus superiores, tudo isso por conta da manutenção dessa inexplicável mecânica militarizada. 

Maria Cristina Fernandes - Um único governador defende o ex-presidente

Valor Econômico

Jorginho Melo, de Santa Catarina, é o único a defender o ex-presidente

Passados cinco dias desde a operação que revelou a reunião golpista comandada por Jair Bolsonaro em julho de 2022, Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, foi o único, até agora, a defender o ex-presidente. “Não tem impacto nenhum. A Polícia Federal parece que não tem mais o que fazer do que ficar requentando os fatos. Estão procurando pelo em ovo. Jair Bolsonaro é um homem decente”, disse Melo em vídeo.

Nilson Teixeira* - 2024 começa agora

Valor Econômico

Como sempre, cenário global será determinante

Os comentários de autoridades do governo e de empresários sobre as perspectivas para o ano nestes primeiros 45 dias têm sido, como de costume, otimistas. Mesmo assim, os desígnios para 2024 só ficarão mais claros a partir de agora.

O ano legislativo tem início, de fato, na próxima semana. Por ora, as manifestações de parlamentares têm se concentrado na insatisfação, vocalizada pelo presidente da Câmara de Deputados, com a decisão do Executivo de vetar emendas propostas por comissões de R$ 5,6 bilhões e de encaminhar medida provisória sobre a revisão da desoneração da folha de pagamentos, aprovada pelo Congresso no fim de 2023.

Lu Aiko Otta - Imposto de Renda: será que o leão vai se aposentar?

Valor Econômico

Ideia é que, ao detectar um erro, multa não seja aplicada imediatamente, mas que se dê à empreza um prazo para se autorregularizar

Ao assumir a Presidência da República, Fernando Collor de Mello (1990-1992) colocou no comando da Receita Federal o delegado Romeu Tuma, conhecido do grande público por sua midiática passagem no comando da Polícia Federal. O que se viu nos primeiros meses de sua gestão, sem que tivesse havido elevação de alíquotas, foi um aumento da arrecadação. Na época, os fiscais chamaram o fenômeno de “efeito Tuma”: temerosos de serem flagrados em alguma irregularidade, os contribuintes acharam melhor andar na linha e pagar todos os impostos.

Na época, o leão simbolizava o órgão público. A presença ameaçadora buscava aumentar, no imaginário da população, a percepção do risco de ser flagrado pela fiscalização.

Há duas semanas, o governo anunciou o envio ao Congresso Nacional de um projeto de lei que pretende mudar o relacionamento entre o fisco e os contribuintes. Sai o leão, entra uma pegada ASG (ambiental, social e governança).

Arthur Ituassu* - O golpe e a crise da democracia

Correio Braziliense

A vinda a público de provas de que o governo Bolsonaro tramou para permanecer no poder independentemente dos resultados das urnas mostra que chegamos muito perto dos limites de uma ruptura institucional

Os eventos do último 8 de fevereiro colocam o Brasil no centro do debate sobre a crise da democracia. A vinda a público de provas de que o governo Bolsonaro tramou para permanecer no poder independentemente dos resultados das urnas mostra que chegamos muito perto dos limites de uma ruptura institucional, a ponto de termos um incumbente propondo, aos seus ministros, uma virada de mesa no contexto das eleições de 2022, com apoio de altas patentes militares.

Os principais índices que medem o estado da democracia no mundo apresentam um cenário bastante negativo. O relatório anual A liberdade no mundo, produzido pela instituição americana Freedom House, mostra 17 anos de declínio democrático, iniciados em 2006. No relatório de 2023, o instituto afirma que as causas principais dos declínios democráticos nesse período foram as guerras, os golpes e os ataques às instituições por presidentes eleitos.

Nicolau da Rocha Cavalcanti* - A hora da verdade do art.559-M

O Estado de S. Paulo

A tipificação do ‘tentar depor’ foi o modo de assegurar que o Estado tenha meios de defender a democracia antes do golpe

Eis a questão. O anterior presidente da República praticou ou não o crime do art. 359-M do Código Penal: “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”?

Cada um pode ter uma resposta para essa pergunta. No entanto, no Estado Democrático de Direito, com vigência do princípio da presunção da inocência, não basta uma opinião, por mais fundamentada que seja, para condenar uma pessoa. É necessário que se tenha uma ação penal, dentro do devido processo legal e com amplo direito de defesa, para que alguém seja declarado culpado por um crime.

Até o momento, o que existe é um inquérito sigiloso, no qual tem havido divulgação seletiva de alguns elementos probatórios. Ou seja, a sociedade ainda não conhece integralmente o que a Justiça tem em mãos. Sabe-se apenas o que o juiz do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes, quis revelar.

Paulo Delgado* - Alguma luz neste mundo escuro

O Estado de S. Paulo

Uma conjuntura política mundial feia e sem paz de espírito finge sua cólera. Mas há um canto meio adormecido onde a política é melhor. Lá, escritor sem talento não engana

Ninguém nasceu sobre o mundo, somos locais. Universal é a cultura. Para quem gosta de ler, boa recordação traz esperança. Enquanto no Brasil pobres de renda fixa são humilhados por milionário holerite de juiz e procurador, a América Latina sucumbe ao ilícito. Sobre Gaza, se amar os palestinos fosse mais forte do que odiar Israel, o conflito sumiria. Uma conjuntura política mundial feia e sem paz de espírito finge sua cólera. A política elabora muito mal a sua raiva.

