Brasil e outros países emergentes sofrem fuga de US$ 12 bi no mês
Fundos de investimentos em ações foram a pior aplicação financeira do mês, com perdas maiores que 5%
Investidores de fundos cambiais - que aplicam em moedas, principalmente dólares - tiveram ganhos de 2,73%
Bruno Villas Bôas
RIO - Num início de ano marcado por turbulência nos mercados emergentes, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) acumulou um dos piores desempenhos do mundo: queda 7,51% no mês pelo Ibovespa, seu principal índice de ações, a maior perda para janeiro em quase duas décadas, desde 1995 (quando caiu 10,76%). Novos sinais de desaceleração da economia da China e, sobretudo, a redução gradual dos estímulos monetários nos Estados Unidos sacudiram os mercados de ações, moedas e títulos pelo mundo. O resultado foi uma perda de valor de mercado das empresas brasileiras de R$ 220 bilhões no mês passado, para R$ 2,2 trilhões. E o dólar comercial continuou sua escalada frente ao real, com alta de 2,33% no mês, a R$ 2,41.
Segundo Alberto Ramos, co-diretor de pesquisa econômica para emergentes do Goldman Sachs, os grandes fundos de investimentos globais promovem no primeiro mês do ano uma grande realocação de recursos entre países, seguindo estratégias traçadas para o ano. O Brasil e outros emergentes em situação mais frágil acabaram deixados de lado nesse processo.
— O corte nos estímulos do Fed (banco central dos EUA) para US$ 65 bilhões mensais é ruim para todos os emergentes, mas alguns sofrem mais. No Brasil, há desequilíbrios óbvios na economia, com inflação alta, crescimento baixo, déficit em conta corrente. Na hora de decidir onde aplicar, o investidor percebe isso e descarta — diz o economista. — Isso também vale para Turquia e África do Sul, que vivem problemas parecidos e políticos. A Argentina é um caso mais específico e inclusive sistêmico, que preocupa a todos.
Mercados emergentes: fuga de US$ 12 bi
Segundo dados da EPFR Global, consultoria americana especializada em rastrear US$ 1 trilhão de fundos globais,os mercados de ações de países emergentes sofreram saques de US$ 6 bilhões em sete dias até a última quarta-feira. Foi o maior ritmo de resgastes semanais desde agosto de 2011. No mês, a cifra vai a US$ 12,2 bilhões. Os fundos globais de títulos de dívida de emergentes também sofreram: foram US$ 2,7 bilhões na semana e US$ 4,6 bilhões no ano.
O reflexo foi o desempenho das ações de empresas. O Ibovespa foi o sexto pior do mundo no mês, numa lista de 94 principais índice de ações acompanhados pela Bloomberg News, melhor apenas que emergentes como Rússia (-9,82%), Turquia (-8,77%), Colômbia (-8,57%) e Chile (7,73%). A Bolsa de Tóquio caiu 8,75% em janeiro, e o Dow Jones perdeu 5,30%. Mas são casos à parte porque tiveram valorização de 56% e 26% em 2013, respectivamente.
Segundo o diretor da Máxima Corretora José Costa Gonçalves, o tombo da Bolsa brasileira foi puxado principalmente pelas perdas das ações preferenciais (sem direito a voto) da Petrobras, que se desvalorizaram 14,17% no período, e dos papéis preferenciais da Vale, que recuaram 9,07%. Segundo dados da consultoria Economatica, a relação entre valor de mercado e patrimônio líquido da Petrobras está em 53,9%, uma relação que não era vista desde 1999.
— A defasagem de preços dos combustíveis da Petrobras e os indicadores ruins da China afetaram as companhias. O índice ainda depende muito delas e nada conspira a favor — afirma Gonçalves, lembrando que a ameaça de corte da nota de risco do Brasil pela Standard & Poor’s (S&P) ainda é uma “espada na cabeça” do mercado. — Claro que existe sempre algum exagero nas percepções: o Brasil era coqueluche e agora virou o patinho feio. Mas o país ainda tem reservas cambiais de US$ 300 bilhões, uma situação privilegiada em relação aos outros mercados.
Se as Bolsas estão em queda, o dólar vem ganhando valor frente às moedas pelo mundo. Subiu no mês contra o rand sul-africano (5,99%), lira turca (5,04%) e lira indiana (1,39%). Tanto que os bancos centrais (BCs) de Turquia, África do Sul e Índia elevaram suas taxas de juros no mês. Frente ao rublo russo, a alta foi de 6,95%, e o BC russo se comprometeu a realizar intervenção ilimitada se o rublo russo sair da faixa ideal.
Para o economista Rodolfo Oliveira, da consultoria Tendências, o prazo de pessimismo dos investidores com as economias emergentes vai depender da resposta dos governos dessas nações aos problemas enfrentados. Nesta sexta-feira, por exemplo, o banco central russo voltou a elevar a faixa de variação do rublo, promovendo uma correção de 0,25 centavos na moeda.
— A elevação de juro foi uma resposta imediata ao nervosismo dos investidores. Estes países têm problemas estruturais mais sérios, como deterioração das contas públicas, fruto de uma política fiscal expansionista, déficits em transações correntes. A alta do juro ajuda a trazer capital externo de curto prazo, mas não resolve os problemas — diz Rodolfo Oliveira.
Câmbio lidera aplicações do mês
Segundo Tony Volpon, economista da Nomura, o Brasil precisa passar a corrigir sua trajetória para recuperar a confiança dos investidores. O caminho seria elevar a taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 10,5% ao ano, para níveis mais altos, como 13%. A medida ajudaria a trazer a inflação de volta ao centro da meta de 4,5%. O IPCA fechou o ano passado em 5,91%.
— A aproximação das eleições infelizmente constrange reações de política monetária em muitos países. O BC não quer aumentar a Selic para 13%. Mas na atual dinâmica dos mercados, nenhum banco central de país emergente é senhor do seu destino — afirma Volpon.
Nesta sexta, o Ibovespa fechou em alta de 0,84% aos 47.638 pontos. O dólar comercial fechou em queda de 0,12%, a R$ 2,412.
Com a maior queda da Bovespa para meses de janeiro em quase duas décadas, os fundos de investimentos em ações foram as piores aplicações financeiras neste início de ano. Os fundos Ibovespa Ativo perderam 6,44% em janeiro até o dia 28, segundo dados da Associação Brasileira dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Os fundos Ações Livre — categoria que não segue um benchmark (padrão) específico — tiveram perdas de 5,87%. Já os investidores de fundos cambiais — que aplicam principalmente no dólar americano — tiveram a melhor aplicação do mês, com retorno de 2,73%.
Fonte: O Globo