Mas há um canto meio adormecido onde a política é melhor. Lá, escritor sem talento não engana. Então, compartilho com os leitores opiniões de alguns escritores do século 20. São entrevistas feitas pela The Paris Review – revista de língua inglesa, fundada em Paris, com sede em Nova York – ao longo de vários anos.

Vinicius Torres Freire - Covid ainda mata mais do que dengue

Folha de S. Paulo

Por dia, 117 são assassinados, 11 morrem de doença de chagas e 31 de coronavírus

No Brasil, ainda morre muito mais gente de Covid do que de dengue. Não, não se quer menosprezar o surto de dengue ou qualquer doença. Os alertas de autoridades sanitárias e profissionais de saúde devem ser levados muito a sério. Não o serão.

Trata-se apenas de um mote para lembrar de como morremos aos montes de doenças e barbaridades antigas, estúpidas, evitáveis e ignoradas. De homicídio, morriam 117 por dia em 2022. Devem ter sido 110 em 2023, na projeção do Ministério da Justiça. Mesmo assim, o Brasil ainda estaria perto do topo do ranking mundial da morte, de taxa de homicídio.

Morremos de doenças causadas pelo HIV: 31 por dia em 2022. De doença de chagas, aquela causada por um parasita carregado pelo barbeiro: 11 por dia.

Ranier Bragon - Quem pisca antes?

Folha de S. Paulo

O desenrolar dessa parceria irá definir boa parte do que serão os dois últimos anos de Lula 3

Há uma decisão a ser tomada em Brasília com potencial para rearranjar boa parte do tabuleiro político. Ela diz respeito à seguinte pergunta: o presidente Lula (PT) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) vão se enfrentar ou vão renovar a parceria por mais dois anos?

O enredo passado é conhecido.

Apesar da apertada vitória sobre Jair Bolsonaro (PL), a esquerda elegeu pouco mais de 100 das 513 cadeiras da Câmara. Logo, Lula adotou a única decisão aparentemente sensata no rumo da governabilidade e apoiou de cara a reeleição de Lira para o comando da Casa em fevereiro de 2023.

Carlos Pereira* - Busca de apoio popular é sempre jogada arriscada

O Estado de S. Paulo

Busca de apoio popular é sempre uma jogada muito arriscada, especialmente quando se está politicamente vulnerável

Políticos acusados de comportamentos desviantes, sejam eles de esquerda ou de direita, sempre vão se valer de narrativas de vitimização de que estão sofrendo algum tipo de perseguição política. Até um determinado momento, essa estratégia de vitimização pode funcionar, e as acusações, se frágeis, tendem a se dissipar e a sair da agenda e do debate público.

Mas se o delito cometido for percebido como muito grave pela sociedade, e as evidências se acumularem e começarem a fragilizar demasiadamente o capital político do acusado, a procura por socorro por meio de apoio popular passa a ser premente... talvez a última cartada de sobrevivência que ainda resta.

A busca de apoio popular, entretanto, é sempre uma jogada muito arriscada, especialmente quando se está politicamente vulnerável. Fazer apelos diretos a eleitores, mesmo daqueles mais conectados ideologicamente e/ou identitariamente com o líder político acusado, em vez de usar os canais institucionais e tradicionais de negociação, não é destituído de custos. Sempre pairam dúvidas e incertezas sobre como o público irá reagir.

Wilson Gomes* - Um golpe pela democracia?

Folha de S. Paulo

Ideias como 'ditadura do Judiciário' são apenas quimeras utilizadas para sustentar um ímpeto autoritário das massas

O Brasil é um país tão apaixonado pela democracia que boa parte da população e da sua elite política considera aceitável que seja dado um golpe de Estado para salvá-la. Tem tanto horror e ódio à ditadura que considera razoável abolir violentamente o Estado de Direito para evitar a ditadura do Poder Judiciário.

A proposta de "acabar com a democracia para salvar a democracia" não é uma pilhéria de Carnaval, infelizmente. É apenas mais uma evidência de nossa capacidade de acolher e alimentar crenças contraditórias.

Quem disse que 42,2% dos brasileiros acham que as investigações judiciais contra Bolsonaro são uma perseguição política injusta foi uma pesquisa Atlas Intel da semana passada, feita no rescaldo da operação Tempus Veritatis; 40,5% divergem.

Hélio Schwartsman - Batalhas pela memória

Folha de S. Paulo

Memória do Holocausto vai se tornando menos vívida e massacre de palestinos é terrivelmente presente

Israelenses estão com um problema de relações públicas.

Você, leitor, já ouviu falar nas Vésperas Efésias? Em 88 a.C., o imperador Mitrídates 6º, do Ponto, ordenou o assassinato de cidadãos romanos e aliados que viviam em cidades da Ásia Menor. Nem mulheres e crianças teriam sido poupadas. Estima-se que entre 80 mil e 150 mil morreram.

Imagino que esse massacre, um dos muitos da história, não o comova muito. Ele ocorreu há mais de 2.000 anos e, por alguma razão, descontamos o passado. Somos quase imunes às carnificinas muito antigas, nos importamos moderadamente com hemoclismos recentes e reagimos com vívida emoção aos massacres presentes. Está na programação de nossas mentes, ainda que a diferença temporal seja difícil de explicar filosoficamente. Por que a morte de uma pessoa há 2.000 anos valeria menos que a de uma morta há 80 anos?

Poesia | Amor em paz, de Vinicius de Moraes

 

Música | Banda de Pau e Corda - Quarta-Feira ingrata (Luiz Bandeira)